Resumo: O artigo trata da polêmica acerca da natureza da ação penal no crime de lesão corporal no âmbito doméstico (art. 129, §9º do Código Penal Brasileiro), adentrando nas divergências jurisprudenciais, e posicionamento majoritário dos Tribunais e doutrina.
Palavras-chave: Lesão Corporal. Representação. Ação Penal.
Abstract: This article approaches the polemic about the kind of penal action in body lesion crime in domestic realm (art. 129, §9º of Brasilian Penal Code) inserting in jurisprudential divergences, and major position of Tribunals and doctrine.
Key-words: Body Lesion. Representation. Penal Action.
Introdução
Após promulgação da Lei 11.340/2006, grande polêmica se iniciou no que diz respeito à natureza da ação penal, em casos de lesão corporal praticada contra familiares ou pessoas da convivência doméstica (art. 129, §9º do Código Penal).
Ao invés de esclarecer minuciosamente a polêmica, deixando claro em suas disposições se a ação penal no caso no art. 129, §9º é ou não condicionada à representação, a Lei Maria da Penha apenas inseriu tal dispositivo no ordenamento jurídico, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência, a interpretação sobre a melhor forma de entendê-lo.
É com intuito de contribuir para com as discussões dos estudiosos, que o artigo pretende adentrar na breve conceituação dos tipos de ação penal, e forma pela qual o art. 129, §9º vem sendo interpretado pela doutrina penal, e jurisprudência mais recente do STJ e de alguns Pretórios Estaduais.
Dos tipos de ação penal
No art. 100 e parágrafos, o Código Penal versa acerca das modalidades de ação:
Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
§ 1o A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.
§ 2o A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
§ 3o A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
§ 4o No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Antes de adentrar na explicação das espécies de ação, é preciso sucintamente lembrar o que é a ação penal. Segundo Celso Delmanto em seu “Código Penal Comentado”, ela é “[...] o exercício do direito subjetivo de pedir o pronunciamento jurisdicional para a aplicação da lei penal a um caso concreto (CR/88, art. 52, XXXIV,a, e XXXV).” (2002, p. 185). Seguindo mesmo teor, Sérgio Bittencourt diz em seu “Código Penal Comentado” que:
O direito de ação penal significa a faculdade de exigir a intervenção do poder jurisdicional para investigar a procedência da pretensão punitiva do Estado no caso concreto. Ação é, pois, o direito de invocar a prestação jurisdicional, isto é, o direito de requerer em juízo a reparação de um direito violado. (2005, p. 326).
De forma mais simples, Guilherme de Souza Nucci explica em seu “Código Penal Comentado”, que a ação penal é “[...] o direito de agir exercido perante juízes e tribunais, invocado prestação jurisdicional, que, na esfera criminal, é a existência de pretensão punitiva do Estado.” (2009, p. 531). Portanto, não há dúvidas de que na esfera penal, a ação trata do direito facultado ao Estado, através dos mecanismos jurídicos disponíveis, de averiguar a autoria e materialidade de um crime, buscando a reparação dos danos causados através da pena.
A legislação brasileira, conforme o art. 100 do CPB, prevê duas espécies de ação: pública ou privada, se dividindo a primeira em condicionada à representação e incondicionada.
A regra, é que a ação penal tenha natureza incondicionada, ou seja, para que o Estado inicie e continue as investigações para saber da ocorrência de um crime e penalizar os suspeitos, não é necessária nenhuma manifestação de aceitabilidade da vítima ou de seu responsável legal. Exemplo disso são os crimes de homicídio, furto, roubo, que, pelo fato de causarem grande repercussão social negativa, independem de interesse da vítima para que sejam averiguados após ocorrência.
No caso das ações penais condicionadas à representação, como o próprio nome diz, estas necessitam de interesse da vítima, para que o Poder Judiciário possa processar e condenar os acusados. Quando se trata de procedimentos dessa natureza, o Código Penal enuncia expressamente a necessidade de manifestação da vítima, como ocorre no delito de ameaça (art. 147), no qual a Lei dispõe no parágrafo único que “somente se procede mediante representação”. Nesse caso, os delitos têm menor potencial ofensivo, e não trazem à sociedade repercussão tão negativa, como os delitos referidos no parágrafo anterior.
Nas ações penais privadas, como o nome já deixa claro, é necessário que a própria vítima, que teve seu direito transgredido, promova o andamento processual, com vistas à condenação do acusado. Aqui, o Estado não toma parte do procedimento através do Ministério Público, como decorre nas ações públicas. É a vítima, através de seu advogado, que deve proceder pelos mecanismos cabíveis, para que seja oriunda condenação.
Nas ações privadas, o interesse social pela resolução do conflito é bem diminuto, pois comumente, os crimes não costumam ter repercussão que saia da esfera pessoal da vítima e transgressor. É o caso de delitos como de difamação e injúria (arts. 139 e 140), que em regra, são de natureza privada. Aqui, da mesma forma que nos crimes de ação condicionada à representação, a Lei prevê especificamente que a ação se procede mediante queixa, como descrito no art. 145 do Código Penal.
