No último dia 24 de fevereiro deste ano, a 3ª Seção do STJ com base na Lei dos Recursos Repetitivos, decidiu por maioria que nos crimes de lesão corporal leve na modalidade de violência doméstica e familiar contra a mulher, a ação é pública condicionada à representação da ofendida. O acórdão quando publicado terá repercussões tanto na seara jurídico-processual quanto na prática. Quanto aos primeiros efeitos, os recursos sobrestados nos Tribunais de 2ª instância terão o seguimento negado se a decisão do Tribunal a quo coincidir com o entendimento firmado pelo STJ ou será novamente reexaminado pela instância inferior se o acórdão atacado divergir da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior, nos termos da Lei n.° 11.672/08.
Na prática, as repercussões são bastante sensíveis, principalmente no cotidiano das Delegacias de Polícia e das autoridades policiais de todo o país. Havia de fato uma grande dúvida e também por isso uma irremediável insegurança jurídica e divergência de procedimentos em razão da jurisprudência dispersa acerca do tema. Isso porque o Art. 41 da Lei 11.340/06 veda expressamente a aplicação da Lei n.° 9.099/95 aos crimes praticados em violência doméstica contra a mulher, independente da pena. O problema é que a previsão de ação pública condicionada para o crime de lesão corporal de natureza leve ou culposa ficou prevista justamente no art. 88 da lei dos juizados especiais.
Como se vedava a aplicação dos institutos da lei 9.099/95 nos crimes de violência doméstica, o procedimento policial quando se tratava de crime de lesão corporal ainda que de natureza leve e, portanto, aplicando-se na espécie o art. 129, § 9° do CP, o Delegado de Polícia lavrava o auto de prisão em flagrante em desfavor do autor da agressão e por se tratar de crime apenado com detenção, a autoridade policial estava autorizada a arbitrar fiança após efetivado o procedimento, independentemente da vontade da vítima.
Ocorre que, como o crime em testilha é afiançável, muitas vezes ocorria de a própria vítima tratava de arrumar o dinheiro necessário para a fiança na esfera policial. Na esfera judicial não havia dúvida: a vítima em muitas e muitas audiências rogava para que seu companheiro, marido, namorado não fosse processado. Não se entrará no mérito da atitude da vítima, tampouco há dados suficientes para embasar uma afirmação de que essa atitude era maioria nos casos mencionados. O fato é que essa conduta era rotineira e não raro antes mesmo de os autos seguirem para o Judiciário, a vítima se dirigia à Polícia no sentido de tentar a retratação ainda na esfera investigativa.
E qual seria a vantagem de se manter a lesão corporal leve na modalidade violência doméstica como crime de ação pública incondicionada, como pretendia o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ao recorrer de decisão em sentido contrário do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, que deu ensejo ao STJ em aplicar a lei dos recursos repetitivos, na espécie? A resposta não pode ser outra que nenhuma. Argumento.
Em primeiro: a prisão é um ato de constrição máximo por parte do Estado e nos casos tais, como afirmado acima, a prisão era afiançável pelo Delegado de Polícia. Daí que o Estado tinha um dispêndio imenso para o indiciado livrar-se solto logo em seguida, no caso de recolhimento do valor arbitrado. Se intenção do legislador era manter o indiciado preso no caso de lesão corporal leve contra a mulher, dever-se-ia também alterar a pena para crime reclusivo, ou incluir dispositivo tornando o crime inafiançável ao menos na esfera policial, o que seria um tremendo contrasenso dada a natureza do crime.
Em segundo: no calor dos acontecimentos é natural que as partes fiquem mais intransigentes. Não raro o homem é também lesionado pela companheira e se aplicava ao mesmo enquanto vítima os dispositivos da 9.099/95, ao tempo em que o mesmo como autor era encarcerado. Seguia-se como corolário do esfriamento dos ânimos, que as partes se reconciliavam tão logo tivesse a oportunidade de conversar de forma madura e tranqüila. Porém, sobre a paz familiar pesava a espada de um processo penal.
Em terceiro: é equívoco se acreditar, e muitos autores já advogam a tese o direito penal mínimo, que a persecução criminal será a cura dos males não criminais. E muitos dos problemas de família eram direcionados para a seara penal, quando deveriam ser tratados na esfera apropriada.
Portanto, a exigência da representação da vítima nos crimes de lesão corporal leve em violência doméstica contra a mulher é entendimento salutar e acertado por parte do STJ. Isso porque, em situações flagranciais, por exemplo, a parte poderá no momento da condução do autor do fato, ponderar se quer ver ou não seu companheiro preso, se ao invés da prisão, as medidas protetivas de urgência são suficientes, se o custo de uma prisão compensa a agressão sofrida, além de que nada impedirá que a vítima represente em desfavor do autor no prazo decadencial de seis meses e o procedimento continue. Opção que efetivamente não era posta no rol de possibilidades da vítima.
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