A técnica da tutela antecipada, herdada dos interditos romanos, não é uma novidade absoluta no direito brasileiro. Uma análise do ordenamento jurídico pátrio demonstra que mesmo antes da reforma processual de 1994, a medida antecipatória encontrava guarida em diversos dispositivos legais. À guisa de exemplo, podem ser citadas as liminares das ações possessórias, a ação de alimentos, o habeas corpus¸ o habeas data¸ o mandado de segurança, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública, as ações locatícias, a liminar do artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.
Entrementes, não havia a previsão da tutela antecipada para a satisfação de direitos que se submetiam ao rito procedimental comum, de maneira que a atuação do juiz ficava restrita às hipóteses previstas na lei.
Assim, diante da lacuna legislativa existente e sem alternativa mais adequada para tutelar os direitos que não estavam inseridos nas hipóteses tipificadas como passíveis da concessão da tutela antecipatória, passou-se a utilizar, desvirtuadamente, o poder geral de cautela, previsto no artigo 798 do Código de Processo Civil.
Como é sabido, o poder geral de cautela é conferido ao magistrado para que este possa conceder medidas cautelares não expressamente previstas na lei. Porém, ele passou a ser utilizado para a concessão de medidas antecipatórias satisfativas, desde que presentes o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora).
Destarte, com o escopo de entregar resposta célere a determinada pretensão e de evitar a ineficácia da prestação jurisdicional, foram criadas as denominadas cautelares satisfativas. Tal denominação, diga-se de passagem, soa imprópria, posto que as medidas cautelares cingem-se à proteção/conservação do direito, sem, contudo, satisfazê-lo.
De mais a mais, devido ao disposto no artigo 806 da Lei Adjetiva Civil, o emprego de medidas cautelares satisfativas exigia o desnecessário ajuizamento de uma ação principal, pois esta, na maioria das vezes, servia apenas para confirmar a prestação jurisdicional.
Assim, atento aos problemas criados pela prática disseminada das medidas cautelares satisfativas, bem como aos reclamos da sociedade por uma prestação jurisdicional célere e efetiva, o legislador, através da reforma processual operada pela Lei nº. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, generalizou a técnica da tutela antecipada para o processo de conhecimento (sumário e ordinário).
A partir de então, toda e qualquer situação urgente, desde que preenchidos os requisitos insculpidos na lei, passou a ser suscetível de antecipação da tutela.
Ulteriormente, o artigo 273 foi alterado pela Lei nº. 10.444/2002. Com esta reforma, foi modificada a redação do § 3º e acrescidos os §§ 6º e 7º.
1. Conceito e natureza jurídica da tutela antecipada.
Segundo o dicionário Aurélio, o vocábulo antecipar significa “fazer, dizer, sentir, fruir, fazer ocorrer, antes do tempo marcado, previsto ou oportuno; precipitar”.
À luz da definição acima exposta e da indicação da própria expressão, a tutela antecipada pode ser compreendida como uma inversão dos atos processuais, realizada com o fito de adiantar os efeitos da tutela pretendida pela parte e, conseqüentemente, viabilizar a satisfação provisória do direito material antes mesmo de completar a instrução e o debate da questão discutida em juízo. A respeito, consigna Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 752):
[...] há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.
Justifica-se a antecipação da tutela pelo princípio da necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. [...]
Trata-se, portanto, de uma técnica de agilização da prestação jurisdicional, destinada a acelerar os resultados práticos da tutela pretendida e a combater ou abrandar os malefícios advindos da demora do processo.
Em síntese, a tutela antecipada nada mais é do que uma espécie de tutela jurisdicional satisfativa, prestada no bojo do módulo processual de conhecimento, com base em uma cognição sumária e num juízo de probabilidade (CÂMARA, 2007, p. 469). Há uma abreviação do iter processual e um rompimento do princípio da nulla executio sine titulo, de modo a permitir a imediata execução.
Em face da satisfação do direito se perfazer com base em uma cognição sumária, a decisão não se revestirá da definitividade que caracteriza a coisa julgada material (LOPES, 2003, p. 50). Ao revés, ainda que dotada de eficácia imediata, a antecipação da tutela necessita de sentença final.
A natureza jurídica da tutela antecipada é tema divergente entre os doutrinadores. Não obstante, é majoritário o entendimento de que ela não se confunde com a tutela cautelar, apesar de existirem semelhanças entre ambas as espécies de tutela.
Com efeito, é comum classificar-se a tutela cautelar e a tutela antecipada como espécies do gênero tutela de urgência, cujo escopo é abrandar os males da demora da resposta jurisdicional e garantir a efetividade da jurisdição. Porém, ainda que integrem uma categoria única e que possuam em comum as características da provisoriedade e da revogabilidade, a tutela antecipada e a tutela cautelar não se confundem, registra Lopes (2003, p. 51).
A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito, mas sim a assegurar a utilidade do provimento futuro da ação principal, protegendo o direito da parte dos malefícios provenientes da demora da prestação jurisdicional. Trata-se, destarte, de tutela assecuratória não-satisfativa.
No caso, há sempre uma referibilidade ou referência a um direito acautelado ou a uma pretensão principal. Explica Marinoni (2008, p. 111) que “na tutela satisfativa inexiste referibilidade a um direito acautelado. Aí não há referibibilidade porque nada é assegurado. A pretensão é satisfeita.”
