Hodiernamente, destaca-se nos Tribunais superiores, no âmbito criminal, a controvérsia acerca do aumento de pena no crime de roubo em decorrência do emprego de arma. Embora prevaleça que a ratio de referida causa de aumento é o maior potencial lesivo da conduta, e não a maior intimidação da vítima, não se mostra imprescindível a apreensão e perícia da arma para fazer incidir a majorante. Procurou-se, neste trabalho, analisar as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, propondo-se, ao final, a uniformização das decisões proferidas com vistas a prestigiar o postulado da segurança jurídica, inerente a todo Estado Democrático de Direito.
Palavras-Chave: Roubo; Emprego de arma; Potencial lesivo; Apreensão; Perícia; Ônus da prova.
1 INTRODUÇÃO
O artigo 157, § 2º, I do Código Penal vem sendo alvo de uma intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, qual seja, a necessidade ou não de apreensão e perícia da arma empregada no roubo para que incida a causa de aumento prevista no citado dispositivo.
Controvertem os estudiosos acerca da ratio que levou o legislador a instituir referida majorante, defendendo alguns decorrer esta da maior intimidação causada na vítima e outros, da maior potencialidade lesiva, ante a maior vulnerabilidade dos bens jurídicos vida e integridade física.
Assim, cumpre analisar os fundamentos apresentados por cada uma das correntes, bem como o posicionamento assumido pelos Tribunais Superiores, com vistas a pacificar o tema e garantir à sociedade, tanto quanto possível, a observância do princípio da isonomia e do postulado da segurança jurídica, essenciais ao Estado Democrático de Direito.
2 A CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 157, § 2º, I DO CP
2.1 Arma
Inicialmente, cumpre esclarecer que arma é qualquer instrumento apto a lesar a integridade física. Doutrina e jurisprudência majoritárias admitem tanto a figura da arma própria, ou seja, objetos criados com aquela finalidade, quanto da arma imprópria, abrangendo esta objetos que se destinam a outros fins mas que podem ser utilizados como arma.
São costumeiramente citados como exemplos desta última categoria a barra de ferro, o martelo, a faca de cozinha, o taco de beisebol e o furador de gelo, dentre inúmeros outros objetos.
Vê-se, pois, ser inevitável admitir que tanto a arma própria quanto a imprópria ensejam a incidência da causa de aumento em questão, já que ambas apresentam maior perigo à incolumidade física da vítima.
2.2 Emprego de arma
Neste ponto, já se nota alguma controvérsia em sede doutrinária, prevalecendo que, para configurar a majorante, basta que a arma seja portada ostensivamente, traduzindo-se em uma ameaça implícita, capaz de intimidar a vítima em maior grau.[1]
Contudo, alguns doutrinadores não admitem tal interpretação do termo “empregar”, escolhido pelo legislador. Damásio e Bitencourt defendem que deve haver uso efetivo da arma, sem, porém, descer a minúcias,[2] enquanto Fernando Capez especifica que é preciso que o autor proceda ao manejamento da arma, apontando em direção à vítima ou engatilhando.[3]
Com a devida vênia, não partilhamos deste entendimento. Ora, “empregar” é o mesmo que fazer uso de; na hipótese, fazer uso da arma para intimidar a vítima a entregar seus pertences. Não há dúvida de que o porte ostensivo é plenamente capaz de intimidar a vítima, não sendo necessário para tanto que o autor efetivamente segure a arma, e menos ainda que a engatilhe.
Ademais, considerando-se que a ratio da causa de aumento é a maior intimidação ou a maior potencialidade lesiva, como veremos adiante, em ambas as teses justifica-se sua incidência pelo mero porte ostensivo. Afinal, é indubitável que a simples constatação de estar o agente armado já provoca maior intimidação na vítima, bem como o agente pode rapidamente sacar a arma e dela fazer uso, possivelmente gerando uma lesão de maiores proporções.
Portanto, entendemos que o porte ostensivo é suficiente à aplicação do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal.
2.3 Fundamento
A grande controvérsia instaurada e ainda não definitivamente decidida pelos Tribunais Superiores acerca do roubo com emprego de arma nos conduz ao exame dos fundamentos da majorante em comento.
Parcela da doutrina e jurisprudência é adepta do chamado critério objetivo, entendendo que a ratio da causa de aumento é a maior potencialidade lesiva vislumbrada quando do emprego de uma arma. Já a outra parcela, aparentemente minoritária hoje, defende que a maior intimidação e consequente redução da capacidade de resistência da vítima justifica o aumento da pena, encampando, assim, o critério subjetivo.