Tratando das modalidades de ação no seu “Curso de Direito Penal”, Fernando Capez diz que:
No primeiro caso [ação penal pública incondicionada], o Ministério Público promoverá a ação independentemente da vontade ou interferência de quem quer que seja, bastando, para tanto, que concorram as condições da ação e os pressupostos processuais. No segundo [ação penal pública condicionada à representação], a sua atividade fica condicionada também à manifestação de vontade do ofendido ou do seu representante legal. E a letra do art. 100, § 1º, do Código Penal: "a ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça". Semelhante, o art. 24 do Código de Processo Penal. Essa divisão atende a razões de exclusiva política criminal. Há crimes que ofendem sobremaneira a estrutura social e, por conseguinte, o interesse geral. Por isso, são puníveis mediante ação pública incondicionada. Outros, afetando imediatamente a esfera íntima do particular e apenas mediatamente o interesse gerai, continuam de iniciativa pública (do Ministério Publico), mas condicionada à vontade do ofendido, em respeito à sua intimidade, ou do ministro da Justiça, conforme for. São as hipóteses de ação penai pública condicionada, Há outros que, por sua vez, atingem imediata e profundamente o interesse do sujeito passivo da infração. Na maioria desses casos, pela própria natureza do crime, a instrução probatória fica quase que inteiramente na dependência do concurso do ofendido. Em face disso, o Estado lhe confere o próprio direito de ação, conquanto mantenha para si o direito de punir, a fim de evitar que a intimidade, devassada pela infração, venha a sê-lo novamente (e muitas vezes com maior intensidade, dada a amplitude do debate judicial) pelo processo. São os casos de ação penal privada. (2004, p. 489).
Portanto, da leitura do versado por Fernando Capez, conclui-se que as modalidades de ação penal seguem divisão que visa atender aos interesses sociais. Estes refletem, obviamente, o “grau” de intenção dos cidadãos em ver os transgressores punidos, pois há crimes que causam maior indignação que outros, e por isso precisam ser rigorosamente punidos, independentemente do querer da vítima.
Claro que nem sempre a regra usada pelo legislador cumpre seu objetivo, pois há crimes que, conforme entende este autor, poderiam ser de ação condicionada, como o furto simples e a receptação culposa[1], mas por opção da Lei, são de natureza incondicionada. Tendo por base a grande divergência nesse sentido, e a lacuna deixada pela Lei 11.340, é que muito se deve questionar no que toca à natureza da ação penal em crimes de violência doméstica, tema a ser mais aprofundado a seguir.
A doutrina e a ação penal em crimes domésticos
Após promulgação da Lei 11.340/2006, popularmente chamada de “Lei Maria da Penha”, grande polêmica se iniciou no que diz respeito à natureza da ação penal, em casos de lesão corporal leve praticada contra familiares ou pessoas da convivência doméstica (art.129, §9º do Código Penal). Será que pela gravidade do crime em específico, deve ser seguida a regra do caput do art. 129 (lesão corporal leve, que é crime de ação condicionada por força do art. 88 da Lei 9.099/95), ou a ação deve seguir à regra geral que é a de ação pública incondicionada?
A divergência na doutrina e jurisprudência, quanto ao assunto, insere-se neste ínterim, eis que a Lei Maria da Penha, com a inserção do §9º ao art. 129, deixou de mencionar especificamente se a ação seria ou não de natureza incondicionada, dando grande margem para dúvidas a serem respondidas através da gradativa hermenêutica.
Guilherme de Souza Nucci, em seu “Código Penal Comentado”, entende que a Lesão Corporal do §9º deve seguir à regra geral, ou seja, é modalidade de ação penal incondicionada, pois trata de novo tipo que não se insere no contexto do caput do art. 129, e por isso, é modalidade qualificada de lesão. Nesse sentido, diz que:
[...] conforme já destacamos na nota anterior, entendemos ser a ação penal de natureza pública incondicionada. [...] O mencionado art. 16 da Lei Maria da Penha não faz nenhuma referência ao delito de lesões corporais. Cita, apenas, as "ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei", o que é nitidamente insuficiente para determinar a quais crimes se vinculam. Ade¬mais, a Lei 11.340/2006 cuida da violência doméstica, seja ela qual for, ou seja, pode cuidar-se tanto de uma lesão simples como de uma lesão gravíssima e, até mesmo, de uma ameaça (violência psicológica ou mo¬ral). A lesão gravíssima sempre deu ensejo à ação penal pública incondicionada. Com o advento da Lei Maria da Penha, nada foi alterado. A lesão leve dava oportunidade à ação penal pública condicionada à re¬presentação. Com a edição da Lei Maria da Penha, no entanto, houve modificação. No cenário penal, deslocou-se a violência doméstica para parágrafo específico do art. 129, tornando a infração qualificada, com faixa de aplicação de pena própria. Desse modo, tornou-se infração que não mais se pode considerar simples. Assim sendo, não mais é sujeita à representação da vítima. O preceítuado pelo art. 16 da Lei Maria da Penha vale somente para os crimes que dependem de representação, não mais sendo o caso da lesão qualificada pela violência doméstica. (2009, p. 634.)
