No dia 06 de maio de 2010 entrou em vigor a Lei 12.234, trazendo importantes alterações aos artigos 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848/1940 - Código Penal, que dispõem sobre o instituto da prescrição. Essas modificações, conforme se verá, ocorreram no âmbito da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita e da prescrição retroativa, com uma proposta de exclusão desta última.
É cediço que o ordenamento jurídico brasileiro prevê, basicamente, duas espécies de prescrição penal, a saber, a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória, sendo que a prescrição da pretensão punitiva é dividida em três subespécies: a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou prescrição da ação penal, a prescrição superveniente ou intercorrente ou subsequente e a prescrição retroativa.
O grande marco divisor existente entre a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado da sentença condenatória. A prescrição da pretensão punitiva propriamente dita é a única em que não há trânsito em julgado da sentença condenatória nem para a acusação, nem para a defesa. Já na prescrição da pretensão executória há trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas as partes, enquanto nas prescrições intercorrente e retroativa há trânsito em julgado apenas para a acusação no tocante à pena imposta.
A prescrição da pretensão punitiva propriamente dita regula-se pelo máximo da pena abstrata prevista no preceito secundário do tipo penal, observados os prazos fixados no art.109, do Código Penal, tendo como termo inicial aqueles estabelecidos no art. 111, também do Estatuto Repressivo Penal.1
A prescrição superveniente regula-se pela pena concreta e ocorre entre a publicação da sentença acusatória e o trânsito em julgado para a defesa, já tendo ocorrido o trânsito em julgado para a acusação no que toca à pena imposta, posto que, à luz do disposto no art. 617, do CPP, o Tribunal não pode agravar a situação do sentenciado, quando somente ele houver recorrido da sentença.
Assim, esta espécie de prescrição tem como termo inicial a publicação da sentença condenatória, condicionada ao trânsito em julgado para a acusação, e pode ocorrer em duas hipóteses: quando houver demora na intimação do réu da sentença condenatória ou quando houver demora no julgamento do recurso interposto pela defesa da sentença condenatória.
A prescrição retroativa, assim como a prescrição intercorrente, é calculada com base na pena concreta,2 desde que a sentença condenatória tenha transitado em julgado para a acusação, cujo termo inicial é a publicação da sentença condenatória, com a peculiaridade de contar-se o prazo prescricional retroativamente.
Por fim, a prescrição da pretensão executória também é regulada pela pena concreta, cuja contagem do prazo inicia-se do trânsito em jugado para a acusação,3 da revogação da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional ou do dia em que interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.4
Feitas as considerações devidas, é bem de ver que a Lei 12.234/2010 implementou alterações sobretudo no campo da prescrição da pretensão punitiva, mais precisamente, no tocante às prescrições da pretensão punitiva propriamente dita e retroativa.
Quanto à primeira, houve mudança do art. 109, inciso VI, do CP, posto que o legislador elasteceu o prazo prescricional dos crimes com pena cominada não superior a 01 (um) ano, de 02 (dois) para 03 (três) anos. É evidente que esta alteração, ainda que não tenha condão de modificar as regras estabelecidas para as demais espécies prescricionais, indiretamente, as atinge, vez que todas são reguladas pelos prazos estabelecidos no art. 109, do Código Penal.
Por sua vez, a prescrição retroativa, com a revogação do §2º, do art. 110, do CP, a partir da vigência da Lei 12.234/2010, foi extinta de forma parcial, pois, com esta nova regra, o nosso ordenamento jurídico, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, não admite, em hipótese alguma, que a prescrição penal tenha por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
Assim, a prescrição retroativa não pode mais ocorrer dentro do período compreendido entre o recebimento da denúncia ou queixa e a consumação do fato, devendo a sua contagem ter como termo final a data em que ocorreu o recebimento da denúncia ou queixa.
Isso não que dizer que, antes do recebimento da denúncia, não haverá prescrição penal. Neste caso, será aplicada a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, que, como visto, ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória para amba as partes.
Está-se diante de uma novatio legis in melius, ou seja, de uma norma penal mais gravosa, que, por ter natureza de direito material, não retroage ao fatos ocorridos em momento anterior à sua vigência, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, insculpido no art. 5º, inciso XL, da Carta Magna5 e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
Essa mudança na prescrição penal representa uma importante medida adotada pelo legislador para combater a impunidade e, por conseguinte, contribuir para a convivência pacífica das pessoas em sociedade.
Contudo, o endurecimento das leis penais, certamente, não irá resolver vários outros problemas que ensejam a impunidade, a exemplo da morosidade do Judiciário, o aumento do número de demandas judiciais em todos os tribunais do país e a pequena quantidade de juízes para atender a essa crescente demanda social.
Portanto, esta nova lei visa a mitigação da impunidade, mas não trata de outras questões que são a verdadeira causa da impunidade no país.
REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 12ª. ed. Niterói: Impetus, 2010.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 1º Volume. 24ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva.
GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 12.234/2010: mudanças na prescrição penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2514, 20 maio 2010. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14895>. Acesso em: 26 set. 2010.
Notas:
1 Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
2 Súmula 146 do STF. A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.
3 Esta regra, prevista no art. 112, inciso I, primeira parte do CP, vem beneficiar o sentenciado, posto que, embora esta espécie de prescrição exija o trânsito em julgado para ambas as partes, a partir do momento em que isso ocorre, o temo inicial retroage ao trânsito em julgado para a acusação, passando a ser calculada desse momento em diante.
4 Art. 112 do Código Penal Brasileiro.
5 Art. 5º, inciso XL, CF. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
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