Inicialmente, inclinou-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de adotar este último critério, o que se verificou com a publicação da súmula nº 174, que assim dispunha: “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena.”
Contudo, sob intensas críticas da corrente favorável ao critério objetivo, entendeu o STJ rever seu posicionamento e, em julgamento proferido em 08/11/2001, decidiu a Terceira Seção cancelar a citada súmula, também em respeito ao princípio da legalidade, já que arma de brinquedo não possui natureza jurídica de arma (REsp 237236/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 04.02.2002).
Assim, defende a maioria da doutrina que esta mesma linha deve ser adotada no tocante ao uso de arma desmuniciada ou defeituosa, como se observa na obra do professor Mirabete:
Realmente, embora o instrumento utilizado, simulacro de arma, seja idôneo para intimidar, quando a vítima se julga diante de arma verdadeira, não é apto para causar risco à vida ou danos à integridade física da vítima, razão da existência da qualificadora. Arma fictícia, se é meio idôneo para a prática de ameaça, o que é elemento do crime de roubo, não é bastante para qualificar o delito. […] A mesma conclusão, quanto à existência de qualificadora, deve prevalecer quanto ao roubo com emprego de arma descarregada, ou defeituosa, embora se deva considerar que a inidoneidade para vulnerar é apenas acidental.[4]
Cezar Roberto Bitencourt posiciona-se no mesmo sentido, realizando uma longa análise acerca da ratio do art. 157, § 2º, I do Código Penal, da qual transcrevemos o trecho a seguir:
A inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada ou simplesmente à mostra), que pode ser suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (caput), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo, a despeito do que pretendia a equivocada Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça, em boa hora revogada, atendendo a súplica unânime da doutrina nacional. O fundamento dessa majorante reside exatamente na maior probabilidade de dano que o emprego de arma (revólver, faca, punhal etc.) representa e não no temor maior sentido pela vítima. Por isso, é necessário que a arma apresente idoneidade ofensiva, qualidade inexistente em arma descarregada, defeituosa ou mesmo de brinquedo. Enfim, a potencialidade lesiva e o perigo que uma arma verdadeira apresenta não existem nos instrumentos antes referidos. Pelas mesmas razões, não admitimos a caracterização dessa majorante com o uso de arma inapta a produzir disparos, isto é, inidônea para o fim a que se destina.
Em síntese, a maior probabilidade do dano propiciada pelo emprego de arma amplia o desvalor da ação, tornando-a mais grave; ao mesmo tempo, a probabilidade de maior êxito no empreendimento delituoso aumenta o desvalor do resultado, justificando-se a majoração de sua punibilidade.[5]
Vale reproduzir, ainda, os ensinamentos de Rogério Greco, o qual não ignora o maior poder de intimidação sobre a vítima que a arma apresenta, contudo aduz ser indispensável conjugar com ele a potencialidade ofensiva do instrumento para fins de aplicação da majorante. Nas palavras do ilustre professor:
O emprego da arma agrava especialmente a pena em virtude de sua potencialidade ofensiva, conjugada com o maior poder de intimidação sobre a vítima. Os dois fatores, na verdade, devem estar reunidos para efeitos de aplicação da majorante. Dessa forma, não se pode permitir o aumento de pena quando a arma utilizada pelo agente não tinha, no momento da sua ação, qualquer potencialidade ofensiva por estar sem munição ou mesmo com um defeito mecânico que impossibilitava o disparo. Embora tivesse a possibilidade de amedrontar a vítima, facilitando a subtração, não poderá ser considerada para efeitos de aumento de pena, tendo em vista a completa impossibilidade de potencialidade lesiva, ou seja, a de produzir dano superior ao que normalmente praticaria sem o seu uso.[6]
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, como já afirmado, vem reiterando o entendimento acima esposado, como se observa na ementa abaixo transcrita:
PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. AUSÊNCIA DE POTENCIAL OFENSIVO. NÃO-INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DA PENA. ART. 157, § 2º, I, DO CP. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. RÉU REINCIDENTE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS. ART. 33, § 2º, A, DO CÓDIGO PENAL. REGIME INICIAL FECHADO. SÚMULA 269/STJ. INAPLICABILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. É necessária a existência de potencial ofensivo da arma de fogo ao bem jurídico tutelado para a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, o que não se aplica à arma desmuniciada. [...]
