1 – Considerações iniciais:
A palavra jurisdição deriva do prefixo juris, jus (direito) e dicto, dictionis (ação de dizer, expressão, expressão), ou seja, etimologicamente, jurisdição significa a ação de dizer o direito.
A jurisdição existe para vários ramos do direito, como por exemplo a jurisdição militar, a jurisdição administrativa e a jurisdição policial.
Existem ainda outros tipos de jurisdições que existem dentro do poder judiciário, que são utilizados para diminuir os conflitos de interesses. Quando ocorre uma lesão que põe em risco toda a sociedade, ou seja, um dano de natureza penal é regido pela jurisdição do local de onde ocorreu o delito. Porém, também pode tratar de uma lesão que feriu um direito líquido e certo de outra pessoa, e que será previamente julgado pela vara cível, e que a jurisdição do foro competente, em regra, é no foro do domicílio do réu.
Segundo definição de Giuseppe Chiovenda, jurisdição é “a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, na atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar da existência da vontade da lei, já no torná-la , praticamente, efetiva.”.
Mitabete diz ainda que jurisdição é “a faculdade que tem o poder judiciário de pronunciar concretamente a aplicação do direito coletivo.”. José Frederico Marques é ainda mais objetivo, dizendo que é “a função estatal de aplicar as normas da ordem jurídica em relação a uma pretensão.”.
2 – Características da jurisdição:
A jurisdição possui alguns aspectos específicos, conforme Tourinho Filho descreve em sua obra “Direito Penal”:
a) A jurisdição é a função estatal de aplicar normas do ordenamento jurídico em relação a uma pretensão, segue-se que ela pressupõe situação litigiosa concreta: uma pessoa que possui o seu bem jurídico violado por outrem, irá procurar ao órgão dotado de jurisdição para que este o resolva. Em outras palavras, a partir do momento que os conflitantes entregam para o órgão jurisdicional a lide, estes não podem mais resolver, e sim aguardar para que o juiz, ou seja, o representante do Estado decida de forma justa e coerente.
b) é função substitutiva ou secundária: essa função substitutiva quer dizer em relação às partes do processo com o juiz, ou seja, os litigantes não mais podem decidir sobre o processo, mas fica nas mãos do representante do órgão jurisdicional, que é o terceiro imparcial, que irá proferir a sentença dirimindo o conflito.
c) os órgãos jurisdicionais precisam ser provocados para atuar: existe um princípio que diz que o Estado é inerte, ou seja, somente irá ocorrer o processo quando a parte lesionada for ao órgão judiciário e provoca-lo, e este sim terá a obrigação de coletar todas as provas de ambas as partes e julga-lo mediante sentença.
Existem ainda as características formais da jurisdição, que são:
a) órgão adequado: o órgão capaz de julgar procedente ou improcedente uma causa em Juízo de primeiro grau é o juiz.
b) contraditório: para que o processo ocorra com imparcialidade, é necessário o princípio do contraditório, ou seja, o juiz tem que ouvir o autor e réu, as testemunhas arroladas para ambas as partes e analisar minuciosamente as provas coletadas (contratando um perito, se necessário) para que assim tenha certeza do que de fato irá julgar.
c) procedimento: este processo tem que seguir dentro dos ditames da lei, fazendo com que as partes tenham desenvolvido neste plano sua defesa e acusação, para que seja de fato solucionado os conflitos de interesses.
3 – Elementos da jurisdição:
Os elementos da jurisdição são aqueles atos processuais que vão desde o processo de conhecimento até a sua decisão.
O primeiro deles é a notio ou a cognitio, como o próprio significado já diz, é quando o órgão judiciário fica sabendo da existência do litígio e promove o processo, observando sempre os pressupostos de existência e validade da relação processual.
A vocacio, que significa chamamento, diz respeito das pessoas que fazem parte do processo, sendo eles partes integrantes do processo ou testemunhas, de se fazerem presentes em juízo, para que busque regular aquele determinado processo.
