Co-autores: Celso Ferro Júnior e Glauco Guimarães
A segurança pública de um evento como a Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 precisa estar voltada e sensível para vários aspectos inerentes a esse tipo de realização, em termos locais e globais, a saber: (i) visibilidade universal do certame desportivo (apontada em sua última versão como recorde de audiência global em termos de audiência remota), com farta presença de agentes da mídia de todo globo; (ii) presença e participação central no evento considerado de vários "atores estrangeiros", típicos do próprio acontecimento -- os atletas -- e que atuam em um território nacional "estranho" (para não referir apenas genericamente como "estrangeiro"), criando um "palco real" para várias contradições vis-à-vis o ambiente político e psicossocial global (em relação ao continente do atleta, país de origem, cultura em geral, religião, "visão de mundo" -- cultura e ideologia política, aparência étnica, modo de trajar, lingua, etc.); (iii) concentração momentânea suis-generis (ao longo do tempo de realização do evento) de dignitários estrangeiros e outras autoridades políticas (nacionais e estrangeiras) de destaque, juntamente com seu "segundo escalão" (incluindo diplomatas); (iv) concentrações não-usuais de público nacional e estrangeiro -- turistas do país e internacionais; e (v) em meio a mudanças radicais na rotina da dinâmica da localidade de realização do evento no país-sede, usualmente uma unidade federativa em cuja cidade principal, do porte e importância de uma capital como Brasília, serão realizados os eventos principais.
Na situação acima, é de supor que já estejam presentes e atuantes, mesmo antes do evento, todos os riscos usuais à manutenção da lei e da ordem em um grande espaço urbano, riscos aturalmente enquadráveis no binômio clássico de "crime e desordem". Acresça-se a isso vários outros riscos mais, "ameaças específicas", fruto da "oportunidade" apresentada com o evento. Tais ameaças incluem a presença e "oferta" de "novos alvos" (pessoas e/ou bens respectivos) associados por "agentes motivados" (criminosos e/ou desordeiros) aos atletas estrangeiros; dignitários, diplomatas e diferentes autoridades nacionais e estrangeiras; turistas (nacionais, regionais e de outros continentes); imprensa nacional e estrangeira; grandes concentrações de indivíduos da própria população local agrupadas nos locais de competições; inchamento demográfico transitório, fruto de um súbito afluxo ao local do vento pela população regional das cercanias; câmbios na rotina e dinâmica sócio-econômica alterada (inclusive nas áreas bancária; de transportes aéreos, marítimos e terrestres; indústria hoteleira; atividades de turismo interno; infra-estrutura física e de serviços de transportes públicos; enfim, mudanças em diversos aspectos do setor terciário em geral).
Ou seja, passam a existir oportunidades e circunstâncias diferenciadas, não apenas intrínsecas à realização do evento em si, como também -- em termos de palco, atores e dinâmica social -- no que tange o crime e a desordem. Isso acontece tanto em situações desviantes da normalidade qualitativa cotidiana (com oportunidade, inclusive, para o flagelo do sempre inusitado terrorismo clássico, até mesmo em suas modalidades nuclear e radioativa), quanto quantitativamente, considerando a probabilidade de um incremento significativo da incidência de delitos ordinários de oportunidade.
Seria esse o caso dos sempre prevalentes delitos violentos contra o patrimônio -- incluindo os universais arrombamentos, furtos e roubos, furtos de veículos e; mais graves ainda (todavia menos freqüentes em relação aos primeiros), os delitos violentos contra a pessoa -- abrangendo homicídios, latrocínios, estupros, agressões com lesões corporais graves e homicídios culposos de trânsito, entre outros.
Com a expansão da oportunidade quanto ao número e qualidade diferenciada de "alvos potenciais" [no trinômio da teoria criminológica "da oportunidade": alvos (pessoas e/ou coisas), agentes motivados (delinqüentes e/ou desordeiros) e `guardiões` (recursos humanos atuando em nome do Estado)], emerge naturalmente uma expansão dos "agentes motivados", o que passa a exigir, por sua vez, uma expansão da quantidade e qualidade de ações dos "guardiões", genericamente considerando, entre eles, os "agentes da segurança pública" (operadores de diferentes sistemas do setor, incluindo policiais, guardas e agentes de segurança os mais diversos). Assim, é necessário reconfigurar completamente a segurança pública que deverá ser prestada ao tempo da realização do evento. Para tanto, devem ser tomadas devidas medidas preparatórias estruturais, com meses ou até mesmo anos de antecedência. Isso inclui, obviamente, planejamento exaustivo, cíclico e minucioso.
Os projetos de segurança pública durante os eventos globais que o Brasil irá sediar em 2014 (Copa do Mundo de Futebol da FIFA, com jogos planejados para a capital do país inclusive) devem derivar, correspondentemente, de uma "visão de futuro" que pressupõe um cenário prospectivo caracterizado pela expansão dos "alvos", e que se refletirá, congruentemente, em um possível incremento ma quantidade e qualidade das ações "agentes motivados", o que por sua vez produzirá impacto (a ser mantidada a homeostasia ou equilíbrio social) na quantidade e qualidade dos processos que abarcam ações normais e diferenciadas a serem empreendidas pela figura genérica do "guardião" -- dos "agentes da segurança pública", conforme já apontado.
Fica caracterizada e qualificada, com tal argumentação técnico-científica (derivada da moderna gestão da segurança pública e da criminologia contemporânea), um "ambiente de risco" diferenciado, na circunstância de algum lugar, qualquer que seja ele, sediar certames desportivos do gênero de uma Copa do Mundo de Futebol.
