RESUMO:
A presente artigo jurídico nasceu da necessidade de entender e refletir acerca da probabilidade de a Lei ferir o princípio da constitucionalidade no que tange à expressão: “mesmo antes de iniciada a ação penal” presente no artigo 155 da Lei nº 11.690/08, buscando uma reflexão acerca da possibilidade de inconstitucionalidade no artigo 155 da lei nº 11.690/08 que trata das provas ilícitas no processo penal e uma análise das limitações que ocorreram no princípio da livre convicção motivada no texto do artigo 155 da Lei nº 11.690/08, no qual o juiz não poderia apreciar livremente as provas não reproduzidas com o crivo do contraditório. Será apresentada a nova Lei nº 11.690/08 que traz as modificações às regulamentações referentes às provas, aos exames periciais, às perguntas ao ofendido, à inquirição das testemunhas.
1 INTRODUÇÃO
Em um Estado Democrático de Direito, a responsabilização penal de alguém somente se legitima com a observância do devido processo penal, princípio insculpido no art. 5º, inciso LIV da Constituição Pátria. Assim, a decisão prolatada pela autoridade judiciária investida em sua jurisdição deve ter supedâneo no ordenamento jurídico vigente, o que abrange o acervo probatório erigido, por sua vez, sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5, inciso LV da CF). Para o sujeito submetido à lide, é fundamental o papel da instrução processual, sendo garantido ao acusado um julgamento justo, subsidiado nos princípios normativos vigentes.
Os direitos e garantias fundamentais têm como sua característica marcante a universalidade e heterogeneidade. Disserta Fabiana Lemes Zamalloa do Prado[1] que são direitos universais na medida em que abrangem, dada uma igualdade de condições, todos os integrantes da sociedade, sendo heterogêneos por se traduzirem em pretensões diversas, por vezes incompatíveis entre sim. Disso decorre a relatividade dos direitos e garantias fundamentais.
Complementa a autora esclarecendo que os direitos fundamentais, assim como qualquer outro direito, encontram-se sujeitos a restrições e limites constantes dentro do próprio sistema dos direitos fundamentais, consubstanciadas no exercício de direitos contrapostos ou em outros bens constitucionalmente protegidos.[2]
No processo penal, há uma relação de poder intrínseca, que se expressa no conflito entre o jus puniendi Estado e o status libertatis da pessoa. Num processo penal garantista que nem o nosso a proibição da admissibilidade das provas ilícitas é uma garantia do acusado que, no âmbito do processo penal, em defesa dos direitos fundamentais, limita o poder punitivo.
As liberdades públicas, os direitos e garantias fundamentais, convivem entre si de forma a limitarem-se uns aos outros. Conforme propugna Luíz Francisco Torquato Avolio[3] as liberdades, assim como o próprio processo, submetem-se à finalidades éticas, o que induz a necessidade de imposição de limites à atuação estatal e das partes. Quanto ao tema prova ilícita acrescenta que questão reside exatamente no binômio segurança social – liberdade individual, no confronto das correlatas exigências de tutela da coletividade e da pessoa humana.[4]
É justamente sobre a reforma processual penal introduzida pela Lei nº 11.690, de 6 de junho de 2008, que iremos abordar neste trabalho, onde discutiremos os artigos alterados e mais precisamente o tema das provas ilícitas.
2. A REFORMA DO TRATAMENTO DAS PROVAS NO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL
2.1. ASPECTOS GERAIS
A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, originária do Projeto de Lei nº 4.205/2001, modificou substancialmente o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 6.689/1941), em seu título VII, Livro I, artigos 156, 157, 159, 201, 210, 212, 217, que trata das provas, alternado-o ainda no XII, artigo 386, que trata da sentença, inserindo aqui mais uma hipótese de absolvição do réu.
Também previu a Lei, que alterou a número de peritos para exames periciais, em seu artigo art. 2º que “aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos”.
Com as modificações impostas, a novel legislação afetou alguns institutos processuais penais, como o sistema da livre apreciação da prova, o interrogatório e o tratamento dado às inadmissibilidade das provas ilícitas.
Não se pode olvidar que o mencionado artigo 157 sofreu veto em seu parágrafo 4º, pelos motivos que alhures comentaremos.
Em suma, as alterações provocadas pela reforma trouxeram mudanças profundas no tratamento das matérias supra mencionadas, sendo que, malgrado ser considerada um avanço, face o antigo sistema processual brasileiro, é criticada por muitos em diversos pontos, sendo que longe de pacificar a matéria, a reforma vem levantar novos questionamentos, dos quais teremos ciência no decorrer deste trabalho.