(HC 143919/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 04.03.2010, DJ 05.04.2010)
Não obstante, a teoria subjetiva encontra firmes defensores dentre os juristas pátrios, tendo assim se posicionado o festejado Nélson Hungria:
A ameaça com uma arma ineficiente (ex: revóvel descarregado) ou fingida (ex: um isqueiro com feitio de revólver), mas ignorando a vítima tais circunstâncias, não deixa de constituir a majorante, pois a ratio desta é a intimidação da vítima, de modo a anular-lhe a capacidade de resistir.[7]
Também Fernando Capez é adepto desta tese, seguindo os passos do mestre Hungria:
O fundamento dessa causa de aumento é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência. Por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação. Trata-se, portanto, de circunstância subjetiva. Assim, a arma de fogo descarregada ou defeituosa ou o simulacro de arma (arma de brinquedo) configuram a majorante em tela, pois o seu manejamento, não obstante a ausência de potencialidade ofensiva, é capaz de aterrorizar a vítima.[8]
Embora tal posicionamento não encontre guarida no Superior Tribunal de Justiça, como visto, o Egrégio Supremo Tribunal Federal ainda vacila no tema, respaldando os ilustres doutrinadores. Assim, é possível encontrar precedentes em ambos os sentidos, como se observa nas ementas a seguir:
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ARMA NÃO APREENDIDA. CONFISSÃO JUDICIAL E DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. ORDEM DENEGADA. 1. Na falta de apreensão da arma de fogo, mas comprovado o seu emprego por outros meios idôneos de prova, não há que se desclassificar o delito para roubo simples. 2. A incidência da majorante do inciso I do § 2º do art. 157 do CP se explica pelo maior potencial de intimidação e consequente rendição da vítima, provocada pelo uso de arma de fogo. Precedentes. Ordem denegada. (grifo nosso)
(HC 98227/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 16.06.2009, DJ 07.08.2009)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 157, § 2º, I, DO CP. COMPROVAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA DA ARMA DE FOGO. NECESSIDADE. A aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal pressupõe a potencialidade lesiva da arma de fogo, atestada em laudo pericial. Precedente. A intimidação e o temor provocados na vítima pelo uso da arma de fogo compõem o núcleo do tipo penal [violência ou grave ameaça], não servindo para qualificar o crime. Ordem deferida. (grifo nosso)
(HC 94827/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 02.06.2009, DJ 23.10.2009)
Por fim, vale mencionar a tese intermediária adotada por Guilherme de Souza Nucci, o qual distingue a arma absoluta da relativamente ineficaz, entendendo pela aplicação da causa de aumento nesta última hipótese:
Caso a arma seja considerada pela perícia absolutamente ineficaz por causa do seu defeito, não se pode considerar ter havido maior potencialidade lesiva para a vítima (teoria objetiva do emprego de arma); logo, não se configura a causa de aumento. […] Se a arma for considerada relativamente capaz de dar disparos, cremos presente o aumento previsto. No que se refere à arma sem munição, é apenas um meio relativamente ineficaz, pois a qualquer momento pode o agente colocar projéteis e disparar contra a vítima. Assim, entendemos deva estar configurada a causa de aumento.[9]
Entendemos correta a posição majoritária, segundo a qual se deve recorrer ao critério objetivo para aplicar a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I do CP. Isto porque se impõe a observância do princípio da ofensividade, princípio constitucional implícito e derivado da dignidade da pessoa humana, comumente resumido na máxima nullum crimen sine iniuria. Ou seja, não haverá relevância penal em comportamentos que não ponham em risco ou lesionem bens jurídicos penais.
Vale reproduzir os ensinamentos de Cezar Bitencourt acerca do tema:
O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.[10]
Fernando Capez ressalta que, enquanto corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, a ofensividade não pode jamais ser olvidada pelo intérprete, tendo em vista a posição que tal postulado assume em um Estado Democrático de Direito. Acrescenta o ilustre jurista que a dignidade da pessoa humana apresenta a função de orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal democrático, donde conclui:
A função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal, de maneira que não pode haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a bens jurídicos. […]
O intérprete também deve cuidar para que em específico caso concreto, no qual não se vislumbre ofensividade ou real risco de afetação do bem jurídico, não haja adequação na descrição abstrata contida na lei.[11]
Inobstante isso, entendemos plenamente aplicável a majorante quando do emprego de arma de fogo incapaz de disparar, seja por ausência de munição, seja por qualquer defeito do instrumento, entendimento este inclusive já encampado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, como veremos adiante. Ora, é incontestável que a arma, ainda que não dispare, pode ser utilizada como instrumento contundente, sendo capaz de ferir gravemente uma pessoa ou até mesmo matá-la, com um único golpe, sobretudo se desferido na cabeça.
