Sumário: 1. Introdução. 2. Ação e suas Teorias. 3. Conceito de ação e natureza jurídica. 4. Condições da ação. a. Legitimidade das partes. b. Interesse de agir. c. Possibilidade jurídica do pedido. 5. Momento de verificação das Condições da Ação. 5.1 Primeira Corrente: Teoria da Exposição. 5.2 Segunda Corrente: Teoria da Asserção. 6. Conclusão. 7. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Teoria da Asserção
Resumo: O presente trabalho busca analisar as condições da ação e as consequências em razão do momento da verificação dessas condições. Para tanto iniciaremos a nossa caminhada pelas diversas teorias da ação até a adotada pelo nosso Código de Processo Civil. Para podermos compreender o conceito e a natureza jurídica da ação. Analisaremos cada uma das condições da ação e por fim iremos verificar a Teoria da Asserção, teoria esta que encontra-se no meio de grandes debates doutrinários. O momento de verificação das condições da ação e as suas conseqüências, repercutem na decisão final, sendo então, esta de mérito ou não.
Palavras Chave: Condições da Ação. Legitimidade das Partes, Interesse de Agir e Possibilidade Jurídica do Pedido. Teoria da Asserção.
1. Introdução
Dentre os diversos temas processuais, o mais polêmico, sem sombra de dúvidas refere-se ao conceito de ação. Assim, ao redigir o presente artigo que aborda uma questão extremamente relevante quanto da análise das condições da ação, ou seja, o momento em que elas deverão ser analisadas, sabemos que estamos traçando um percurso em que muitos questionamentos estão presentes.
Ação, direito de ação e condições da ação são três assuntos que estão em constante releitura dentro do sistema processual civil. Das diversas teorias da ação até os dias atuais, a distinção de ação e do direito de ação, e as condições da ação, são pontos nos quais a doutrina e a jurisprudência precisam ainda pacificar, apresentado pontos controversos e posições extremamente divergentes.
O tema é de extrema importância, haja vista que as conseqüências em razão do momento de análise, significam a possibilidade ou não de propor nova demanda, permitindo assim, a análise ou não do mérito.
Ação, jurisdição e processo são três idéias fundamentais para permitir, buscar e solucionar os conflitos existentes. Assim, para que não fique comprometido o nosso sistema jurídico faz-se necessário buscarmos precisar cada um desses temas e nesse estudo iremos nos ater, somente, à questão da ação já que esta é uma limitação ao exercício da jurisdição.
2. Ação e as suas Teorias
O conceito de ação tem se transformado e evoluído ao longo dos séculos, sendo que começamos com a teoria civilista ou imanentista[1] onde para os adeptos dessa teoria, a jurisdição somente poderá ser acionado se houver o direito postulado. O Código Civil Brasileiro de 1916 apresentava em seu art. 75 a determinação de que a todo direito corresponde uma ação que o assegura.
Essa doutrina foi aos poucos sendo abandonada e hoje, os doutrinadores, como regra, defendem que o direito de ação é autônomo, portanto diferenciado do direito material, e essa mudança iniciou-se com a famosa disputa entre Windscheid e Muther, onde Muther defendia a separação do direito material do direito de ação, já no ano de 1856[2].
Posteriormente outras teorias da ação foram sendo concebidas[3] e atualmente adotamos em nosso Código de Processo Civil a Teoria Eclética de Enrico Liebman. Na visão de Liebman, o direito de ação não está condicionado a termos uma sentença favorável, mas apresenta uma relação com o direito material. Dessa forma, a teoria eclética de Liebman entende que a ação é o direito de se obter uma sentença de mérito, independente do seu conteúdo[4]. E essa posição encontra-se consubstanciada no art. 267, VI do CPC que determina a extinção do processo sem resolução do mérito quando não concorrer quaisquer condições da ação tais como: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e o interesse processual, que iremos analisar detalhadamente mais à frente.
Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrine Grinover e Cândido Rangel Dinamarco sustem a existência de duas correntes sobre as condições da ação. Uma corrente defende que as condições da ação são as condições de existência da própria ação; enquanto que a outra corrente se posiciona no sentido de que as condições da ação são as condições para o seu exercício.[5]
Isso significa dizer que alguns doutrinadores pátrios analisando as condições da ação e a teoria eclética de Liebman tem defendido que as condições da ação não devem ser visto como requisito de existência da ação, mas sim como requisito essencial para o exercício do direito de ação. Ou seja, diante da inexistência das condições da ação estamos diante do abuso do direito de ação. [6]
3. Direito de Ação e a Ação
É preciso verificar as diversas acepções da palavra ação, haja vista que existem diversos significados, vejamos:
Assim podemos falar em ação como sendo o direito material que está em movimento, que está sendo exercido. Dessa forma, podemos nos deparar com expressões como João tem uma ação contra Maria. Ou ainda quando utilizamos a expressão ação regressiva como sendo o direito de reembolso.[7]
Ou então podemos nos referir ao direito de ação como sendo a previsão constitucional em que permite que ao seu titular ingressar com um processo em que devem ser respeitadas todas as garantias inerentes a ele.
Podemos ainda nos referir à ação como sendo o exercício do direito abstrato de agir, assim dessa forma nos reportamos as expressões como demanda, ação processual, pleito ou causa.