2.2. FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO JUDICIAL
A novel redação dada ao artigo 155 do Código de Processo Penal fundiu os antigos artigos 157 e 155 do CPP, a fim de dar tratamento conjunto aos dois temas. Segue abaixo o seu teor, in verbis:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Com a Lei nº 11.690/2008, manteve-se o sistema de livre apreciação do juiz (ou sistema da persuasão racional do juiz). O juiz tem ampla liberdade na valoração das provas (todas as provas têm valor relativo), mas deve fundamentar seu convencimento.
Todas as decisões no juízo comum devem ser motivadas, sob pena de nulidade conforme estabelece o art. 93, IX da Carta Magna. É esta motivação que auxilia na qualidade da prestação jurisdicional, tornando-a transparente e acessível às partes.
Mesmo havendo a manutenção do sistema acusatório, Luíz Marques da Silva[5] afirma ser possível apontar a existência de dispositivos legais que revelam a presença viva do sistema inquisitório, como a presença da figura do juiz-inquisidor. O Art. 3º da Lei nº 9.034/95 (Crime Organizado – ‘quebra de dados fiscais, bancários, financeiros, eleitorais’ – “a diligencia será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça”).
Vislumbra-se, portanto, que mesmo antes da ação penal, o magistrado já poderia proceder ao colhimento de provas de ofício. Consoante a Doutrina majoritária, entendeu-se que este dispositivo atentaria contra o sistema acusatório, pois incumbira indevidamente o juiz de produzir prova pessoalmente, afastando-o da sua inércia e da sua imparcialidade.
Não por outra razão fora proposta a ADI nº 1.570 contra o aludido dispositivo, tendo sido julgada da seguinte forma: em relação à quebra do sigilo de dados bancário e financeiro, o STF entendeu que o art. 3º da Lei nº 9.034/95 teria sido revogado pela Lei Complementar nº 105/2001. No que toca ao sigilo de dados eleitorais e fiscais, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 9.034/95, pois entendeu que viola o sistema acusatório.
A despeito de o STF ter manifestado seu entendimento acerca da inconstitucionalidade da figura do juiz-inquisidor, o legislador torna a insistir nesta figura, fazendo-o surgir – desta feita para apuração de todos os crimes e não só para o crime organizado – no art. 156, inciso I, do CPP que assim preconiza ad litteram:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
O novo artigo 156 do Código de Processo Penal também reforça uma idéia contrária à inércia jurisdicional no Processo Penal brasileiro, permitindo que o magistrado ordene mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, sempre observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
Sendo o nosso sistema processual penal acusatório, não pode o juiz se transformar em acusador ou defensor. Não deve ser investido na qualidade de “juiz investigador”, principalmente se considerada a fase anterior ao início da ação penal. Deve, portanto, manter em posição que não abale a sua imparcialidade na busca da verdade real.
O âmago da mudança sofrida pelo art. 156 foi, de certa forma parcial, uma vez que consiste na impossibilidade de o juiz utilizar o material probatório produzido fora do contraditório, como subsídio exclusivo para a condenação do acusado.
Prossegue o citado autor, afirmando que[6], o contraditório e a ampla defesa foram prestigiados na nova reforma processual penal, mas não na medida certa. O processo penal continua inquisitivo, pois, mesmo que inadmissível isoladamente, a prova produzida fora do contraditório pode ser admitida, desde que amparada por outra, produzida em contraditório, o que ensejaria, para o autor, questionamentos sobre a constitucionalidade da prova produzida sem o amparo do contraditório.
Sobre o ônus da prova podemos verificar que a regra segundo a qual “quem alega deve provar o alegado” fora mantida. Entretanto, quanto às provas produzidas pelo juiz de ofício, houve alteração substancial.
A inovação, contida mais precisamente no inciso I do artigo ora em comento, diz respeito à possibilidade de o juiz ordenar de ofício a produção de provas antecipadamente, desde urgentes e relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal. Inobstante a ressalva da parte final do presente inciso – observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida – a maior parte da doutrina e da jurisprudência declara a não concordância com a alteração processual implementada, pois temem pela mitigação do princípio da imparcialidade do juiz.
Nesse viés, Andrey Borges de Mendonça[7] declara ser “claramente inconstitucional a autorização conferida ao juiz para determinar, de ofício, a produção antecipada de provas antes de iniciada a ação penal. Realmente, nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada nem mesmo acusação formal veiculada. Portanto, não pode o magistrado violar sua inércia, atuando como verdadeiro juiz inquisidor”.