Outrossim, a tutela cautelar pode ser identificada por sua natureza essencialmente instrumental, pois serve para a preservação do direito material, assegurando a efetividade e a utilidade do provimento futuro. ‘É o instrumento de proteção de um outro instrumento (a tutela jurisdicional satisfativa), por isso comumemente (sic) adjetivada como “instrumental ao quadrado”’(DIDIER JR., BRAGA e OLIVEIRA, 2008, p. 592).
A tutela antecipada, por sua vez, caracteriza-se pela satisfatividade. Implica em adiantamento dos efeitos do provimento postulado, permitindo o gozo imediato. Como antevisto, há um rompimento com o princípio da nulla executio sine titulo.
Destarte, partindo-se das premissas acima assentadas, pode-se afirmar que a satisfatividade é o traço distintivo essencial entre as duas espécies de tutela.
Por conta disso, não obstante a tutela antecipada ser pleiteável incidentalmente na ação de conhecimento, os requisitos para a sua concessão são mais numerosos e rigorosos do que os da medida cautelar, pressupondo uma cognição mais aprofundada. Com efeito, enquanto a tutela cautelar exige simples verossimilhança (fumus boni iuris) do direito a ser acautelado, a tutela antecipada reclama verossimilhança apoiada em prova inequívoca do direito a ser satisfeito.
Contudo, como distinguir as tutelas em exame quando se tratar de uma zona de fronteira, em que é tênue a linha que as separa? Para resolver a celeuma posta, elucidativo é o critério distintivo elaborado por Cassio Scarpinella Bueno (2007, p. 27), in verbis:
O critério que me parece mais útil para distinguir a tutela antecipada da tutela cautelar é verificar em que condições aquilo que se pretende antecipar [...] coincide ou não com o que se pretende a final. Na exata medida em que houver coincidência total ou parcial – a tutela antecipada, diz o art. 273, caput, pode ser concedida total ou parcialmente –, o caso será de tutela antecipada. Na ausência dessa coincidência, seja ela total ou parcial, a hipótese é de tutela cautelar. (Grifo no original)
Todavia, permanecendo a dúvida, deverá o magistrado se pautar pelo princípio da instrumentalidade do processo, visando sempre a atender à máxima efetividade da prestação jurisdicional. Logo, ainda que possam haver dúvidas e confusões doutrinárias, inexiste coincidência entre a tutela antecipada e a tutela cautelar.
Do mesmo modo, não há que se confundir a técnica da antecipação da tutela com o julgamento antecipado da lide. A única semelhança entre este e a tutela antecipada é a satisfação do direito material discutido, posto que o julgamento antecipado da lide é uma decisão que concede tutela jurisdicional definitiva, baseada em cognição exauriente e na suficiência do acervo probatório.Em suma, ao passo em que na tutela antecipada ocorre um adiantamento dos efeitos práticos e concretos do provimento final, no julgamento antecipado da lide existe uma antecipação do provimento final.
Importa ressaltar, por derradeiro, que muito embora o artigo 273 do Código de Processo Civil disponha, em seu caput, que o juiz poderá, desde que preenchidos determinados requisitos, antecipar a tutela jurisdicional, não se trata de mera faculdade do órgão julgador, mas sim de um direito subjetivo processual. Uma vez presentes os requisitos traçados pela lei, deverá o magistrado, pois, conceder a antecipação dos efeitos da tutela, não cabendo qualquer juízo de conveniência ou oportunidade.
2. Pressupostos positivos da tutela antecipada.
Pressupostos positivos, como o próprio nome leva a concluir, são aqueles que devem estar presentes para que o juiz conceda a tutela antecipada. Consoante ensina Cassio Scarpinella Bueno (2007, p. 36), eles podem ser de dois tipos: a) necessários e b) alternativos. Aqueles são a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, que devem sempre existir. Esses, por seu turno, são o receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I) e o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II), bastando a presença de apenas um deles para a concessão da tutela antecipada.
Doravante, passa-se à análise de cada um dos pressupostos.
2.1. Prova inequívoca e verossimilhança das alegações.
Reza o artigo 273 que o juiz poderá antecipar a tutela “desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança das alegações”.
A prova inequívoca a que se refere o artigo acima deve ser entendida como prova robusta, contundente, bastante, com força persuasiva capaz de conduzir o magistrado a um juízo de probabilidade.
Não se trata, é certo, de prova irrefutável, porque esta conduziria a uma decisão definitiva, mas sim de prova suficiente para o juiz decidir com segurança sobre os fatos que lhes são apresentados, mas não para a declaração da existência ou da inexistência de um direito.
Outrossim, a expressão não se limita à prova documental, podendo ser utilizados quaisquer meios de prova, inclusive pericial e testemunhal. Do contrário, o legislador teria falado em prova documental, e não em prova inequívoca.
A prova inequívoca aqui posta deverá conduzir o magistrado a um juízo de verossimilhança sobre os fatos apresentados[1]. Por verossimilhança, compreende-se aquilo que parece ser verdadeiro, que tem aparência de verdade.
