A Constituição Federal prevê no inciso LXVII, do artigo 5º, a previsão da prisão civil em nosso ordenamento jurídico. A regra é de que não haverá prisão civil por dívidas no Brasil. Porém, nossa Carta Magna traz duas exceções permissivas, são elas: prisão por inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel. Estas hipóteses são taxativas, impossibilitando ao legislador ordinário sua ampliação.
Em relação à prisão do devedor de alimentos, é pacífico seu cabimento, pois a questão é tratada na Lei de Alimentos (Lei nº 5478/68), especificamente em seu artigo 19, além do artigo 733, § 1º do Código de Processo Civil. Quanto à prisão do depositário infiel, há uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial em virtude do advento da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica (aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25/09/1992, e promulgada pelo Decreto nº 678, de 06/11/1992), que veda a prisão civil do depositário infiel, além de garantir outros direitos e garantias.
O plenário do Supremo Tribunal Federal corroborou que, desde a ratificação, pelo Brasil, do Pacto de São José da Costa Rica, não haveria mais base legal para a prisão civil do depositário infiel. Caberia, apenas, a prisão civil decorrente de dívida de alimentos. A Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 7°, 7, afirma que: “Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Esse artigo entra em conflito com o que expõe o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição. Tendo como fundamento o artigo 5º, § 2º da CF, surge o conflito entre os diplomas legais, que conduz ao questionamento da hierarquia assumida pelos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.
O voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 466.343 (em Notícias STF, 22.11.2006) analisa o status normativo dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos. Em seu voto, o Ministro acrescentou os seguintes fundamentos: “(...) parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana”.
O STF, conforme citado anteriormente, por cinco votos a quatro, em 03.12.2008, no HC 87585, do qual é relator o Ministro Marco Aurélio, decidiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados na forma do artigo 5º, § 3º da CF, quando serão equivalentes a emendas constitucionais, tem natureza de normas supralegais, tornando ineficaz todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário, inicialmente defendido pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento do RE 466.343. (Inf. Nº 531/STF).
Com isso, de acordo com a Excelsa Corte, perante o Pacto de São José da Costa Rica, no qual o Brasil é signatário, não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o referido tratado torna inaplicável a legislação contrária a ele, tornando possível, apenas a prisão civil do devedor de alimentos.
Pelo quorum da votação do HC 87585, pode-se perceber a divergência que há a respeito da prisão do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro, perante o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil. Esse conflito não houve apenas na Excelsa Corte, pois existe na doutrina também.
A Constituição Federal não impõe em seu artigo 5º, inciso LXVII, a prisão civil de qualquer pessoa, ela apenas aponta duas exceções permissivas, ou seja, ela não impõe, apenas permite. Para isso, é necessária uma previsão legal. Conforme já explicitado, a Lei de Alimentos permite a prisão do devedor. Já a lei que permitia a prisão do depositário infiel foi revogada pelo Pacto de São José da Costa Rica, quando a partir de sua ratificação pelo Brasil em 1992, a impossibilidade de prisão do depositário infiel foi estabelecida.
Quanto ao status normativo dos tratados e convenções internacionais, parte da doutrina tende a reconhecer o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional, quando esse não segue o rito proposto no artigo 5º, § 3º da CF. Mediante esse argumento, nada impede que uma nova lei restabeleça novamente a prisão do depositário infiel, com base na permissão atribuída pela Constituição Federal. Dessa forma, o Novo Código Civil (Lei 10406/2002), em seu artigo 652 possibilita novamente esse tipo de prisão ao estabelecer in verbis: “seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”. Mediante o exposto nesse artigo, haverá, novamente, a possibilidade da prisão do depositário infiel.
De acordo com Carvalho Neto, “é certo que tal disposição pode criar problemas para o Brasil em nível internacional, pelo descumprimento de um Tratado ratificado. Mas, em se tratando de direito civil interno, é indiscutível agora o cabimento da prisão do depositário infiel”.
Com isso, até o advento do Novo Código Civil, estava impossibilitada a constrição de liberdade do depositário infiel em virtude do Pacto de São José da Costa Rica, embora houvesse a permissão constitucional. Atualmente, essa possibilidade foi restabelecida pelo novo Codex, se considerarmos que o referido pacto tem força de lei ordinária.
Contudo, pelo entendimento do STF, que confere status supralegal ao Pacto, uma lei ordinária a ele não poderia se opor, não permitindo, portanto, esse tipo de prisão no Brasil.
REFERÊNCIAS:
CARVALHO NETO, Inácio de. A prisão do depositário infiel, o Pacto de São José da Costa Rica e o Novo Código Civil. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 10 de outubro de 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo. 2009.
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