Contudo, o posicionamento majoritário que vigora através do manifesto de grandes figuras da área penal e também da seara de família, deixa claro que a ação, no caso de lesão corporal doméstica, deve ser condicionada à representação, para que a vítima tenha o condão de decidir acera dos rumos a que o procedimento deve tomar. Nesse sentido se manifesta a doutrina de Maria Berenice Dias, que em artigo acerca da Lei 11.340, diz que:
Com todos esses cuidados, nada justifica afastar a possibilidade de a vítima renunciar à representação levada a efeito quando do registro da ocorrência. Na hora do acertamento das questões de ordem familiar, a possibilidade de retratar a representação adquire um efeito simbólico. Confere à vítima certo "poder de barganha" frente ao agressor, pois está nas suas mãos a possibilidade de ele ser processado, condenado, preso ou absolvido sem qualquer registro de antecedentes. Esse "empoderamento" da vítima restabelece o equilíbrio da relação. Assim, a mulher dispões da possibilidade de dar prosseguimento ou não à ação penal, além de poder levar o agressor a concordar com a separação nos termos por ela propostos, rompendo-se o ciclo de violência. [...][2]
Criticando a letra do art. 16, que não auxiliou na compreensão da natureza da ação penal, Rogério Greco em seu “Código Penal Comentado”, evidencia que:
Mesmo tratando-se de violência doméstica e familiar contra a mulher, entendemos, na hipótese de lesão corporal leve, que a ação penal ainda continua condicionada à representação da ofendida, ainda que o art. 41 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, tenha dito expressamente que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. Isso porque, embora com uma redação ruim, o art. 16 da Lei nº 11.340/06 faz menção à representação, dizendo, verbis: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Assim, não importa que a exigência de representação esteja constando do art. 88 da Lei nº 9.099/95, cuja aplicação foi afastada expressamente pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois que o art. 16 mencionado anteriormente nos permite excepcionar essa regra. (2009, p. 262.)
Igual posicionamento segue a doutrina de Damásio de Jesus, em artigo acerca do assunto. Diz o renomado jurista que a Lei Maria da Penha, não teve intenção de modificar a regra contida na Lei 9.099/95:
A Lei n. 11.340/2006, no que se refere à ofensa à incolumidade física e à saúde da mulher quando provocada no ambiente doméstico ou familiar, a qual configura um tipo qualificado (§ 9.º do art. 129), não teve a intenção de alterar o princípio do art. 88 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), de que a ação penal por crime de lesão corporal leve é pública condicionada à representação[3].
Ainda ensina Emanuel Lutz Pinto, no artigo “Brevíssimas considerações sobre a (in)exigência da representação. Violência doméstica. Lei Maria da Penha” que:
Tratar a ação como pública incondicionada nessas hipóteses geraria uma incompatibilidade teleológica com o sistema do direito penal, a ponto de criar um absurdo jurídico[4].
De fato, em que pese a previsão específica da Lei 11.340, no sentido de inadmitir a aplicação dos institutos elencados na Lei dos Juizados Especiais (9.099/95), cabe destacar que se as lesões foram de natureza leve, a regra a ser seguida deve ser aquela prevista ao caso, que é a necessidade de representação, por força do previsto no art. 88 da Lei 9.099, quando versa que:
Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.
Não bastasse isso, é preciso esclarecer que conforme entendimento jurisprudencial, os artigos 88 e 89[5], apesar de previstos nas disposições finais da Lei 9.099, são de aplicabilidade geral, e não restritos apenas aos casos ali dispostos. Da leitura da Lei, depreende-se que o art. 88 foi oportunamente inserido na parte final da Lei dos Juizados Especiais, e em que pese estar em lei voltada a outras finalidades, o instituto da representação não pode ser interpretado restritivamente. Acerca do assunto, asseveram julgados do TJRJ:
EMENTA - LESÃO CORPORAL - LEI MARIA DA PENHA LEI 9099/95 - APLICAÇÃO - VEDAÇÃO LEGAL CONSTITUCIONALIDADE - REPRESENTAÇÃO - SUSPENSÃO DO PROCESSO – POSSIBILIDADE. Criada com o objetivo de coibir de forma mais rigorosa a violência cometida contra a mulher em seu ambiente doméstico, familiar e afetivo, a Lei Maria da Penha em seu artigo 41 expressamente afasta a aplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9099/95. Tal opção legislativa não configura violação ao princípio da isonomia, estando à sociedade a reclamar uma maior proteção à mulher contra a violência no âmbito familiar e doméstico. Todavia, a exigência de representação nos crimes de lesão corporal (artigo 88) e o instituto da suspensão do processo (artigo 89), apesar de inseridos na lei 9099/95, não são regras próprias do juizado especial criminal, podendo a suspensão, por exemplo, ser aplicada em delitos que não ostentam a natureza de infração de pequeno potencial ofensivo, não estando tais regras abarcadas pela vedação referida no artigo antes mencionado. Interpretação conforme a Constituição sem redução de texto. Princípio constitucional de efetiva proteção à família (artigo 226 da CF). Princípios da adequação social e da intervenção mínima do Direito Penal. Afastamento da interpretação literal. Recente decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em sentido idêntico (RESP 1097042). (TJRJ- RSE 0000757-67.2008.8.19.0047.1ª CACRIM. Data da Publicação: 30/04/2010 Folhas/Diário: 108-112.)
Habeas Corpus. Crime de Violência Doméstica. Possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei nº 9099/95). Paciente denunciado pelo crime previsto no artigo 129, §9º, do Código Penal.O art. 41 da Lei nº 11.340/06, que proíbe a aplicação da Lei nº 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não ofende o princípio constitucional da isonomia, tratando-se de opção legítima do legislador em proteger a mulher, parte que entendeu estar mais vulnerável nas relações domésticas.Entretanto, nessa proibição não está incluída a possibilidade de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9099/95, dispositivo de aplicação geral e que alcança todo o sistema normativo penal. Como é sabido, foi inserido no texto da Lei nº 9099/95 por mera conveniência legislativa, já que era tratado em projeto diverso. No mesmo sentido, o Enunciado nº 84 do III Encontro de Juízes de Juizados Especiais e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro (III EJJETR), dispõe que É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, parágrafo 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/06. Ademais, o art. 4º estabelece que na interpretação da Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina, sendo certo que muitas das vezes a suspensão condicional do processo é a medida mais adequada, pois mantém o réu sob a vigilância do juízo por pelo menos dois anos, sem prejuízo de eventuais condições específicas que o magistrado impuser de acordo com as circunstâncias do caso. Ordem concedida para determinar que o Ministério Público seja intimado a se manifestar sobre a aplicação da suspensão condicional do processo. (TJRJ - HC nº2007.059.04592 - Primeira Câmara Criminal - Rel. Des. Mario Henrique Mazza, j.04.09/2007).