Ivan Luís Marques da Silva[8] prega doutrina contrária. Para o Mestre a ação penal deve ser enxergada como um múnus público, devendo o processo propiciar a colheita de todas as informações possíveis relacionadas fato para que integrem a esfera probatória administrativa ou judicial. Não deve o Juiz assumir a função de mero espectador, dando impulso ao processo, inclusive determinando a produção de provas de ofício. Prossegue o doutrinador:
O juiz criminal é pago pelo Estado para fazer justiça nos casos concretos aplicando a lei e a Constituição. Para bem aplicá-las, deve conhecer o ordenamento jurídico. E para bem aplicá-las no caso concreto, deve ter à sua disposição todos os elementos fáticos existentes e relacionados com a conduta investigada. Somente desta forma, cumprirá o seu dever seu dever jurisdicional de forma plena. Sua missão de fazer justiça não pode ser limitada pela suposição de quebra de imparcialidade e vício no julgamento a ser futuramente prolatado.
Ainda para defender o seu posicionamento, reafirmando que o juiz não pode ficar restrito apenas ao que é produzido pelas partes, o referido doutrinador traz o exemplo do instituto do interrogatório, salientando que a total supressão da busca da prova pelo juiz, acarretaria o silêncio do mesmo, pois somente as partes poderiam interrogar o réu, em nome da imparcialidade da futura decisão e da integridade da prova.[9]
Nesse mister, qualquer mácula na produção da prova ou a inobservância do princípio da imparcialidade no caso concreto poderia ser sanada através da via recursal ou mesmo pelo remédio constitucional do habeas corpus, sugere o doutrinador[10]. Não haveria pois de se falar, consoante esse prisma, em inconstitucionalidade ou mesmo mitigação do princípio da imparcialidade do Juiz pelo inciso I do art. 156 do Código de Processo Penal.
NUCCI[11] professa que a inclusão do referido inciso não fora fator determinante para que o juiz pudesse atuar de ofício na persecução da prova, ordenando sua produção ainda na faze pré-judicial, tendo em vista que o magistrado acompanha a investigação policial. Desta forma, defende a impossibilidade da parte alegar imparcialidade do magistrado, pois o mesmo estaria exercendo apenas o seu poder geral de cautela.
Quanto à parte in fine do inciso I do art. 156 do Código de Processo Penal, o legislador preocupou-se demasiadamente ao mandar observar a “necessidade, adequação e proporcionalidade” da medida, noções estas que já estão contidas no conceito de fumus boni juris e periculum in mora, as quais são inerentes a este tipo de medida de produção antecipada de provas, já que se trata de uma medida cautelar. O que reforça, certamente não prejudica.
Passemos agora à análise do artigo 157 do CPP, cujas alterações são o ponto de destaque deste trabalho.
2.3. PROVAS ILÍCITAS
A Carta Magna de 1988 inovou ao inserir em seu texto expressa referência às provas ilícitas, prescrevendo, no art. 5º, inciso LVI, a inadmissibilidade processual da obtenção ilícita da prova.
A prova é ilegal toda vez que a sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. A prova ilegal se subdivide em prova ilícita e prova ilegítima. Esta é obtida com violação a norma de direito processual. Aquela é obtida com violação a norma de direito material.
É possível que uma prova seja ilícita e ilegítima simultaneamente, ou seja, viola norma de direito material e processual simultaneamente. Um exemplo interessante é a realização de busca e apreensão feita por um delegado sem autorização judicial.
Além da classificação supramencionada, RANGEL[12] acrescenta as provas irregulares, que seriam aquelas pelas permitidas pela legislação processual, mas na sua produção, as formalidades legais não são atendidas. Cita como exemplo: busca e apreensão domiciliar, que embora seja prova admitida, o mandado judicial não atende aos requisitos formais do art. 243 do CPP, quais sejam, mencionar os motivos e os fins da diligência, ser subscrito pelo escrivão e pela autoridade que o fez expedir.
Porém, TÁVORA[13] discorda da utilidade dessa terceira classificação, uma vez que as provas ditas irregulares estariam, em última análise, violando normas de caráter processual, e logo seriam ilegítimas.
Alheia à classificação doutrinária, a nova reforma processual penal trouxe para o meio infraconstitucional previsão que antes só havia constitucionalmente, como também esmiuçou a matéria. Eis o disposto no artigo 157 e seus parágrafos:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4o VETADO.
Seguindo a orientação consagrada na doutrina, e na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a reforma adotou o sistema da prova ilícita por derivação.
A prova ilícita por derivação é representada pelo que ficou conhecida como teoria dos frutos da árvore envenenada. De origem norte-americana[14], nos leading cases Silverthorne Luber x USA e Nardone x USA consiste no meio probatório que, não obstante produzido validamente em momento posterior, encontra-se afetado pelo vício da ilicitude originária, que a ele se transmite contaminando-o por efeito de repercussão causal. Esse é o entendimento, inclusive, do Pretório Excelso.