Conforme Liebman, a garantia constitucional, que é um reflexo da instituição dos Tribunais pelo Estado tem a tarefa de dar justiça a quem vier a pleiteá-la e por isso trata-se de uma das regras fundamentais de nosso ordenamento constitucional que é assegurar a todos a possibilidade de acesso à justiça de modo que o juiz possa analisar a pretensão apresentada.[8] Só que o direito de agir que está previsto expressamente em nossa Carta Magna, não pode ser confundido com o que vem a ser a ação. Enquanto que o direito de agir é genérico a ação não o é, já que guarda relação com um caso concreto onde se alega a existência de uma lesão a direito ou a interesse legítimo do seu titular e para tanto faz-se necessário que se identifique por três elementos distintos denominados de condições da ação.[9]
Dessa forma cumpre ressaltar que o direito de ação não se confunde com a ação, haja vista que aquele se refere à situação jurídica com previsão constitucional enquanto que esta é um ato jurídico, pelo qual iremos exercer o direito fundamental de ação. Para Fredie Didier jr. o direito de ação não pode apresentar nenhum tipo de condicionamento ao contrário da ação que para ser exercida precisa preencher as suas condições.[10] Assim, quando um processo é extinto sem resolução do mérito em razão da ausência de alguma das condições da ação, o autor terá exercido o seu direito de ação previsto no direito constitucional, art. 5º, inciso XXXV, mas não terá exercido o direito de ação no plano processual civil, já que não apresentou no caso concreto as condições da ação.[11]
4. Condições da Ação
Naturalmente os doutrinadores utilizam a expressão “condições da ação”, como as condições mínimas que devem ser preenchidas para que possamos provocar o Poder Judiciário.
Conforme Cássio Scarpinella Bueno se entendermos a
Ação como o direito de romper a inércia da jurisdição, o preenchimento das condições da ação terá de preexistir naturalmente ao preenchimento dos pressupostos processuais. Neste sentido, é o exercício do direito de ação que dá ensejo à formação do processo. E para que o Estado-juiz atue, é dizer, para que o processo se justifique como tal, é importante antes mesmo de verificar a sua própria regularidade, verificar as condições mínimas da provocação do Estado-juiz.[12]
Assim, para que possamos falar no exercício do direito de ação é preciso preencher as condições da ação.
Cumpre ressaltar que essa denominação “condições da ação” apesar de ser largamente utilizada, encontramos doutrinadores que discordam dessa denominação, como por exemplo, Alexandre Freitas Câmara que defende que se trata na realidade de requisitos do provimento final, para tanto afirma que:
Não se mostra adequada a utilização da designação “condições”, uma vez que não se está aqui diante de um evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico, sendo por esta razão preferível falar em requisitos. Ademais, não parece que se esteja aqui diante de requisitos da ação, pois esta, a nosso sentir, existe ainda que tais requisitos não se façam presentes. Mesmo quando ausente alguma das “condições da ação”, o que levará à prolação de sentença meramente terminativa, a qual não contém resolução de mérito, terá havido exercício de função jurisdicional, o que revela ter havido exercício do poder de ação. Assim, e considerando que a presença de tais requisitos se faz necessário para que o juízo possa proferir o provimento final do processo (...) é que prefiro a denominação requisitos do provimento final.[13]
Para José Carlos Barbosa Moreira ao invés da denominação condições da ação, deve-se denominar de condições para o regular exercício do direito de ação, já que na visão desse doutrinador, se um das condições não estiver presente, não é hipótese de ausência do direito de ação – plano de existência, mas sim trata-se de abuso do direito de ação, já que se refere ao plano de validade.[14]
Mesmo com essa discussão doutrinária iremos nos ater a esse trabalho à denominação clássica de condições da ação.
Liebman ao desenvolver a sua teoria eclética enunciou três condições da ação, a saber: legitimidade ad causa, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido, e sua teoria influenciou o nosso Código de Processo Civil, onde consta no art. 3º e no art. 267, VI enumeradas essas condições da ação. Porém, Liebman, posteriormente reanalisou a sua teoria e passou a defender a existência de apenas duas condições da ação, legitimidade ad causam e interesse processual.[15] E em outro momento Liebman, mostrou-se favorável à adoção de uma quarta condição da ação, que se refere à ausência de fatos extintivos da ação, tais como a coisa julgada, a perempção e outros.[16]
Cândido Rangel Dinamarco nos traz como posicionamento afirmando que:
Todas as três condições da ação constituem faixas de estrangulamento entre o direito processual e o substancial, sabido que é sempre da situação da vida lamentada pelo demandante, em associação com o resultado jurídico-substancial pretendido, que resultam a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade de parte. Essas condições situam-se no campo do direito processual, porque constituem requisitos para que o processo possa prosseguir e, consequentemente, para que possa o juiz vir a ter o dever de prover sobre o mérito; mas, em cada caso, é quase exclusivamente no direito material que se vão buscar elementos para aferir se elas estão presentes ou não.[17]
Analisaremos as condições da ação conforme previsto em nossa legislação, vejamos:
a. Legitimidade ad causam ou Legitimidade para agir em juízo ou Legitimidade das partes
Encontramos a previsão da legitimidade ad causam nos arts. 3º, 267, I e VI e 295, II do CPC. Conforme esse último artigo temos que se faltar a legitimidade da causa será causa de indeferimento da petição inicial:
Art. 295. A petição inicial será indeferida:
(...)
II – quando a parte for manifestamente ilegítima (...)
