I. INTRODUÇÃO
Ao ser estudada a história da persecução penal, é notado o quase total desinteresse do Estado em assumir tal múnus, que não raro foi deixado à iniciativa do particular (seja do próprio ofendido, seja de um cidadão qualquer).
Na Roma primitiva, por exemplo, conferia-se ao paterfamiliae grande parcela da potestade punitiva, especialmente em relação aos seus escravos. Eram previstas penas de caráter perpétuo, com trabalhos forçados, impostas a pessoas de classes inferiores, duráveis até o esgotamento da capacidade de trabalho do apenado. Com a República, assume o Estado o monopólio da justiça punitiva. A pena de morte é reduzida, dando-se preferência ao exílio e à deportação, ao lado de penas de trabalhos forçados.
Já no Direito Germânico, observa FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO que “o crime (verbrechen) era uma forma de “quebrar” (brechen) a paz... “um procurar sofrimento (Wehtun)”... A palavra latina poena, de que derivou pena, entre inúmeros sentidos, tinha também o significado de “dor”, “sofrimento” [1]. Era, todavia, um dever imposto à família para vingar com sangue suas vítimas, embora comportando composição, dado o seu caráter eminentemente privado. A prisão possui, a esse tempo, uma função meramente de custódia.
A vingança privada, marca do direito germânico, se expressava na faida (vindita de sangue), eventualmente substituída pelo wehrgeld (resgate pecuniário), cabendo ao ofensor o pagamento do fredum, como um preço pago ao Estado para custear a sua tarefa medianeira na obtenção da paz, instituto que, como observa A. THOMPSON, deu origem à coima do sistema lusitano.[2]
Durante a Idade Média, surgiram outras formas de justiça criminal, merecendo destaque a adotada pela jurisdição eclesiástica da “Santa” Inquisição e a jurisdição secular, adotada com apoio no direito comum (romano-canônico) e nos costumes locais, principalmente os que foram sedimentados pelo amálgama entre os povos originários da Europa e os bárbaros que, a partir do Século V, foram-se instalando naquele continente.
Ao contrário do que se costuma dizer, a Inquisição não se apresentou com pioneiro modelo cruel de se realizar justiça, mas apenas reverberou, com o paradoxo de ser uma justiça praticada em nome de Deus, o que era rotina no Direito secular a ela contemporâneo, também carregado de impiedosa ferocidade, mercê de um espírito vindicativo e utilitário que animava a persecução penal.
Conforme salienta BERNARDINO[3], o direito secular medieval impunha, com valor de vingança, uma determinada pena de caráter e com fim de utilidade para o Estado. “A sanção capital era desde logo útil porque eliminava uma malfazeja. A mais saliente e constante utilidade procurada, todavia, encontrava-se na idéia de escarmento, com vistas à manutenção da ordem pública: a punição imposta ao criminoso devia ser exemplar, irradiando-se pela coletividade, a fim de incutir pavor e convencer os cidadãos a bem se comportarem; para o que convinha fosse a pena rigorosa e executada com grande publicidade. Outros benefícios ocasionais ainda podiam ser visados: a condenação a trabalhos forçados nas minas, nas galeras, etc., fornecia ao Estado mão-de-obra escrava, praticamente gratuita; o envio de delinqüentes às colônias garantia a posse destas e contribuía para desenvolvimento; as medidas patrimoniais, mormente a confiscação de bens, constituíam fonte de receitas para os cofres públicos. Inexistia, no Direito comum, a noção de pena regeneradora, destinada ao aperfeiçoamento moral do condenado.”
Já para a Igreja, o crime era considerado um pecado e, portanto, a pena era vista como uma penitência que devia levar o condenado/pecador a refletir, a corrigir-se para não voltar a pecar e, portanto, a salvar a sua alma. Para tanto, era necessário o seu recolhimento a um local sóbrio, com atividades que estimulassem a reflexão. Até por não admitir a pena capital, a Igreja possuía os chamados penitenciais, locais para os que desejavam melhorar espiritualmente por meio de penitência voluntária, e os penitenciários, destinados aos condenados que eram obrigados a fazer penitência (aqui já como uma pena imposta pela justiça eclesiástica).
Os penitenciários, precursores das prisões da Idade Moderna, nada mais eram do que lugares de confinamento provisório, e não de execução de pena, pois, até então, a prisão exercia uma função similar à da atual prisão cautelar, destinada a abrigar o preso enquanto não julgado.[4]
A sua vez, o direito criminal praticado na península ibérica, mormente com as invasões bárbaras, e, particularmente, sob o predomínio dos visigodos ocorrido desde o Século VI, regeu-se pelo conhecido Código Visigótico, de 652. Tido como uma notável combinação entre o Direito germânico e o romano, o Lex Visigotorum foi, dos diplomas bárbaros, o que mais se deixou influenciar pelo romanismo.
