Parecer n.° 008/09-DMM – Ass. CGP
Referência: Ocorrência Policial n° ____ e Ofício n.º _____
Protocolo n°: _________
Exmª. Sra. Corregedora-Geral de Polícia,
I – Suma dos fatos
Trata-se de Ofício enviado pelo Ilmo. Sr. ____________ que informa fato ocorrido no dia 6 de janeiro de 2009, registrado na __ Delegacia de Polícia sob o n.º ___/2009 envolvendo os Agentes de Polícia M. e A., na Agência do Banco ____ situada em Taguatinga Centro.
Segundo consta da referida ocorrência, inicialmente os Agentes M. e A. ao tentarem adentrar na agência bancária portando suas respectivas armas de fogo, foram impedidos de fazê-lo pelo segurança do banco o qual pediu que aguardassem a chegada do gerente para que liberasse a entrada. Ao que chegou o gerente, identificado apenas como “M. DE TAL”, o mesmo teria mencionado que havia uma portaria da Secretaria de Segurança Pública, impedindo a entrada de policiais armados naquela instituição financeira.
Segundo os relatos dos policiais, o tempo de espera foi de aproximadamente 10 (dez) minutos até a chegada do gerente, sendo que o mesmo mencionara que deveria solicitar autorização junto a superiores no Estado de São Paulo.
Em resumo, os policiais diante da situação, sentiram-se constrangidos com o fato do procedimento adotado por aquela instituição bancária, no que o Sindicato S, na representação dos interesses da categoria policial civil em geral, e dos referidos policiais em particular, solicita providências por parte desta Casa de Correções.
É o breve relato.
II – Do mérito
A questão do porte de arma de policiais civis é tema cuja polêmica se arrastou desde a edição da Lei n.º 9.437/97 que foi revogada in totum pela Lei n.º 10.826/03. Naquela ocasião, a Lei n.º 9.437/97 instituiu o Sistema Nacional de Armas – SINARM e dentre outros dispositivos, omitiu o regramento do porte de arma de autoridades de Estado e seus Agentes, sendo que tal disciplina foi regulamentada por meio do Decreto n.º 2.222 de 8 de maio de 1997.
Todavia, a redação confusa e ambígua do referido decreto deixou pairando sobre as instituições policiais e seus membros muitas dúvidas, sendo que naquela ocasião não foram poucos os casos em que policiais das diversas instituições e corporações foram autuados em flagrante por porte ilegal de arma.
Vejamos o que dizia referido decreto, acerca do porte de arma dos policiais civis e militares, tomando-se como foco o regulamento específico aplicado aos policiais civis, conforme transcrição in verbis:
Art. 27 O porte de arma de fogo das praças das Forças Armadas e dos Policiais e Bombeiros Militares é regulado por legislação própria, por ato do respectivo Ministro ou Comandante Geral.
Parágrafo único. Os policiais e bombeiros militares têm porte de arma restrito aos limites da Unidade da Federação na qual estejam domiciliados, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.
Art. 28 O porte de arma de fogo é inerente aos policiais federais, policiais civis, policiais militares e bombeiros militares.
§ 1° Os policiais civis e militares e os bombeiros militares somente poderão portar arma de fogo nos limites da Unidade da Federação em que exercem suas atividades, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.
§ 2° Os servidores referidos neste artigo sujeitar-se-ão, naquilo que lhes for peculiar, às normas, deveres e restrições constantes dos estatutos ou dos atos normativos a eles aplicáveis. (grifei)
Veja-se que no caput do Art. 27 e no seu parágrafo único, o decreto disciplina o porte dos policiais e bombeiros militares, sendo que no § 1º do Art. 28, o decreto volta a repetir a redação no que pertine a tais servidores, contudo, quanto aos servidores policiais civis, mencionados apenas no Art. 28, ficaram as mesmas regras, vedando o porte além das divisas estaduais.
Ao mesmo tempo, o decreto propiciou que as Unidades da Federação pudessem estabelecer convênio de validade recíproca para o porte de seus policiais, somente permitindo que o acordo se desse em estados limítrofes.
Com o advento da Lei n.º 10.826/03, o denominado Estatuto do Desarmamento, criou-se uma nova disciplina legal, sendo que a princípio, referida lei que prometia ser a cura completa para os males da segurança pública, revelou-se um verdadeiro equívoco, gerando com o decorrer do tempo diversas alterações legislativas posteriores, um referendo que foi terminantemente não aceito pela população civil, além de diversas críticas de diversos setores da sociedade organizada.
