RESUMO: O TEXTO ABORDA A IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE A HABILITAÇÃO DE TELEFONES MÓVEIS (CELULARES). ELABORADO EM FEV/06.
INTRÓITO
Dentre os impostos destinados pela Carta Maior aos Estados o ICMS é, certamente, o que se apresenta com a maior capacidade arrecadatória.
Segundo a nossa Constituição Federal, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir os seguintes impostos:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III - propriedade de veículos automotores.”
De acordo com a exegese do inciso II, o ICMS incide sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, mesmo que as operações e as prestações tenham origem no exterior.
Ontologicamente o ICMS tem sua origem no vetusto imposto sobre vendas e consignações, que competia igualmente ao Estados, foi instituído no nosso ordenamento jurídico por meio da Emenda Constitucional nº 18/65, e tinha como característica a incidência plurifásica, tomando por base o valor acrescido na operação seguinte.[1]
Com o advento do Convênio nº 69/98, publicado no DOU de 29 de junho de 1998, instaurou-se uma certa instabilidade acerca da correta fixação da base de cálculo do ICMS.
Dispôs o referido Convênio, na sua cláusula primeira, que os seus signatários firmam entendimento no sentido de que se incluem na base de cálculo do ICMS incidente sobre prestações de serviços de comunicação os valores cobrados a título, entre outros, habilitação[2].
Ocorre que com a entrada da telefonia móvel no mercado brasileiro, os Estados passaram a exigir o ICMS sobre as operações de habilitação destes aparelhos, com base na referida cláusula primeira do Convênio 69/98.
Instaurou-se, com a incidência do referido tributo sobre o serviço de habilitação, a discussão acerca da correta interpretação do que venha a ser serviço de telecomunicação, para fins da tributação do ICMS.
Nos propomos no presente trabalho, demonstrar que agiu acertadamente o STJ em mudar o seu posicionamento acerca da incidência do ICMS sobre a habilitação do telefone móvel. Para tanto, traremos à lume julgados pelos quais o Colendo Superior Tribunal de Justiça fixa os limites da incidência do ICMS sobre o serviço de telecomunicação, isentando a habilitação, prevista no Convênio CONFAZ nº 69/98, da base de cálculo do ICMS oriundo dos serviços de telecomunicações.
Esperamos despertar os leitores para o tema, que apesar de sua unanimidade na Primeira Seção, o STJ ainda não o solidificou por meio de uma súmula. Vale ressaltar, que até bem pouco tempo atrás o entendimento predominante era no sentido contrário.
1 Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
1.1 O entendimento do STJ diante dos primeiros casos
A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo em favor da tese, segunda a qual a habilitação de aparelhos da telefonia móvel estaria inclusa como serviço de telecomunicação, comercialmente conhecidos como celulares.
Neste sentido podemos colacionar os seguintes arestos, verbis:
“TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – CONVÊNIO 69/98 – CONFAZ – ICMS – INCIDÊNCIA – HABILITAÇÃO – TELEFONIA MÓVEL CELULAR – LEGALIDADE – LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96, ART. 2º, INCISO III – LEI Nº 9.472/97 LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES, ART. 60, CAPUT E PARÁGRAFO.
1 – A incidência do ICMS sobre os valores pagos a título de habilitação na telefonia móvel celular, prevista no Convênio ICMS nº 69/98. CONFAZ, encontra fundamento legal nas normas do art. 2º, inciso III, da Lei Complementar nº 87/96 e no art. 60, caput e parágrafo 1º, da Lei Geral das Telecomunicações Lei nº 9.472/97. Recurso a que se nega provimento.”[3] (STJ – ROMS 11024 – RO – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJU 08.09.2003 – p. 00261)
Como podemos observar, a decisão teve por fundamento legal o Convênio 69/98 do CONFAZ, combinado com o parágrafo 1º, do art. 60, da Lei 9.472/97[4] e com o art. 2º, inciso, III, da Lei Complementar 87/96[5].