No terreno criminal, a despeito de moderno para os padrões morais da época, o Código Visigótico ainda era marcado pelo terrorismo da pena, que se materializava pela morte (simples ou acompanhada de maus tratos e infâmia), mutilação, açoites, descalvação, arrancamento de olhos, exílio e desterro, talião, escravidão ... [5]
Ao Código Visigótico seguiu-se a Lei das Sete Partidas, que, segundo se afirmou, foi o corpo legislativo mais completo de Direito Público e Privado que se realizou entre as nações européias de então. No direito lusitano, porém, a Lei das Sete Partidas, mercê da exaltação nacionalista do povo recém erguido à condição de Estado soberano, acabou sendo substituída pelas Ordenações Afonsinas (1446), Manoelinas (1521) e Filipinas (1603).
Conquanto às Ordenações Afonsinas se possa atribuir o mérito de seu pioneirismo no direito português, as Ordenações Filipinas foram as que maior influência exerceram sobre nós, dado o longo período de sua vigência no Brasil, quase 230 anos no terreno criminal (Livro V).[6]
Em todos esses sistemas punitivos, pode-se identificar uma característica bem nítida: o indivíduo, enquanto mero suspeito de um desvio de conduta, via-se totalmente desprotegido diante do Estado punitivo, gozando do status de simples objeto de investigação.
A irracionalidade – aos olhos do observador atual – era patente, tanto nas formas procedimentais (principalmente nos atos de instrução, a exemplo dos juízos de deus, dos duelos e das provas tarifadas), quanto na qualidade e quantidade das sanções e, mais ainda, no modo cruel e bizarro de executá-las.
II. MUDANÇAS NO CENÁRIO EUROPEU
Assim, de um modo geral, todos os sistemas punitivos que vigoraram na Antigüidade e na Idade Média eram marcados pela dor, pelo sofrimento, pela tortura, pelo abuso, pela infâmia, pela morte, pelo aniquilamento físico e moral do indivíduo sobre quem recaía alguma acusação criminal.
Mas em meio a esse quadro histórico, começam a surgir os primeiros movimentos de reforma do sistema criminal, notadamente no que dizia com as penas e seu cumprimento.
É, realmente, no Século XVII que se notam pioneiras preocupações com a pessoa do preso, graças à afluência de ideais iluministas, que fez surgir nomes marcantes na história do direito penal penitenciário, tais como Cesare Bonesana, conhecido como Marquês de BECCARIA, JOHN HOWARD e JEREMY BENTHAM.
Herdamos, de BECCARIA, a paradigmática obra “Dos delitos e das penas”, em que o iluminista condena idéias até então considerados legítimas, tais como a desproporção e desigualdade da pena, o direito de vingança, a atrocidade dos suplícios, o confisco, a pena de morte, os julgamentos secretos e o juramento imposto aos acusados para que dissessem a verdade, sendo de ressaltar que muitas dessas idéias não eram propriamente originais.
O maior mérito de BECCARIA, além do conteúdo da obra em si, foi o de defender suas idéias de forma simples, facilmente compreensível pelo homem do povo, o que explica, talvez, o enorme sucesso do seu famoso livro.
Por sua vez, JOHN HOWARD, legando-nos um angustiante relato das prisões européias, postulava que a pena dependia, para atingir seu fim emendativo, de quatro fatores básicos: higiene, disciplina, economia e assistência religiosa. Insistia, assim, para que as prisões fossem limpas, bem ventiladas, com boa alimentação, exigindo-se asseio corporal e sanitário dos presos; os funcionários das prisões, por sua vez, deveriam ser treinados e controlados pelo Judiciário, o que pode ter sido, então, o germe para a criação de varas ou tribunais especializados nos assuntos relativos ao cumprimento das penas; deveria haver separação entre os condenados, de acordo com o delito cometido, sendo-lhes oportunizado o trabalho, como forma de não onerar excessivamente os cofres do Estado com a manutenção do preso; previa-se, ainda, que os condenados deveriam ouvir leituras religiosas de cunho moral.
Já a J. BENTHAM tocou o florescimento da idéia do utilitarismo, que, aplicada ao sistema penitenciário, implicava a necessidade de atentar-se para a arquitetura das prisões, de que derivou o estilo panótico, difundido, então, para todo o mundo ocidental. Foi o primeiro a valer-se das expressões “prevenção geral e especial”, ressaltando ser prioritária a primeira, com o que retira o caráter de vingança da pena, que passa a ter o fim utilitarista de impedir ou inibir a prática de crimes por outros potenciais criminosos.
