Câmeras em supermercado caracterizam o furto como crime tentado ou crime impossível? Com o escopo de qualificar a subtração da coisa alheia móvel, previamente vigiada, como tentativa ou crime impossível, são necessárias algumas considerações preliminares.
Primeiramente, deve-se ressaltar que o crime de furto tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal, caracteriza-se pela subtração da coisa alheia móvel. Outra consideração a ser feita é quanto ao crime impossível, que, presente no art. 17, do CP, traz, taxativamente, as únicas possibilidades em que o crime praticado torna-se impossível: impropriedade do objeto ou ineficácia absoluta (sempre) do meio, sendo hipótese de atipicidade de conduta; caso contrário ter-se-á configurada a tentativa. Esta, por fim, segundo Zaffaroni, é caracterizada pela “ampliação da tipicidade proibida”, abrangendo a conduta imediatamente anterior à consumação, ou seja, basta a realização do iter criminis (atos de execução) para que a tentativa esteja presente.
Com o intuito de responder à indagação acima, a doutrina traz diversas teorias fundamentadoras da punição da tentativa- subjetiva, objetiva, subjetivo-objetiva, sintomática-; imprescindíveis à análise do tema.
Para a primeira teoria, subjetiva, é suficiente a vontade de subtrair coisa alheia móvel, animus furandi, não tendo importância o desvalor do resultado.
A teoria sintomática traz a presunção como pedra angular da punição. Já a subjetivo-objetiva é caracterizada pela punição do perigo causado ao bem jurídico tutelado.
Por fim, a teoria objetiva, que, adotada pelo Código Penal pátrio em sua forma temperada, responsabiliza o agente pela tentativa quando há uma possibilidade mínima de alcançar o resultado, ou seja, quando o meio é relativamente ineficaz.
Assim, estando o agente vigiado por câmeras de um estabelecimento comercial, por exemplo, ao subtrair coisa alheia móvel, o fato de ter sido vigiado não torna o meio absolutamente ineficaz, tendo em vista a existência, ainda que mínima, da possibilidade de consumação do furto.
Para alguns ilustres doutrinadores, a exemplo de Luiz Flávio Gomes, defensores da efetividade do princípio da ofensividade, não há como ser concretizada a subtração diante do monitoramento de câmeras por todo o estabelecimento, inexistindo ofensa ao bem jurídico, restando conformado o crime impossível.
Data vênia, tal posicionamento não deve ser admitido, pois, a tentativa de furto apenas não se consuma porque o agente não foi lépido para evadir-se do estabelecimento com a res. Os procedentes do Superior Tribunal de Justiça são neste sentido:
CRIMINAL. RESP. TENTATIVA DE FURTO EM SUPERMERCADO DOTADO DE SISTEMA ELETRÔNICO DE VIGILÂNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO. I - Hipótese em que o agente, no momento da subtração da res furtiva, estava sendo observado pelo segurança do hipermercado através de sistema de monitoramento eletrônico, que vindo a revistá-lo, constatou a prática delituosa. II - O sistema de vigilância eletrônico instalado em uma loja, a despeito de dificultar a ocorrência de furtos no interior do estabelecimento, não é capaz de impedir, por si só, a ocorrência do fato delituoso, apto a ensejar a configuração de crime impossível. III - Diante da possibilidade, ainda que mínima, de consumação do delito, não há que se falar na hipótese de crime impossível. IV - Recurso provido. (STJ - REsp 555268-RS - 5ª T. - Rel. Min. Gilson Dipp - DJU 09.12.2003 - p. 337).
Com maestria, Rogério Sanches segue o entendimento acima:
“(...) muitos estabelecimentos são dotados de invejável aparato de segurança, o que não impede que sejam furtados, jamais recuperando a res. Pensar que o sistema de vigilância por si só, exclui o crime, é fomentar a sorte dos delinqüentes que farão desses locais seus preferidos para a prática da subtração (...)”
Nessa senda, não caracteriza crime impossível, por ineficácia absoluta do meio, o aparato de vigilância, seja por câmeras, funcionários do próprio estabelecimento, ou seguranças, que objetivam evitar lesão ao patrimônio, não tornando as áreas sob vigia imunes aos criminosos, pois, não são infalíveis.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio: uma proposta de Política Criminal1. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 125, abr. 2003. Material da 2ªaula da Disciplina Tutela penal dos bens jurídicos individuais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais –Universidade Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. 46ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva 2008.
CALLEGARI, André Luís. Crime Impossível: Furto em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança. BOLETIM IBCCRIM; São Paulo, nº. 69, p.16, ago., 1998.
DELMANTO, Celso et al.Código Penal Comentado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol.2: parte especial. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal: parte especial/Rogério Sanches Cunha; coordenação Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 208. – (Direito penal; v.3).
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