Necessário perceber que o instituto da representação nos casos de violência doméstica, tem grande serventia à mulher, e não lhe traz qualquer prejudicialidade. Se quiser desistir do procedimento, pode fazê-lo em audiência preliminar designada para tal fim (art. 16 da Lei 11.340), ou posteriormente[6]. Se não quiser, basta que simplesmente peça pela continuidade do procedimento.
A experiência prática deixa claro que em vários casos, o desentendimento afetivo é momentâneo. Muitas das vezes, em poucos dias o casal está junto, ou as desculpas são aceitas e tudo volta ao normal. Não deve haver omissão, a ponto de levar a sério o ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”; mas também é grande excesso crer que a mulher não pode ter controle algum sobre a situação, a ponto de ser inadmissível que manifeste seu interesse quanto ao feito.
Portanto, diante do exposto, a interpretação que mais se amolda aos intuitos do legislador e à realidade fática, é a que considera que a ação no crime previsto no art. 129, §9º do CP, tem natureza condicionada à representação. A visão contrária retira da esfera da vítima, o poder de decidir o curso do procedimento. Além do mais, a sociedade prefere ver um casal buscando ser feliz através de uma segunda chance que não acarrete conseqüências penais negativas, a vê-lo criando novas divergências em razão de processo que por sua natureza incondicionada, não pode ser modificado.
A interpretação jurisprudencial seguida pelo STJ e demais Tribunais quanto à representação nos casos do art. 129 §9º do CP
Após algumas decisões considerando a ação penal em lesão corporal doméstica como incondicionada, percebe-se pela análise dos Informativos mais recentes, que o posicionamento do STJ vem seguindo ao entendimento doutrinário acima esposado, interpretando que a ação penal deve ter natureza condicionada à representação. Foi nessa linha a manifestação do STJ no REsp 1.097.042, publicado no Inf. 424 do STJ:
REPETITIVO. LEI MARIA DA PENHA.
A Seção, ao julgar recurso sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ, firmou, por maioria, o entendimento de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves (Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha), pois se cuida de uma ação pública condicionada. Observou-se, que entender a ação como incondicionada resultaria subtrair da mulher ofendida o direito e o anseio de livremente se relacionar com quem quer que seja escolhido como parceiro, o que significaria negar-lhe o direito à liberdade de se relacionar, direito de que é titular, para tratá-la como se fosse submetida à vontade dos agentes do Estado. Argumentou-se, citando a doutrina, que não há como prosseguir uma ação penal depois de o juiz ter obtido a reconciliação do casal ou ter homologado a separação com a definição de alimentos, partilha de bens, guarda e visitas. Assim, a possibilidade de trancamento de inquérito policial em muito facilitaria a composição dos conflitos envolvendo as questões de Direito de Família, mais relevantes do que a imposição de pena criminal ao agressor. [...] (REsp 1.097.042-DF, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 24/2/2010. STJ- Inf. 424)
Ainda no HC 113.608-MG, foi em idêntico posicionamento, a visão do STJ:
LEI MARIA DA PENHA. REPRESENTAÇÃO.
A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais. (STJ- HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi, julgado em 5/3/2009.)
Também no HC 155.057, o STJ entendeu que na lesão leve doméstica, a ação deve ser condicionada à representação, por se tratar de medida mais adequada aos fins da Lei 11.340:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. LEI MARIA DA PENHA. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) é compatível com o instituto da representação, peculiar às ações penais públicas condicionadas e, dessa forma, a não aplicação da Lei 9.099/95, prevista no art. 41 daquela lei, refere-se aos institutos despenalizadores nesta previstos, como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo. 2. O princípio da unicidade impede que se dê larga interpretação ao art. 41 da Lei 11.340/06, na medida em que condutas idênticas praticadas por familiar e por terceiro, em concurso, contra a mesma vítima, estariam sujeitas a disciplinas diversas em relação à condição de procedibilidade. 3. A garantia de livre e espontânea manifestação conferida à mulher pelo art. 16 da Lei Maria da Penha, na hipótese de renúncia à representação, que deve ocorrer perante o magistrado e representante do Ministério Público, em audiência especialmente designada para esse fim, justifica uma interpretação restritiva do art. 41 da mesma lei. 4. O processamento do ofensor, mesmo contra a vontade da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando constitucional de proteção à família. 5. Ordem concedida para determinar o trancamento da Ação Penal 2009.023.000603-2 em curso na Vara Criminal da Comarca de Itaboraí/RJ. (STJ - HC 155057 RJ 2009/0232596-0. Relator Ministro Arnaldo Esteves Limas. 5ª Turma. Publicação: DJe 02/08/2010.)