Como já demonstrado, a prova inequívoca que conduz à verossimilhança da alegação exigida para a tutela antecipada é mais forte/rigorosa do que o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) das ações cautelares. Enquanto a tutela antecipada reclama um juízo de cognição mais profundo, não bastando apenas falar, mas provar, a tutela cautelar funda-se em mera probabilidade, independentemente de prova. Para clarificar a diferença, forçoso transcrever ensinamento bastante ilustrativo de Cassio Scarpinella Bueno (2007, p. 39-40):
É daí que vem a brincadeira usual de que o fumus da cautelar é “fuminho, enquanto o da tutela antecipada é fumão, no sentido de pouca ou muita fumaça, respectivamente, que fique muito bem entendido. A imagem pode até ser bonitinha, mas, com todo o respeito, nem sequer para fins didáticos deve ser utilizada. É que, isso eu aprendi de uma aluna da graduação da PUCSP, absolutamente coberta de razão, quanto mais densa ou espessa for a fumaça, mais difícil será ver do outro lado, o que está atrás dela. Se a figura do fumus veio justamente para descrever que o magistrado consegue ver o direito “turvo” ou meio desfocado em virtude da cortina de fumaça que existe entre ele e o “direito” (o fato jurídico, bem esclarecido), a solução didática é, rigorosamente, a oposta. O “fuminho” deve se atrelar à noção de tutela antecipada, porque é aí, justamente pelo “maior rigor dos seus pressupostos”, que o magistrado enxerga com maior clareza (não absoluta, entretanto) o que está atrás dela, “do outro lado”. Para alguns, contudo, a ressalva não merece acolhida. Para eles, a dicotomia entre fumus mais ou menos intenso deve ser entendida no contexto do velho adágio de que “onde há fumaça, há fogo” e, conseqüentemente, quanto maior a fumaça, maior a probabilidade de se encontrar fogo. Nesse sentido, o fumão seria indicativo de um “melhor direito”, mais próximo daquilo que, realizada a cognição exauriente pelo juiz, ele encontrará a final.
De outro giro, o “fundamento relevante” necessário para a concessão de liminar em sede de mandado de segurança, por exigir o direito líquido e certo (demonstrado de plano, sem possibilidade de dilação probatória), é mais intenso do que a prova inequívoca que conduz à verossimilhança da alegação.
Há, assim, uma espécie de escala de graus para o convencimento do magistrado: o “fundamento relevante” encontra-se no ponto mais alto; em seguida, vem a prova inequívoca da verossimilhança da alegação; por fim, em grau menos intenso, o fumus boni iuris.
Na prática, entretanto, é mais difícil para o magistrado perceber as diferenças de graus de intensidade, não sendo de todo adequado subsumir o convencimento do magistrado a meros critérios matemáticos ou aritméticos.
O essencial, então, é que o juiz esteja suficientemente convencido da urgência do direito da parte.
2.2. Dano irreparável ou de difícil reparação.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação a que se refere o inciso I do artigo 273 associa-se ao periculum in mora (perigo da demora), também previsto para as ações cautelares. Ele não diz respeito a um dano futuro, hipotético, eventual, derivado de um mero temor subjetivo da parte, mas sim a um dano grave, atual (iminente), fundado em risco concreto. Por conta disso, aqui a antecipação da tutela é denominada de antecipação-remédio.
Sobre o assunto, leciona Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 759):
Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. (Grifo no original)
Ocorre a irreparabilidade quando os efeitos decorrentes do dano não são reversíveis. Com bastante propriedade, pontua Marinoni (2008, p. 156-157) que, em geral, a irreparabilidade atinge os casos de direito não patrimonial (direitos da personalidade, por exemplo) e direito patrimonial com função não patrimonial.
Todavia, consigna o mesmo autor que há casos de direito patrimonial que não podem ser efetivamente reparados com dinheiro, mas apenas de forma específica, existindo a irreparabilidade quando esta não é observada.
Por sua vez, o dano de difícil reparação é aquele em que apesar de difícil, há possibilidade de reparação. Dá-se, por exemplo, quando a futura execução se mostrar quase irrealizável em virtude das condições econômicas do réu, ou quando for difícil mensurar, com precisão, os efeitos do dano (MARINONI, 2008, p. 157).
Assim, a possibilidade de o autor usufruir dos efeitos do provimento final antes da sentença de mérito ou outro momento procedimental adequado somente irá se justificar se, diante do fundado receio de dano irreversível ou de difícil irreversibilidade, não for possível aguardar o final do processo para a efetivação da tutela jurisdicional.
2.3. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Versa o inciso II do artigo 273 sobre a possibilidade de ser concedida a antecipação da tutela na hipótese de “abuso de direito de defesa” ou de “manifesto propósito protelatório do réu”, independentemente da existência de perigo concreto de dano.
A concessão da tutela antecipada com base em tais pressupostos, costumeiramente denominada de antecipação-sanção ou tutela antecipada de evidência, tem sido considerada como uma reação do Estado ao uso indevido de um direito assegurado ao réu, o qual se vale de expedientes ardilosos para postergar a entrega da tutela jurisdicional. É, em verdade, a consagração dos princípios da boa-fé e da lealdade processual, previstos nos artigos 14, 17 e 18 do CPC.