Se a doutrina unânime entende serem armas, para os fins do art. 157, § 2º, I do CP, objetos como o taco de beisebol, a barra de ferro e o martelo, por que não estender tal entendimento para abarcar também a arma de fogo desmuniciada ou defeituosa? Ao nosso ver, a mesma razão presente no aumento de pena decorrente do uso de um taco de beisebol, por exemplo, faz-se presente no uso de arma de fogo ineficaz: a maior potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido pela norma.
É indubitável que uma arma capaz de disparar produz danos maiores do que aquela usada como instrumento contundente, mas também é cediço que esta apresenta potencial lesivo maior do que os instrumentos contundentes naturais, como a mão ou o pé. Assim, se o uso destes últimos não autoriza a incidência da causa de aumento, o emprego de arma desmuniciada ou defeituosa deve implicá-la .
A diferença no grau de ofensividade dos diferentes instrumentos que podem ser utilizados no crime de roubo deve, assim, manifestar-se no percentual a ser aplicado pelo julgador, haja vista que a pena pode ser aumentada de um terço até metade.
Portanto, não vislumbramos ser possível aplicar ao uso de arma desmuniciada ou defeituosa o mesmo raciocínio que levou ao cancelamento da súmula nº 174 do Superior Tribunal de Justiça, já que a arma de brinquedo, sem sombra de dúvida, é incapaz de oferecer maior risco à integridade física ou à vida da vítima, bem como não pode sequer ser classificada como arma, em observância ao princípio da estrita legalidade.
3 ASPECTOS PROCESSUAIS
3.1 Necessidade de apreensão e perícia
Sem dúvida alguma a questão mais controvertida hoje nos tribunais diz respeito à necessidade ou não de apreensão da arma e de realização de exame pericial para que se possa a aplicar a causa de aumento.
Partindo do pressuposto de que a ratio da majorante é o maior potencial lesivo da conduta ante o poder de disparo da arma de fogo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que, sem um laudo pericial que ateste sua lesividade, não é possível fazer incidir a majorante. Neste sentido é o julgado abaixo:
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. ACRÉSCIMO RAZOÁVEL. MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO DEFINITIVA NA DATA DA SENTENÇA. CRIME ANTERIOR AOS FATOS EM APURAÇÃO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA. NECESSIDADE. WRIT DENEGADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
3. A necessidade de apreensão da arma de fogo, para a implementação da causa de aumento de pena do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, tem a mesma raiz exegética presente na revogação da Súmula n.º 174 deste Sodalício. Sem a apreensão e perícia na arma, não há como se apurar a sua lesividade e, portanto, o maior risco para o bem jurídico integridade física.
4. Ausentes a apreensão e a perícia da arma utilizada no roubo, não deve incidir a causa de aumento. […]
(HC 120949/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, julgado em 18.03.2010, DJ 12.04.2010)
No mesmo sentido: EDcl no HC 144685/SP, HC 128985/SP, REsp 914004/RS, HC 153617/RJ, HC 98238/SP, HC 154055/DF.
Tal posição encontra-se respaldada por decisão proferida pela Terceira Seção deste mesmo Tribunal, cuja ementa reproduzimos a seguir:
PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. MAJORANTE. EMPREGO DE ARMA DE BRINQUEDO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA.
I – Se a intimidação com arma de brinquedo não autoriza a majoração da pena do delito de roubo (Súmula 174 do STJ cancelada), também não há de incidir a majorante se não houve comprovação suficiente de que a arma era verdadeira, uma vez que não foi apreendida. [...]
(HC 17030/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28.11.2001, DJ 18.02.2002)
Contudo, note-se que o julgado acima foi proferido no longínquo ano de 2001, não tendo havido, desde então, qualquer pronunciamento sobre o tema pela Seção ou mesmo pela Corte Especial. Assim, a Quinta Turma do STJ insiste na tese de que a ausência de laudo pericial pode ser suprida por outros meios de prova, sobretudo testemunhal:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ART. 157, § 2.º, INCISOS I E II, DO CP. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. ART. 252, INCISO II, DO CPP. INAPLICABILIDADE. NULIDADE RELATIVA. FALTA DE ARGUIÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. ARMA DE FOGO. EXAME PERICIAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO-APREENSÃO. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE LEVAM A CONCLUIR PELA EFETIVA UTILIZAÇÃO DE ARMA NO CRIME. RECURSO DESPROVIDO.