Porém, sendo a vedação da admissibilidade das provas ilegais um direito fundamental e que não havendo direitos absolutos, a reforma do Código de Processo Penal trazida pela Lei nº 11.690/2008, passou a dispor expressamente limites que relativizam a teoria da fruits of the posion tree, ao também trilhar os caminhos do sistema britânico e norte americano, adotando o critério da prova separada (fonte independente), e exceção da descoberta inevitável.
Para parte da doutrina, as exceções, tanto para o uso da prova ilícita quanto da prova derivada da prova ilícita, continuam valendo para a absolvição do réu, dentro do conflito entre as liberdades públicas. Detalharemos no próximo capítulo, onde retornaremos ao tema.
Deveras. Este é o ponto crucial da questão da prova ilícita e sua admissão ou não, pois há que se sopesar os interesses para criteriosamente determinar quando um ou outro prevalecerá.
O § 4º do artigo 157 fora vetado. Sua redação preconizava: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.” Nas razões do veto, o legislador, após esclarecer que o mesmo se deu em prol do interesse público, afirmou que o referido dispositivo ia de encontro à celeridade e simplicidade que se procura no processo, com a reforma, além de que militaria a favor do juiz o fato de já ser conhecedor do caso.
No próximo capítulo retornaremos ao tema da prova ilícita. Passemos agora ao estudo do artigo 159, que trata da prova pericial, matéria que também sofreu alterações substanciais pela nova lei em pauta.
3. O ARTIGO 155 DA LEI Nº 11.690/08 E AS PROVAS ILÍCITAS
3.1. AS PROVAS ILÍCITAS: CONCEITUAÇÃO E INADMISSIBILIDADE
Conceitua o jurista Nestor Távora que “a prova é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido no litígio”. Acrescenta Paulo Rangel que “a prova tem como principal finalidade (ou objetivo) a obtenção do convencimento daquele que vai julgar, decidindo a sorte do réu, condenando ou absolvendo”.
Tornar os fatos alegados pelas partes conhecidos do juiz, a fim de que extraia o seu convencimento é, portanto, a finalidade da prova. Logo, o destinatário direito (principal) da prova é o juiz, sendo as partes envolvidas destinatárias indiretas, pois possibilita que as mesmas reconheçam, ou não, a decisão judicial final como justa[15]. Aqui urge salientar que O Ministério Público não é destinatário da prova, ele forma sua convicção através dos elementos informativos.
Preceitua o doutrinador PACELLI[16], que “a prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando uma maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo.”
Nesse contexto, ressalte-se que função imanente da prova é a de reconstruir a verdade e, mais que isso, é um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional.
Quanto à natureza jurídica das provas, TÁVORA e ALENCAR[17], com a precisão de sempre, lecionam que:
“a natureza jurídica da prova está intimamente ligada à demonstração da verdade dos fatos sendo inerente ao desempenho do direito de ação de defesa. É verdadeiro direito subjetivo com vertente constitucional para demonstração da realidade dos fatos”.
O objeto da prova, por sua vez, é o que se deve demonstrar, isto é, aquilo que o juiz deve adquirir de conhecimento necessário para resolver a contenda judicial. Em outras palavras: é o meio que serve de base à imputação penal. Constitui a verdade dos fatos imputados ao réu com todas as suas circunstâncias.
Em matéria processual penal, conforme preceitua o artigo 197 do Código Processual Penal, os fatos controvertidos ou não, precisam ser provados, face aos princípios da verdade processual e do devido processo legal. Em contrapartida, o direito, os fatos notórios, axiomáticos (intuitivos) e os inúteis não carecem de prova, pois são irrelevantes para a persecução penal.
Já a noção de meio de prova está ligada aos Instrumentos aptos a formar a convicção do magistrado. São os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo. O Código de Processo Penal não traz de forma exaustiva todos os meios de prova admissíveis, por isso, o princípio que vige é o da liberdade das provas, ou seja, no processo penal podem ser utilizados quaisquer meios de prova, ainda que não especificados em lei, desde que não sejam inconstitucionais, ilegais ou imorais (meios de prova atípicos ou inominados).
Ocorre que o princípio da liberdade probatória não é absoluto. A prova é taxada de proibida ou vedada toda vez que sua produção implique violação da lei ou de princípio de direito material ou processual.
Conforme já observado, a Carta Magna brasileira, trazendo disposição inovadora, tratou das provas ilícitas no capítulo I do Título II (Direitos e Garantias Fundamentais) em seu artigo 5°, inciso LVI, dispondo o seguinte: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Luiz Francisco Torquato Avolio[18], aplicando a lição de Nuvolone, professa que as provas ilícitas são espécie das provas vedadas, que podem ser ilícitas ou ilegítimas.
