Segundo definição constante no Decreto –Lei 200/67, sociedade de economia mista “é a entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração indireta.”
Destarte, mesmo com a definição expressa da mencionada legislação, inúmeras são as divergências doutrinárias acerca da definição mais apropriada para esta entidade estatal. Segundo definição do ilustre jurista Celso Antônio Bandeira de Mello,
"Sociedade de economia mista federal é a pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionária de propriedade particular"
Para o ilustre jurista, o emprego do termo “exploração de atividade econômica” não traz consigo a carga conotativa e denotativa que a Constituição Federal lhe atribui, pois “ Seria descabido imaginar que o Decreto-Lei 200 haja pretendido deixar ao largo de sua disciplina, e que intentou condenar à marginalidade jurídica, precisamente o mais significativo contingente de sociedades de economia mista do País, que é constituído justamente por prestadoras de serviços públicos ou de outra atividade caracteristicamente pública.”
Antes de adentrarmos de forma mais minuciosa a definição de Sociedade de Economia Mista e suas divergências, importante o lecionar de Cretella acerca da mencionada entidade "Este novo tipo de sociedade não pode ser considerado como o termo de evolução de um progressivo labor doutrinário. Antes, ao contrário, é um ensaio de fusão de duas formas antitéticas de economia: a individualista e a de socialismo de Estado".
Noticia ainda que "Foi na Alemanha que a sociedade de economia mista teve origem, remontando seu nascimento às sociedades públicas (‘offentliche-Handlungs-Compagnien’), criadas no início da idade moderna (Companhia das Índias Orientais, Companhia das Índias Ocidentais), sociedades de que participavam, em estreita aliança, Estado e particulares com objetivo de colonização".
Ora, primeiramente importante o destaque acerca da importância da criação das Sociedades de Economia Mista na gestão dos interesses estatais e, posteriormente, a importância da utilização de capital privado para o almejo de seus objetivos.
Conforme já mencionado, sua criação remonta a idade moderna, tempos das Grandes Navegações, cujo principal objetivo era não somente o de colonizar, como explorar economicamente as colônias conquistadas, através do comércio, principalmente. Eis o interesse do particular na participação de tais sociedades, que diferentemente do Estado, possuía interesse meramente econômico.
Afinal, qual seria o interesse privado em uma sociedade cujo objetivo seria algo diferente do lucro? Neste ponto, data vênia, discordo do ilustre jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, pois o termo “exploração de atividade econômica” traz consigo a principal característica de uma sociedade de economia mista, ou seja, a necessidade da presença estatal na seara mercadológica, não ultrapassando os limites da concorrência leal.
Assim, a exploração de atividade econômica está no âmago da Sociedade de Economia Mista e, portanto, a presença mesmo que minoritária de capital privado estaria justificada por si só. Uma entidade estatal que explore tão somente uma prestação de serviço público essencial, não lucrativa, não poderia assumir os mesmos encargos que aquelas cujo objetivo é o lucro.
Neste esteio, o professor e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso defendeu a tese de que, nos termos do art. 173, parágrafo 1º da Constituição de 1988, ‘‘a autarquia que exerce atividade econômica sujeita-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Da mesma forma, se uma empresa pública ou mista não exerce atividade econômica, mas é prestadora de serviço público, não está ela sujeita ao regime próprio das empresas privada.’’ (RE 153.523-7-RGS).
Ou seja, quando se onera uma Sociedade de Economia Mista prestadora de serviço público com todos os encargos tributários de uma empresa privada, por exemplo, tem-se simplesmente uma transferência de recursos entre entes da federação e a torna deficitária.
A intenção do legislador ao tributar uma sociedade de economia mista foi a de possibilitar que o Estado explore diretamente uma atividade econômica como forma de sustentação do mercado, mesmo com todos os encargos e tributos incidentes, pois como qualquer empresa privada, esta deveria almejar o lucro como forma de auto-sustentação.
Assim, como uma sociedade de economia mista prestadora de serviço público não está inserida no mercado concorrencial, sendo muitas vezes dependente exclusivamente do repasse de verba governamental, não há, portanto, qualquer espécie lucrativa que justifique a tributação e os encargos aplicados.
Evidentemente que a intenção deste breve estudo não é a defesa da imunidade tributária das Sociedades de Economia Mista prestadora de serviços públicos, mas sim, a incongruência em se criar, ab initio, uma Sociedade de Economia Mista para prestação de serviços públicos.
Nossa jurisprudência já reconheceu a distinção entre uma Sociedade de Economia Mista que explora ou não atividade econômica, senão vejamos:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a.
II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.”
(STF – 2ª Turma – RE 407.099/RS – Relator Ministro Carlos Veloso – ECT x Município de São Borja – Decisão de 22/06/2004 – DJU de 06/08/2004)
Ou seja, tal reconhecimento, por si só, já revela a incongruência em se adotar uma Sociedade de Economia Mista como prestadora de serviço público, eis que existem outras figuras administrativas que poderiam adotar tal atividade, como é o caso das autarquias também pertencentes à Administração Pública Indireta.
Neste ponto, importante um novo destaque ao questionamento já mencionado, qual seja, qual o interesse do capital privado em uma Sociedade de Economia Mista prestadora de serviços públicos?
Nenhum interesse, o que descaracteriza a própria natureza jurídica da Sociedade de Economia Mista, ocorrendo na ausência de capital estritamente privado, a participação de outros entes da Administração Pública Indireta como acionistas das Sociedades de Economia Mista prestadora de serviços públicos.
Ou seja, sem qualquer intenção de esgotar a matéria em apreço, vê-se que o uso político para criação de Sociedades de Economia Mista acabou por gerar uma nova espécie de entidade estatal, a Sociedade de Economia Mista prestadora de serviços, anômala a sua própria origem, desvirtuada do próprio objetivo que originou sua criação, tornando estas empresas deficitárias e por conseguinte, grandes fardos para uma boa gestão da Administração Pública.
Bibliografia:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo, 19ª Ed, São Paulo: Editora Malheiros, 2005.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, 2ª Ed, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2003.
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