Mônica de Melo[6], citando o Agravo de Instrumento nº 63.963-0/RS, vislumbra a possibilidade da incidência do ICMS sobre os serviços de habilitação de celulares. Para ela
“é possível constatar que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que até mesmo serviços porventura considerados por alguns não-integrantes do serviço de comunicação – como a secretária e aluguel de equipamentos presentes no serviço de comunicação – , a base de cálculo, fazem parte da hipótese de incidência do imposto sobre serviços de comunicação, pois são instrumentos essenciais para o desenvolvimento da atividade-fim.”
O referido AI, DOU de 02/05/1995, p. 11.555, recebeu a seguinte ementa do Relator Ministro Milton Luiz Pereira, verbis:
“ICMS. Serviço de Comunicação. Radiochamada. (“BIP”).
‘Incide o ICMS sobre a prestação de serviço de comunicação de radiochamada. Afasta-se a incidência do tributo municipal sobre serviços listados de secretária e aluguel de equipamento, eis que não constituem substancialmente o serviço prestado, mas instrumentos da atividade fim de comunicação.’”
De acordo com a Procuradora[7] mesmo a habilitação não sendo efetivamente comunicação, faria parte da relação comunicativa, e que por este motivo integraria o fato imponível que se subsumiria à hipótese de incidência do ICMS.
Este entendimento influenciou decisões de instância inferior como podemos observar da ementa a seguir reproduzida:
“MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO – CONVÊNIO Nº° 69/98 –
1. O ICMS incide sobre quaisquer prestações onerosas dos serviços de comunicação, dentre estes os de assinatura e facilidades adicionais de telefonia móvel celular, nos termos do art. 60, caput e § 1º, da lei nº 9.472/97, c/c o art. 2°, III, da Lei Complementar nº° 87/96. – 2. A cobrança do tributo só pode ocorrer em relação a fato gerador posterior à vigência do convênio ICMS nº° 69/98, em obediência ao art. 146 do CTN. – 3. Sentença mantida.”[8]
(TJRR – AC 061/99 – T.Cív. – Rel. Des. Ricardo Oliveira – DPJ 09.01.2003 – p. 3/4)
Desta forma, ficou assente que as habilitações dos aparelhos celulares, realizada pela prestadora de serviço de telefonia móvel, seriam tributados pelo ICMS.
1.2 A atual posição do STJ
Mas o que parecia se encaminhar para a pacificação do assunto teve recentemente uma reviravolta, pois segundo a nova interpretação dos referidos dispositivos pelo Colendo STJ, notadamente por sua Primeira Seção, que ao julgar o RMS 11.368/MT, firmou o seguinte entendimento:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. INCIDÊNCIA SOBRE A HABILITAÇÃO DE TELEFONES CELULARES. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE QUE NÃO SE CONSTITUI EM SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES. ANALOGIA EXTENSIVA. EXIGÊNCIA DE TRIBUTO SOBRE FATO GERADOR NÃO PREVISTO EM LEI. PROIBIÇÃO. ART. 108, § 1º, DO CTN.
I - No ato de habilitação de aparelho móvel celular inocorre qualquer serviço
efetivo de telecomunicação, senão de disponibilização do serviço, de modo a assegurar ao usuário a possibilidade de fruição do serviço de telecomunicações.
II - O ICMS incide, tão somente, na atividade final, que é o serviço de telecomunicação propriamente dito, e não sobre o ato de habilitação do telefone celular, que se afigura como atividade meramente intermediária.
III - O Convênio ICMS nº 69/98, ao determinar a incidência do ICMS sobre a habilitação de aparelho móvel celular, empreendeu verdadeira analogia extensiva do âmbito material de incidência do tributo, em flagrante violação ao art. 108, § 1º do CTN.