Não se trata de vedação ao exercício do contraditório e da ampla defesa, mas uma reação ao uso anormal e ilegítimo destes direitos. Consoante afirma Alexandre Câmara (2007, p. 475),
É inegável que todos têm direito à defesa, a qual encontra guarida constitucional. Este direito, porém, como todos os outros, deve ser exercido de forma legítima, pois seu exercício abusivo não é tolerado pelo ordenamento jurídico. Assim, se o réu apresenta defesa com o único propósito de protelar a entrega da prestação jurisdicional, deve-se tutelar antecipadamente o direito substancial que, em razão da defesa abusiva, mais do que provável, já se revela evidente. (Grifo no original)
Os doutrinadores divergem acerca da conceituação de abuso de direito. Porém, prevalece o entendimento de que esta expressão significa o uso anormal, irregular do direito. É o desvio da finalidade da lei, verificado através da falta de interesse e de motivo legítimo, bem como do desvio do direito de sua função social. Para a sua caracterização, sublinhe-se, não se faz necessária a existência de dolo processual, da intenção de prejudicar (LOPES, 2003, p. 75).
A expressão “manifesto propósito protelatório” também apresenta significado vago. No entanto, pode-se compreendê-la como atos que geram empecilhos ao regular desenvolvimento do processo.
Assim, o abuso deve ser entendido como atos praticados dentro do processo (endoprocessuais), ao tempo em que o manifesto propósito protelatório são atos e omissões fora do processo (extraprocessuais), embora com ele ligados.
Contudo, quais são as situações que podem caracterizar o abuso do direito de defesa ou o manifesto protelatório do réu?
De início, calha salientar que as situações de litigância de má-fé, reguladas nos artigos 16 a 18 do CPC, servem de referencial para a caracterização das possíveis hipóteses contidas no inciso II. Porém, somente a elas não se restringe, posto que existem casos ali não descritos.
À guisa de exemplo, eis algumas situações que podem ensejar a incidência do inciso II do artigo 273: a) sucessiva retirada de autos; b) reiterada juntada de documentos irrelevantes; c) permanência, por diversas vezes, com os autos por prazo superior ao estabelecido em lei ou pelo juiz; d) fornecimento de endereço errado ou ocultação de si próprio para obstar a realização da citação ou da intimação; e) argumentações antagônicas em processos semelhantes; f) defesa contra fato incontroverso; g) defesa inverossímil, sem consistência; h) insistência contra orientação pacífica ou já sumulada; i) embaraços à produção de provas; j) interposição de recursos incabíveis ou manifestamente improcedentes; e k) reiteração, sem sustentação em argumentos ou fatos novos, de requerimento indeferido.
Diversas são, portanto, as formas que podem autorizar a antecipação punitiva, sendo impossível enumerar todas. Dessa forma, compete ao magistrado, ante um caso concreto, avaliar a situação, atentando-se sempre para a finalidade da norma em exame.
2.4. Legitimidade para requerer a tutela antecipada.
Da leitura do caput do artigo 273, inferi-se, em um primeiro momento, que apenas o autor detém a legitimidade para requerer a antecipação dos efeitos da tutela.
Não obstante, o juiz poderá antecipar a medida em favor do réu-reconvinte, até porque a reconvenção, embora tratada como uma forma de resposta, é uma ação do réu dentro do processo instaurado pelo autor, na qual aquele assume a qualidade de autor dessa demanda.
Outrossim, também é admissível antecipação da tutela em favor do réu nas demandas em que este pode formular pedido contraposto na própria contestação.
Questão tormentosa, porém, refere-se à possibilidade de o réu, nas ações não-dúplices em que apenas apresenta contestação, requerer a antecipação dos efeitos da tutela. Sem embargo do posicionamento majoritário, entende-se que o magistrado poderá, diante do caso concreto, conceder a tutela antecipada para o réu. Nesse passo, conclui Marinoni (2008, p. 148):
A princípio, de fato, seria possível argumentar que o réu não faz “pedido inicial” e que, portanto, não pode requerer a tutela. Tal argumento, porém, filiado a uma interpretação literal da norma, não é suficiente, já que o legislador infraconstitucional deve estar atento ao princípio da isonomia e o réu pode necessitar, em determinados casos, da tutela antecipatória.
José Roberto dos Santos Bedaque (2006, p. 362), para quem é na contestação que o réu formula o seu pedido inicial, não descarta, igualmente, a possibilidade de o réu formular o pedido de tutela antecipada na própria contestação, mesmo não se tratando de ação dúplice.
Podem, ainda, pleitear a tutela antecipada os assistentes simples (este condicionando à vontade do assistido) e qualificado, o substituto processual, bem como os terceiros intervenientes que, a partir da intervenção, tornarem-se partes.
O Ministério Público possui legitimidade para formular o pedido de tutela antecipada quando for parte ou assistente diferenciado de incapazes (DIDIER JR., BRAGA e OLIVEIRA, 2008, p. 640).
Controvérsia existe, porém, quanto à legitimidade do Parquet para formular pedido antecipatório na qualidade de interveniente (custos legis). Uns entendem falecer legitimidade ao Ministério Público nessa hipótese, restringindo a atuação do órgão ministerial a apenas sugerir, apoiar ou repelir (DIDIER JR., BRAGA e OLIVEIRA, 2008, p. 640-641).
