Tramita no Congresso Nacional, desde março de 2006, projeto de lei de autoria da Senadora Heloísa Helena, que altera a Lei dos Crimes Hediondos, acrescentando em seu rol os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva. Esse projeto nasceu com a finalidade de combater a corrupção no Brasil, mas é pouco provável que a futura alteração legislativa alcance tal objetivo.
De outro lado, essa lei, depois de aprovada, poderá representar mais um exemplo de legislação simbólica no Brasil.
Quando uma lei é editada para provocar determinada sensação na sociedade, ocorre o que os doutrinadores denominam “legislação simbólica”. A lei existe para regular as relações sociais, e solucionar os conflitos que surgem dessas relações. A lei simbólica não se propõe a resolver tais conflitos, mas sim adiar sua solução.
Não se discute a possibilidade jurídica de se considerar hediondo o crime de corrupção, uma vez que nosso país adota o sistema legal, no qual são considerados hediondos, em rol taxativo, os crimes que o legislador assim deseja. A discussão deve girar em torno da solução que se propõe para o problema, pois toda vez que é proposta uma solução equivocada, mais nos afastamos da solução adequada.
Nossa legislação penal é formada por um emaranhado de leis, verdadeira colcha de retalhos, complexa, contraditória, e, em muitos casos, ineficaz. Isso ocorre porque sempre que o país passa por um momento de comoção, surge alguma autoridade propondo a mudança da lei penal. Pouco tempo depois, sem muito debate sobre o tema, surge uma lei penal prematura e tecnicamente defeituosa, que, não raro, exige de seus aplicadores verdadeiros malabarismos jurídicos para que possa ser aplicada. Um exemplo recente desse fenômeno é a Lei n. 11.705/2008, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro. Essa lei, com o propósito de dar tratamento mais severo aos indivíduos que conduzem veículo após ingerir bebidas alcoólicas, criou uma brecha que permite ao condutor alcoolizado escapar da prisão. Isso porque, para ser crime, a lei exige quantidade mínima (seis decigramas) de álcool por litro de sangue do condutor. Isso permite que ele fique impune quando se recusa a se submeter ao etilômetro, uma vez que nenhuma outra prova técnica será apta a demonstrar se o ébrio ultrapassou o limite legal. Como não pode ser forçado a soprar o bafômetro, o condutor se recusa e fica impune. Como se vê, a lei, quando mal elaborada, além de não cumprir o seu papel, muitas vezes, tem o efeito inverso ao pretendido.
Com efeito, tornar hediondo o crime de corrupção não vai reduzir a corrupção. Tomemos como exemplo a própria Lei n. 8.072/90, Lei dos Crimes Hediondos. Essa lei não provocou a redução de nenhum dos crimes hediondos, nela enumerados. Evidentemente que os autores de crimes hediondos devem ser tratamos com maior rigor, mas dizer que ela vai desestimular a prática desses crimes, isso é pura falácia. Aliás, se essa lei, considerada elitista por alguns juristas, não reduziu a ocorrência de crimes como seqüestro, estupro e homicídio, como esperar tal resultado em relação aos crimes praticados pelas autoridades do alto escalão do governo?
Nesse ponto, surge outra questão: o maior rigor da lei diminui a impunidade? A resposta é não. Estudos revelam que o criminoso não pensa na pena ao cometer um crime. O delinqüente, antes de decidir se vai ou não cometer o crime, levará em conta a probabilidade de ser punido. Ser punido significa ser preso, processado, condenado e cumprir pena. A título de ilustração, se o dono de um mercado quer reduzir o número de pequenos furtos que vêm ocorrendo em seu estabelecimento, não adiantaria ele colocar um cartaz na parede contendo a pena do furto (reclusão de 1 a 4 anos). Ao invés disso, o comerciante vai instalar câmeras de vigilância e contratar seguranças. Assim, hipoteticamente, se a pena do furto fosse de vinte a trinta anos de reclusão, o criminoso não deixaria de praticar, se soubesse que as chances de sofrer tal punição seriam ínfimas.
Quais seriam, então, as soluções para o problema da corrupção? Partindo da premissa de que a alteração da Lei dos Crimes Hediondos não resolverá o problema, surge a necessidade de se buscar outras soluções. Aqui, cabe a observação de que devem ser tomadas várias medidas com o fim de coibir a corrupção. Não há nenhuma medida milagrosa, que, isoladamente, erradicará esse mal. Antes de mudar a lei, é claro, o Brasil deve passar por uma mudança cultural. Do ponto de vista jurídico, uma reforma consistente da legislação processual ajudaria a resolver o problema. A persecução penal deve ser mais eficiente. Assim, por exemplo, um procedimento especial, mais célere, sempre que houvesse desvio de dinheiro público, faria o corrupto pensar duas vezes antes de colocar o dinheiro na cueca.
Mais eficiência na persecução penal depende também de investimentos maciços na Segurança Pública. As Polícias Civis e a Polícia Federal devem ser dotadas de equipamentos modernos e tecnologia de ponta, para que possam estar à frente daqueles que devem combater. É preciso, também, valorizar o policial, com treinamento e salários dignos, uma vez que, os policiais brasileiros estão sem auto-estima, sem identidade. Assim, o policial desmotivado e mal-remunerado será mais suscetível a ser corrompido.
Ora, se o policial corrupto não investiga o criminoso comum, o traficante, o assaltante, obviamente não chegará nem perto das autoridades corruptas, autoridades essas, que muitas vezes exercem cargos de chefia da própria polícia, e não raro, interferem nas investigações.
Essa perniciosa interferência no trabalho da polícia pode ser amenizada, dotando-se as polícias investigativas de maior autonomia, assim como ocorre com outros órgãos responsáveis pela persecução penal, tais como o Ministério Público.
A solução para o problema da corrupção não é simples. A corrupção, gerada por questões morais e culturais, existe há milênios. Talvez nunca deixe de existir. Mas, para diminuir sua ocorrência no nosso País, é preciso que essas e outras soluções decorram de um debate sério, travado por pessoas comprometidas em resolver o problema. O povo brasileiro precisa se politizar para votar em políticos honestos (ou menos desonestos). Tais políticos, depois de eleitos, devem ser fiscalizados, constantemente, durante todo seu mandato, pelos seus eleitores. Por fim, a atitude, no mínimo suspeita, de políticos desinteressados na solução desse grave problema equivale à atitude de outros políticos que, a pretexto de aparentar boa intenção, anunciam medidas que apenas adiam a verdadeira solução.
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