IV - Recurso Ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros FRANCIULLI NETTO, LUIZ FUX, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TEORI ALBINO ZAVASCKI, CASTRO MEIRA, DENISE ARRUDA, FRANCISCO PEÇANHA MARTINS e JOSÉ DELGADO votaram com o Sr. Ministro Relator. Custas, como de lei.
Brasília(DF), 13 de dezembro de 2004 (data do julgamento).
MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
Relator”[9](destacamos)
Este novo entendimento vem servindo de paradigma para o deslinde dos casos similares, como podemos constatar nos seguintes julgados:
“RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE ICMS NA HABILITAÇÃO DE TELEFONE MÓVEL CELULAR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. DESPROVIMENTO.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que não incide ICMS sobre o serviço de habilitação de telefonia móvel celular, porquanto a referida atividade não representa serviço efetivo de telecomunicação, não configurando, assim, fato gerador de ICMS.
2. Não tendo a agravante rebatido especificamente os fundamentos da decisão recorrida, mostra-se inviável o recurso de agravo, aplicando-se a Súmula 182/STJ: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada."
3. Agravo regimental desprovido.” [10](destacamos)
(STJ – Primeira Turma: Processo AgRg no REsp 514073/SP; Relatora Ministra Denise Arruda. Data do Julgamento: 17/11/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 05.12.2005 p. 221.)
Colhe-se do voto da Ministra Denise Arruda que a “jurisprudência desse Tribunal Superior é remansosa e pacífica no sentido de que não incide ICMS sobre o serviço de habilitação de telefonia móvel celular”. Desta forma tem-se entendido que a habilitação dos aparelhos celulares não se configura como atividade considerada de prestação de serviços de telecomunicação, como ficou consignado no decisum do RMS 18700/AC, que teve a seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. TELEFONIA MÓVEL CELULAR. HABILITAÇÃO.
1. Incabível a incidência do ICMS, nos termos do inciso III do artigo 2º da Lei Complementar nº 87/96, posto que a habilitação não se configura como atividade considerada como serviço de telecomunicação.
2. Recurso ordinário provido.”[11] (destacou-se)
(STJ – Segunda Turma: Processo RMS 18700/AC. Relator(a) Ministro Castro Meira. Data do Julgamento: 23/08/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 14.11.2005, p. 233)
Outro argumento utilizado pelo STJ é de que a habilitação constitui apenas um mero ato preparatório ou acesso aos serviços de comunicação, e por isso não pode constituir a base de cálculo do ICMS, senão vejamos o julgado do REsp 680831/AL, cuja ementa foi assim exarada:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. ICMS – "SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO". CONVÊNIO N. 69/98 – CLÁUSULA PRIMEIRA. ILEGALIDADE.
1. A teor do disposto no art. 535 do CPC, inexistindo omissão, obscuridade ou contradição a ser sanada no acórdão embargado, devem ser os embargos declaratórios rejeitados.
2. O STJ tem decidido que as atividades meramente preparatórias ou de acesso aos serviços de comunicação não podem ser entendidas como "serviço de telecomunicação" propriamente dito, de modo que estão fora da incidência tributária do ICMS.
3. Recurso especial parcialmente provido.”[12] (destacamos)
(STJ – Segunda Turma: Processo: REsp 680831/AL. Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha. Data do Julgamento: 27/09/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 17.10.2005, p. 264)
A habilitação, ao contrário da intenção do Convênio 69/98, é o ato pelo qual se possibilita a efetiva prestação de serviços, e não próprio serviço em si. Neste sentido foi o julgamento do REsp 703695/PR, do qual reproduzimos a ementa:
“TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE HABILITAÇÃO DE APARELHO DE TELEFONIA CELULAR. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO PARA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO FISCAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO SOBRE O THEMA IUDICANDUM.
1. Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC, porquanto o Tribunal a quo, ainda que de forma sucinta, tratou da questão da incidência de ICMS sobre a habilitação de telefones móveis, ao afirmar que a cobrança do ICMS sobre serviço de habilitação de telefonia móvel celular, tem apoio legal, nos termos do artigo 155, I , "b", da Constituição Federal, Lei Estadual 8.933/89 e no convênio ICMS nº 69/98 - CONFAZ .
2. É cediço que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos expostos pelas partes, desde de que a decisão por ele proferida esteja devidamente fundamentada (precedentes:AgRg no Resp 593939 - SP, Relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, publicado no DJ em 31 de maio de 2004, AgRg no Resp. 676448 - SP, Relator Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, publicado no DJ em 16 de maio de 2005, Resp 703658 - MG, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, publicado no DJ em 09 de maio de 2005.
3. A Corte assentou o entendimento de que não incide ICMS sobre a habilitação de telefone móvel celular, posto ato pelo qual se possibilita a efetiva prestação do serviço. Destarte, depreende-se da leitura do III, art. 2º, da Lei Complementar 87/96 que o ICMS possui campo de incidência somente sobre os serviços de comunicação, propriamente ditos.
4. O Convênio ICMS nº 69/98, dilargou o campo de incidência do ICMS quando incluiu em sua cláusula primeira o serviço de habilitação, sendo certo que só poderia tê-lo feito por meio de Lei Complementar. Na verdade, como exposto pela Recorrente às fls. 62, não há Lei que determine a incidência do ICMS sobre a habilitação telefônica (precedentes:Resp 525788 - DF, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, publicado no DJ em 23 de maio de 2005, Resp 596.812 - PR, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, publicado no DJ em 14 de fevereiro de 2005, RMS 11368 - MT, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, publicado no DJ em 09 de fevereiro de 2005.
5. A incidência de ICMS nas habilitações de telefone móvel já foi pacificada por esta Corte de forma favorável à pretensão da recorrente, revelando o fumus boni iuris, de forma a inexistir óbice para concessão da ordem liminar pleiteada, no sentido da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”[13] (destacou-se)
(STJ – Primeira Turma: REsp 703695/PR. Relator(a) Ministro Luiz Fux; Data do Julgamento: 20/09/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 10.10.2005, p. 243.)
Bem sabemos que as normas de Direito Tributário só podem ser interpretadas restritivamente, o que nos força a dizer que só há a incidência do ICMS sobre serviços de telecomunicações stricto sensu, sendo a habilitação um ato meramente acessório ou preparatório à comunicação, como restou consignado na ementa, a seguir reproduzida, do REsp 617107/S, verbis:
“TRIBUTÁRIO – ICMS – TELEFONIA MÓVEL CELULAR – SERVIÇO DE HABILITAÇÃO - AFASTAMENTO DA EXAÇÃO - LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO CONTRIBUINTE DE FATO.
1. Firmou-se nesta Corte jurisprudência no sentido de reconhecer a legitimidade que tem o consumidor para mover ação visando a afastar a exigência do ICMS, na condição de contribuinte de fato.
2. Pacificou-se, da mesma forma, o entendimento quanto à não incidência desse tributo sobre o serviço de habilitação do telefone móvel celular.
3. A uniformização deu-se a partir da interpretação do disposto no art. 2º, III, da LC 87/96, o qual só contempla o ICMS sobre os serviços de comunicação stricto sensu, não sendo possível, pela tipicidade fechada do direito tributário, estender-se aos serviços meramente acessórios ou preparatórios à comunicação.
4. As previsões de incidência constantes da cláusula primeira do Convênio ICMS 69/98 não podem prevalecer, ante o disposto na Lei Complementar 89/96 e na Lei de Telecomunicações 9.472/97.
5. Recurso especial improvido.”[14] (destacamos)
(STJ – Segunda Turma: REsp 617107/S. Relator(a) Ministra Eliana Calmon. Data do Julgamento: 02/08/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 29.08.2005, p. 273.)