Ainda no REsp 1.051.314, analisando mais uma vez a questão, a 5ª Turma do STJ, considerando os fins da Lei Maria da Penha, decidiu pela aplicação do instituto da representação, por considerar que o crime do art.129, §9º do CP, é de natureza condicionada:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL LEVE. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA. APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95. RESTRIÇÃO. INSTITUTOS DESPENALIZADORES. ESPONTANEIDADE DO ATO. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. I - A intenção do legislador ao afastar a aplicação da Lei 9.099/95, por intermédio do art. 41 da Lei Maria Penha, restringiu-se, tão somente, à aplicação de seus institutos específicos, despenalizadores - acordo civil, transação penal e suspensão condicional do processo. II - A ação penal, no crime de lesão corporal leve, ainda que praticado contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, continua sujeita à representação da ofendida, que poderá se retratar nos termos e condições estabelecidos no art. 16 da Lei 11.340/06. III - O art. 16 da Lei 11.340/06 autoriza ao magistrado aferir, diante do caso concreto, acerca da real espontaneidade do ato de retratação da vítima, sendo que, em se constatando razões outras a motivar o desinteresse da ofendida no prosseguimento da ação penal, poderá desconsiderar sua manifestação de vontade, e, por conseguinte, determinar o prosseguimento da ação penal, desde que, demonstrado, nos autos, que agiu privada de sua liberdade de escolha, por ingerência ou coação do agressor. Recurso desprovido. (STJ - REsp 1051314 DF 2008/0088000-0. Relator Ministro Felix Fischer. 5ª Turma. Publicação: DJe 14/12/2009.)
Segue o entendimento acima citado, a jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. No RSE 1.0024.08.936021-8/001(1), o Des. Delmival de Almeida Campos deixou claro que ação deve ser condicionada à representação no caso do art. 129, §9º, para que o Direito Penal não tome caráter em demasia intervencionista:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI MARIA DA PENHA - CRIMES DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA - ARTIGOS 129, § 9º, E 147, DO CÓDIGO PENAL - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO - AUDIÊNCIA - ARTIGO 16, DA LEI Nº. 11.340/2.006 - APLICAÇÃO - MANIFESTO DESINTERESSE DA VÍTIMA - DENÚNCIA REJEITADA - DECISÃO MANTIDA - VOTO VENCIDO. - ""Segundo entendemos, a Lei n. 11.340/2006 não pretendeu transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão corporal cometido contra mulher no âmbito doméstico e familiar, o que contraria a tendência brasileira da admissão de um Direito Penal de Intervenção Mínima e dela retiraria meios de restaurar a paz no lar. Público e incondicionado o procedimento policial e o processo criminal, seu prosseguimento, no caso de a ofendida desejar extinguir os males de certas situações familiares, só viria piorar o ambiente doméstico, impedindo reconciliações."" (JESUS, Damásio de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. Disponível em: ). - A exegese sistemática das disposições vertidas no artigo 12, inciso I, e § 1º, e artigo 16, ambos da Lei nº. 11.340/2.006, conjugados com o disposto no parágrafo único, do artigo 147, do Código Penal, conduz a convicção de que o delito de ameaça, perpetrado contra a vítima no ambiente doméstico, será apurado por meio de ação penal pública condicionada à representação. Assim, mostra-se imperiosa a designação da audiência premonitória, definida no artigo 16 da Lei Maria da Penha, aos fins de possibilitar à vítima manifestar-se expressamente acerca da sua vontade de representar ou não em desfavor do ofensor. - A manifestação inequívoca da vítima de que não tem interesse no prosseguimento do feito erige-se em óbice intransponível ao recebimento da denúncia. [...] (TJMG- RSE 1.0024.08.936021-8/001(1). Relator Des. Delmival Almeida de Campos. Publicado em 04 de fevereiro de 2009.)
Também versa sobre o assunto, julgado de relatoria do Min. Fernando Starling, quando diz que a Lei Maria da Pena veda apenas os institutos beneficentes previstos na Lei 9.099/95:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEI MARIA DA PENHA - DELITO DE LESÃO CORPORAL - ARTIGO 129, § 9º, DO CP - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - REPRESENTAÇÃO - RENÚNCIA POSTERIOR MAS ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - POSSIBILIDADE - ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06 - DESINTERESSE DA VÍTIMA - DENÚNCIA REJEITADA - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. O delito de lesão corporal praticado contra vítima em ambiente doméstico será apurado por meio de ação penal pública condicionada à representação da vítima, uma vez que o disposto no artigo 41 da Lei Maria da Penha visa tão-somente impedir a concessão de benefícios e institutos despenalizadores previstos na Lei de Juizados Especiais, como a composição civil e a transação penal, preservando-se, assim, a finalidade repressiva, reflexiva e pedagógica da pena. Portanto, pode a vítima retratar-se perante o Estado Juiz, na forma do artigo 16 da Lei 11.340/06, sendo que, na hipótese, deverá o magistrado designar audiência de oitiva da vítima, ocasião em que a ofendida poderá renunciar à representação, antes do recebimento da denúncia. Manifestando-se a vítima de forma induvidosa e coerente acerca de seu desinteresse no prosseguimento da ação penal, renunciando indubitavelmente à representação, resta instalado o óbice insuperável ao recebimento da denúncia. (TJMG- RSE 1.0024.07.569175-8/001(1). Relator Des. Fernando Starling. Publicado em 22 de agosto de 2008.)
Igual teor é mantido noutro RSE sob relatoria do Des. Júlio Cezar Gutierrez:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06 - RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - INVIABILIDADE – [...] A Lei Maria da Penha não retirou a faculdade de representação da ofendida, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11.340/06 faculta a renúncia à representação por parte da ofendida. [...] (RSE 1.0024.07.509610-7/001(1). Relator Des. Júlio Cezar Gutierrez. Publicado em 10 de julho de 2009.)