É o ocaso do velho modelo criminal. Como observa FOUCAULT, em sua celebérrima obra [7]: “No fim do século XVIII e começo do XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai-se extinguindo. Nessa transformação, misturaram-se dois processos. Não tiveram nem a mesma cronologia nem as mesmas razões de ser. De um lado, a supressão do espetáculo punitivo. O cerimonial da pena vai sendo obliterado e passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou de administração. A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecia por breve tempo; o pelourinho foi supresso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em 1837. As obras públicas que a Áustria, a Suíça e algumas províncias americanas como a Pensilvânia obrigavam a fazer em plena rua ou nas estradas - condenados com coleiras de ferro, em vestes multicores, grilhetas nos pés, trocando com o povo desafios, injúrias, zombarias, pancadas, sinais de rancor ou de cumplicidade - são eliminados mais ou menos em toda parte no fim do século XVIII, ou na primeira metade do século XIX. O suplicio de exposição do condenado foi mantido na França até 1831, apesar das críticas violentas - “cena repugnante”, dizia Réal, ela é finalmente abolida em abril de 1848. Quanto às cadeias que arrastavam os condenados a serviços forçados através de toda a França, até Brest e Toulon, foram substituídas; em 1837 por decentes carruagens celulares, pintadas de preto. A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a freqüência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração. Beccaria há muito dissera: O assassinato que nos é apresentado como um crime horrível, vemo-lo sendo cometido friamente, cem remorso.”
Em Portugal, também se percebe o surgimento dos ideais iluministas, em boa hora, a partir do reinado de Dª Maria, com o afastamento do Marques de Pombal, responsável, no reinado anterior de D. José I, pela revitalização de alguns esquecidos dispositivos das Ordenações Filipinas, dos quais lançou mão para, com prodigalidade, levar a cabo execuções capitais das mais cruéis.[8]
O próximo passo nessa direção foi a determinação para que se substituíssem as Ordenações Filipinas, já, de muito, anacrônicas. Cumprindo seu mister, Pascoal José de MELLO FREIRE dos Reis apresenta, em 1789, o Projecto de Código de Direito Criminal, o qual, seguramente, estava na vanguarda de seu tempo.
Crítico fervoroso das ordenações, notadamente de suas penas e da previsão de tortura como meio de obtenção da prova, MELLO FREIRE alinhou treze princípios a que chamou “axiomas criminais”, sobre os quais assentou a sua obra. Posto que extenso, julgamos interessante transcreve o rol desses axiomas:
"1 - 'É melhor deixar impune um crime que condenar um inocente; por isso, maior dano vem à sociedade da condenação dum inocente que da absolvição dum culpado.
2 - Antes da sentença condenatória o réu deve ser tido como inocente.
3 - No foro criminal apenas se deve admitir a prova plena e perfeita.
4 - Quanto maior e mais grave for o delito, tanto maior deve ser a prova.
5 - A pena a ser infligida deve ser inteiramente proporcionada à quantidade e gravidade do delito e à maldade do delinqüente.
6 - Não há delito nenhum sem vontade certa de delinqüir.
7 - A sua medida é o mal causado à humanidade.
8 - Na imposição das penas somente se deve olhar à utilidade pública.
9 - As penas foram estabelecidas, não tanto para punir, como para prevenir os crimes.
10 - Somente se devem castigar os verdadeiros delinqüentes ou os quase delinqüentes.
11 - É justa a pena que impede o criminoso de voltar a fazer o mal.
12 - E é, pelo contrário, injusta a que for inútil ou cruel.
13 - A atrocidade das penas gera a impunidade e a indulgência do. delito, que são as coisas mais funestas que há para a saúde pública." [9]
IV. REFLEXOS ILUMINISTAS NO BRASIL
Como não poderia deixar de ser, o Brasil de então recebe toda essa carga renovadora, cumprindo registrar que, antes mesmo da Constituição portuguesa de 1822, já se via materializado em ato do Príncipe Regente (Aviso de 23 de maio de 1821) a ordem para
"4º - que, em caso nenhum, possa alguém ser lançado em segredo ou masmorra estreita, escura, ou infecta, pois a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagelar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes, algemas, grilhões e outros quaisquer ferros inventados para martirizar homens ainda não julgados, a sofrer qualquer pena aflitiva”.
Três anos depois, já independente, o Brasil recebe a Constituição de 25 de março de 1824, cujo art. 179 é significativo, ao prever que:
"11- Ninguém será sentenciado sendo pela autoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ela prescrita. (...) 19 - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as penas cruéis. 20 - Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Portanto, não haverá, em caso algum, confiscação de bens; nem a infâmia do réu se transmitira aos parentes em qualquer grau que seja. 21 - As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes” (...).
V. OS CÓDIGOS IMPERIAIS
Nessa ambiência iluminista se produzem o Código Criminal de 1830 e o Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832.
Tão logo proclamada a independência do Brasil, e promulgada a nossa primeira Constituição, percebe-se uma nítida mudança de rumo em nosso modelo punitivo. O art. 179 da Carta de 1824 definia os “direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”, estabelecendo direitos e garantias no processo penal. Em alguns de seus parágrafos, vê-se a proibição de prisão arbitrária, a instituição do juiz previamente competente, a exigência de nota de culpa para os presos etc.
Com esse espírito renovador veio a lume o nosso Código Criminal de 1830, que colheu subsídios nos códigos criminais da França, da Louisiana e da Baviera, e inspirou, por sua vez, a feitura de outros diplomas penais, dentre os quais o código da Rússia, o da Espanha, e de vários países da América Latina.