[...]
8. Nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal, o laudo pericial pode ser suprido pela prova testemunhal diante do desaparecimento dos vestígios, como na espécie, em que não houve a apreensão da arma de fogo.
9. Nesse contexto, a ausência de perícia na arma, quando impossibilitada sua realização, não afasta a causa especial de aumento prevista no inciso I do § 2.º do art. 157 do Código Penal, desde que existentes outros meios aptos a comprovar o seu efetivo emprego na ação delituosa. Precedentes desta Corte e do Col. Excelso Pretório.
10. Na hipótese, a sentença condenatória consignou ser inconteste o uso da arma na empreitada criminosa, conforme demonstrado pelas coerentes declarações das vítimas. Assim, para se afastar a referida conclusão, seria imprescindível a realização de um aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, o que esbarra no óbice da Súmula n.º 7 deste Superior Tribunal de Justiça. [...]
(AgRg no Ag 1015397/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 23.03.2010, DJ 12.04.2010)
No mesmo sentido: HC 135663/RJ, AgRg no Ag 1096679/MG, HC 145909/SP, HC 133861/SP.
Ressalte-se, no entanto, que, uma vez apreendida a arma, é essencial a realização de exame pericial, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal.[12]
O Supremo Tribunal Federal encontra-se de igual modo dividido, não obstante já tenha havido decisão do Pleno a respeito do tema:
ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA. I - Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV - Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. V - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. VI - Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo. VII - Precedente do STF. VIII - Ordem indeferida.
(HC 96099/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19.02.2009, DJ 05.06.2009)
A Primeira Turma, que já seguia este posicionamento, vem proferindo decisões a ele alinhadas, como nos habeas corpus 100187/MG, 100910/SP e 97420/SP, todos julgados este ano. Já a Segunda Turma apresenta julgados em ambos os sentidos, como se vê abaixo:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 157, § 2º, I, DO CP. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA DA ARMA DE FOGO. REINCIDÊNCIA VALORADA COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL E AGRAVANTE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. 1. A aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do CP somente é possível com a comprovação, via laudo pericial, da potencialidade lesiva da arma de fogo. Precedente. 2. Inexiste bis in idem quando o juiz majora a pena-base com fundamento em uma condenação e a agrava com esteio em condenação diversa. Ordem parcialmente deferida. (grifo nosso)
(HC 94023/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 10.11.2009, DJ 04.12.2009)
HABEAS CORPUS. ROUBO. CONCURSO DE ATENUANTES E AGRAVANTES. ARMA NÃO APREENDIDA E NÃO PERICIADA. PREPONDERÂNCIA DA REINCIDÊNCIA SOBRE A CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito tratada nos autos deste habeas corpus diz respeito à possível exclusão da causa especial de aumento de pena decorrente do uso de arma de fogo, que não foi apreendida nem periciada, e à preponderância da reincidência sobre a atenuante da confissão espontânea. 2. O reconhecimento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal prescinde da apreensão e da realização de perícia na arma, quando provado o seu uso no roubo, por outros meios de prova. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não se exclui a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal por falta de apreensão da arma, quando comprovado o seu uso por outro meio de prova. Precedentes. (grifo nosso)
(HC 99446/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 18.08.2009, DJ 11.09.2009)
Com a devida vênia aos entendimentos em contrário, não se pode condicionar a aplicação da majorante à apreensão e perícia da arma, vez que o próprio Código de Processo Penal autoriza o suprimento da perícia, quando impossível realizá-la, pela prova testemunhal. Entender em sentido diverso seria proceder a uma interpretação contra legem, o que, como sabido, não é admitido.
3.2 Ônus da prova
Umbilicalmente ligada à controvérsia posta no item anterior está a distribuição do ônus da prova, tema este também objeto de divergências.