Este entendimento, de que não incide ICMS sobre a habilitação de telefone celular, já vem sendo dilargado para outras hipóteses em que a atividade da prestadora de serviço de telecomunicação é apenas preparatória, como nos casos de assinatura de TV a cabo, já se reconheceu, no REsp 418594/PR, a inexigibilidade do ICMS sobre a taxa de adesão a TV por assinatura, como podemos constatar a seguir:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. TELEVISÃO A CABO. LEI COMPLEMENTAR 87/96, ART. 2º, II. LEI 8.977/95, ARTS. 2º E 5º. INCIDÊNCIA. TAXA DE ADESÃO. NÃO-INCIDÊNCIA.
1. O art. 2º, III, da Lei Complementar 87/96 dispõe que o ICMS incide sobre "(...) III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza".
2. O serviço de TV a cabo consiste, por expressa disposição normativa (Lei 8.977/95, artigos 2º e 5º), em serviço de comunicação (da espécie de "telecomunicação"), prestado por operadora, que, utilizando um conjunto de equipamentos, instalações e redes, de sua propriedade ou não, viabiliza a recepção, o processamento, a geração e a distribuição aos assinantes de programação e de sinais próprios ou de terceiros. A prestação onerosa desse serviço caracteriza hipótese de incidência do ICMS.
3. Apreciando a questão relativa à legitimidade da cobrança do ICMS sobre o procedimento de habilitação de telefonia móvel celular, ambas as Turmas integrantes da 1ª Seção firmaram entendimento no sentido da inexigibilidade do tributo, à consideração de que a atividade de habilitação não se incluía na descrição de serviço de telecomunicação constante do art. 2º, III, da Lei Complementar 87/96, por corresponder a "procedimento tipicamente protocolar, (...) cuja finalidade prende-se ao aspecto preparatório e estrutural da prestação do serviço", serviços "meramente acessórios ou preparatórios à comunicação propriamente dita", "meios de viabilidade ou de acesso aos serviços de comunicação" (RESP 402.047/MG, 1ª Turma, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 09.12.2003 e do EDcl no AgRg no RESP 330.130/DF, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 16.11.2004).
4. Adotando-se a linha de orientação traçada nesses julgados, e diante do caráter igualmente acessório ou preparatório à prestação do serviço de telecomunicação propriamente dito de que se revestem as atividades remuneradas pela taxa de adesão da televisão a cabo, deve ser reconhecida a inexigibilidade do ICMS sobre esses valores.
5. Recursos especiais a que se nega provimento.”[15] (destacamos)
(STJ – Primeira Turma: REsp 418594/PR. Relator (a) Ministro Teori Albino Zavascki. Data do Julgamento: 17/02/2005; Data da Publicação/Fonte: DJ 21.03.2005 p. 218.)
2 RESPALDO DOUTRINÁRIO AS DECISÕES DO STJ
Entendo que a posição adotada pela Primeira Seção, órgão que reúne a Primeira e a Segunda Turma do STJ, foi a mais acertada, por vários motivos, entre elas as que passaremos a citar a seguir.
Podemos excluir de imediato a questão da circulação de mercadoria, pois na habilitação do aparelho de telefone celular não a transferência de propriedade. Acerca da transferência, leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho[16] que o sentido da expressão circulação de mercadorias, disposta na Constituição Federal, tem a função de adjetivar a palavra operação, empregando-lhe uma conseqüência. Diz o autor mineiro que: “Somente terá relevância jurídica aquela operação mercantil que acarrete a circulação da mercadoria como meio e forma de transferir-lhe a titularidade. Por isso a ênfase constitucional na expressão operações de mercadorias.”
De fato não ocorre a transferência de propriedade, pois que habilita um celular quer, ao contrário, utilizá-lo para si, mesmo nas hipóteses em que o aparelho constitui um presente, não há uma aquisição para revenda.
Resta-nos averiguar se houve uma prestação de serviços tributável pelo ICMS na habilitação do aparelho celular.