O fato é que, o porte de arma de fogo foi previsto no Art. 6º da novel legislação, contemplando inicialmente o porte apenas para as seguintes categorias funcionais: integrantes das Forças Armadas, membros dos órgãos previstos no Art. 144 da CF (incluindo as Polícias Civis), os integrantes das Guardas Municipais em Municípios com mais de 250.000 (duzentos e cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço, os Agentes operacionais da ABIN e do GSI, os membros das Polícias Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os Agentes prisionais, de escolta de presos e de guardas portuárias, os funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores nos termos da referida lei e, finalmente, os integrantes de entidades de desporto cujas atividades exijam o porte de arma de fogo, nos termos do regulamento da lei.
Posteriormente, o rol de pessoas autorizadas a portarem armas de fogo foi ampliado, abarcando nos termos da Lei n.º 11.118/05, os membros das carreiras de Auditores Fiscais e Técnicos da Receita Federal que, posteriormente, conforme redação dada ao inciso X do Art. 6º da Lei n.º 10.826/03 pela Lei n.º 11.501/07, passou a ser os integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho.
Os §§ 1º e 2º do Art. 6ª da Lei n.º 10.826/03, que regulamentavam o porte dos policiais civis, dentre outras carreiras, sofreram diversas alterações, sendo que finalmente a Lei n.º 11.706/08, trouxe a redação atual, nos seguintes termos:
§ 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 2o A autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X do caput deste artigo está condicionada à comprovação do requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4o desta Lei nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (grifei e negritei)
Vejamos, pois, as conseqüências jurídicas do que dispõe a redação atual da lei. Inicialmente, cumpre-se trazer a baila dispositivos do Decreto n.º 5.123/04, que regulamenta a Lei n.º 10.826/03, tendo em vista que o § 1º, supra, determina que o porte de arma de fogo aos integrantes das Polícias Civis (Art. 6º, inc. II da Lei n.º 10.826/03), será deferido nos termos do regulamento. Diz, inicialmente, o Art. 34 do referido Decreto:
Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normativos internos, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007)
Pois bem. O Decreto em comento deferiu às instituições e corporações policiais a prerrogativa de elaborarem as normas interna corporis para a utilização de armas de fogo de suas respectivas propriedades, ou seja, armas de fogo adquiridas pelo Poder Público utilizadas pelos membros das instituições, ainda que tal utilização se desse fora do serviço.
Já quanto às armas de propriedade dos membros das instituições e corporações policiais, bem como acerca da utilização de arma de fogo fora das respectivas unidades da federação, o Decreto n.º 5.123/04 previu o seguinte:
Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais.
§ 1o O Porte de Arma de Fogo das praças das Forças Armadas e dos Policiais e Corpos de Bombeiros Militares é regulado em norma específica, por atos dos Comandantes das Forças Singulares e dos Comandantes-Gerais das Corporações.
§ 2o Os integrantes das polícias civis estaduais e das Forças Auxiliares, quando no exercício de suas funções institucionais ou em trânsito, poderão portar arma de fogo fora da respectiva unidade federativa, desde que expressamente autorizados pela instituição a que pertençam, por prazo determinado, conforme estabelecido em normas próprias.
(...) omissis
Art. 35. Poderá ser autorizado, em casos excepcionais, pelo órgão competente, o uso, em serviço, de arma de fogo, de propriedade particular do integrante dos órgãos, instituições ou corporações mencionadas no inciso II do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003.
§ 1o A autorização mencionada no caput será regulamentada em ato próprio do órgão competente.
§ 2o A arma de fogo de que trata este artigo deverá ser conduzida com o seu respectivo Certificado de Registro. (negritei)
Percebe-se que quanto ao que consta no § 2º do Art. 33, bem como no Art. 35, § 1º, ambos do Decreto n.º 5.123/04, o mesmos perderam total eficácia diante do que dispõe o Art. 6º, § 1º da Lei n.º 10.826/03, que autorizou o porte de arma de fogo a todos os policiais civis, militares, federais, rodoviários federais, membros das Forças Armadas, policiais legislativos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e membros da ABIN e GSI, em âmbito nacional, tanto de armas de fogo de propriedade das instituições, corporações e órgãos, como de propriedade particular do servidor.
Ou seja, no caso dos Policiais Civis do Distrito Federal, qualquer servidor policial possui a prerrogativa deferida em lei, de portar arma de fogo da PCDF ou particular, desde que devidamente registrada, em qualquer parte do território nacional, independentemente de prévia autorização de autoridade superior.
Isto porque, o porte de arma de fogo pelo policial é conditio sine qua non para o bom exercício da atividade policial, a qualquer hora, em qualquer lugar e em qualquer situação que exija a pronta e imediata atuação do servidor.