Ensina Guilherme Nucci:
Em regra, no processo penal, o ônus da prova é da acusação, que apresenta a imputação em juízo através da denúncia ou da queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova, o que ocorre quando alega, em seu benefício, algum fato que propiciará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, embora nunca o faça de maneira absoluta. Imagine-se que afirme ter matado a vítima, embora o tenha feito em legítima defesa. É preciso provar a ocorrência da excludente, não sendo atribuição da acusação fazê-lo, até porque terá esta menos recursos para isso, pois o fato e suas circunstâncias concernem diretamente ao acusado, vale dizer, não foram investigados previamente pelo órgão acusatório.[13]
Este entendimento é partilhado pelo professor Damásio de Jesus, conforme se observa em sua obra Código de Processo Penal Anotado: “Assim, a prova deve ser feita por quem alega o fato, a causa ou a circunstância. […] O acusador deve provar a realização do fato; o acusado, eventual causa excludente da tipicidade, da antijuridicidade, da culpabilidade ou extintiva da punibilidade.”[14]
A mesma linha segue, ainda, Fernando Capez, para quem “cabe provar a quem tem interesse em afirmar. A quem apresente uma pretensão cumpre provar os fatos constitutivos; a quem fornece a exceção cumpre provar os fatos extintivos ou as condições impeditivas ou modificativas.”[15]
Destarte, não apreendida a arma mas comprovado o seu uso mediante depoimento da vítima e/ou testemunhas, se alegar o réu que a arma encontrava-se desmuniciada ou com um defeito que a impedia de disparar, incumbirá a ele provar tais alegações, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal. Afinal, a regra é que a arma esteja em condições perfeitas de uso, aumentando sobremaneira o risco ao bem jurídico tutelado. Sua ineficácia é situação excepcional, devendo ser comprovada pelo réu, que é, aliás, a única pessoa capaz de indicar o paradeiro da mesma.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua Quinta Turma, já se manifestou no sentido apontado acima, em decisão da lavra do ilustre Ministro Jorge Mussi:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ARMA DE FOGO. POTENCIALIDADE LESIVA. AUSÊNCIA DE APREENSÃO E DE EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA A ATESTAR O EFETIVO EMPREGO DO REVÓLVER. LESIVIDADE QUE INTEGRA A PRÓPRIA NATUREZA DO ARMAMENTO. PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO. ÔNUS DA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL AFASTADO. MANUTENÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO INCISO I DO § 2º DO ART. 157 DO CP. ATO INFRACIONAL PRATICADO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA A PESSOA. INTERNAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 122, I, DA LEI N. 8.069/90. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
1. Para o reconhecimento da presença da causa de aumento de pena prevista no inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, mostra-se dispensável a apreensão da arma de fogo e a realização de exame pericial para atestar a sua potencialidade lesiva, quando presentes outros elementos probatórios que atestem o seu efetivo emprego na prática delitiva. Precedentes do STF.
2. O poder vulnerante integra a própria natureza da arma de fogo, sendo ônus da defesa, caso alegue o contrário, provar tal evidência. Exegese do art. 156 do CPP.
3. Exigir a apreensão e perícia no revólver comprovadamente empregado no ato infracional equiparado ao roubo teria como resultado prático estimular os criminosos a desaparecer com o armamento, de modo que a aludida majorante dificilmente teria aplicação. (grifo nosso)
(HC 147764/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23.02.2010, DJ 29.03.2010)
Também o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:
HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. JULGADO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DA ARMA E DE PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão do Superior Tribunal de Justiça está em perfeita consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. É desnecessária a apreensão e a perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar a qualificadora do art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, já que o seu potencial lesivo pode ser demonstrado por outros meios de prova, em especial pela palavra da vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial. Precedentes. 3. Compete ao acusado o ônus de provar que não utilizou arma de fogo ou que a arma utilizada não tinha potencialidade lesiva, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. 4. Ordem denegada. (grifo nosso)
(HC 100187/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 16.03.2010, DJ 16.04.2010)
No mesmo sentido: HC 100910/SP, HC 97420/SP.