No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, percebe-se seguimento da mesma linha jurisprudencial do TJMG. No Recurso em Sentido Estrito 0089082-29.2007.807.0001, a 1ª Turma Criminal, em análise à divergência, entendeu que:
LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL LEVE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. FORMALIDADE. A AÇÃO PENAL RELATIVA AO CRIME DE LESÃO CORPORAL CARACTERIZADO COMO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. A REPRESENTAÇÃO NÃO NECESSITA DE FORMALIDADES, SENDO SUFICIENTE A DEMONSTRAÇÃO PELA P ARTE INTERESSADA, ATRAVÉS DA OCORRÊNCIA POLICIAL, DE QUERER VER O AUTOR DO CRIME PROCESSADO. (TJDF RSE 890822920078070001 DF 0089082-29.2007.807.0001. Relator Des. Edson Alfredo Smaniotto. 1ª Turma Criminal. Publicação: 18/09/2009, DJ-e Pág. 150.)
Igual entendimento seguiu a 2ª Turma Criminal do TJDF no RSE 0007151-12.2009.807.0008:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/2006). LESÃO CORPORAL LEVE (ART. 129, § 9º, CP) E AMEAÇA (ART. 147 DO CP). CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. RETRATAÇÃO. FORMALIDADES DO ARTIGO 16 DA LEI N. 11.343/06. ARQUIVAMENTO. PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. A AÇÃO PENAL, NOS CRIMES DE LESÃO CORPORAL LEVE, COMETIDOS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, É PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. PRECEDENTES DO STJ. 2. A RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DEVE SER REALIZADA OBEDECENDO-SE AOS DITAMES DO ARTIGO 16 DA LEI N. 11.340/06, [...] (TJDF- RSE 71511220098070008 DF 0007151-12.2009.807.0008. Relator Des. Silvânio Barbosa dos Santos. 2ª Turma Criminal. Publicação: 13/08/2010, DJ-e Pág. 380.)
Através de citação de julgado do STJ, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em análise de Recurso Criminal, também entendeu pela necessidade de representação, para que o procedimento possa ter continuidade:
RECURSO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - ART. 129, § 9º, CP - RENÚNCIA EXPRESSA AO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO PERANTE O JUIZ A QUO - DECISÃO EXTINGUINDO A PUNIBILIDADE DO AGENTE E, POR CONSEGUINTE, REJEITANDO A DENÚNCIA - IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - TESE DE QUE SE TRATA DE AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA - AFASTADA - AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA - INTERPRETAÇÃO CONJUGADA DOS ARTS. 16, 17 E 41 DA LEI 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "(...) A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação é penal condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais. (HC n. 113.608-MG, Rel. Min. Og Fernandes, j. 05/03/09)". (TJSC - Recurso Criminal: RCCR 791167 SC 2008.079116-7. Relatora Des. Marli Mosimann Vargas. Primeira Câmara Criminal. Julgamento: 22/05/2009.)
Nesse sentido foi o posicionamento da jurisprudência Catarinense em mais dois outros Recursos Criminais:
LEI MARIA DA PENHA. ART. 129, § 9º, DO CP. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE NÃO DISPENSOU A REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA, COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO, QUE CONTINUA A SER PÚBLICA CONDICIONADA. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VITIMA NO SENTIDO DE QUE NÃO QUERIA VER SEU COMPANHEIRO PROCESSADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUE SE IMPUNHA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSC- Recurso Criminal n. 2009.014435-4, de Lebon Régis, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 16/6/2006).
RECLAMAÇÃO – LEI N. 11.340/2006 – AMEAÇA E LESÕES CORPORAIS LEVES COMETIDAS CONTRA MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO – AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO – INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 16 E 41 DA LEI MARIA DA PENHA – RECEBIMENTO DA DENÚNCIA CONDICIONADO À REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA OITIVA DA VÍTIMA – POSSIBILIDADE – PROCEDIMENTO CONSONANTE COM OS OBJETIVOS DO NOVO DIPLOMA – RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE. I – Entende-se que ao afastar a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais em seu art. 41 e, também, possibilitar a retratação da vítima em seu art. 16, a Lei n. 11.340/06 não pretendia transformar ação penal, que é condicionada para os casos de lesão corporal leve e culposa, em incondicionada, porquanto visou apenas, coibir a utilização dos institutos da suspensão da pena e transação penal, por considerá-los respostas penais insuficientes à repressão que deve ser imposta pela ofensa ao bem jurídico tutelado. [...] (TJSC- Reclamação n. 2008.042543-3, de Lages, rel. Desa Salete Silva Sommariva, j. 13/10/2008).