Daí que não há norma, seja ela expedida pelo Poder Executivo Federal ou Distrital, inclusive de seus órgãos da administração direta, notadamente a Secretaria de Segurança Pública, que possa diante do atual arcabouço legal, revogar tal prerrogativa. Ainda mais levando-se em conta que a PCDF possui nos termos da Lei Distrital 937/94 autonomia administrativa, decorrente do fato de que o § 6º do Art. 144 da Constituição Federal determina que as Polícias Civis, militares e Corpos de Bombeiros Militares SUBORDINAM-SE aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios, eliminando qualquer ingerência político-administrativa por qualquer outra pasta ou Secretaria.
No caso tela, afigura-se bastante atípica a conduta adotada pelo Gerente do Banco Real “M. DE TAL”, em causar embaraços, quaisquer que sejam ao pleno exercício de prerrogativas legais dos policiais civis M. e A. inerentes ao porte de arma.
Deduz-se, portanto, que se constitui ato contra legem e eivado de ilicitude, o que foi, em tese, praticado por qualquer funcionário ou preposto da referida instituição bancária, podendo-se, inclusive, caracterizar o crime de desobediência previsto no Art. 330 do Código Penal que impeça a entrada do policial armado, uma vez que se qualquer policial requisitar sua entrada, a mesma deve ser de imediato franqueada, após a identificação do policial civil e não sonegada, como faz parecer o que do expediente consta.
III - Conclusão
Diante de tais argumentos e dos fatos que foram comunicados a esta CGP e,
CONSIDERANDO o porte de arma de fogo dos servidores das Carreiras de Delegado de Polícia do DF e de Polícia Civil do DF, é prerrogativa legal inerente ao exercício das funções institucionais dos membros desta PCDF;
CONSIDERANDO que nos termos do Art. 6º, § 1º da Lei n.º 10.826/03, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11.706/08, foi definitivamente reconhecido o direito de o policial civil portar arma de fogo de propriedade da PCDF ou de propriedade particular, desde que devidamente registrada, em qualquer ponto do território nacional, independentemente de convênio, autorização, ordem de serviço ou de missão;
CONSIDERANDO que os membros das Carreiras de Delegado de Polícia do DF e de Polícia Civil do DF estão submetidos a regramento jurídico diferenciado que prevê a aplicação de sanções disciplinares e penais nos termos das leis 4.878/65, 4.898/65 e 8.112/90 em caso de abuso de poder e/ou desvio de conduta;
CONSIDERANDO que é vedado a qualquer particular, preposto ou funcionário de estabelecimento comercial público e sujeito à fiscalização da Polícia impedir ou causar qualquer embaraço ao pleno exercício das atribuições e prerrogativas deferidas por Lei aos servidores policiais civis;
CONSIDERANDO que os fatos cujo conhecimento chegou a esta Corregedoria-Geral de Polícia por meio do presente expediente, são graves e podem ter repercussões a toda a Instituição Policial Civil, eis que pode caracterizar violação de prerrogativa legal;
CONSIDERANDO, ainda, que os fatos narrados no presente expediente podem, em tese, caracterizar o crime de desobediência, previsto no Art. 330 do Código Penal e,
CONSIDERANDO as atribuições previstas no Art. 14, incisos IV e VI da NGA,
Este signatário sugere, salvo melhor juízo, que venham a ser adotadas as seguintes providências:
a) Seja de imediato a Ocorrência n.º xxx/2009-aª DP apurada por esta Corregedoria-Geral de Polícia, comunicando-se tal medida àquela Circunscricional e solicitando-se, desde já, o envio de todas as peças de informação eventualmente produzidas e,
b) Seja divulgado por meio do sítio da Polícia Civil do Distrito Federal na internet, informação acerca do porte de arma do policial civil, suas prerrogativas e procedimentos a serem adotados quando da identificação do servidor armado em locais públicos, como forma de esclarecimento prévio.
É o parecer, sub censura.
Assessoria da CGP, em 19 de janeiro de 2009.
Daniel Malvazzo Machado
Delegado de Polícia
Delegado de Polícia do DF, professor universitário de Direito Penal e Administrativo da UDF e atualmente ocupa o cargo de Assessor da Corregedoria-Geral de Polícia. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Daniel Malvazzo. Parecer sobre entrada de policiais civis armados em instuições bancárias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2009, 01:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16734/parecer-sobre-entrada-de-policiais-civis-armados-em-instuicoes-bancarias. Acesso em: 22 nov 2024.
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