Outros, ao contrário, propugnam a legitimidade do Ministério Público para pleitear, como fiscal da lei, a medida, entendimento este que parece mais correto. A respeito, valioso trazer a lume as palavras de Scarpinella Bueno (2007, p. 48):
Dadas as finalidades institucionais do Ministério Público, mais que hipertrofiadas e desejadas pela Constituição Federal, deve prevalecer o entendimento de que, também nesses casos, o Ministério Público detém legitimidade, desde que, evidentemente, seu pedido vá ao encontro dos interesses e direitos que motivam sua participação no feito naquela qualidade. Pensar diferentemente não é somente apequenar o Ministério Público e seus misteres constitucionais; é muito mais do que isso. É apequenar a função social do processo e o interesse do próprio Estado – imposto pela própria Constituição Federal – em que ele, o processo, seja eficaz, em que ele produza os efeitos que devem surtir em prol daquele que, procedimentalmente, apresenta-se com “melhor direito” do que o outro. Ser “fiscal da lei” não é despropositado sublinhar, é forma de atenuar os rigores do “princípio dispositivo”, garantindo-se a necessária imparcialidade do magistrado. Nesse sentido, não há como recusar ao Ministério Público, quando atua naquela qualidade, ter legitimidade para formular o pedido de tutela antecipada.
3. Pressuposto negativo: a questão a (ir)reversibilidade.
De acordo com o artigo 273, § 2º, do CPC, “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.
In casu, está-se diante de um pressuposto negativo, ou seja, que não deve estar presente quando da concessão da tutela antecipada. Desse modo, quando houver perigo de não retorno ao estado anterior, a antecipação dos efeitos da tutela, em regra, deve ser denegada.
Malgrado a redação do parágrafo fale em “irreversibilidade do provimento antecipado”, o mais adequado seria falar-se em irreversibilidade dos efeitos práticos e concretos da decisão. Isso porque, a teor do disposto no § 4º do mesmo artigo, o provimento está sujeito a ser modificado ou revogado a qualquer tempo.
A irreversibilidade como óbice à concessão da medida antecipatória, refere-se, portanto, aos efeitos, não ao próprio provimento, que sequer é objeto de antecipação. E, mesmo que fosse, jamais haveria irreversibilidade do ato judicial, sempre revogável, ou seja, reversível (BEDAQUE, 2006, p. 346).
A vedação constante no dispositivo em análise possui como escopos primordiais coibir o uso arbitrário e indiscriminado do instituto da tutela antecipada, e salvaguardar o direito do réu à segurança jurídica.
Conforme explicado outrora, a antecipação da tutela jurisdicional é concedida com base em cognição sumária e, como consectário lógico, existe a possibilidade de não confirmação ao final do processo. Diante de tal possibilidade e a fim de não causar um dano maior à parte adversária do que ao autor, caso haja futura denegação da medida, mister se faz que tudo esteja propenso a retornar ao status quo ante.
Porém, a regra da reversibilidade deve ser interpretada com uma certa ponderação. Do contrário, o instituto em apreço poderá se tornar de todo inócuo, violando o direito constitucional à efetividade da tutela jurisdicional.
Com efeito, há casos extremos em que a concessão da tutela antecipatória, ainda que irreversível, é a única alternativa capaz de evitar o perecimento do direito da parte autora. A denegação da medida causaria a esta um dano irreversível.
Havendo um choque entre os direitos fundamentais da efetividade da tutela jurisdicional e da segurança jurídica, competirá ao juiz, com fulcro no princípio da proporcionalidade, compatibilizá-los. Este princípio, declara Karl Larenz (apud MARINONI, 2008, p. 203), “é aplicado justamente quando o problema consiste em determinar onde se situa o limite da satisfação de um interesse à custa de outro também digno de tutela.”
Destarte, para solucionar o problema da colisão de direitos fundamentais, deverá o magistrado, à luz do caso concreto, ponderar os valores dos bens jurídicos em confronto, privilegiando um provável direito do autor quando a concessão da tutela implicar em dano irreversível a valores mais relevantes dos que os da parte ex adversa. Somente assim, frise-se, estar-se-á garantindo a efetividade do processo, dotando-o de utilidade e eficácia.
Em suma, a questão da irreversibilidade não constitui impedimento absoluto à concessão da tutela antecipatória, pois, ante um conflito de bens jurídicos com valores diversos, poderá o juiz deixar de aplicar a regra inserta no § 2º, do artigo 273, do Código de Processo Civil.
4. Requerimento.
O artigo 273 não prevê qualquer formalidade para que se possa requerer a antecipação dos efeitos da tutela. De fato, uma mera petição dirigida ao juiz da causa, na qual se demonstre os requisitos exigidos na lei, é suficiente à concessão da medida. Aliás, até um pedido feito oralmente em uma audiência é passível de ser acatado, registra Cassio Scarpinella Bueno (2007, p. 69).
Igualmente, muito embora existam oportunidades mais adequadas, o dispositivo em testilha também não exige prazo para o requerimento da medida antecipatória.
Aqui, uma indagação torna-se pertinente: seria possível ao magistrado conceder a antecipação dos efeitos da tutela independentemente de requerimento expresso da parte?
Em que pese o artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, expressar em sua redação a necessidade de requerimento da parte para a concessão da tutela antecipada, bem como uma análise perfunctória desse dispositivo legal revelar, em um primeiro momento, ser incontroverso que o juiz somente poderia antecipar a tutela quando diante de expresso requerimento da parte, afastando totalmente a possibilidade de atuação de ofício, uma interpretação em consonância com os ditames da Constituição Federal e do Direito Processual Civil moderno evidencia que, em determinados casos, a resposta poderá ser positiva.
Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio não veda que magistrado atue oficiosamente para conceder os efeitos da tutela pretendida. Ademais, o Direito Processual Civil moderno não mais se coaduna com meros rigorismos formais, de maneira que não é permitido ao Estado-juiz escusar-se de enfrentar situações de extrema de periclitância do direito da parte, sob o pretexto de inexistir requerimento expresso.
Acrescente-se, ainda, que a Constituição Federal prevê como fundamental o direito à tutela jurisdicional efetiva e à célere duração do processo e, diante da supremacia dessa norma, a qual todos estão submetidos, inclusive o Poder Judiciário, não há como se conceber a idéia de que a exigência de requerimento da parte, prevista em uma norma de natureza infraconstitucional, sirva de empecilho para a concretização de direitos e garantias fundamentais, e da justiça social.
Portanto, patente está que o Estado-juiz, diante do receio de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte que aguarda uma resposta jurisdicional, poderá antecipar, ex officio, os efeitos da tutela pretendida.
5. Fundamentação da decisão concessiva ou denegatória da tutela antecipada.
Ao magistrado não é facultado conceder ou não a tutela antecipada com esteio em juízos de conveniência e oportunidade. Não há discricionariedade judicial na verificação dos pressupostos necessários para a concessão da medida, competindo ao órgão julgador tão-somente interpretar os termos indeterminados utilizados pelo legislador.
Em sua decisão, seja ela concessiva ou denegatória da antecipação da tutela, deverá o magistrado analisar os pressupostos e indicar as razões que o levaram a decidir de determinada forma, não sendo suficientes expressões genéricas. É nesse sentido que determina o § 1º do artigo 273 que a decisão que antecipa a tutela jurisdicional seja fundamentada de modo claro e preciso.
Entende grande parte da doutrina ser redundante o dispositivo legal acima indicado, haja vista o disposto no artigo 165 do CPC, que prescreve que as decisões, ainda que sucintamente, devem ser fundamentadas, bem como no artigo 93, inciso IX, da CF, o qual expressa o dever do Poder Judiciário fundamentar todas as decisões por ele proferidas.
No entanto, não se pode olvidar a importância do § 1º, que veio robustecer a necessidade de se fundamentar as decisões de acordo com o caso concreto. Isso porque,
Pela cultura e pelo “jeito” brasileiro, nunca é demais lembrar que certas leis, certos dispositivos normativos, mesmo aqueles com berço constitucional, têm de ser observados. A técnica, comuníssima entre nós, é ficar repetindo esses comandos para ver se sua leitura aqui e acolá convence alguém de que é para valer, que é sério, que deve haver alguma conseqüência para quem não acatar a norma jurídica (BUENO, 2007, p. 72).
De mais a mais, convém rememorar que a fundamentação é essencial para o exercício do direito de recorrer. Afinal de contas, para o pleno uso deste, é preciso saber as razões da decisão.
5. Revogação e modificação da tutela antecipada.
Afora a possibilidade de controle da decisão da tutela antecipatória por meio de agravo de instrumento, reza o § 4º do artigo 273 que a antecipação da tutela jurisdicional poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, desde que por decisão devidamente fundamentada. Essa possibilidade é decorrência do juízo de cognição sumária exercido pelo juiz quando da prolação do decisum.
Ao tempo em que o termo “revogação” deve ser compreendido como a eliminação da decisão anteriormente proferida, o termo “modificação” refere-se a uma alteração parcial.
Para que se possa revogar ou modificar a medida antecipada, faz-se mister, porém, o surgimento de novas circunstâncias fáticas ou jurídicas capazes de elidir a convicção alcançada pelo órgão julgador. Por isso, costuma-se dizer que a tutela antecipada é concedida rebus sic stantibus. Sobre o tema, consigna Marinoni (2008, p. 164):
Não é somente a alteração da situação de fato objeto da lide que permite a modificação ou a revogação da tutela, mas também o surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação de fato. É o caso da produção de prova que pode alterar a convicção do julgador acerca da situação fática.
Não obstante o dispositivo legal em exame ser silente acerca das conseqüências da revogação ou da modificação da tutela, é uníssono o entendimento de que os efeitos deste ato são imediatos e possuem eficácia retroativa (ex tunc). Impõe-se, por exigência do próprio sistema processual civil, como visto alhures, o retorno das coisas ao estado anterior (status quo ante).
6. Efetivação da tutela antecipada.
O cumprimento da tutela antecipada é assunto tratado no § 3º, do artigo 273, do Código de Processo Civil, originalmente introduzido pela Lei nº. 8.952/94 e, posteriormente, alterado pela Lei nº. 10.444/2002.
O referido parágrafo prescreve que na efetivação da tutela antecipada observar-se-á, no que couber e conforme sua natureza, as normas insculpidas nos artigos 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461, do CPC.
De início, impende destacar que a palavra “efetivação”, que hoje se lê no parágrafo em exame, substituiu, com o fito de abranger qualquer forma de cumprimento da tutela antecipada, o termo execução. Ademais, a referência feita ao artigo 588 deve interpretada como em relação ao artigo 475-O, substituto daquele após sua revogação expressa pela Lei nº. 11.232/2005.
O artigo 475-O disciplina a execução provisória, permitida nos casos em que houver sido interposto um recurso sem efeito suspensivo. Assim, a execução é denominada provisória porque está pendente uma decisão que poderá manter ou revogar outra e, conseqüentemente, os atos executivos até então praticados.
