Editada no ano de 1990, a lei dos crimes hediondos foi uma medida legislativa aprovada decorrente das pressões sociais da época devido ao crescimento exarcebado da violência que passou a atingir classes sociais até então imunes aos efeitos da criminalidade, a exemplo do sequestro do empresário Abílio Diniz e do assassinato da atriz da Rede Globo de Televisão Daniela Perez.
Com esta Lei, o caráter hediondo passou a depender única e exclusivamente da existência de previsão legal reconhecendo essa natureza para determinada espécie delituosa, não bastando o clamor social para defini-la. Assim, por mais grave que seja determinado crime, o magistrado não lhe poderá conferir o caráter hediondo, se tal ilícito não constar do rol previsto na Lei 8.072/90, que expressamente prevê: o homicídio (quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um agente); latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante sequestro (e na forma qualificada); os atuais estupro e estupro de vulneráveis; epidemia com resultado morte, falsificação e a corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, como sendo hediondo.
Não bastasse a definição do que seria o crime hediondo, esta lei – em princípio – vedou a concessão de anistia, graça, indulto, fiança e de liberdade provisória; além de fixar – taxativamente – que a pena seria cumprida integralmente em regime fechado.
É oportuno ressaltar que, embora a referida lei tenha feito menção ao regime integralmente fechado, não vedou a possibilidade de concessão do livramento condicional após o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena e o preenchimento dos demais requisitos legais (como prevê o art. 83 do Código Penal), o que enfraquece o “cumprimento da pena em regime integralmente fechado”.
No calor, dos anseios sociais, querendo dar resposta imediata a criminalidade, o Supremo Tribunal Federal, através do HC nº 69657- SP, decidiu que o cumprimento da pena em regime integralmente fechado não feriria o princípio da individualização da pena, sendo portanto constitucional. E, através do Habeas Corpus nº 76371-SP, decidiu que, a possibilidade de progressão de regime prisional facultada pela lei de tortura, não se estende aos crimes hediondos.
Entretanto, com o passar do tempo, a Corte Suprema, modificou a sua composição e a sua maneira de decidir, onde – através do Habeas Corpus nº 82.959, decidiu que a proibição da progressão do regime afronta o princípio da individualização da pena e, por consequência, viola a proibição constitucional de fixar penas cruéis e desumanas.
Destaca-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, ao proibir penas cruéis, desumanas, de morte (salvo exceções previstas na própria Constituição) e a de caráter perpétuo, confirmou o princípio da dignidade da pessoa humana, incorporando na mente do legislador e do julgador que o sistema penal punitivo brasileiro adota o sistema da punição e da ressocialização do condenado.
Diante disto, o regime de cumprimento de pena em regime integralmente fechado viola absolutamente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Sabe-se, portanto, que a Lei 8.072/90 sofreu modificações na sua estrutura inicial, vedou a concessão de anistia, graça, indulto, fiança; concedeu a progressão do regime de cumprimento de pena após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. Estabeleceu que a pena será cumprida inicialmente em regime fechado.
Assim, uma lei que veio dar resposta a uma sociedade que sofria diante da crescente violência, ao que parece, foi enfraquecida, penalizando o ser humano, que pauta a sua vida em obediência as leis, perdendo o direito a sua vida, a sua dignidade humana e a sua liberdade sexual; enquanto que o sujeito ativo do crime hediondo teve assegurado o convívio social – através da progressão do cumprimento – já que esta é fixada inicialmente em regime fechado.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
CERNICCIARO. Luis Vicente. Estrutura do Direito Penal. São Paulo. Ed. Jose Bushatsky, 1970.
FRAGOSO, Heleno Claúdio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro. Forense. 2000.
GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Crimes Hediondos:tóxico, terrorismo. São Paulo: Ed. Saraiva. 2005.
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. São Paulo. Ed. Atlas. 2000.
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