Presta serviços de comunicação ou de telecomunicação, segundo lição de Marco Aurelio Greco e Anna Paola Zonari de Lorenzo[17] quem fornece a infra-estrutura necessária para que se estabeleça uma comunicação.
Segundo esclarecem esses dois autores[18] “A prestação do serviço de comunicação prescinde do conteúdo da mensagem transmitida, tipificando-se como simples colocação à disposição do usuário dos meios e modos para transmissão e recepção das mensagens.”
De acordo com a doutrina de Marco Aurelio Greco e Anna Paola Zonari de Lorenzo[19] as empresas de telecomunicação serve na verdade de intermediadoras entre os usuários, e é nesta condição, de fornecer os elementos necessários a realização da comunicação, que há a incidência do ICMS sobre tal serviço de telecomunicação.
Para os referidos autores[20]:
“Os partícipes da relação comunicativa não ‘prestam serviço’ um para o outro nem para terceiros. Eles apenas se comunicam. Presta o serviço, isto sim, aquele que mantém em funcionamento o sistema de comunicação consistente em terminais, centrais, linhas de transmissão, satélites etc.”
Ora, no simples ato de habilitar, conectar o aparelho celular no sistema de comunicação, cadastrando-o no sistema de transmissão de dados eletromagnéticos, não há a comunicação, não há a utilização do sistema de telecomunicação pelo usuário visando a manutenção de um contato, seja falado, escrito ou de dados.
O que ocorre com a habilitação do aparelho de telefonia móvel é apenas um ato preparatório, que possibilitará a utilização do sistema disponibilizado pela empresa que prestará o serviço de comunicação.
Por este ângulo, não há como enquadrar a mera habilitação do telefone celular como fato gerador do ICMS, pois não se deu a prestação de serviço de telecomunicação.
Analisando o voto do Ministro Francisco Falcão, proferido no julgamento do Recurso Ordinário em MS nº 11.368/MT, extraímos o seguinte excerto, verbis:
“Com efeito, acredito que no ato de habilitação de aparelho móvel celular não ocorra qualquer serviço efetivo de telecomunicação, senão de disponibilização do serviço, de modo a assegurar ao usuário a possibilidade de usufruir do serviço de telecomunicações.
O escorreito desate da lide, portanto, impõe a discriminação entre o serviço de telecomunicações (atividade final) e o ato de habilitação do telefone celular (atividade intermediária), sendo certo que somente aquele sofre o gravame do ICMS.”
O entendimento não poderia ser diverso deste, pois a habilitação do aparelho celular constitui uma atividade meio, que possibilitará, posteriormente, a realização da atividade fim das empresas de telefonia móvel, qual seja, a comunicação.
Conclusão
Concluímos que andou bem a egrégia Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça ao pacificar o entendimento de que a mera habilitação, por constituir uma atividade meio, não pode sofrer a incidência do ICMS incidente sobre a prestação de serviços de telecomunicação.
Ora, se o serviço de comunicação é definido pelo par. 1º, do art. 60, da lei 9.472/97, como sendo o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. Telecomunicação, por sua vez, é definida como sendo a operação de transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meio ópticos, ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, e por força do inciso III, do art. 2º, da Lei Complementar 87/96, Lei Kandir, a incidência do ICMS dar-se-á quando da prestação onerosa de serviços de comunicação, efetuado por qualquer meio, inclusive por meio da geração, da emissão, da recepção, da transmissão, da retransmissão, da repetição e da ampliação de comunicação de qualquer natureza, não poderia subsistir a tese da tributação, já que na simples habilitação do aparelho celular não ocorre a prestação de transmissão, emissão ou recepção nem tampouco onerosa de comunicação.
Acreditamos que seja oportuno o presente trabalho no sentido de aproveitar o entendimento firmado sobre a matéria e sumulá-lo, para que derrube por terra as pretensões de se restabelecer o teratológico entendimento anterior, segundo o qual a simples habilitação do aparelho celular sofria a incidência do ICMS.