Um outro diferencial importante, quando da realização de grandes eventos globais, são as ações preventivas. Em qualquer grande metrópole brasileira, igual que em outras grandes cidades e regiões metropolitanas do mundo, estão hoje em processo de implementação novos paradigmas de gestão da segurança pública enquanto serviço prestado pelo Estado enquanto Dever Constitucional. É o caso da chamada Gestão Comunitária da Segurança Pública ou Polícia Comunitária. Ela é hoje uma prioridade filosófica na formulação da política de segurança pública em geral, estando disseminada por vários países e pelo próprio Brasil, advogada, promovida e induzida pelo Governo Federal do país por intermédio do Ministério da Justiça e da sua Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), com tangibilidade programática no chamado Programa Nacional de Cidadania (PRONASCI).
Sucessivos programas nacionais de governo em política de segurança pública assim também apontam: o Plano Nacional de Segurança Pública (2000), Segurança para o Brasil (nos albores da eleição da atual administração federal) e o próprio Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI -- 2007).
Tal modelo é essencialmente "proativo" (ou de busca de "antecipação" aos fatos delitivos e prodrômicos da desordem), lastrado na filosofia premissial de que a melhor repressão pressupõe admitir o crime como algo inevitável, sendo necessário negar tal premissa. Para tanto, se faz necessário, inclusive, "endurecer os alvos alvos" (prevenção situacional) e reconfigurar benignamente (prevenção socioeconômica primária) os potenciais "agentes motivados", nos termos da moderna Prevençao Criminal Situacional e Prevenção Primária.
Isso implica no estabelecimento de uma relação de significativamente maior proximidade e confiança entre "guardião e alvo/agente motivado", com impacto na atividade de Relações Públicas e Comunicação Social e respectivos Programas Comunitários, bem como em novos padrões de "design" de bens e espaços públicos e semi-públicos (e também modelos de sua utilização prática).
Com tudo isso, é necessário não olvidar uma intensificação da "repressão qualificada", o que pressupõe, por sua vez, mais e melhores ações da moderna atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP) -- especificamente sob a égide da "atividade policial guiada pela Inteligência. É isso ocorre com a utilização de técnicas e tecnologias (de automação primordialmente) correspondentes, nomeadamente, com uma "análise criminal" fundamentada na estatística criminal computadorizada, georeferenciamento de ocorrências, análise de vínculos, fusão da informação e uso intensivo da telemática.
A "repressão qualificada" se traduz, enfim, em pouco ou nenhum "dano colateral" à população em geral, quando de ações de repressão, bem como no uso mínimo da força, ou utilização exclusiva da "força necessária".
Por último, mas não menos importante pelo seu dano potencial, há que considerar também os riscos e ameaças completamente atípicos do ambiente local que é o Distrito Federal, mas que poderão ser transpostos para ele pela eventual presença de atores internacionais previa e historicamente antagônicos. Entre tais atores poderão estar
as respectivas forças político-ideológicas globais da contemporaneidade e que, em seu conflito habitual, utilizam o terror
como instrumento estratégico político, valendo-se de ações tático-operacionais do gênero. Isso implica aplicar, no Brasil e no Distrito Federal, os meios de contenção usuais de outros cenários geográficos, quer seja, a vigilância antecipatória, fortemente lastrada na atividade de inteligência de Estado, Militar e de Segurança Pública. Em tal contexto, é necessário facilitar articulações de cooperação internacional em todos os três níveis citados, o que implica trilhar um caminho prévio capaz de, primeiro desenvolver um clima de "confidence building" (construção de confiança), para que depois tal processo seja coroado com ações operacionais de inteligência e contra-inteligência, no sentido da prevenção e contenção de riscos e ameaças, e que somente cessarão ao término da realização do evento considerado.
Tudo indica que esse é o cenário que o Brasil e o Distrito Federal terão de enfrentar e conviver por ocasião da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014, em termos de riscos e ameaças. Em tal quadra temporal, a segurança pública terá de estar marcadamente diferenciada para que um desejado êxito seja atingido ao final do processo, sendo assim reconhecido nacional e globalmente.
O êxito da execução estratégica e tático-operacional do planejamento para os certames da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 no Distrito Federal traz ainda a possibilidade de transcender a missão específica para a qual tal planejamento estará sendo realizado, diante dos desafios, ameaças e riscos que ora se apresentam para a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Distrito Federal. O mesmo êxito pode ser entendido como um ?legado futuro?, ao promover a integração e a interoperabilidade técnica e tecnológica dos vários segmentos da segurança pública local, o que poderá passar, de um imperativo nacional e conjuntural, a uma doutrina local e permanente interinstitucional.
Doutor pela "The George Washington University" (GWU) Washington, D.C, EUA. Ex-Agente da Segurança Pública (Tenente-Coronel Reformado da Polícia Militar do Distrito Federal - PMDF). Ex-Coordenador de pós-graduação em Gestão da Segurança Pública do Núcleo de Estudos em Segurança Pública (NUSP) da UPIS - Faculdades Integradas e ex-Coordenador para Assuntos de Segurança Pública do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (NEDOP) do Centro Universitário UNIDF. Blog: http://blogandoseguranca.blogspot.com/
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, George Felipe de Lima. Ameaças e Riscos Diferenciados por ocasião de Grande Eventos Globais - Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2009, 08:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18863/ameacas-e-riscos-diferenciados-por-ocasiao-de-grande-eventos-globais-copa-do-mundo-de-futebol-da-fifa-de-2014. Acesso em: 22 nov 2024.
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