Destacou LADISLAU THOT[10], mencionado por VICENTE DE PAULO VICENTE DE AZEVEDO “...que o Código Penal de 1830 assignala um capitulo especialmente importante no desenvolvimento histórico do direito penal e da política criminal. E a sua significação universal consiste em que, por um lado, chegou a reconhecer, como boa medida, as idéas politico-criminaes geraes, e por outro estabeleceu, também, elle mesmo, novos e interessantes criterios dogmaticos e politico-criminaes”.
Foi, sem dúvida, um grande monumento da cultura penal brasileira o código imperial. Não apenas pela sua clareza, concisão e estilo do texto, mas, principalmente, pela coragem em romper com dogmas e tradições que perduravam há séculos. Foi, sem dúvida, um diploma punitivo muito superior ao que se produziria 59 anos depois.[11]
Basta um passar-de-olhos pelos seus dispositivos para se perceber quão avançado era, para os padrões da época, esse notável diploma legal. Preceitos que, espantosamente, reproduziam uma retração do Direito Penal ao mínimo necessário à proteção dos bens, como, por exemplo, se percebe na análise dos crimes contra o patrimônio. Deveras, para o crime de furto (art. 257) previa-se uma pena mínima de dois meses, muito inferior àquela hoje prevista no Código Penal de 1940.
Por sua vez, o Código de Processo Criminal do Império, também fortemente influenciado pelo pensamento iluminista, apresentou-se como um código liberal e evidentemente muito superior às rudimentares ordenações portuguesas, fugindo do modelo napoleônico (processo reformado) e deixando-se permear por institutos ingleses – que sempre se mantiveram distantes dos sistemas inquisitivos medievais – como o Tribunal do Júri e o Hábeas Corpus.
É bem verdade que, poucos anos depois nossa incipiente nação enveredou-se por um período que passou a ser conhecido por policialismo judiciário, durante o qual policiais detinham funções judiciais e juízes, funções policiais. Exemplo disso era a nomeação de Desembargadores e Juízes de Direito, escolhidos pelo Imperador ou pelos Presidentes das Província para exercerem, também, a função de Chefe de Polícia e Delegado.
Essa reação conservadora foi mitigada em 1871, pela Lei nº 2.33 e pelo Decreto nº 4.824, que novamente separaram o Judiciário da Polícia, criando a figura do inquérito policial e reformando a organização judiciária.
VI. QUADRO DA POLÍTICA REPRESSIVA NO BRASIL IMPERIAL
Vimos que, até a promulgação do Código de 1830, o direito penal brasileiro regia-se pelas vetustas Ordenações Filipinas, documento totalmente anacrônico para uma centúria em que não mais cabiam previsões indiscriminadas de sanções penais para quase toda sorte de crime, sanções essas que, a par de seu nítido irracionalismo, eram de uma crueldade e primitivismo inauditos.
No plano legal, como já mencionamos, houve uma ruptura com esse “modo-de-punir”, mas ainda estava a sociedade brasileira do Século XIX marcada por uma tradição punitiva difícil de, a um passe de mágica, desaparecer.
Exemplo nítido desse hiato entre o que estava na lei e na Constituição (law on the books) e o que se realizava na prática (law in action) era a aplicação da pena de açoites e o uso da tortura, banidas pela Constituição de 1824 (art. 179, nº 19).
No que concerne aos açoites, o Código Criminal ignorou a Constituição e, na ausência total de uma tradição constitucionalista no Brasil,[12] essa forma de punição foi tolerada durante todo o Império, obviamente limitada à classe dos escravos, cuja punição era estimulada pelo Estado, que, inclusive, provia o local e os meios para a inflição de tão infamante pena.[13]
Já sobre a tortura, muito embora tenha sido banida, oficialmente, do direito brasileiro com a nova ordem constitucional, o fato é que jamais deixou ela de ser utilizada pela Polícia como meio não apenas de obtenção de prova, mas também de punição sumária.
A propósito, o cariz policialesco do sistema punitivo brasileiro, cuja completa abolição ainda não se logrou obter, tem seu grande momento no Brasil imperial. Conforme observa HOLLOWAY [14], “Na década de 1830, liberais autoritários como Diogo Antônio Feijó substituíram as indiscriminadas “ceias de camarão” de Vidigal pela aplicação comedida de açoites, golpes com o dorso do sabre, ou cacetadas. Espancar no ato da prisão continuou sendo algo rotineiro, como punição por supostas transgressões e também - o que era muito importante - para inspirar respeito à autoridade ou incutir medo nos virtuais transgressores, o que acabava gerando mais ódio. A história do que hoje denominamos brutalidade policial não é o resultado involuntário da incorporação de sádicos amorais num setor repulsivo do serviço público. (...) A função disciplinar, que permitia à própria polícia impor o castigo, esteve por muito tempo explicitamente incorporada nos procedimentos operacionais. De 1808 a 1831 ela ainda fez parte da definição mais ampla de polícia, sendo considerada necessária para manter as coisas funcionando, assim como o eram o suprimento de mercadorias, o abastecimento de água e a pavimentação das ruas. Seguiu-se depois a experiência de uma década em que se delegou a autoridade sobre os pequenos crimes aos juízes de paz, que foram rapidamente absorvidos nos níveis inferiores do sistema policial. Depois de 1841, a função punitiva ficou a cargo de delgados e subdelegados, conforme disposto pela reforma conservador do código de processo criminal, e das burocracias centralizadas. Em 1871, os funcionários de polícia locais foram privados de sua autoridade judicial, e a detenção correcional sem acusação formal continuou sendo a sina de milhares de indivíduos todos os anos, escravos e livres.”