Neste toar, impende salientar a distinção doutrinária entre as espécies de provas vedadas. A prova ilegítima é obtida com violação a norma de direito processual. É uma prova endoprocessual, ou seja, a ilegalidade ocorre durante o transcorrer do processo. Um exemplo seria a juntada de documentos com menos de 3 (três) dias antes da sessão do Júri; ou a contrariedade à regra do art. 207 do CPP, que trata da proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional.
Por outro lado, a prova ilícita é obtida com violação à norma ou princípio de direito material (constitucional ou infraconstitucional). Diferentemente da ilegítima, a ilícita é extraprocessual. Deve ser desentranhada do processo. Um exemplo é a confissão do réu obtida mediante tortura, bem como à contrariedade aos direitos de propriedade e o sigilo de correspondências, entre outros.
Quando o artigo 157 do Código de Processo Penal preconiza em “violação a normas constitucionais ou legais”, não diferencia se a norma legal é material ou processual. Portanto, qualquer violação do devido processual legal conduz à ilicitude da prova, que deve ser objeto de desentranhamento.
A Lei nº 11.69/2008, que imprimiu a reforma ao sistema probatório brasileiro, não fez qualquer diferenciação entre prova ilícita e ilegítima. Segundo PACHECO[19], o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus da sua obtenção: dentro ou fora do processo. De qualquer maneira, percebe-se que umas e outras (ilícitas ou ilegítimas) passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: a inadmissibilidade.
O direito à prova, embora constitucionalmente assegurado, pois, encontra-se inserido nas garantias da ação e defesa, como qualquer outro direito individual não é absoluto, conforme leciona Ada Pelegrini Grinover. Há provas vedadas, entre as quais se enquadram a prova ilícita.
Neste ponto, devemos enfocar a questão da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito. Tem intimamente associado ao princípio da verdade real ou da verdade material e a relação com o poder-dever inquisitivo do juiz penal, tendo por finalidade o deslinde do crime e da sua autoria[20].
É muito comum associar o princípio da verdade real ao processo penal (ou da verdade formal). Ocorre que, traduzindo a melhor doutrina, não existem várias verdades, e, sim, uma só verdade: a verdade processual, a verdade possível. Sempre com pensamentos brilhantes Cândido Rangel Dinamarco[21] leciona que a verdade e a certeza são dois conceitos absolutos. O que se pode alcançar é um grau elevado de probabilidade, daí porque não há falar-se em verdades, mas sim uma única verdade, a processual[22].
Num Estado Democrático de Direito, registra Fabiana Mendes Zamalloa do Prado[23], que o objetivo último do processo penal é resguardar e promover, dentro de suas possibilidades e limites, os direitos fundamentais da pessoa. Sob esse ângulo, o conjunto probatório produzido no processo penal, na busca da certeza a ser aferida pelo juiz e com o intuito de conter o jus puniendi não deve ignorar outras finalidades igualmente perseguidas por esse mesmo processo. Aduz a autora[24]:
Mas mesmo a busca da certeza não é ilimitada e deve estar condicionada, em um Estado Democrático de Direito, ao fim do processo penal: a contenção do poder punitivo (...) A certeza que se busca no processo penal é, assim, uma certeza garantia – garantia do acusado em face do poder punitivo estatal. Uma certeza que não pode ser alcançada a qualquer preço, mas que encontra limitações no fundamento ético do processo penal e no Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana.
Entretanto, haverá situações em que a garantia constitucional de vedação à admissibilidade das provas ilícitas será um obstáculo à proteção dos interesses e direitos fundamentais da pessoa ante o poder punitivo estatal. Nesse caso, a garantia constitucional poderá ser relativizada, através do método da ponderação, na hipótese de colisão com outro direito fundamental igualmente protegido pela Constituição Federal. Para a solução dessas colisões não se utilizam os critérios de solução de conflito entre normas abstratas, mas sim a ponderação. Nesta técnica, reduz-se o âmbito de aplicação de aplicação do princípio, a fim de aplicá-lo o outro no caso concreto.
Vistas tais assertivas e conceitos supra, resta-nos adentrar no estudo do novo regramento das provas ilícitas, que inclui não só a prova ilícita, mas a desta derivada, introduzindo o legislador previsão em norma infraconstitucional, com vistas a por fim à celeuma em torno do tema.
3.2. O NOVO REGRAMENTO DAS PROVAS ILÍCITAS
No capítulo anterior, no item 2.3., tivemos oportunidade de conhecer a nova redação conferida ao art. 157 do Código Processo Penal, no que diz respeito à inadmissibilidade das provas ilícitas, bem como as provas destas derivadas.
A imensa doutrina pátria, em especial, o renomado professor NUCCI[25] preconiza que a reforma realizada no Código de Processo Penal não aceita, tanto no campo constitucional como no infraconstitucional, qualquer prova obtida por meio ilícito.
