A Lei 9296/96 determina que os autos de interceptação telefônica devam processar-se em apartado aos autos principais, visando à preservação do sigilo externo de seu conteúdo (artigo 8º. “caput”, da Lei 9296/96). Por seu turno, o Parágrafo Único do mesmo dispositivo indica os momentos para a apensação dos autos apartados. No caso do inquérito policial, determina que esta se dê "imediatamente antes do relatório" (artigo 10, § 1º, CPP). No processo, aponta o momento do despacho proferido pelo juiz saneando-o, logo após as alegações finais das partes para sentença.
A lei menciona os artigos 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal Brasileiro. Por óbvio houve na época um lapso na menção do artigo 538 do Código de Processo Penal, pois que este tratava do procedimento nos crimes apenados com "detenção", sendo trivial que a lei restringe a aplicabilidade das interceptações telefônicas aos crimes apenados com reclusão (artigo 2º, III).[1] Atualmente, com o advento das Leis 11.689/08 e 11.719/08, o disposto no artigo 8º. , Parágrafo Único, da Lei 9296/96 está a exigir uma releitura em face das alterações relativas aos procedimentos do Código de Processo Penal, inclusive os relativos ao Tribunal do Júri. Acontece que o artigo 538 ganhou nova redação dada pela Lei 11.719/08, não mais se referindo ao momento de saneamento do processo nos crimes apenados com detenção. Agora, aliás, não mais persiste a definição do procedimento de acordo com a espécie de pena (reclusão ou detenção), mas adota-se o critério inovador da quantidade de pena em abstrato (artigo 394, § 1º., I, II e III, CPP)[2], dividindo-se os procedimentos em ordinário (pena máxima cominada igual ou superior a 4 anos), sumário (pena máxima cominada inferior a 4 anos e superior a 2 anos) e sumaríssimo (Leis 9099/95 e 10.259/01 para pena máxima igual ou inferior a 2 anos). Portanto, a menção do artigo 538, CPP, pela Lei de Interceptação Telefônica tornou-se ainda mais descabida. De outra banda, o artigo 502, CPP, que versava sobre o momento do despacho saneador nos processos dos crimes apenados com reclusão, foi expressamente revogado pelo artigo 3º. da Lei 11.719/08. Ademais, tanto no procedimento ordinário como no sumário, com a concentração da audiência e proferimento imediato da sentença, extinguiu-se o outrora chamado “despacho saneador”, antes apontado como marco para o apensamento dos autos de interceptação. [3] O mesmo ocorre com o procedimento do Júri (artigo 411, § 9º., CPP) onde se eliminou igualmente o saneador antes da sentença de pronúncia outrora previsto no artigo 407, CPP, hoje alterado para tratar do processamento das exceções, de acordo com as novas redações dadas pela Lei 11.689/08.
Dessa forma, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que a menção aos artigos 407, 502 e 538, CPP, contida no artigo 8º. Parágrafo Único da Lei 9296/96, deve ser atualmente desconsiderada, tendo em vista as alterações promovidas no Código de Processo Penal pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08.
O momento de apensação dos autos de interceptação na fase do Inquérito Policial segue o mesmo, sem qualquer alteração, ou seja, imediatamente antes do relatório da Autoridade Policial (artigo 10, § 1º., CPP).[4] Mas, o que dizer do momento da apensação na fase processual em face das alterações supra mencionadas? Sem o marco do despacho saneador, qual seria hoje o momento para a apensação?
A resposta não é difícil de ser encontrada enquanto o legislador não atualiza a Lei 9296/96. O despacho saneador foi eleito como marco na época porque era o último ato antes da sentença. Portanto, tal qual ocorre no Inquérito Policial, em que a apensação se dá imediatamente antes do relatório, não se fazendo referência a qualquer despacho da Autoridade Policial, deve-se proceder também no processo, ou seja, o momento do apensamento é agora imediatamente antes da sentença, independentemente de não mais haver um despacho saneador. Certamente o ideal é que o legislador atualize a redação do artigo 8º., Parágrafo Único da Lei de Interceptação Telefônica, coadunando-o com os novos dispositivos do Código de Processo Penal. Para tanto bastará eliminar a referência aos artigos de lei, apenas consignando que os autos de interceptação deverão ser apensados pelo Juiz imediatamente antes de proferir sua sentença.
Por outro lado cabe salientar que a enumeração dos artigos atinentes à matéria no Código de Processo Penal não era taxativa, sendo fato que em crimes de procedimentos previstos em leis esparsas, o momento do apensamento será o mesmo por analogia, qual seja, "no último instante prévio à sentença".[5]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptações Telefônicas. Lorena: Stiliano, 2000.
DELMANTO, Roberto, DELMANTO JÚNIOR, Roberto. A permissão constitucional e a nova lei de interceptação telefônica. Boletim IBCCrim. São Paulo: IBCCrim, n. 47, p. 2, out., 1996.
GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Interceptação Telefônica.São Paulo: RT, 1997.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCrim, n. 17, jan./mar., p. 112 – 126, 1997.
JESUS, Damásio Evangelista de. Interceptação de Comunicações Telefônicas – Notas à Lei 9296, de 24.07.96. RT. São Paulo: n. 735, jan., p. 458 – 473, 1997.
RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 – Interceptação Telefônica. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , acesso em 26.09.2008.
STRECK, Lênio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
Notas:
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