A coertio ou a coertitio é o poder de coação que o órgão jurisdicional possui se houver algo que pode prejudicar o andamento processual. Tomemos como exemplo uma pessoa que foi processada pelo crime de furto, e que o autor demonstra certa resistência e que pode fugir a qualquer momento. Para que isso não ocorra, e não coloque a investigação em risco, o juiz decreta a prisão preventiva.
O judictium (julgamento) é a última etapa da jurisdição, ou seja, é quando o poder demandado do juiz aplica sua decisão sobre aquele caso concreto, devidamente fundamentado em lei.
Finalmente, temos a executio, que é a execução, ou seja, o cumprimento da sentença proferida. Esse cumprimento tem cunho obrigatório por parte do condenado, e o Estado possui como obrigação fiscalizar este, sob medida de progressão ou regressão de regime.
4 – Divisão da jurisdição:
A lei, assim como a doutrina, estabelece algumas divisões dentro desta jurisdição, que são em razão de:
Sua graduação ou categoria: esta modalidade diz respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, que é o nosso órgão jurisdicional dividido em duas instâncias: a primeira instância, de acordo com a justiça federal e estadual, permanece até o momento em que o juiz profere a sua sentença. A segunda instância são os tribunais superiores que possui capacidade de realizar suas decisões sobre um determinado caso concreto.
Sua matéria e seu organismo: a matéria diz respeito sobre qual área do direito que compete aquele caso, como sendo de natureza penal, civil, trabalhista, eleitoral, entre outros. Temos ainda o organismo , que significa que existe matérias que compete a justiça estadual, ou seja, que compete a Justiça Comum, tratando de problemas de áreas cível e penal, e a justiça federal, que trata dos problemas existentes com a União, de matéria constitucional.
Seu objeto: nesta divisão, o objeto da jurisdição pode ser contenciosa ou voluntária. A primeira diz respeito ao processo decorrente de um litígio. Tomemos como exemplo uma pessoa que ajuíza uma queixa crime em face de outrem por esta ter o caluniado. Quando a jurisdição tiver como objeto voluntário é que não há um litígio específico, mas sim as partes procuram o judiciário consensualmente para conseguir uma homologatória de acordo entre as partes.
Sua função: quando falamos em função, estamos mencionando a jurisdição ordinária ou comum, que diz respeito aos entes que fazem parte da Justiça Comum, e ainda existe a jurisdição especial ou extraordinária, que são aqueles órgãos federais que tem competência para julgar um litígio específico. Tomemos como exemplo os crimes eleitorais, que são regidos pela justiça eleitoral; uma causa trabalhista é regida pela justiça do trabalho, entre outros.
Sua competência: a competência pode ser dividida em plena e limitada. Quando a competência for plena, é por que o juiz possui poderes para julgar todos os casos expostos no processo. A competência limitada ocorre quando um único juiz não é competente para julgar o caso por completo. Tomemos como exemplo no caso de uma ação civil “ex delicto”, em que o juiz da vara criminal deu a sentença condenando o acusado a pena e ainda a certa indenização. Aquela sentença condenatória vira um titula executivo, e a vítima pode ajuizar a ação na vara cível para receber aquela quantia. Se for uma comarca pequena, de vara única, podemos dizer que o juiz possui competência plena para julgar o ato, pois ele condenou o réu na vara criminal a pena e a indenização, e ainda será competente na ação de execução da indenização. Já em comarcas com mais de uma vara pode não ser a mesma coisa, pois pode haver um juiz na vara criminal (condenou o réu a pena e a indenização) e outro na vara cível (executar a indenização).
5 – Princípios norteadores da jurisdição:
Para auxiliar o entendimento do conceito de jurisdição, existem alguns princípios para norteá-los, como:
a) Ne procedat judex ex officio – Não pode haver jurisdição sem ação: a jurisdição é inerte, e seu papel é de apenas obedecer aos preceitos legais. Tomemos como base o crime de calúnia, em que A acaba cometendo este crime contra B. O crime de calúnia só procede mediante representação, e com isso se B quiser dá prosseguimento a uma ação contra A, é preciso que vá perante o representante estatal (Juiz) e diga a este que quer a aplicação da sanção contra A. Nos casos de ação pública incondicionada, o dono da ação é o Ministério Público, e este quem pedirá que o juiz aplique a sanção contra o acusado do delito, e este quem aplicará a sanção ou não, dependendo do caso concreto.