Segundo o doutrinador[26], o critério da proporcionalidade restou prejudicado pelas opções legislativas apontadas pela Lei nº 11.690/08, no que tange à prova obtida para a condenação. Ocorre que, segundo esse mesmo princípio, a prova ilícita poderá ser admitida em favor do réu. Se de um lado há a proibição da prova ilícita, de outro há a presunção da inocência, e entre os dois deve preponderar esta última. Assim, a prova ilícita não serve para condenar ninguém, mas para absolver o inocente.
Para o Jurista Fernando Capez[27], entretanto, as mudanças articuladas pela nova lei não afetam a consideração pelo magistrado, do princípio da proporcionalidade, continuando este a vigorar no sistema processual penal pátrio.
Ao analisar a mudanças trazidas Lei nº 11.1690/2008 observamos que o § 2º do citado artigo 157 do CPP ampliou a vedação à admissibilidade das provas ilícitas às provas derivadas das ilícitas, cristalizando o entendimento da contaminação da prova que, embora formalmente legal, origina-se de outra revestida de ilegalidade.
Nestor Távora e Alencar[28], doutrinadores da nova geração, lecionam de forma impecável a teoria dos frutos da árvore envenenada, também conhecida como fruits of the poison tree. Originária dos EUA nos leading cases Silverthorne Luber x USA e Nardone x USA[29], “a prova ilícita produzida (árvore), tem o condão de contaminar todas as provas dela decorrentes” (frutos). Exemplo clássico seria uma confissão obtida mediante tortura, sendo a confissão, a princípio, prova formalmente íntegra, porém contaminada por seu meio de obtenção, a tortura.
O STF mantém sua posição de não admissão de provas ilícitas, como se pode inferir do antigo HC nº 69.912/RS, julgado em 30/06/1993 e no julgamento da ação penal nº 307-3/DF[30] contra o ex-Presidente Collor e Paulo César Farias.
PROVA ILICITA: ESCUTA TELEFONICA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL: AFIRMAÇÃO PELA MAIORIA DA EXIGÊNCIA DE LEI, ATÉ AGORA NÃO EDITADA, PARA QUE, "NAS HIPÓTESES E NA FORMA" POR ELA ESTABELECIDAS, POSSA O JUIZ, NOS TERMOS DO ART. 5., XII, DA CONSTITUIÇÃO, AUTORIZAR A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFONICA PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL; NÃO OBSTANTE, INDEFERIMENTO INICIAL DO HABEAS CORPUS PELA SOMA DOS VOTOS, NO TOTAL DE SEIS, QUE, OU RECUSARAM A TESE DA CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DECORRENTES DA ESCUTA TELEFONICA, INDEVIDAMENTE AUTORIZADA, OU ENTENDERAM SER IMPOSSIVEL, NA VIA PROCESSUAL DO HABEAS CORPUS, VERIFICAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS LIVRES DA CONTAMINAÇÃO E SUFICIENTES A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO QUESTIONADA; NULIDADE DA PRIMEIRA DECISÃO, DADA A PARTICIPAÇÃO DECISIVA, NO JULGAMENTO, DE MINISTRO IMPEDIDO (MS 21.750, 24.11.93, VELLOSO); CONSEQUENTE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO, NO QUAL SE DEFERIU A ORDEM PELA PREVALENCIA DOS CINCO VOTOS VENCIDOS NO ANTERIOR, NO SENTIDO DE QUE A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA - A FALTA DE LEI QUE, NOS TERMOS CONSTITUCIONAIS, VENHA A DISCIPLINA-LA E VIABILIZA-LA - CONTAMINOU, NO CASO, AS DEMAIS PROVAS, TODAS ORIUNDAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NA ESCUTA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE), NAS QUAIS SE FUNDOU A CONDENAÇÃO DO PACIENTE (Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 16/12/1993 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 25-03-1994 PP-06012 EMENT VOL-01738-01 PP-00112 RTJ VOL-00155-02 PP-00508).
A teoria dos frutos da árvore envenenada não é absoluta. A sua incidência, como adverte PACHECO[31], sofre várias limitações, como a “limitação da fonte independente”, “limitação da descoberta inevitável”. Tais limitações são teorias que decorrer da fruits of the poison tree. Elas. Elas contornam a presente teoria, tendo em vista que a mesma não é absoluta e encontram limites para a sua aplicação.
Desse modo, destaca-se a teoria da prova absolutamente independente[32]. De origem norte-americana (independent source) no caso Bynum vs. USA (1960), esta teoria dispõe que não havendo vinculação nem dependência da prova ilícita para o desfecho do processo, a mesma não terá o condão de contaminá-lo.