Conforme Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, somente poderá ser indeferida a petição inicial quando não houver dúvidas quanto à ilegitimidade da parte.[18]
A legitimidade ad causam é das partes, assim se fala em legitimidade ativa e passiva, já que tanto para propor quanto para contestar a ação é preciso ter legitimidade ad causam.
A legitimidade ad causa, conforme Arruda Alvim,
é a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica. Normalmente, no sistema do Código, a legitimação para a causa é do possível titular do direito material (art. 6º).[19]
Diante dessa conceituação temos que para que uma demanda seja proposta faz-se necessário que haja a legitimidade ad causa ativa que quem detém é aquele que se afirma titular da relação jurídico-material e dessa forma devemos propor a ação contra quem detém a legitimidade ad causa passiva que é aquele responsável por suportar o pedido.[20]
Fredie Didier Jr. aponta os principais aspectos da legitimidade ad causam:
a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei;
b) é qualidade jurídica que se refere tanto ao autor quanto ao réu.
c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida.[21]
PROCESSUAL CIVIL E LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. CARÊNCIA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE DA PARTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. SUBLOCATÁRIO. PARTE ILEGÍTIMA.
- Não ocorre julgamento extra petita na hipótese em que o Tribunal de origem, antes de proferida a decisão de mérito, reconhece, de ofício, a ilegitimidade passiva ad causam e decreta a extinção do processo, sem julgamento do mérito.
- O sublocatário não é parte legítima para figurar no pólo passivo de ação de despejo, de vez que inexiste relação jurídica entre ele o locador.
- Recurso especial não conhecido.
(STJ – 6ª. Turma – Relator Ministro Vicente Leal – REsp 138216/SP – Data do julgamento 28/06/2001 publicação no DJ 20/08/2001 p. 543.)
Conforme visto temos que diante de uma parte ilegítima na ação esta deverá ser extinta, não sendo possível o seu prosseguimento.
Cumpre ressaltar que legitimidade ad causam não se confunde com a legitimidade ad processum. Enquanto que a legitimidade ad causam refere-se a legitimidade para aquela causa específica, a legitimidade ad processum refere-se a legitimidade para figurar em qualquer processo, ou seja, capacidade para estar em juízo.
A Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo e existem diversas formas de classificá-la como a divisão em legitimidade ordinária e legitimidade extraordinária, bem como outras que não serão analisadas nesse trabalho, para não perdermos o foco de nossa empreitada que é o momento de análise das condições da ação e seus resultados.
A Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo e existem diversas formas de classificá-la como a divisão em legitimidade ordinária e legitimidade extraordinária, bem como outras que não serão analisadas nesse trabalho, para não perdermos o foco de nossa empreitada que é o momento de análise das condições da ação e seus resultados.
b. Interesse de agir ou interesse processual:
Conforme Fredie Didier Jr. “alguns doutrinadores consideram o interesse de agir como a única condição da ação, rigorosamente considerada”[22]
Conforme Humberto Theodoro Jr. o interesse de agir surge diante da necessidade de se obter por meio do processo a proteção ao interesse substancial. Dessa forma, entende-se que existe o interesse processual no caso da parte ter um prejuízo caso ela não ajuíze a ação. Assim, para evitar esse prejuízo faz-se necessário a intervenção do Poder Judiciário.[23]
Para fazer a análise dessa condição da ação, faz-se necessário examinar o binômio necessidade e utilidade. Além dessas duas circunstâncias, Fredie Didier Jr., acrescenta ainda uma terceira circunstância, qual seja: interesse-adequação[24]. Na doutrina não está pacificado qual a composição do interesse de agir, assim alguns doutrinadores falam do binômio necessidade e utilidade[25], enquanto que para outros o binômio é necessidade e adequação[26] enquanto que existe uma terceira corrente que seus adeptos defendem um trinômio: necessidade, utilidade e adequação[27][28].
Quando buscamos a jurisdição é preciso preencher o requisito interesse-utilidade, isto significa dizer que quando provocamos a jurisdição estamos buscando algo que nos é útil. Somente devemos provocar a jurisdição quando ela puder nos ser útil.
Para Cândido Rangel Dinamarco temos que:
Sem antever no provimento pretendido a capacidade de oferecer essa espécie de vantagem a quem o postula, nega-se a ordem jurídica a emiti-lo e, mais que isso, nega-se a desenvolver aquelas atividades ordinariamente predispostas à sua emissão (processo, procedimentos, atividade jurisdicional).[29]
Deparamos-nos com a falta de interesse processual, em razão do interesse-utilidade, quando não for possível se obter o resultado que se deseja, dessa forma, falamos em perda do objeto da causa. Se a obrigação for cumprida pelo devedor antes de ocorrer a citação então a ação deve ser extinta sem resolução do mérito, ou seja, não há que continuar haja vista que o processo não será mais útil para o credor.
A jurisdição nasceu da necessidade de se solucionar os conflitos existentes, sendo que ao Estado ficou o poder/dever de solucionar os conflitos existentes. Dentro dessa concepção verifica-se que a jurisdição apresenta três escopos distintos, o escopo jurídico, o escopo social e o escopo político.
Enquanto que o escopo jurídico e a solução do caso concreto, o escopo social refere-se a busca da paz social que o Judiciário ao exercer a jurisdição provoca na sociedade.