Esse modelo de punição sumária e arbitrária tinha como principal destinatário o negro escravo. A abolição da escravatura, porém, não interrompeu essa tradição, tendo apenas ocorrido mudança no alvo principal da atividade repressiva policial: num primeiro momento, os imigrantes e os ex-escravos; em seguida, todas as classes assim consideradas “inferiores”.[15]
Ao lado desse poderio das forças policiais, assiste-se a uma tolerância do Estado em relação às práticas punitivas domésticas que coloca as entidades privadas, amiúde, acima das entidades públicas. É o poder dos senhorios rurais, encontrado também nos emergentes centros urbanos, após o declínio da velha lavoura.
Exemplo dessa “jurisdição de fato” nos é dado por BUARQUE DE HOLANDA[16], quando relata episódio em que “um Bernardo Vieira de Melo, suspeitando da nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar a sentença, sem que a Justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que deu ao fato o próprio criminoso”.
E o que dizer do sistema penitenciário? Desprovido de qualquer política criminal e penitenciária, o Estado, após a “natural” seleção das pessoas que eram ou podiam ser alcançadas pelo aparato repressivo [17], impunha aos “escolhidos” condições subumanas de cumprimento de suas penas. É bem verdade que não se poderia esperar que a pena de prisão, erigindo-se a uma das principais sanções criminais, contrariamente ao que ocorria até então, viesse a ser executada de forma digna, em uma nação ainda tão atrasada cultural e economicamente.
Isso não impediu, porém, que se levantassem vozes contra as péssimas e sórdidas condições dos estabelecimentos prisionais[18]. Em relação a um dos mais famosos presídios do Império, a Cadeia do Aljube (antigo cárcere eclesiástico requisitado à Igreja em 1808 para servir de prisão para criminosos comuns), assim expressou-se uma comissão de inspeção enviada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro: “O aspecto dos presos nos faz tremer de horror. Mal cobertos de trapos imundos, eles nos cercam por todos os lados e clamam contra quem os enviou para semelhante suplício, sem os ter condenado por crime ou delito algum”.[19]
De fato, a indicar o total descontrole com a situação penitenciária, comprovou-se que, em 1833, dos 340 prisioneiros encontrados no Aljube, 43 não tinham registros, ou seja, não se sabia o porquê de ali estarem presos, qual a sua sentença ou quanto de sua pena já haviam cumprido [20].
No Código Criminal do Império previam-se as seguintes penas: morte (art. 38), galés (art. 44), prisão com trabalho (art. 46), prisão simples (art. 47), banimento (art. 50), degredo (art. 51), desterro (art. 52), multa (art. 55), suspensão e perda do cargo (58 e 59) e açoites (art. 60).
No Código Penal de 1890, não mais tinham lugar as penas de morte, galés, degredo, desterro e de açoites, cabendo outras, como a interdição (art. 55) e a prisão disciplinar (art. 49), além de outras que foram mantidas, com pequenas variações terminológicas e na forma de seu cumprimento, a saber, a prisão celular (art. 45), a reclusão (art. 47), a prisão com trabalho (art. 48), a suspensão e perda do emprego público (artigos 56 e 57) e a multa (art. 58).
Já nesse simples rol de penas adotadas pelos dois códigos examinados se pode extrair a conclusão do significativo avanço humanizador do diploma republicano em relação ao imperial. Confirmando a assertiva de MIGUEL REALE JÚNIOR, de que “... a história do Direito Penal é a história de uma constante abolição” [21], o legislador de 1890 não apenas aboliu as penas aludidas no parágrafo anterior, como estabeleceu outras iniciativas tendentes a minimizar os efeitos deletérios e negativos das penas.
Assim, inovou ao prever a temporariedade das penas, garantindo também que o condenado a penas privativas de liberdade não cumprisse, efetivamente, mais do que 30 anos de prisão (artigos 44 e 66, § 4º); fixou prazos prescricionais para a punição dos crimes (artigos 78 a 85); declarou não haver penas com caráter infamante (art. 44).