Segundo dispõe o § 3º, quando a tutela antecipatória concessiva versar sobre obrigação pecuniária (condenatória), a efetivação será realizada na forma do artigo 475-O. “Em suma, toda vez que não houver urgência na concretização da tutela antecipada, suficiente que o autor obtenha o adiantamento dos atos de execução, isto é, dos atos de sub-rogação patrimonial indireta” (BUENO, 2007, p. 131). (Grifos no original)
O supramencionado artigo, em seu inciso III, condiciona à prestação de caução idônea o levantamento de dinheiro e a prática de atos que importem em violação de propriedade, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, exceto nas hipóteses do § 2º (art. 475-O), quando a contracautela poderá ser dispensada.
Contudo, importa salientar que a caução não pode ser vista como obrigatória para todas as situações não inseridas na ressalva do § 2º do artigo 475-O, mormente se a exigência limitar ou inviabilizar a plena efetivação da tutela antecipada.
No que tange à referência aos artigos 461, §§ 4º e 5º, e 461-A, estes serão aplicados para a efetivação da tutela antecipada quando se tratar, respectivamente, de obrigações de fazer ou não fazer e de entregar coisa (certa ou incerta).
Dessa maneira, permite o § 3º do artigo 273 que o magistrado se valha de todos os meios atípicos previstos naqueles dispositivos, aplicando os que forem considerados mais aptos à concretização da tutela antecipada.
Todavia, é importante ter em mente, consoante destaca Alexandre Câmara (2007, p. 477), que as regras ora analisadas
[...] são aplicáveis apenas “no que couber”, o que significa dizer que as mesmas devem ser vistas como “parâmetros operacionais”, cabendo ao juiz, se verificar que algumas das regras aí referidas não é adequada à efetivação da tutela antecipada em um certo caso concreto, determinar que a atuação da medida se dê pelo meio que se revele mais eficiente, o que atenderá à exigência constitucional da tutela jurisdicional efetiva e adequada.
Por fim, calha gizar que o beneficiário da tutela antecipada é responsabilizado objetivamente, isto é, independentemente de culpa ou dolo, pelos danos (morais ou materiais) advindos do manejo indevido da antecipação de tal medida.
7. Artigo 273, § 6º: julgamento antecipado parcial do mérito.
O § 6º do artigo 273, cujo conteúdo dispõe que a antecipação da tutela “poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”, foi introduzido pela Lei nº. 10.444/2002, a partir de inspiração do legislador na obra de Luiz Guilherme Marinoni.
A doutrina não é harmônica sobre da natureza jurídica do parágrafo acima mencionado: uns afirmam que se trata de um novo tipo de tutela antecipada; outros asseveram que o § 6º diz respeito a um julgamento antecipado do mérito. Este entendimento parece ser o mais acertado, conforme será demonstrado a seguir.
Existem ações cujo objeto é formado por dois ou mais pedidos ou formado por um único objeto divisível. No primeiro caso, diz-se que o objeto é composto. No último, que o objeto é decomponível.
Em situações dessa espécie, se o réu deixar de apresentar contestação ou reconhecer a procedência de um dos pedidos ou de parte dele(s), somente haverá necessidade de continuação da instrução probatória em relação à parte do direito que é controversa, tutelando-se imediatamente o restante, ou seja, a porção incontroversa.
Sobreleve-se, todavia, que direito incontroverso não é só aquele decorrente da ausência de contestação ou do reconhecimento parcial do pedido. É, também, aquele que, embora contestado, mostrou-se evidente no transcorrer do processo, porque não mais necessita de dilação probatória.
De acordo com Marinoni (2008, p. 290),
Não há razão para não admitir a tutela antecipatória do pedido que, apesar de contestado, tornou-se incontroverso. Obrigar o autor a esperar, para a tutela de um pedido incontroverso, a instrução necessária para a elucidação de pedido cumulado, é castigá-lo de maneira irracional com o ônus do tempo do processo, agravando o “dano marginal” que lhe é invariavelmente acarretado. Perceba-se que o processo que admite a cumulação de pedidos, mas não aceita a fragmentação do seu julgamento, agrava a situação do autor, pois a demora necessária à averiguação do direito já é, por si só, fonte de prejuízo. (Grifos no original)
Assim, com arrimo no direito à razoável duração do processo, inserido pela EC 45/2004 no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Máxima, o § 6º vem tutelar o direito que se mostra incontroverso, sem a necessidade de estarem presentes os pressupostos da técnica da antecipação da tutela. Há um verdadeiro rompimento com o princípio da unidade ou unicidade do julgamento.
Por ser uma antecipação de um direito incontroverso, não há que falar em antecipação dos efeitos práticos e concretos da tutela final, mas sim em antecipação da própria tutela final.
O magistrado julga a lide com base em cognição exauriente e, por conta disso, nada obstante o § 6º estar localizado abaixo do § 4º, a tutela da parte incontroversa não é passível de modificação ou revogação, e nem precisa ser posteriormente confirmada, fato que, sublinhe-se, não é capaz de ferir o direito de defesa.
Como bem observa Cassio Scarpinella Bueno (2007, p. 62), em razão da sua natureza jurídica, a decisão que antecipa a parte incontroversa da demanda se apresenta, procedimentalmente, como decisão interlocutória, mas é, em substância, sentença. É, em resumo, decisão meritória definitiva, apta a produzir a coisa julgada material.