Dentro dessa concepção então temos que para acionar a jurisdição, pela análise do interesse-necessidade, o que se esta verificando é que a jurisdição será exercida na medida em que não foi possível solucionar anteriormente o conflito existente. Isso ocorre de forma tranqüila no processo civil, onde normalmente almejamos uma prestação obrigacional, real e/ou personalíssima, e onde é possível o cumprimento espontâneo dessa prestação. Já, no processo penal a análise deve ser feita de forma diferenciada, já que a pretensão penal deverá ser analisada mediante o processo específico.
Já a interesse-adequação, que não é aceito de forma pacífica entre os doutrinadores, refere-se ao procedimento e ao tipo de provimento adequado que deve ser utilizado e indicado corretamente pelo autor. A crítica que se faz dessa característica refere-se ao fato de que nos deparamos com princípios como por exemplo, da Fungibilidade e do Aproveitamento dos Atos Processuais, onde permite que fazer a adequação do procedimento de forma a se adequar à forma correta. [30]
Falando sobre o binômio utilidade e necessidade temos a posição do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CARÊNCIA DE AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA RECUSA NO FORNECIMENTO DAS INFORMAÇÕES.
1. Para que esteja configurado o interesse de agir é indispensável que a ação seja necessária e adequada ao fim a que se propõe. A ação será necessária quando não houver outro meio disponível para o sujeito obter o bem almejado.
2. A inércia da recorrida frente a simples realização de pedido administrativo de exibição de documentos, sem a comprovação do pagamento da taxa legalmente prevista (art. 100, § 1º, da Lei 6.404/76), não caracteriza a recusa no fornecimento das informações desejadas.
3. Não é possível obrigar a recorrida a entregar documentos sem a contrapartida da taxa a que tem direito por força de lei.
4. Recurso especial não conhecido.
(STJ – 4ª. Turma – Relator Ministro Fernando Gonçalves – REsp 954508/RS – Data do julgamento 28/08/2007 Publicado no DJe 29/09/2008.)
Com relação à idéia de necessidade e adequação também o Superior Tribunal de Justiça se manifestou, vejamos:
Processual civil. Recurso especial. Impossibilidade de análise das questões relativas à titularidade do imóvel. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Violação do art. 535 do CPC.
Não-ocorrência. Titularidade de bem imóvel indenizado em ação de desapropriação indireta com sentença transitada em julgado. Relativização da coisa julgada. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito. Querela nullitatis. Condições da ação. Interesse de agir. Adequação.
1. A ausência de prequestionamento da matéria deduzida no recurso especial, a despeito da oposição de embargos declaratórios, atrai o óbice da Súmula 211/STJ.
2. Não viola o art. 535 do CPC, nem nega prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.
3. Ainda que por fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, pela presença das condições da ação, em especial do interesse de agir.
(...)
6. O interesse processual, ou interesse de agir, como preferem alguns, nas palavras de Alexandre Freitas Câmara ("Lições de Direito Processual Civil", vol. I, 12ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2005, págs. 128-129) "é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito de provimento final seja verdadeiro binômio: 'necessidade da tutela jurisdicional' e 'adequação do provimento pleiteado'".
7. As condições da ação devem estar presentes considerando-se, em tese, o pedido formulado pela parte autora, sem qualquer vínculo com o eventual acolhimento ou a rejeição da pretensão meritória.
8. Não resta dúvida, portanto, que o ajuizamento da presente ação declaratória de nulidade de ato jurídico é um dos meios adequados à eventual desconstituição da coisa julgada.
9. No que diz respeito à eventual procedência da ação, sua apreciação caberá ao juiz de primeiro grau de jurisdição. A manutenção do acórdão recorrido tem o efeito, tão-somente, de afastar a carência da ação, dentro dos limites da questão submetida a julgamento nesta Superior Corte de Justiça.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido
(STJ – 1ª. Turma - Relatora Ministra Denise Arruda – REsp 710599/SP – Data do Julgamento 21/06/2007 – Data da Publicação – DJ 14/02/2008 p. 144).
Outro pronunciamento elucidativo do Superior Tribunal de Justiça sobre o interesse de agir, vejamos:
Direito processual civil. Agravo no recurso ordinário em mandado de segurança. Ato impugnado passível de recurso comum. Não cabimento do writ. Interposição simultânea de agravo de instrumento. Ausência de interesse de agir.
- Não cabe mandado de segurança contra ato judicial se a mesma matéria objeto da irresignação é passível de recurso.
- A interposição simultânea de mandado de segurança e agravo de instrumento, induz à carência da ação mandamental, por ausência de interesse de agir.
Agravo no recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
(STJ – 3ª turma – Relatora Ministra Nancy ANdrighi – Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança – AgRg no RMS 28272/MA – Data do Julgamento 17/03/2009, publicação DJe 25/03/2009.)
Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Interesse maior da criança. Vício de consentimento. Ausência de alegação. Mera dúvida acerca do vínculo biológico. Exame de DNA não realizado. Cerceamento de defesa não caracterizado.
- O ajuizar de uma ação negatória de paternidade com o intuito de dissipar dúvida sobre a existência de vínculo biológico, restando inequívoco nos autos, conforme demonstrado no acórdão impugnado, que o pai sempre suspeitou a respeito da ausência de tal identidade e, mesmo assim, registrou, de forma voluntária e consciente, a criança como sua filha, coloca por terra qualquer possibilidade de se alegar a existência de vício de consentimento, o que indiscutivelmente
acarreta a carência da ação, sendo irreprochável a extinção do processo, sem resolução do mérito.