Digna de constatação é a mudança que se operou, a partir do Código de 1830, na modalidade principal de sanção: a pena de morte e os suplícios, que grassavam no Antigo Regime com insólita facilidade, passam a constituir medida punitiva excepcional, erguendo-se a pena privativa de liberdade, nas suas várias espécies (tanto no código imperial quanto no republicano), como a forma mais usual de se impingir punição ao violador da lei penal.
No que concerne à pena capital, impende salientar que, por pouco, já não foi ela abolida por ocasião de nosso primeiro código penal, como se percebe pela leitura do seguinte trecho do parecer da Comissão Mista (formada por membros do Senado e da Câmara) que examinou os projetos CLEMENTE e VASCONCELOS: “A comissão desejou supprimir a pena de morte, cuja utilidade raríssimas vezes compensa o horror causado na sua applicação, principalmente no meio de um povo de costumes doces, qual o brasileiro; porém o estado actual da nossa população, em que a educação primária não póde ser geral, deixa vêr hypotheses, em que seria indispensavel; tendo a consolar-se desta triste necessidade com a providencia da lei que prohibe a execução de tal pena, sem o consentimento do Poder Moderador, que seguramente o recusará quando convier a substituição”[22].
De qualquer modo, a manutenção da pena de morte no código imperial[23] já representou um grande avanço no aspecto relativo à sua execução. Deveras, as punições no Antigo Regime constituíam um grandioso momento da vida social, no qual o espetáculo infamante, misto de afirmação do poder do soberano e de exemplaridade da punição, era o mais importante. O ritual da pena de morte principiava-se com a publicidade que se dava à execução, ao cortejo pelas ruas da cidade e, por último, à cruel inflição de suplícios ao condenado, que era impiedosamente humilhado, torturado e morto à frente de todos.
Nesse contexto, se explicava o significado da expressão “mil mortes”. Segundo SILVIA LARA[24], não se tratava simplesmente de matar o criminoso, “...mas de relacionar a gravidade de sua falta ao rigor da punição, fazer com que o sofrimento do condenado inspire temor e sirva de exemplo, expiando suas culpas e restaurando o poder real violado pelo crime em toda a sua força e plenitude. Uma só morte não bastava: criou-se um repertório de mortes, uma tecnologia para fazer morrer, de vários modos e em tempos diversos” (morte “por ello”, morte natural, morte natural na forca ou no pelourinho, morte natural na forca para sempre etc).
Impõe sublinhar que a pena de morte, geralmente utilizada contra escravos, foi paulatinamente sendo abandonada, de fato, durante o Império, por sucessivas graças do Imperador, não se tendo, aliás, registrado qualquer nova execução contra homens livres após o ano de 1855, quando um fazendeiro da região de Macaé (RJ), de nome Manuel da MOTA COQUEIRO, acusado de matar um casal e seus seis filhos, morreu na forca, restando a suspeita de ter ocorrido um grave erro judiciário.
Saliente-se, ainda, que o corpo do enforcado era entregue aos seus parentes e amigos, com a proibição, todavia, de ser sepultado “com pompa, sob pena de prisão por um mez a um anno” (art. 42), sendo, outrossim, adiada a execução da pena de morte em “mulher prenhe” para depois do 40º dia do parto (art. 43).
Embora de menor gravidade em relação à pena de morte, já que, bem ou mal, ainda preserva a vida humana, é incontestável que a pena de açoites representava uma ignomínia tão grande quanto a sua própria razão de ainda existir no século XX: a escravidão.
Mantida no Código de 1830 especialmente para “atender” à classe escrava, entendia-se que somente através do chicote se poderia “dobrar” um negro desobediente, insolente, larápio ou violento que praticasse um crime de menor gravidade (eis que os crimes mais graves lhes geravam a pena capital ou a pena de galés). Adotava-se, assim, a máxima de Jorge Benci (1705): “Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra e moderação devida, e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões [no sentido de “correntes” ou “grilhões”] e açoites, mais do que qualquer outro gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os brios”.[25]
Em verdade, os senhores dos escravos e o próprio Estado não apenas se valiam dessa forma cruel de punição para uma afirmação de poder, mas também por razões econômicas, haja vista o prejuízo incalculável que resultaria à economia do país e do senhorio manter preso um escravo por meses ou anos, sendo mais racional e prático impor ao escravo uma punição mais sumária, eficaz, cruel e infamante.
O Código de 1830, ainda que sem tal intenção, abrandou o rigor dessa sanção, ao determinar que o número de açoites devesse constar da sentença e que não se poderia infligir, diariamente, mais de cinqüenta chibatadas ao escravo.