Trata-se, portanto, de resolução parcial da lide, de emissão da solução judicial para a hipótese, e não de tutela antecipada.
8. Fungibilidade entre as medidas cautelares e antecipatórias: coroação do sincretismo processual.
Como exposto no tópico 1.6. do primeiro capítulo, não são unívocos os critérios de distinção entre as chamadas tutelas de urgência. Entrementes, é praticamente unânime que, apesar de se destinarem a abrandar os efeitos maléficos decorrentes da demora da entrega da prestação jurisdicional, as medidas cautelares e antecipatórias não se confundem.
Ocorre, todavia, que existem situações em que se torna difícil precisar qual das duas medidas é a mais apropriada. Diante disso, para evitar que por razões estritamente técnicas o juiz denegasse a prestação jurisdicional e tornar o processo mais simples e célere, o legislador estabeleceu a fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, autêntica manifestação do sincretismo processual.
Acerca do assunto, destaca Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 744) ser
reiterado o entendimento jurisprudencial de que não é pelo rótulo, mas pelo pedido de tutela formulado, que se deve admitir ou não seu processamento em juízo; assim como é pacífico que não se anula um procedimento algum simplesmente por escolha errônea de forma.
A fungibilidade também foi introduzida pela Lei nº. 10.444/2002, através do acréscimo do § 7º ao artigo 273, que dita: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Assim, uma vez presentes os requisitos, o legislador permitiu a concessão de medida cautelar no bojo do processo de conhecimento, dispensando o autor de todos os ônus provenientes de um processo autônomo.
Muito embora a literalidade do § 7º permita concluir, em um primeiro momento, que somente é permitida a conversão da medida antecipatória em medida cautelar, não se pode, apesar da redação restritiva e de existirem doutrinadores com entendimento contrário, eliminar totalmente a possibilidade de conversão ocorrer na via inversa.
Efetivamente, haja vista a não correspondência de pressupostos, não se admite a conversão da tutela cautelar em tutela antecipada na hipótese do inciso II, do artigo 273, do Estatuto de Ritos Civis. No entanto, no caso do inciso I do mesmo dispositivo legal a resposta poderá ser positiva.
Sabe-se que o periculum in mora das ações cautelares e antecipatórias (inciso I) são correspondentes. Também é sabido que a medida exige tão-somente a presença do fumus boni iuris, ao passo em que a tutela antecipada exige pressuposto mais intenso, a prova inequívoca que conduza à verossimilhança das alegações.
Em situações em que não há uma plena identidade entre os pressupostos supramencionados, determinar que a parte requerente promova a emenda da inicial figura como a maneira mais razoável à proteção da garantia constitucional da efetividade da tutela jurisdicional.
Todavia, por vezes a linha que separa a aparência do bom direito e a verossimilhança das alegações é bastante tênue, ocasionando dúvidas acerca da natureza da tutela em contenda. Na verdade, o traço divisório entre um e outro pressuposto é muito mais teórico do que real, não havendo como avaliar, com precisão, o quanto o magistrado está convencido (BUENO, 2007, p. 150).
Em situações desse jaez, a fim que os valores contidos nos incisos XXXV e LXXVIII sejam concretizados, é permitido ao juiz conceder a tutela antecipatória se no seu lugar houver sido inseridos requerida medida cautelar, pois o essencial é o convencimento do juiz. É o que declaram Marinoni e Arenhart (2007, p. 224), in verbis:
[...] havendo dúvida fundada e razoável quanto à natureza da tutela, aplica-se a idéia de fungibilidade, uma vez que seu objetivo é evitar maiores dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (evidentemente de natureza nebulosa) no processo de conhecimento.
Ainda a respeito, obtempera Cassio Scarpinella Bueno, com esteio no princípio da instrumentalidade das formas (2007, p.157):
[...] o que satisfaz é o resultado sensível e não as técnicas, os meios, as formas de chegar a ele. Embora haja técnicas corretas e incorretas, legítimas e ilegítimas, adequadas e inadequadas para alcançar determinados fins, elas são relevantes na medida em que viabilizem que a “teoria” seja aplicada à “prática” e às suas necessidades concretas, ao seu “resultado sensível”.
Enfim, frise-se que a fungibilidade não possui o condão de suprimir as ações cautelares autônomas do ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, não se pode negar que estas provavelmente cairão em desuso, por desnecessárias, uma vez que um simples requerimento incidental no processo de conhecimento será o bastante.
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[1] Impende ressaltar que Marinoni e Arenhart (2007, p. 209) entendem que, ao invés de juízo de verossimilhança, o mais adequado seria falar em juízo-provisório. Nessa esteira, asseveram que dizer ‘que a prova inequívoca deve formar um “juízo de verossimilhança”, como preceitua o art. 273, constitui tautologia. Isso porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, só pode permitir a formação de um “juízo de verossimilhança” quando se parte da concepção de que a verdade é algo inatingível. Entretanto, se por “juízo de verossimilhança” deseja-se significar juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, o mais correto é falar de “juízo-provisório”.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS; Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Social da Bahia; Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Camila Nunes de. Tutela antecipada: uma análise sistemática do artigo 273 do Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2010, 20:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21743/tutela-antecipada-uma-analise-sistematica-do-artigo-273-do-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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