Em outras palavras, se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vínculo causal, tal prova será admissível.
Interpretando a novel redação do artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal, Nestor Távora e Alencar[33] assim concluem:
“sendo a prova ilícita isolada, e sendo as demais provas obtidas sem a contribuição da ilícita, não há de se falar em prejuízo. Dessa forma, “não evidenciado o nexo”(...), a contaminação está eliminada. “E prosseguem os doutrinadores: a prova absolutamente independente, ou limitação da fonte independente(...), não seria propriamente uma exceção aos efeitos da teoria dos frutos da árvore envenenada, e sim uma teoria coexistente.”
Em nossa Corte Suprema, encontramos precedentes adotando a presente teoria aqui exposta. Aqui, faz-se necessário colacionar algumas ementas de julgados do Pretório Excelso admitindo a teoria da fonte independente, ad litteram:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ESCUTA TELEFÔNICA. OUTROS MEIOS DE PROVA. LICITUDE. Escuta telefônica que não deflagra ação penal, não é causa de contaminação do processo. Não há violação ao direito à privacidade quando ocorre apreensão de droga e prisão em flagrante de traficante. Interpretação restritiva do princípio da árvore dos frutos proibidos. Habeas corpus indeferido (HC 76203 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM. Julgamento: 16/06/1998 Órgão Julgador: Segunda Turma).
EMENTA: HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO EXTEMPORÂNEA. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO ACOLHIMENTO. A alegação de inépcia da denúncia, por não descrever as condutas individualizadas dos co-partícipes e nem demonstrar, sequer implicitamente, a existência de associação permanente entre os pacientes para o cometimento do tráfico de substância entorpecente, é extemporânea, pois a oportunidade de argüi-la, se antes não fora suscitada, exauriu-se com a prolação da decisão condenatória transitada em julgado. Jurisprudência dominante no STF. Desacolhimento do proposto pela Procuradoria-Geral da República, no sentido da concessão de ofício do habeas corpus para anular-se a decisão condenatória. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que contamina as demais provas que dela se originam -, não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido (HC 74530 / AP - AMAPÁ HABEAS CORPUS Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento: 12/11/1996. Órgão Julgador: Primeira Turma).
HC nº 84.679, Primeira Turma, julgamento em 30/08/2005, DJU 30/09/2005, relator Ministro Eros Grau
Para MARQUES[34], ressoa inconstitucional a regra trazida pelo artigo em comento. O legislador infraconstitucional jamais poderia reduzir o alcance do inciso LVI do artigo 5º da Carta Magna via lei ordinária. Qualquer ressalva deveria ter sido feita por regra materialmente constitucional.
Outra teoria decorrente da fruits of the poison tree e também acolhida em nosso ordenamento jurídico, é a da descoberta inevitável. De origem norte-americana (inevitable discovery), esta teoria será aplicável caso demonstre que a prova seria produzida de qualquer maneira, independentemente da prova ilícita originária. Em outras palavras. Um exemplo curioso: o cidadão é acusado de homicídio, foi torturado e confessou o crime e onde estava o cadáver. No caso concreto, demonstrou-se que duzentos moradores já estavam construindo suas casas naquela localidade e o cadáver inevitavelmente seria encontrado
Em obra conjunta, Luíz Flávio Gomes[35], expõe:
Parece que a intenção do legislador foi de incorporar, ao texto do Código, posicionamento solidificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual se a prova ilícita por derivação não é a única produzida nos autos, a condenação do agente deve ser mantida. Em outras palavras: se a condenação vem fundada em outros elementos de prova, totalmente desvinculados da prova ilícita original, não será esta, tomada isoladamente, que terá o condão de ensejar a absolvição do réu.
Enfim, o legislador ordinário introduziu no texto legal a teoria amplamente aceita entre os doutrinadores e na jurisprudência em geral. É lógico concluir que a prova ilícita pode contaminar a prova dela derivada, embora licitamente colhida, mas não poderia, por nenhum imperativo, contaminar todo o processo se as demais provas, sem qualquer nexo de causalidade com aquela, por si só servissem de base para a decisão condenatória do magistrado.
Feitas tais considerações sobre a matéria da prova ilícita e a sistemática de sua introdução no processo, como também restando comentado os demais temas trazidos pela lei, adentremos no capítulo 3, com a discussão sobre pareceres de magistrados, após a mudança trazida pelas novas normas introduzidas no Código de Processo Penal.
4 CONCLUSÃO
Os direitos e garantias fundamentais caracterizam-se pela sua natureza universal e heterogênea. São universais na medida em que contemplam, dada uma igualdade de condições, todos os integrantes da comunidade. Heterogêneos, por traduzirem em pretensões diversas, por vezes incompatíveis entre sim. Disso decorre a relatividade dos direitos e garantias fundamentais.