Ainda assim, essa foi talvez a grande mancha a macular o código imperial, pois, como anotou CARLOS PERDIGÃO “si a lei penal deve ser para o povo a luz que o dirija, a regra para os seus costumes, e si, demais, deve estar em perfeito acôrdo com as instituições políticas e sociais da época, não se pode conceber, no estado presente de nossa civilização, mais irritante anomalia do que a pena de açoite, mais do que anomalia, germen de degradação e de corrupção sociais, em tanto quanto abate o perverte o senso moral da população, em tanto quanto é insuperável obstáculo à emenda do culpado escravo e à sua classificação na sociedade” [26] -Notas:
[1] FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO. PRINCÍPIOS BÁSICOS DO DIREITO PENAL, Saraiva, 4ª ed. 1991, SP, p. 217
[2] AUGUSTO THOMPSON. ESCORÇO HISTÓRICO DO DIREITO CRIMINAL LUSO-BRASILEIRO , RT, 1976, p. 37
[3] JOÃO BERNARDINO GONZAGA, A INQUISIÇÃO EM SEU MUNDO, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 131
[4] Impende notar o surgimento posterior das prisões do Estado, de que são exemplos famosos a Torre de Londres e a Bastilha, em Paris. Esta última, originalmente destinada a servir de fortaleza (Castelo de Sain-Antoine, inaugurado em 1381), com suas oito torres compactas elevando-se a 24 m de altura, e cercadas por um foço de 25 m de largura e 8 m de profundidade, adquiriu, pouco a pouco, a sua condição de prisão do Estado. Nomes célebres por ali passaram, como, além do próprio construtor do castelo, Hughes Aubriot, o mais ilustre de todos, Voltaire, que, em 1717, permaneceu encarcerado em uma das torres da Bastilha (NUNES, Danillo. A BASTILHA E A REVOLUÇÃO, p. 14)
[5] “Digno de nota - observa A. THOMPSON - o esforço desenvolvido no combate à justiça privada ... recusando guarida, quase sempre, aos erros celtibéricos e germânicos de entregar a justiça penal nas mãos do particular.( op.cit., p. 22)
[6] É de se recordar, porém, que no Brasil primitivo as Ordenações Filipinas tinham uma vigência quase meramente formal, já que normas e costumes locais eram mais correntemente invocados para decidir os litígios penais. Veja-se, como exemplo, que, no período em que se adotou o sistema das Capitanias Hereditárias, as “cartas de doação” entregavam aos capitães donatários o exercício de toda a justiça, ao dizerem: “No crime, o capitão e seu ouvidor têm jurisdição conjunta com alçada até pena de morte inclusive, em escravos, peões, gentios e cristãos e homens livres, em todo e qualquer caso, assim para absolver como para condenar, sem apelação nem agravo”. Este poder absoluto dado aos donatários das capitanias, onde não entravam “...em tempo algum, nem corregedor, nem alçada, nem alguma outra espécie de justiça para exercitar jurisdição de qualquer modo em nome d’El-Rei”, é confirmado pelo escasso recurso que se fazia às ordenações, conforme episódio, mencionado por Magalhães Noronha (Direito Penal, Saraiva, 1967, vol. I, p. 64), em que o almocatel João Maciel pediu aos vereadores que lhe dessem as Ordenações, pois não podia, sem elas, exercer suas funções de magistrado (cfe. THOMPSON, op.cit., p. 76, nota 151)
[7] MICHEL FOUCAULT. VIGIAR E PUNIR - HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA NAS PRISÕES, 13ª ed., Petrópolis, Vozes, 1996, p 14.
[8] Marco histórico desse novo período foi a libertação de oitocentos prisioneiros no dia seguinte aos funerais de D. José, em 1777 (cfe.THOMPSON, op.cit., p. 105, nota 187)
[9] THOMPSON, op. cit. p. 108
[10] “Estudo histórico, jurídico e comparativo do “Código Criminal de 1830”, Jornal do Commercio de 4/7/1930, apud VICENTE DE AZEVEDO, CENTENÁRIO DO CODIGO CRIMINAL, in Revistas dos Tribunais, vol. LXXVII, fevereiro de 1931, p. 460.[11] Se o Código de 1830, portanto, foi fruto não apenas de influxos iluministas, paulatinamente assimilados pela classe política do inicio do Império, mas também pelos alongados debates parlamentares sobre os projetos então apresentados, o Código de 1890 atropelou o curso dos acontecimentos, sendo elaborado menos de um ano após a proclamação da República. Releva notar que, se também tínhamos uma recente ruptura constitucional à época do código imperial (até mais significativa pois elevara o Brasil à categoria de Estado independente), a forma com que se deu essa ruptura (tendo à frente o mesmo líder político do regime anterior) e a circunstância de que as deliberações legislativas, a par de prolongadas, tiveram lugar seis anos após a proclamação da independência política, fez com que o código de 1830 se revelasse superior ao de 1890.
[12] Interessante estudo de LEDA BOECHAT ressalta que a par das dificuldades políticas para o pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, dos seus poderes de controle de constitucionalidade das leis, os primeiros juízes brasileiros a ousarem declarar a inconstitucionalidade de leis chegaram a ser criminalmente processados, a exemplo do que se passou com o Juiz Alcides Mendonça Lima, juiz de direito da comarca de Rio Grande, que, em 1896, declarou que não aplicaria alguns dispositivos da Lei de Organização Judiciária do Rio Grande do Sul, por julgá-los inconstitucionais, iniciativa que lhe valeu um processo por crime de prevaricação, alcançando sua absolvição somente no STF, graças à histórica atuação de Rui Barbosa (HISTÓRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2ª ed., 1991, p. 84).