Enfrentando a questão por meio de Embargos Infringentes, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, após acurada discussão entre os desembargadores que compõem o Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, teve por manter o entendimento aqui demonstrado, por meio do brilhante acórdão que segue com transcrição da ementa:
EMBARGOS INFRINGENTES. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO. POSSIBILIDADE, MESMO NAS LESÕES CORPORAIS LEVES, DESDE QUE FEITA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Conforme dispõe o art. 16 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), ''nas ações penais públicas condicionadas à representação de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público''. Na hipótese, antes do recebimento da denúncia, a vítima, em audiência, na presença do juiz 'a quo', renunciou expressamente à representação. Assim, obrou bem o magistrado ao rejeitar a denúncia, pois fez exatamente o que prevê a lei. Inviável a adoção da tese do Ministério Público, no sentido de que o art. 41 da Lei Maria da Penha, ao vedar aos crimes praticados com violência doméstica a aplicação da Lei 9.099/95, acabou tornando de ação penal pública incondicionada o delito de lesão corporal leve, pois o dispositivo que tornou a lesão leve de ação penal pública condicionada está nesta lei (art. 88). Isso porque a efetiva intenção do legislador, ao colocar tal restrição, foi exclusivamente a de afastar a transação penal e a suspensão condicional do processo das infrações penais envolvendo violência doméstica, bem como imprimir a elas rito mais formal do que o sumaríssimo. Em momento algum houve o propósito, por parte do legislador pátrio, de retirar da esfera de disponibilidade da mulher lesionada levemente o direito de impulsionar ou não o início da ação penal. Tanto que o art. 16 da Lei Maria da Penha confere à possibilidade de renúncia à representação, desde que feita antes do recebimento da denúncia. Interpretação diversa praticamente tornaria inócua, na prática, a aplicação do art. 16 da Lei 11.340/06, pois é sabido que os casos de violência doméstica se resumem basicamente ao crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher. Desse modo, deve ser mantida a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia, tendo em vista a renúncia à representação pela vítima. Embargos acolhidos. (TJRS- Embargos Infringentes Nº 70026685305, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Março Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 07/11/2008)
Em análise à querela sob comento, o TJSP na análise do Recurso em Sentido Estrito 990092108093, considerou que se não houve a audiência para os fins do art. 16 da Lei 11.340, o processo deve ser anulado, pois é imprescindível que a vítima possa manifestar seu interesse:
Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - Processo anulado por ausência da audiência prevista no artigo 16, da Lei 11 340/2006 - Vítima que não exerceu direito de ratificação ou retratação da representação - Insurgência do Ministério Público - Alegação de tratar-se de ação penal pública incondicionada - Descabimento - Cuida-se de ação penal condicionada à representação - Decisão mantida para que seja designada audiência para oitiva da vítima - Recurso não provido. (TJSP- Recurso em Sentido Estrito 990092108093. Relator Des. Almeida Sampaio. 2ª Câmara de Direito Criminal. Data do julgamento: 22/02/2010. Data de registro: 10/05/2010.)
No Recurso em Sentido Estrito 993071221260, a 14ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, entendeu pelo arquivamento do processo, se houve renúncia à representação pela vítima:
Ementa: Violência doméstica contra mulher - Lesão corporal - Crime de ação pública condicionada a representação da vitima de acordo com jurisprudência desta câmara - Sentença de extinção do processo mantida - Recurso em sentido estrito não provido. (TJSP- Recurso em Sentido Estrito 993071221260. Relator Des. Walter Luiz Esteves de Azevedo. 14ª Câmara de Direito Criminal. Data do julgamento: 21/10/2009. Data de registro: 11/11/2009.)
Portanto, da pesquisa empreendida na jurisprudência de alguns dos Tribunais dos Estados, e STJ, fica evidente que o entendimento majoritário associado ao assunto, é no sentido de que a representação trata de condição de procedibilidade para os feitos, se a lesão em âmbito doméstico foi leve.
Deve se lembrar que mesmo com o posicionamento mais recente do STJ, há ainda alguma jurisprudência que considera a lesão corporal doméstica como ação penal de natureza incondicionada. A polêmica, em que pese a forte corrente que advoga para que a ação seja de natureza condicionada, continua a persistir, e apenas terminará quando o entendimento vier a ser sumulado no STJ.
Considerações Finais
Para que resguarde os interesses da mulher, o art. 129 §9º deve ser interpretado como modalidade de crime em que é necessária a representação, seguindo à regra oriunda do art. 88 da Lei 9.099/95, quando tratar de lesão leve, vez que tal dispositivo, foi inserto oportunamente na Lei dos Juizados Especiais, o que não deve vetar o uso do instituto.
Sabe-se que em muitos dos casos, o desentendimento familiar é momentâneo, e em poucos dias, o arrependimento permite que as desculpas sejam aceitas, e que a vida volte ao status quo ante.
Como bem versado pela doutrina e pelos julgados expostos, a interpretação do art. 129 §9º do Código Penal em consonância com o art. 88 da Lei 9.099/95, dá a vítima poder de “barganha” junto ao agressor, e permite que a questão, quando logo resolvida no âmbito familiar, não fique a se alastrar abarrotando mais ainda o Poder Judiciário de trabalhos.
Se a vítima, principal interessada na punição do agressor não tem mais intenção de vê-lo processado, o Estado, tendo por base o interesse social, não deve tomar parte da questão sem que o interesse do maior prejudicado persista.
Por causa de tais argumentos, é importante entender que para consecução dos fins da Lei Maria da Penha, que visa o melhor interesse da mulher e o respeito nos laços familiares, a desistência da vítima deve ser aceita até quando o processo já se encontrar em grau recursal. Isso se justifica, pelo fato de ser possível que a qualquer momento a situação entre as partes se resolva, e a boa convivência, em caso de sentença condenatória ao agressor, poderá se tornar novamente impossível. Nesse caso, a lei, ao invés de estar beneficiando, atrapalhará em muito os sadios laços familiares.
Pelo fato de não mais ser possível a renúncia a representação após audiência para tal finalidade (art. 16 da Lei 11.340), a saída, em casos de modificação do interesse da vítima, é que seja aplicado o princípio da insignificância, para que, em sentença, seja alcançada a absolvição do acusado.
Referências bibliográficas
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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2005.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/06 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 123.
JESUS, Damásio Eugênio de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra mulher. In: Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre. n.º 13 - Ano 03 - Pág. 87/89.
PINTO, Emanuel Lutz. Brevíssimas considerações sobre a (in)exigência da representação. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.In: Jusnavegandi - Ano 11 - n.º 1.249 - Teresina - 02/12/2006.
[1] Trata do entendimento esposado por este autor, em casos de furtos de pequena monta, devendo se considerar nesse sentido, os com valor de até salário mínimo a época do fato, e o ressarcimento à vítima do prejuízo material causado. Nos casos de receptação culposa, deve-se aplicar a regra da devolução do produto do crime à vítima pelo rceptador.