- Se a causa de pedir da negatória de paternidade repousa em mera dúvida acerca do vínculo biológico, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, por carência da ação.
- Uma mera dúvida, curiosidade vil, desconfiança que certamente vem em detrimento da criança, pode bater às portas do Judiciário? Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, consciente no momento do reconhecimento voluntário da paternidade, leva para o universo do infante os conflitos que devem permanecer hermeticamente adstritos ao mundo adulto. Devem, pois, os laços afetivos entre pais e filhos permanecer incólumes, ainda que os outrora existentes entre os adultos envolvidos hajam soçobrado.
- É soberano o juiz em seu livre convencimento motivado ao examinar a necessidade da realização de provas requeridas pelas partes, desde que atento às circunstâncias do caso concreto e à imprescindível salvaguarda do contraditório.
- Considerada a versão dos fatos tal como descrita no acórdão impugnado, imutável em sede de recurso especial, mantém-se o quanto decidido pelo Tribunal de origem, insuscetível de reforma o julgado.
- A não demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.
Recurso especial não provido.
(STJ – 3ª. Turma – Relatora Ministra Nancy Andrighi. REsp 1067438/RS. Data do Julgamento 03/03/2009. Publicação DJe 20/05/2009.)
c. Possibilidade Jurídica do Pedido
Essa terceira condição da ação passa pela análise do que o ordenamento jurídico permite e o que ele não veda. Essa análise não é específica para a ação e as partes que estão pleiteando, mas sim para qualquer pessoa. Como pode-se constar com a conceituação de Arruda Alvim:
Por possibilidade jurídica do pedido, portanto, enquanto condição da ação, entende-se que ninguém pode intentar uma ação sem que peça providência que esteja, em tese, prevista, ou que a ela óbice não haja, no ordenamento jurídico material.[31]
Dessa forma, cabe ao magistrado assim, que recebe a petição inicial verificar, se em tese, o que o autor pleiteia é possível de ser concedido dentro da órbita jurídica existente.
O art. 295, parágrafo único determina que:
Art. 295 (...)
Parágrafo único:
III – o pedido for juridicamente impossível.
Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, para a análise da impossibilidade do pedido deverá entender “pedido” do inciso compreendendo o conjunto da causa de pedir mais o pedido. E, verificando a impossibilidade jurídica do pedido o magistrado deverá indeferir de plano, pois não há que se falar em emenda à inicial já que o vício é insanável.[32]
Para Cândido Rangel Dinamarco a impossibilidade jurídica da demanda pode esta centrado no próprio pedido que exclui a ação e com isso impede que o seja consumada a jurisdição, mas Poe ocorrer que o problema está situado na causa de pedir, como por exemplo no caso de dívida de jogo, ou ainda, pode ser em razão de alguma condição específica da pessoa, como por exemplo no caso de execução contra pessoa jurídica de direito público.[33]
Vejamos o exemplo da decisão do Supremo Tribunal Federal abaixo:
AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROCESSO EXTINTO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE UMA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ART. 267, VI DO CPC. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. SÚMULA 249 DO STF. Ausência de "sentença de mérito", a formar coisa julgada material, quanto à pretensão originária do autor, de obter a procedência do pedido de prestação de contas por ele deduzido. Art. 485, caput, do CPC. Por não impugnar decisão de mérito, não cabe ação rescisória contra decisão que apenas extingiu o processo, pela ocorrência de ilegitimidade ativa ad causam. Precedente: AR nº 1.056, Rel. Min. Octavio Gallotti, D.J. 25.05.2001. Questão de ordem que se resolve com o não conhecimento da presente ação rescisória, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI do CPC).
Decisão
- O Tribunal resolveu a questão de ordem no sentido de não conhecer da ação, pela impossibilidade jurídica do pedido, e impôs ao autor as custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente corrigido, perdendo o depósito em favor dos réus. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Sydney Sanches, Celso de Mello e Nelson Jobim, e, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso. Plenário, 27.03.2003.
- Retificação: Ante a existência de erro material, retificada, por unanimidade, a papeleta de julgamento de questão de ordem na Ação Rescisória 1.203-8/PR, ocorrido na sessão de 27 de março de 2003, para constar o impedimento do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 02.04.2003.
(STF - Relatora Ministra Ellen Gracie. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 27/03/2003. AR 1203 QO/ PR – Paraná – Questão de Ordem na ação rescisória. )
No exemplo apresentado a impossibilidade jurídica do pedido decorre do pleito do autor de rescindir uma sentença terminativa que não faz coisa julgada. O pedido não é juridicamente possível haja vista que uma ação rescisória não pode rescindir uma sentença terminativa. Seja no caso apresentado ou em qualquer outro não é possível a rescisão de uma sentença terminativa, já que ela não faz coisa julgada.
5. Momento de verificação das condições da ação
Dentro do tema ação um dos pontos mais polêmicos está assentado no momento da verificação das condições da ação.
A doutrina se divide em duas correntes quanto ao momento de verificação das condições da ação, assim temos:
5.1 Primeira Corrente: Teoria da Exposição
Como expoente dessa corrente encontramos Cândido Rangel Dinamarco[34] ele e os demais defensores dessa corrente, as condições da ação podem ser analisadas a qualquer momento, conforme art. 267, § 3º e art. 301, inciso II e § 4º do CPC). Sendo assim, os defensores dessa corrente entende que em qualquer momento em que for verificada a ausência de uma das condições da ação o magistrado deverá extinguir o processo sem resolução do mérito.
