A EC 62/09 trouxe diversas e significativas alterações ao regime de pagamento de precatórios pelo Poder Público.
Algumas das mudanças foram positivas para o administrado. Foi criada uma nova ordem preferencial de pagamentos de créditos alimentares para os maiores de 60 anos e portadores de doenças graves (art. 100, §2º). Foi generalizada a possibilidade de seqüestro (leia-se arresto) para a hipótese de não alocação dos recursos orçamentários necessários à satisfação do crédito (art. 100, §6º). Por fim, foi igualmente generalizada a possibilidade de cessão do crédito representado pelo precatório, independentemente da concordância do Poder Público (art. 100, §13).
Nada obstante, as novidades negativas suplantam facilmente as melhoras trazida pela referida Emenda, que já vem sendo conhecida pela alcunha de “Emenda do Calote”.
Com efeito, sobre o regime especial de pagamento dos precatórios pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, previsto no artigo 97 do ADCT, verdadeira moratória constitucional, pairam fortes suspeitas de inconstitucionalidade. Já a possibilidade de a União, a seu critério exclusivo (art. 100, §16), assumir débitos oriundos de precatórios dos demais entes federativos é vista com verdadeira ojeriza, mesmo por autores fazendários, como Leonardo José Carneiro da Cunha, devido à forma agressiva com que afronta a impessoalidade.
Uma alteração que também chamou bastante atenção, e que é vista com bons olhos pela maioria da doutrina, foi a possibilidade da Fazenda Pública, no momento da expedição do precatório, compensar os débitos que o credor tenha com a mesma. É uma forma bastante de eficiente de evitar expressivos gastos com a movimentação da máquina judiciária, bem como evitar fraudes à execução fiscal por parte dos devedores.
Não obstante, há um ponto que vem passando ao largo da pouca doutrina que já se ocupou do recente tema. Trata-se da possibilidade de compensação de débitos parcelados com a Fazenda Pública, em especial das parcelas vincendas de tais débitos.
É cediço que há diversos programas governamentais, como o PAES e o REFIS, que, mediante o cumprimento de determinadas condições, concedem ao devedor a possibilidade de pagar seu débitos em um certo número de parcelas mensais, com incidência de juros e encargos.
Ora, o que justifica a cobrança de juros remuneratórios, no caso de um parcelamento de dívida, é a utilização do recurso alheio, e o risco que isso envolve.
A partir do momento em que se faz um pagamento antecipado, em um parcelamento, cessa a razão pela qual são cobrados os juros remuneratórios, motivo pelo qual o art. 52, §2º, do CDC, exige o abatimento proporcional dos juros nessas hipóteses.
E nem se pense que o raciocínio só se faz correto em âmbito consumerista, eis que é fruto da vedação ao enriquecimento sem causa, que pode ser entendida como consectário da boa-fé objetiva, que permeia não só o Direito Privado, mas também o Direito Público (art. 2º, § único, IV, Lei 9784/99), o que faz concluir que é matéria de ordem pública (art. 2035, § único, CC/02).
Portanto, faz-se necessária a interpretação conforme a Constituição para entender que quando o Constituinte Derivado mencionou a possibilidade de compensação também dos débitos parcelados, inclusive as parcelas vincendas, quis dizer excluindo-se os encargos proporcionais. Interpretação outra feriria de morte valor que o Constituinte Originário optou por destacar: a solidariedade, que, segundo Judith Martins-Costa, é o berço constitucional da boa-fé objetiva, e portanto, da vedação ao enriquecimento sem causa.
Afinal, não haveria de se imaginar que logo ao Poder Público é permitido enriquecer sem razão, justamente às custas do administrado, quando o constitucionalista português Jorge Miranda enfatiza, com razão, que os direitos e garantias fundamentais, antes de se horizontalizarem entre os particulares, tem por função primordial defender estes contra eventuais abusos do Estado.
Por todo o exposto, defende-se neste trabalho que, para que compense o devido a título de precatório com parcelas vincendas de créditos parcelados, a Fazenda Pública deve, obrigatoriamente, fazer o desconto proporcional de juros e encargos, sob pena de enriquecer ilicitamente às expensas do administrado.
Precisa estar logado para fazer comentários.