Porém, o entendimento citado não é unânime. O professor Paulo Rangel, apoiando-se no princípio da presunção de inocência, critica veementemente o entendimento tradicional acerca da distribuição do ônus da prova no processo penal. Vale transcrever suas observações:
Destarte, a posição tradicional da divisão do ônus da prova é feita entre autor e réu, sendo que à acusação entrega-se a prova dos fatos constitutivos e, ao réu, a prova de sua inocência se alega fatos extintivos, modificativos ou impeditivos. Pois bem. Não obstante o peso da doutrina que assim se manifesta, assim não pensamos. Há que se intepretar a regra do ônus da prova à luz da Constituição, pois se é cediço que a regra é a liberdade (art. 5º, XV da CRFB) e que, para que se possa perdê-la, dever-se-á observar o devido processo legal e dentro deste encontra-se o sistema acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal, dando-se ao Ministério Público, para a defesa da ordem jurídica, a totalidade do ônus da prova do fato descrito na denúncia. […]
Assim, a título de exemplo, se o Ministério Público narra, na denúncia, o fato chamado 'matar alguém' com descrição do modus operandi e todas as circunstâncias do delito e em seu interrogatóio o réu alega que na data e horário do fato encontrava-se em viagem a outro Estado ou País, caberá ao Ministério Público provar que seu álibi é falso, através dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico. Ou, ainda, dirá o réu que efetivamente atirou na vítima, porém em legítimia defesa. Neste caso, cabe ao Ministério Público o ônus de provar que não houve injusta agressão, ou, se existiu esta, que não era atual nem iminente, ou, ainda, não houve uso moderado dos meios e que estes, embora existindo, não eram necessários. Enfim... o réu alega, mas o ônus da prova, hoje, diante da Constituição, é exclusivo do Ministério Público.[16]
Assim também se manifesta Gustavo Henrique Badaró, em sua obra Ônus da prova no processo penal:
Um aspecto relevante da presunção de inocência enquanto regra de julgamento é que, no processo penal, diversamente do que ocorre no campo civil, não há verdadeira repartição do ônus da prova. […] No caso do processo penal o in dubio pro reo é uma regra de julgamento unidirecional. O ônus da prova incumbe inteiramente ao Ministério Público, que deverá provar a presença de todos os elementos necessários para o acolhimento da pretensão punitiva. Para usar a regra do processo civil, ao Ministério Público caberá não só o ônus da prova da existência do fato constitutivo do direito de punir, como também da inexistência dos fatos impeditivos de tal direito.[17]
Embora nos pareça equivocada, esta posição encontra respaldo em recente precedente da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO PENAL. Condenação. Delito de roubo. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal. Pena. Majorante. Emprego de arma de fogo. Instrumento não apreendido nem periciado. Ausência de disparo. Dúvida sobre a lesividade. Ônus da prova que incumbia à acusação. Causa de aumento excluída. HC concedido para esse fim. Precedentes. Inteligência do art. 157, § 2º, I, do CP, e do art. 167 do CPP. Aplicação do art. 5º, LVII, da CF. Não se aplica a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, a título de emprego de arma de fogo, se esta não foi apreendida nem periciada, sem prova de disparo. (grifo nosso)
(HC 95740/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 02.06.2009, DJ 26.06.2009)
No mesmo sentido: HC 93105/RS.
Não obstante, entendemos não ser possível atribuir todo o ônus probatório ao órgão acusatório, sob pena de impingir-lhe a produção de prova diabólica, o que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito. É preciso lembrar que o Ministério Público atua em defesa da sociedade, não nos parecendo razoável exigir deste o impossível em prol do direito do acusado ao benefício da dúvida. O direito individual não pode ser alargado a ponto de aniquilar o direito do corpo social à justiça e à paz.
Assim, se o réu alega que a arma estava desmuniciada ou que era defeituosa, caberá a ele o ônus da prova de tal alegação, pois o Ministério Público estará impossibilitado de provar o contrário, já que não pode impor ao réu que revele a localização do instrumento utilizado. Do contrário, seria o agente do roubo estimulado a sempre desfazer-se da arma do crime, em prejuízo da instrução do processo e da justa retribuição ao delito cometido.
Por fim, não se pode esquecer que o Plenário do Supremo Tribunal Federal já se posicionou a respeito, firmando o entendimento segundo o qual o ônus da prova é do acusado quando este sustenta a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima. Ademais, também restou decidido que a lesividade da arma se encontra in re ipsa, na medida em que pode ser empregada como instrumento contundente. Portanto, sequer seria necessária, a rigor, a realização de perícia para aferir o potencial lesivo da arma, ainda que esta houvesse sido apreendida.
4 CONCLUSÃO
Ultimo este breve estudo lembrando que, embora saudável toda a discussão doutrinária acerca do tema, é imperativo que os Tribunais sigam a orientação firmada por nossa Corte Suprema, em julgamento proferido pelo Pleno. Embora ausentes os Srs. Ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, é possível afirmar, com base nos votos já proferidos por estes em outras oportunidades, que o resultado do julgamento outro não seria se presentes todos os Ministros. Assim, as conclusões alcançadas pela mais alta Corte do país apresentam total legitimidade, impondo-se sua observância como meio de prestigiar o princípio da igualdade entre todos os acusados, bem como o postulado da segurança jurídica, tão caro ao Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
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KALIL, José Arthur Di Spirito. Do crime impossível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
________________________. Manual de processo penal e execução penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts. 121 a 183. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 2.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
[1] Neste sentido: HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal: arts. 155 a 196. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 7. p. 56; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal.: parte especial, arts. 121 a 234 do Código Penal. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2. p. 227; PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts. 121 a 183. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 2. p. 421; GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 5. ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008. v. 3. p. 75.
