O chamamento ao processo constitui-se em modalidade de intervenção de terceiros, exclusiva do réu citado em ações que versem sobre dívida comum ou solidária, nos termos do art. 77 do CPC:
“Art. 77. É admissível o chamamento ao processo:
I - do devedor, na ação em que o fiador for réu;
II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles;
III - de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum."
Tal instituto tem por escopo formar um título executivo judicial para que o devedor demandado possa regressar contra os mencionados nos incisos anteriores, conforme interpretação do art. 80 do CPC:
“Art. 80. A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na proporção que Ihes tocar.”
Para a massiva maioria dos autores, a condição do chamado ao processo seria litisconsorte passivo, facultativo e ulterior. Passivo, parte ré, por controverter direito próprio em nome próprio devido ao seu interesse direto, já que o chamado também tem obrigação para com o demandante. Facultativo por ser da opção do réu devedor chamar os outros devedores, o devedor principal ou os demais fiadores. Ulterior devido ao ingresso pretérito do chamado à propositura da ação. Os doutrinadores também o condicionam como tal devido à remissão que o art. 79 do CPC faz ao art. 74 do próprio. In verbis:
“Art. 79. O juiz suspenderá o processo, mandando observar, quanto à citação e aos prazos, o disposto nos arts. 72 e 74.
Art. 74. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado, comparecendo, assumirá a posição de litisconsorte do denunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu.”
Destarte, não haveria problema em condicionar o chamado como litisconsorte, já que implicitamente moldurado nos dispositivos legais da legislação processual civil. O festejado doutrinador LUIZ GUILHERME MARINONI se coaduna com tal posição:
“No chamamento ao processo, porém, admite-se que o réu da demanda possa, por sua própria iniciativa, e mesmo sem que haja a colaboração ou adesão da parte autora, promover esse tipo de litisconsórcio passivo, convocando ao processo outras pessoas que também seriam legitimadas a figurar como réus.”
Em que pese a maioria da doutrina confirmar tal condição, é de ser revelado que tal instituto terminaria por comprometer o direito material da solidariedade passiva ou o da fiança, caso o chamado fosse considerado como litisconsorte. Se assim fosse, extirparia o real sentido do princípio da instrumentalidade do processo, como se há de ver adiante.
Cumpre observar, preliminarmente, que a solidariedade passiva consiste, em remate, no direito do credor em exigir e receber a dívida parcial ou totalmente de um, alguns ou todos os devedores, nos termos do art. 275 do Código Civil:
“Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.”
No mesmo passo, o contrato de fiança tem por escopo a garantia da satisfação do crédito pelo fiador caso o seu afiançado não cumpra com a obrigação, logo, o fiador é devedor comum. Assim, de igual forma, também cabe ao credor a escolha do devedor caso haja o inadimplemento, conforme interpretação do art. 818 do Código Civil:
“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.”
Em virtude de tais considerações, nota-se que ambos os institutos constituem na escolha do credor em demandar quem queira, com discricionariedade, observadas as condições legais. Admitir que o chamado figura como litisconsorte (parte) no processo é afastar o direito material do credor de escolher seu ex-adverso, comportado no art. 275 do CC, e, por conseqüência, obrigá-lo a litigar contra quem não deseja. Isso porque a motivação para litigar contra alguém parte do autor, assim sendo, este já o fez, e, amparado em seu direito, escolheu quem achava que realmente deveria responder pela dívida.
Em sede de corroboração, é de extrema coerência pensar que condicionar o chamado como litisconsorte acabaria por ferir o princípio da instrumentalidade, no qual o direito processual faz valer o direito material, e não reprimi-lo. Como consequência de tal consideração, haveria a inversão do princípio da instrumentalidade do processo, já que o direito material teria que se adaptar ao direito processual. Sublinhe-se que o instituto do chamamento existe, tão-somente, devido à dívida solidária ou comum.
Oportuno se torna dizer que o demandado na ação representa os demais, funcionando no processo como amostra, já que perante o credor são tidos como um, o devedor, assim sendo, não há possibilidade de se ter outro réu na ação. A impressão que se tem é que os chamados possuem interesse direto, mas tal argumento improcede. Convém notar, outrossim, que quando da sentença que julgar procedente a ação, cabe ao sucumbente a escolha de regressar em ação autônoma contra os demais devedores, assim, os futuros efeitos desta sentença não recaem diretamente aos outros devedores, isso somente se o sucumbente o quiser. De igual forma, cabe ao réu chamar os demais devedores ou não, atitude que não interfere no possível regresso.
Aliás, é de ser lembrado que um dos maiores defensores deste “litisconsórcio”, o culto processualista HUMBERTO TEODORO JÚNIOR, faz parte da comissão de elaboração do anteprojeto do novo CPC. É esperado então, se acatado for o seu entendimento, que neste anteprojeto se tenha expresso que a condição do chamado é de litisconsorte passivo, juntamente com o devedor demandado, em vez de se fazer a confusa remissão ao art. 74 do CPC. Se isso feito, ter-se-á a inversão expressa do princípio da instrumentalidade do processo.
Consoante o aqui aduzido, a condição do chamado, para que não entre em choque com o direito material da solidariedade ou da dívida comum, não pode ser de litisconsorte. É assistente simples, já que é terceiro que possui interesse reflexo ao processo. Neste diapasão, revela-se de suma importância atentar para os apontamentos do Profº NELSON NERY JÚNIOR:
“O autor ajuizou ação apenas contra o réu, de sorte que os demais co-devedores solidários não fazem parte da relação jurídica processual originária. Seu chamamento ao processo feito pelo réu constitui ingresso de terceiro em processo alheio...”
Bibliografia:
JÚNIOR, Nelson Nery; ANDRADE, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8ª ed. São Paulo: RT, 2004.
ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil- Processo de Conhecimento. Vol. II. 7ª ed. São Paulo: RT, 2008.
JÚNIOR, Humberto Teodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 38ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.
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