A teoria da exposição entende que as condições da ação podem ser analisadas a qualquer momento, inclusive, se for o caso, até mediante a comprovação por meio de provas.
Como as condições da ação são consideradas de ordem pública elas podem ser analisadas a qualquer tempo, e verificando-se a carência da ação, devemos extinguir o processo sem resolução do mérito.
Buscando na legislação processual para a fundamentação dessa teoria, temos o art. 267, § 3º: onde determina que o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não for proferida a sentença de mérito, quando se tratar, dentre outras, das condições da ação.
5.2 Segunda Corrente: Teoria da Asserção
Como teoria majoritária temos a teoria da asserção, também denominada de teoria da prospettazione do direito italiano.
Para os defensores dessa teoria temos que as condições da ação devem ser examinadas in status assertiones, isso significa dizer que elas serão analisadas na forma como foram apresentadas.
Para a Teoria da Asserção o magistrado deve examinar as condições da ação até o momento anterior à fase instrutória. Apesar de já ter sido produzida alguma prova, seja na inicial ou na contestação. Sendo analisadas as condições da ação antes da fase instrutória o magistrado deverá extinguir o processo sem resolução do mérito. Porém, se o magistrado ingressar na fase instrutória, já está analisando o mérito da questão, dessa forma as condições da ação não estão mais sendo examinadas como foram apresentadas, sendo assim, deve-se analisar o mérito e julgar a procedência ou improcedência do pedido do autor. Essa posição encontra-se defendida por doutrinadores como Alexandre Freitas Câmara[35], Fredie Didier Jr.[36], dentre outros.
Quando analisamos a Teoria da Asserção verificamos que ela se encontra em conformidade com o Principio da Celeridade e da Economia Processual. Uma vez sendo analisada as questões oriundas das condições da ação após o momento inicial, deve-se ser extinto o processo com resolução do mérito, para evitar novos ajuizamentos e com isso assoberbar o Poder Judiciário. Cumpre ressaltar que o Princípio da Celeridade tem respaldo constitucional no inciso LXXVIII, do art. 5º, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004.
Conforme Alexandre Freitas Câmara temos que:
Parece-me que a razão está com a teoria da asserção. As “condições da ação” são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretistas da ação. Exigir a demonstração das condições da ação significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria ? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou carecedor de ação ? A se afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou a sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as condições da ação, quem fizer jus a um provimento jurisdicional favorável.[37]
Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra apresenta um repúdio à teoria da asserção, assim se manifestando:
Goza no entanto de crescente prestígio a teoria da asserção, que afirma o contrário. Segundo os seus seguidores, as condições da ação deveriam ser aferidas in status assertionis, ou seja, a partir do modo como a demanda é construída – de modo que se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem as condições corretamente expostas na petição inicial, só depois se verificasse a falta de sua concreta implementação. Ao propor arbitrariamente essa estranha modificação da natureza de um pronunciamento judicial conforme o momento em que é produzido (de uma sentença terminativa a uma de mérito), a teoria della prospettazzione incorre em uma série de erros e abre caminho para incoerências que desmerecem desnecessária e inutilmente o sistema.[38]
Em que pese a crítica formulada por Cândido Rangel Dinamarco, entendemos que a teoria da asserção encontra-se em consonância com a evolução de nosso sistema processual, já que a releitura do direito processual civil após o advento da Constituição Federal de 1988, percebe-se que a busca de uma maior efetividade inclusive nos provimentos judiciais. Não podemos assim, permanecer estanques no meio dessa evolução, faz-se necessário, verificar que se adentrou-se a fase instrutória já é necessário manifestar-se acerca do mérito, resolvendo assim o processo pela improcedência do pedido do autor.
6. Conclusão
O nosso sistema jurídico prevê as condições da ação, como sendo requisitos fundamentais para que possa ser analisado se o autor tem o direito material questionado ou não. Enquanto que todos tem o direito de ação, previsto constitucionalmente, para que ele possa ser exercido faz-se necessário que seja preenchida as condições para ação para que se possa verificar se o pedido do autor é procedente ou improcedente.
O momento de verificação das condições da ação está sendo questionado pelos doutrinadores e sendo assim, apresentam-se duas teorias distintas sobre o momento de verificação dessas condições.
A Teoria da Exposição, encontra-se presente no Código de Processo Civil, é a teoria mais antiga que conta com diversos adeptos até os dias atuais. Para seus defensores temos que cabe a apreciação das condições em qualquer fase processual e quando chegar à conclusão pela carência da ação devemos então extinguir o processo sem resolução de mérito.
A Teoria da Asserção por sua vez, se posiciona no sentido de que as condições da ação devem ser analisadas até antes da fase probatória, haja vista que após esse momento estaremos falando em produção de provas e nesse caso deve-se extinguir o processo com resolução de mérito.
7. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Teoria da Asserção
A Terceira turma do Superior Tribunal de Justiça analisando um Recurso Especial apresenta quais as condições existentes e que em sua ausência levariam à carência da ação, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA DE AÇÃO NÃO DEMONSTRADA.
- A ofensa à literalidade da lei confunde-se com o próprio mérito da rescisória. Havendo ofensa à literalidade da lei, o juízo é de procedência, e não de carência da ação.