REFERÊNCIAS
Bilbliográfica
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 7 ed. rev. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 933 p.
GRECO, Marco Aurelio; LORENZO, Anna Paola Zonari de. in MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de Direito Tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 897 p.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 12 ed. atul. até a publicação da Emenda Constitucional nº 45/04, e a Lei Complementar nº 118/05, que adaptou o Código Tributário à Lei de Falências. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 450 p.
Artigos
MELO, Mônica. Da incidência do ICMS na habilitação de telefone celular. Revista de Informação Legislativa. nº 140. p. 95-107. Brasília. out/dez. 1998. Trimestral. ISSN 0034-835x.
Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
www.stj.gov.br.
[1] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 12 ed. atul. até a publicação da Emenda Constitucional nº 45/04, e a Lei Complementar nº 118/05, que adaptou o Código Tributário à Lei de Falências. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 382.
[2] A cláusula primeira do Convênio 69/98 possui a seguinte redação, verbis: “Os signatários firmam entendimento no sentido de que se incluem na base de cálculo do ICMS incidente sobre prestações de serviços de comunicação os valores cobrados a título de acesso, adesão, ativação, habilitação, disponibilidade, assinatura e utilização dos serviços, bem assim aqueles relativos a serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, independentemente da denominação que lhes seja dada.”
[3] Repositório oficial de legislação: Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
[4] O par. 1º do art. 60 da Lei nº 9.472/97, possui a seguinte redação: “Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1º. Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”
[5] O inciso III, do art. da LC 87/96, está redigido nos seguintes termos: “Art. 2º. O imposto incide sobre: (...);III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;”
[6] MELO, Mônica. Da incidência do ICMS na habilitação de telefone celular. Revista de Informação Legislativa. nº 140. p. 105. Brasília. out/dez. 1998. Trimestral. ISSN 0034-835x.
[7] MELO, Mônica. op. cit. p. 106.
[8] Repositório oficial de legislação: Juris Síntese Millenium nº 44. Legislação, Jurisprudência, Doutrina Prática Processual. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2003. 1 CD-ROM. Windows-9x.
[9] Disponível em: www.stj.gov.br. Documento: 520017 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 09/02/2005 Página 1 de 7. Acessado em 19/12/2005.
[10] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=icms+incid%EAncia&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=4. Acessado em 15/12/2005.
[11] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=habilita%E7%E3o+celular+icms&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=2. Acessado em 19/12/05.
[12] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=habilita%E7%E3o+celular+icms&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=3. Acessado em 19/12/05.
[13] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=habilita%E7%E3o+celular+icms&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=4. Acessado em: 19/12/05.
[14] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=habilita%E7%E3o+celular+icms&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=6. Acessado em 19/12/05.
[15] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=habilita%E7%E3o+celular+icms&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=9. Acessado em: 19/12/05.
[16] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 7 ed. rev. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p 558.
[17] GRECO, Marco Aurelio; LORENZO, Anna Paola Zonari de. in MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de Direito Tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 543.
[18] ______.______.
[19] ______.______.
[20] GRECO, Marco Aurelio; LORENZO, Anna Paola Zonari de. op. cit. p. 543.
Advogado, Juiz Leigo do TJPE, Especialista em Direito Público pela ESMAPE/FMN, ex-Professor de Direito Administrativo I e II da UNIVERSO Recife
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Franceclaudio Tavares da. A tributação do serviço de habilitação de aparelho celular pelo ICMS: A pacificação da posição do Colendo Superior Tribunal de Justiça - um passo rumo a sumularização do tema Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2009, 08:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17749/a-tributacao-do-servico-de-habilitacao-de-aparelho-celular-pelo-icms-a-pacificacao-da-posicao-do-colendo-superior-tribunal-de-justica-um-passo-rumo-a-sumularizacao-do-tema. Acesso em: 22 nov 2024.
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