[2] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/06 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 123.
[3] JESUS, Damásio Eugênio de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra mulher. In: Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre. n.º 13 - Ano 03 - Pág. 87/89.
[4]PINTO, Emanuel Lutz. Brevíssimas considerações sobre a (in)exigência da representação. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.In: Jusnavegandi - Ano 11 - n.º 1.249 - Teresina - 02/12/2006.
[5] A Suspensão Condicional do Processo trata de procedimento adotado explicitamente pelo enunciado nº 84 do Encontro Nacional dos Juizados Especiais Criminais e Turmas Recursais, quando diz que: “É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no artigo 129 § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 11340/06”. No XII Encontro Nacional dos Juizados Especiais Criminais, o enunciado nº 29 tomou a seguinte redação: “Nos casos de violência doméstica, a transação penal e a suspensão do processo deverão conter, preferencialmente, medidas sócioeducativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando à reeducação do infrator, evitando-se a aplicação de pena de multa e prestação pecuniária”. Apesar da vedação expressa da Lei 11.340, no sentido de ser inaplicável qualquer dos institutos da Lei dos Juizados Especiais, há que se ponderar que além de ter sido oportunamente inserido em tal Lei (pois não é regra especificamente relacionada aos delitos ali referidos, e volta-se a qualquer caso em que seja cabível), o art. 89, que versa da suspensão do processo, é medida explicitamente compatível com os fins buscados pela Lei Maria da Penha, pois impõe ao agressor, uma série de restrições,que não fogem às finalidades punitivas necessárias.
[6] Apesar da disposição legal prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha, de que a retratação à representação só poderá ser feita antes do recebimento da denúncia, tendo em vista as finalidades da Lei, que é voltada ao melhor interesse da mulher, entendemos que em virtude das circunstâncias, é possível que seja feita a retratação após a audiência preliminar, e até mesmo em grau recursal. Tal entendimento evidencia-se pelo fato de ser possível, a qualquer momento, que a situação fática entre a vítima e agressor se modifique, a ponto de se tornar extremamente prejudicial à relação, a superveniência de édito condenatório. Nesses casos, por já ter sido recebida a denúncia (art. 25 do CPP e art. 16 da Lei 11.340), a saída deve ser a de decretar a absolvição, tendo-se por base o princípio da insignificância. Importante ressaltar que a doutrina aceita perfeitamente a aplicação de tal princípio em caso de pequenas lesões. Sobre isso, explicita Guilherme de Souza Nucci em seu “Código Penal Comentado”, que: “[...] cremos perfeitamente aplicável, no contexto das lesões corporais, o consentimento da vítima como causa supralegal de exclusão da ilicitude. Não se pode mais conceber o corpo humano como bem absolutamente indisponível, pois a realidade desmente a teoria. É verdade que o Estado deve zelar pela vida humana, indisponível que é, além da integridade física, embora sem jamais desconhecer que a evolução dos costumes e da própria ciência traz modificações importantes nesse cenário. Atualmente, as práticas estão a demonstrar que o ser humano dispõe, no dia-a-dia, de sua integridade física, colocando-se em situações de risco de propósito ou submetendo-se a lesões desejadas. Do mesmo modo, não deve o Estado imiscuir-se na vida íntima das pessoas, resolvendo punir, por exemplo, lesões corporais consentidas cometidas durante a prática de ato sexual desejado entre adultos. Assim, conforme a sociedade for assimilando determinados tipos de lesão corporal, deve o Estado considerar válido o consentimento do ofendido para eliminar a ilicitude do fato.” (2009, p. 625-626.) Acerca do tema, arremata também Cezar Bittencourt em seu “Código Penal Comentado” que: “A integridade física apresenta-se como relativamente disponível: as pequenas lesões podem ser livremente consentidas, como ocorre, v. g., com as perfurações do corpo para a colocação de adereços, antigamente limitados aos brincos de orelhas; a ação penal passou a ser condicionada à representação do ofendido.” (2004, p. 445-446.). Na jurisprudência mais recente relacionada às lesões leves e a Lei 11.340, há julgado do TJSP que leva em conta o princípio da insignificância para absolver acusado de violência doméstica, que causou pequenas lesões, mas após algum tempo foi perdoado: “Ementa: Princípio da insignificância - Aplicabilidade - Violência doméstica e familiar contra a mulher - Lei Maria da Penha - Lesão corporal de natureza leve - Briga entre casal, tendo a mulher suportado escoriação leve na perna - Insignificância das lesões que afasta a tipicidade do crime previsto no art. 129, § 9o, do Código Penal - Casal que voltou a conviver harmoniosamente, após os fatos - Presentes os requisitos necessários ao reconhecimento do principio da insignificância, a saber, mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada - Atipicidade reconhecida - Absolvição decretada - Recurso da defesa provido. (TJSP- Apelação Criminal com Revisão 990080500333. Relator Des. Djalma Rubens Lofrano Filho. 9ª Câmara de Direito Criminal. Data do julgamento: 15/12/2008 Data de registro: 03/02/2009.)”
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Professor de Filosofia. Bacharel em Direito Pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós graduado em Direito Público e Educação Ambiental. Advogado Militante. Membro da Academia Sanjoanense de Letras. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Pedro Henrique Santana. A lesão corporal em violência doméstica e o instituto da representação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2010, 00:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21698/a-lesao-corporal-em-violencia-domestica-e-o-instituto-da-representacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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