- Apenas a ilegitimidade de partes, a falta de interesse processual e a impossibilidade jurídica do pedido permitem o juízo de carência da ação. Tais requisitos devem ser constatados in status assertionis, isto é, segundo aquilo que foi alegado na inicial, não estando demonstrados na hipótese.
Recurso Especial não conhecido.
(STJ – 3ª Turma – Relatora Ministra Nancy Andrighi – REsp 818603/RS - Data publicação DJe 03/09/2008. Julgamento 19/08/2008.)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. ACÓRDÃO QUE, POR MAIORIA, REFORMA SENTENÇA TERMINATIVA E ADENTRA O JULGAMENTO DO MÉRITO. CABIMENTO.
- Nem sempre é meramente terminativo o acórdão que julga apelação contra sentença terminativa, eis que, nos termos do § 3º do art. 515, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.
- Se apenas o Tribunal julga o mérito, não se aplica o critério de dupla sucumbência, segundo o qual a parte vencida por um julgamento não-unânime em apelação não terá direito aos embargos infringentes se houver sido vencida também na sentença.
- Assim, em respeito ao devido processo legal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistematicamente com o restante do CPC, em especial o § 3º do art. 515, admitindo-se os embargos infringentes opostos contra acórdão que, por maioria, reforma sentença terminativa e adentra a análise do mérito da ação.
- Aplica-se à hipótese, ainda, a teoria da asserção, segundo a qual, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão.
- A natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva. Portanto, entendida como de mérito a sentença proferida nos autos, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes.
Recurso especial conhecido e provido.
(STJ – 3ª. Turma – Resp 832370MG – Ministra Relatora Nancy Andrighi – Data do Julgamento 02/08/2007, publicado no DJ em 13/08/2007 p.366.)
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça também assim se posiciona, vejamos:
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – TEORIA DA ASSERÇÃO – NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO PARA AFERIR O GRAU DE DISCRICIONARIEDADE CONFERIDO AO ADMINISTRADOR PÚBLICO – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1. Não viola o artigo 535 do CPC quando o julgado decide de modo claro e objetivo na medida da pretensão deduzida, contudo de forma contrária à pretensão do recorrente.
2. Nos termos da teoria da asserção, o momento de verificação das condições da ação se dá no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento.
3. Para que se reconheça a impossibilidade jurídica do pedido, é preciso que o julgador, no primeiro olhar, perceba que o petitum jamais poderá ser atendido, independentemente do fato e das circunstâncias do caso concreto.
4. A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal.
5. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica.
6. Para se chegar ao mérito do ato administrativo, não basta a análise in abstrato da norma jurídica, é preciso o confronto desta com as situações fáticas para se aferir se a prática do ato enseja dúvida sobre qual a melhor decisão possível. É na dúvida que compete ao administrador, e somente a ele, escolher a melhor forma de agir.
7. Em face da teoria da asserção no exame das condições da ação e da necessidade de dilação probatória para a análise dos fatos que circundam o caso concreto, a ação que visa a um controle de atividade discricionária da administração pública não contém pedido juridicamente impossível.
8. A influência que uma decisão liminar concedida em processo conexo pode gerar no caso dos autos pode recair sobre o julgamento do mérito da causa, mas em nada modifica a presença das condições da ação quando do oferecimento da petição inicial.
Recurso especial improvido.
(STJ – 2ª. Turma – Resp 879188/RS – Ministro Relator Humberto Martins – Data do Julgamento 21/05/2009. Publicação DJe 02/06/2009)
Em outro julgado da 2ª turma, temos que:
ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - TRANSPORTE - PEDIDO DE ADEQUAÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL - INTERESSE DE AGIR, LEGITIMIDADE E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1. O caso trata de ação civil pública ajuizada pelo MPSP em face da CPTM, concessionária do serviço público, para adequar o serviço de transporte de passageiros, que, no entender do autor, vinha sendo deficientemente prestado. A sentença julgou parcialmente o pedido, condenando a concessionária a adequar-se, nos termos da sentença, aos serviços que devem ser prestados aos cidadãos.
2. É dever do Poder Público e de seus concessionários e permissionários prestar serviço adequado e eficiente, atendendo aos requisitos necessários para segurança, integridade física, e saúde dos usuários, tudo conforme os arts. 6º, I e X, do CDC c/c 6º da Lei n. 8.987/95.
3. Deste modo, uma vez constatada a não-observância de tais regras básicas, surge o interesse-necessidade para a tutela pleiteada. Vale observar, ainda, que as condições da ação são vistas in satu assertionis ("Teoria da Asserção"), ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante, na petição inicial. Desse modo, o interesse processual exsurge da alegação do autor, realizada na inicial, o que, ademais, foi constatado posteriormente na instância ordinária.
Tudo isso implica reconhecer a não-violação dos arts. 3º e 267, VI, do CPC.
4. No caso dos autos, não ocorre a impossibilidade jurídica do pedido, porque o Parquet, além de ter legitimidade para a defesa do interesse público (aliás, do interesse social), encontra-se no ordenamento jurídico, tanto na "Lei da Ação Civil Pública" (Lei n.7.347/85), quanto na "Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e Normas Gerais para os Ministérios Públicos dos Estados" (Lei n. 8.625/93) e outras, ou mesmo nos arts. 127 e 129 da CF, respaldo para pedir a adequação dos serviços de utilidade pública essenciais.