b) Investidura: o representante da órbita jurisdicional é preciso estar investido de determinadas funções conforme esteja expresso em lei. Quem julgar sem estar revestido da jurisdição responde pelo art. 328, CPB.
c) Indeclinabilidade da jurisdição: é um princípio constitucional (art. 5º, XXXV, CF), em que diz que nenhum juiz pode deixar de julgar um determinado fato. Existem casos excepcionais em que as partes podem pedir o impedimento do juiz no caso por determinadas razões pessoais, mas este representante se negar a julgar um caso será vetado por este princípio.
d) Indelegabilidade da jurisdição: o juiz tem que exercer sua função pessoalmente, não podendo delegar para que outra pessoa julgue determinado caso. Possui algumas exceções a este princípio, como o caso das precatórias emitidas para outras comarcas, em que o juiz deprecado para o ato recebe a precatória do juiz deprecante e ouve o interrogatório da testemunha (por exemplo), e depois de cumprida a precatória será devolvida para o juiz deprecante devidamente cumprida, onde será juntada aos autos principais.
e) Improrrogabilidade da jurisdição: a jurisdição de primeiro grau é limitada por suas fronteiras territoriais, não podendo este limite ser estrapolado, exceto:
1) Nos casos de conexão e continência (art. 76, 77 e 79, CPP);
2) Quando oposta e admitida a exceção de verdade (art. 85, CPP);
3) Caso de desaforamento (art. 424, CPP);
4) Desclassificação para a infração da competência de outro processo (art. 74, §2º, CPP);
f) Juiz natural: é um princípio constitucional (art. 5º, LIII, CF), que diz que ninguém será processado senão pela autoridade competente, e que não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Nem sempre o juiz natural é o magistrado, assim como acontece nos Tribunais do Júri, onde quem são os juízes do fato são os jurados (pessoas idôneas selecionadas dentro da sociedade), enquanto o magistrado somente atua para realizar a dosimetria da pena, caso os jurados condene o acusado. Para os crimes de competência dos juízes federais, como os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, são os Tribunais Regionais Federais (art. 108, I, CF).
g) Princípio da unidade da jurisdição: esse princípio é utilizado para distinguir os ramos do direito que cada lide será regida. Uma lide de natureza penal será regida pela jurisdição penal; as lides de natureza civil serão regidas pela jurisdição civil, entre outros.
h) Nulla poena sine judictio – Nenhuma pena pode ser imposta senão através do processo: é um princípio constitucional (art. 5º, LIV, CF) que diz sobre a pessoa que não será processada sem antes passar pelo devido processo legal. Em nosso ordenamento jurídico atual, para que uma pessoa tenha sua liberdade privada, tem que ser ou em prisão em flagrante, ou seja, a única prisão que pode ser realizada em fase de inquérito policial, ou após iniciado o processo, o acusado tenha decretada sua prisão preventiva ou temporária por qualquer motivo que coloque em risco o andamento processual, ou mesmo após a sentença, para que o mesmo efetue o seu cumprimento da pena imposta no regime fechado ou semi-aberto.
Referências:
Instituições de Direito Processuai Civil. Tradução: J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva e Cia, 1943, v.2, p. 11.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 30ª edição Edição Comemorativa. Editora Saraiva. São Paulo, 2008.
MIRABETE. Julio Fabbrini. Processo Penal 18ª Edição. Editora Atlas. São Paulo, 2008.
Advogado. Graduado em bacharelado em Direito pelo Centro Universitário São Camilo. Pós Graduado em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduado em Direito Eleitoral pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduando em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado em Licenciatura em Filosofia pela UFES – Universidade Federal do Espírito Santo. Graduando em Letras/Português pelo IFES – Instituto Federal do Espírito Santo. Corretor e Avaliador de Imóveis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOLINI, Ricardo Benevenuti. A Jurisdição no Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2010, 07:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20201/a-jurisdicao-no-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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