[13] No Rio de Janeiro, por exemplo, funcionou até 1874 o Calabouço, local aonde eram conduzidos os escravos infratores, pelos seus próprios senhores, para as “devidas correções”. No último ano de seu funcionamento, de junho de 1873 a maio de 1874, 554 escravos foram enviados ao Calabouço, dos quais 399 eram brasileiros natos e 155 africanos, 395 homens e 159 mulheres. Poucos, porém, eram punidos oficialmente por ordem judicial: em 1870, por exemplo, 632 escravos passaram pelo Calabouço, mas apenas três receberam castigo corporal por ordem judicial (cfe. HOLLOWAY. POLÍCIA NO RIO DE JANEIRO, repressão e resistência numa cidade do século XIX, , Fundação Getúlio Vargas,1997, p. 214.
[14] Ibidem, p. 258.
[15] Observa MIGUEL REALE JÚNIOR que “Na verdade, após a abolição, o negro foi reduzido à condição de um pária social nos grandes centros urbanos. Sem profissão, sem perspectivas, vivendo na promiscuidade, sofreu grande parcela da população negra, com o término da escravatura, um processo de marginalização. Trocou o preto o senhor da Casa Grande por uma escravidão ao sistema capitalista, criando-se uma cultura da pobreza”, a qual se caracteriza, segundo Lewis, “pela falta de participação e integração na vida da sociedade; pela ausência da infância, que constitui um momento de proteção e despreocupação; pelo início precoce da vida sexual; pelas ligações de mancebia com posterior abandono da família; pelo sentimento profundo de desamparo, de estigmatização, de rejeição e de inferioridade”. (Novos rumos do sistema criminal, Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 218).
[16] SÉRGIO B. DE HOLANDA. RAÍZES DO BRASIL, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 82.[17] Um claro exemplo da seletividade dos destinatários do rigor repressivo-penal nos é dado pelas normas editadas em janeiro de 1825 pelo intendente de polícia Francisco Alberto Teixeira de Aragão, as quais se tornaram conhecidas como o “Toque de Aragão”, e que, basicamente, autorizavam a polícia a revistar todos os que fossem considerados suspeitos, permitindo o uso da violência aos resistentes e estabelecendo, inclusive, recompensas para a captura de criminosos. Pois bem, esse decreto previa um toque de recolher, após o qual as patrulhas estavam autorizadas a parar e revistar as pessoas encontradas nas ruas. A ordem, porém, continha uma restrição: que não se adotasse “para com as pessoas notoriamente conhecidas e de probidade” (cfe. HOLLOWAY, op. cit.,p. 59).
[18] Mais uma prova da crise de efetividade da norma, que, desde então, já se mostrava distante da realidade. Com efeito, o art. 21 da Constituição do Império, em tom quimérico, dizia: “As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.
[19] HOLLOWAY, op.cit., p. 66.
[20] Ibidem, mesma página.
[21] MIGUEL REALE JUNIOR. op.cit., p. 40.[22] VICENTE DE AZEVEDO, op. cit., p. 455.
[23] Não se há de olvidar que a pena de morte era aplicada a pouquíssimos crimes definidos no código: para cabeças de insurreições escravas, homicídios e roubos com resultado morte.[24] ORDENAÇÕES FILIPINAS, Livro V, p. 22
[25] JORGE BENCI, S. J. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos, apud SILVIA LARA, ORDENAÇÕES FILIPINAS, Livro V, p. 42).[26] Carlos PERDIGÃO. CODIGO PENAL, Rio de Janeiro, Tomo 1º, Garnier Livreiro-Editor, 1882, p. 270.
Promotor do MPDFT. Doutor em Direito Processual Penal, pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo (Largo de Sao Francisco). Tese intitulada "A PROIBIÇAO DE DUPLA PERSECUÇAO PENAL (ne bis in idem): limites no Direito Brasileiro", defendida e aprovada em 18 de junho de 2007, perante Banca Examinadora composta pelos professores Antônio Magalhaes Gomes Filho, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes, Oswaldo Duek e Sérgio Shimura. Mestrado em Direito Processual Penal, pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo (Largo de Sao Francisco) - Dissertaçao intitulada "GARANTIAS PROCESSUAIS NOS RECURSOS CRIMINAIS: IGUALDADE, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO", defendida e aprovada em 24 de abril de 2002, perante Banca Examinadora composta pelos Professores Doutores Antônio Magalhaes Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e David Azevedo Teixeira. Home page: http://www.metajus.com.br/
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Rogério Schietti Machado. A punição no Brasil Imperial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2009, 07:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17410/a-punicao-no-brasil-imperial. Acesso em: 03 dez 2024.
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