5. Quanto à alínea "c", impossível o conhecimento do especial, pois inexiste dissídio jurisprudencial demonstrado, uma vez que os substratos fáticos dos acórdãos apontados como paradigma são diferentes do enfrentado no acórdão recorrido.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(STJ – 2ª. Turma – Resp 47065/SP – Relator Ministro Humberto Martins – Data do Julgamento 16/10/2007, publicado no DJ em 29/10/2007 p. 201.)
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça também tem-se posicionado aceitando a teoria da asserção, vejamos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. POTENCIALIDADE DE DANO AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. EXISTÊNCIA DE PARECER TÉCNICO DE ENGENHARIA APONTANDO SER O CORTE DE ENERGIA CAPAZ DE GERAR LESÃO AO MEIO AMBIENTE. TEORIA DA ASSERÇÃO. FUNDAMENTO INATACADO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
I - Segundo o constante do acórdão recorrido, o parecer técnico de engenharia concluiu que o corte de energia, in casu, seria capaz de gerar lesão ao meio ambiente. E é fato ter a recorrente efetivado tal corte, sem prévio aviso de modo que não é razoável a tese defendida sobre sua ilegitimidade passiva.
II - No particular, inclusive, é de se aplicar a Súmula n. 283/STF, porquanto fundou-se o julgado ora hostilizado na argumentação de que vigente no direito processual a teoria da asserção e não a teoria concretista da ação, motivo por que "as condições da ação são verificadas em abstrato". Sobre este fundamento, suficiente à mantença do acórdão, não se contrapôs a recorrente.
III - A alegativa de violação do art. 3º do Código de Processo Civil, por si só, não tem o condão de reformar o acórdão recorrido, visto que a Corte ordinária justificou a existência da legitimidade passiva, in casu, tendo como base, à justa, a teoria da asserção. A recorrente, todavia, prende-se à alegativa de que "não é crível manter uma ação civil pública contra a fornecedora de energia elétrica se ela não produz o dano e muito menos está responsável pela operação de equipamentos que podem, em tese, evitá-lo (...)". Aí é que reside o nó górdio da questão: pela teoria da asserção é possível sim, que isto aconteça.
IV - Ademais, consoante cediço, "a legitimidade do Ministério Público para ajuizar tais ações (civis públicas) é prevista in satus assertionis, ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante na inicial ('teoria da asserção')" (REsp n. 265.300/MG, DJ de 2/10/2006).
V - Agravo regimental improvido.
(STJ – 1ª. Turma – Relator Ministro Francisco Falcão – AgRg no Resp 877161/RJ – Data do Julgamento 05/12/2006 publicado no DJ em 01/02/2007 na p. 442).
Além da posição das Turmas do Superior Tribunal de Justiça outros tribunais também assim tem-se posicionado.
[1] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 155-156.
[2] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 156.
[3] Teoria do Direito concreto à tutela de Adolpho Wach (1885), Teoria da Ação como Direito Potestativo de Chiovenda, Teoria da Ação no sentido Abstrato de Plosz e Degenkolb, dentre outras. In SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 156-165. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1.São: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 167-172.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1 .São: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 172-174.
[5] CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrine e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 229.
[6] FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p.157.
[7] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora JusPodivm, 2009, p. 175.
[8] LIEBMAN, Enrico Túlio. Manual de direito processual civil, vol. 1 p. 150 apud MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1. São: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 173.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1. São: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 173.
[10] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodivm, 2009, p. 180
[11] ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2ª. edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 148-149.
[12] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.349.
[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. 1, 17ª. edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008, p. 115.
[14] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Legitimação para agir. Indeferimento da petição inicial. Temas de Direito Processual Civil. 1ª Série. 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1988, p. 198.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1. São: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 173.
[16] FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 125.
[17] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 307.
[18] NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 561.
[19] ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 450.
[20] DESTEFENNI, Marcos. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1 – Tomo I. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 114.
[21] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodivm, 2009, p. 186.
[22] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodivm, 2009, p. 195.
[23] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 63.
[24] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodivm, 2009, p. 198-199.
[25] Como defensores dessa corrente encontramos Nelson Nery Júnior in NERY Jr, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 143. e Luiz Fux in FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 297.
[26] Como defensores dessa corrente encontramos Alexandre Freitas Câmara in CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol.1. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 118-119, Luiz Guilherme Marinoni in MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 46.
[27] Como defensor dessa corrente podemos citar Humberto Theodoro Jr m sua obra Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. São Paulo: Editora Forense, 2009, p. 66.
[28] FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 142.
[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo: Editora Malheiros, 2000, p. 402.
[30] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodivm, 2009, p. 198-199.
[31] ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 443.
[32] NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 562.
[33] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 384.
[34] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. 2. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 323-325.
[35] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 122.
[36] DIDIER Jr., Fredie. Direito Processual Civil. Vol. 1. Bahia: Editora Juspodvum, 2009, p. 176-177.
[37] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 122.
[38] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 2. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 324.
Advogada. Mestre em Direito pela UFPE. Professora na Graduação e na Pós-graduação de disciplinas tais como: Teoria Geral do Processo, Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATA MALTA VILAS-BôAS, . Condições da Ação: Momento de Verificação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2009, 08:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17750/condicoes-da-acao-momento-de-verificacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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