[2] JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. p. 347; BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p. 97.
[3] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2. p. 440.
[4] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit. p. 226.
[5]BITENCOURT, Cézar Roberto. Op. cit. p. 97-98.
[6]GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 5. ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008. v. 3. p. 77. Neste sentido: DELMANTO, Celso... [et al]. Código Penal comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 156-157: “Estamos de acordo com aqueles que não reconhecem a qualificadora no emprego de arma de brinquedo ou descarregada. Estas, bem como a arma imprópria ao disparo, podem, sem dúvida, servir à caracterização da grave ameaça do roubo simples, próprio ou impróprio (caput e § 1º), mas não para configurar a qualificadora, que é objetiva e tem sua razão de ser no perigo rela que represena a arma verdadeira, municiada e apta a disparar. Se à qualificadora bastasse a intimidação subjetiva da vítima com a arma de brinquedo, coerentemente não se deveria reconhecê-la quando o agente usa arma real, mas o ofendido acredita ser ela de brinquedo... Além do mais, não se pode equiparar o dolo e culpabilidade o agente que emprega arma de brinquedo, descarregada ou imprópria ao disparo, como de quem utiliza arma verdadeira, carregada e apta.”; JESUS, Damásio E. de. Op. Cit. p. 349: “A razão da circunstância reside na maior probabilidade de dano que resulta do emprego de um revólver, de um punhal etc. Diante disso, é indispensável que a arma apresente idoneidade ofensiva. Assim, não aumenta a pena do roubo o emprego de arma descarregada, defeituosa etc.”
[7] HUNGRIA, Nélson. Op. cit. p. 58.
[8] CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 438-439. Luiz Régis Prado, por sua vez, embora em um primeiro momento aparente ser adepto da tese em comento, deixa claro, ao final, adotar o critério objetivo: “O emprego de arma, como é sabido, imuta maior temor à vítima, que tem sua capacidade de resistência sensivelmente reduzida, notadamente em face do maior risco a que fica exposta. […] O emprego de arma propicia ao agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto. […] De qualquer forma, convém salientar que a arma de brinquedo é inidônea para determinar o aumento da pena, já que a ratio essendi da qualificadora está sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor infligido à vítima. […] Na mesma linha, acolhe-se a manifestação da doutrina que pensa não ser possível caracterizar a majorante se a arma de fogo é inapta para produzir disparos; ou seja, se o meio utilizado é absolutamente inidôneo ao fim a que se destina, não há que se falar em arma, nos termos do inciso I.” (Op. cit. p. 421-423)
[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 679.
[10] BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.p. 22. Ressalvamos, porém, que o autor define como princípio da ofensividade o que entendemos caracterizar o princípio da lesividade, que com aquele não se confunde, embora sejam faces da mesma moeda. A lesividade seria a aferição em abstrato da aptidão da conduta para por em risco o bem jurídico, voltada, portanto, ao legislador, enquanto a ofensividade dirige-se ao julgador, que tem o dever de aferir se determinada conduta produziu concretamente um risco ao bem jurídico.
[11] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 24.
[12] “HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO ROUBO MAJORADO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA À PESSOA. DECISÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO SOBRE A LESIVIDADE DA ARMA. IRRELEVÂNCIA PARA O ESTATUTO MENORISTA. ORDEM DENEGADA.
[...]
2. Apreendida a arma de fogo, o exame de corpo de delito é indispensável para comprovar sua potencialidade lesiva. Somente é possível a prova indireta quando os vestígios tiverem desaparecido por completo, o que não ocorre no caso.” (HC 154882, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18.02.2010, DJ 15.03.2010)
[13]NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 379.
[14]JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 23. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 159.
[15]CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 273.
[16]RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 436-438.
[17]BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 295-297. No mesmo sentido, JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 214: “o ônus da prova, na ação penal condenatória, é todo da acusação e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado, afirmado na denúncia ou queixa.”
Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WOLFF, Tatiana Konrath. Emprego de arma no crime de roubo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2010, 09:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20433/emprego-de-arma-no-crime-de-roubo. Acesso em: 22 nov 2024.
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