Sendo assim, os direitos fundamentais, assim como qualquer outro direito, encontram-se sujeitos a restrições constantes do próprio sistema de direitos fundamentais, consubstanciadas no exercício de direitos contrapostos ou em outros bens constitucionalmente protegidos.
No processo penal, há uma relação de poder intrínseca, que se expressa no conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade da pessoa. Nesse mister, há proibição da admissibilidade das provas ilícitas, no âmbito do processo penal garantista que, em defesa dos direitos fundamentais, limita o poder.
Saliente-se, portanto, que para o fim exclusivo de aplicar uma sanção penal, essa garantia constitucional, agora também infraconstitucional, impede que sejam introduzidas no processo penal provas obtidas com violação dos direitos fundamentais da pessoa, seja por particulares ou pelos órgãos de persecução penal, ou mesmo que seja determinada pelo Poder Judiciário a produção de provas com violação desses direitos.
Não como se querer uma persecução penal ilimitada, sem qualquer parâmetros, onde os fins justificassem os meios, em desrespeito aos direitos que coexistem com o direito à verdade dos fatos
Entretanto, haverá situações em que a proibição da admissibilidade das provas ilícitas será um obstáculo à proteção dos direitos que visa proteger, dados os direitos fundamentais da pessoa diante do poder punitivo estatal. Nesse caso, a garantia constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas poderá ser relativizada, por meio da ponderação, se entrar em conflito com outro direito fundamental igualmente protegido pela Constituição Federal, como ser o princípio em comento mitigado em prol de prova que se destine a constatar a inocência do réu.
Ante a grande e recente transformação do processo penal, resta-nos esperar que as mudanças se cristalizem nas orientações e posicionamentos da moderna doutrina e jurisprudência, em busca do atual e devido processo legal.
REFERÊNCIAS
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[1] PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa do Prado. A ponderação de Interesses em Matéria de Prova no Processo Penal. São Paulo: IBCCRIM, 2006, p. 150.
[2] Ibidem, p. 151.
[3] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 22.
[4] Idem.
[5] SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma Processual Penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 63.
[6] Idem.
[7] MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, p.164.
[8] Op. cit., p. 65.
[9] Idem.
[10] Ibidem, p. 66.
[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição, rev., atual. e ampl. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2008, P. 346.
[12] Op. cit., p. 417.
[13] Op. cit., p. 313.
[14] United States Supreme Court – Silverthorne Lumber Co. v. U.S. – 251 U.S. 385 (1920) – Justice Holmes – Argued Dec. 12, 1919 – Decided Jan. 26, 1920.
[15] Nesse sentido, Távora e Antonni p 308 e Rangel, op. Cit. p. 405.
[16] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 7ª ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
[17] TAVORA e ANTONNI. p. 308. Nessa esteira, o Doutor em Direito, Paulo Rangel, que registra que a prova é um direito subjetivo de índole constitucional de estabelecer a verdade dos fatos.Op. cit. p. 410.
[18] Op. cit, p. 42 et seq.
[19] Op. cit., p. 812.
[20] Nesse sentido, Avolio, op. cit., p. 38.
[21] Apud Avolio, op. cit., p. 39.
[22] Nesse sentido, Ada Pelegrini Grinover, que exorta para o risco da verdade absoluta, que corresponde ao ilimitado poder do juiz. Professa a autora: “É suficiente um instante de reflexão para perceber que o modo de agir não pode valer mais do que o resultado. Dois processos podem ser imaginados: um, em que a dignidade do homem é alvitada; outro, em que é respeitada. Este último torna tolerável até mesmo os inevitáveis erros.” (GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover; FERNANDES, Antonio Scarance; Gomes Filho, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 10ª Edição, ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 157).
[23] Op. cit., p. 153.
[24] Ibiden, p. 142.
[25] Op. cit., p. 356.
[26] Op. cit., p. 346.
[27] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 309.
[28] Op. cit., p. 314-315.
[29] United Sates Supreme Court – Silverthorne Lumber o. v. U.S – 251 U.S 385 (1920) – Justice Holmes – Argued Dec. 12, 1919 – Decided Jan. 26, 1920.
[30] Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 07/dez./1994, DJU 13/out./1995.
[31] Op. cit., p. 549.
[32] Op. cit., p. 549.
[33] Op. cit., p. 317.
[34] Op. cit., p. 68.
[35] GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; e PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 287.
Analista do Ministério Público de Sergipe, ocupando a função de assessor de Procurador de Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Odilon Cabral Machado. Provas ilícitas e as recentes modificações da Lei 11.690/08 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2010, 08:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21730/provas-ilicitas-e-as-recentes-modificacoes-da-lei-11-690-08. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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