RESUMO
O presente trabalho versa sobre o estudo do Inquérito Policial e o Ministério Público: poderes de investigação pelo Órgão Promotorial. O Inquérito Policial, peça de informação que serve de base para instauração da ação penal, é, em regra, de atribuição constitucional da Polícia Judiciária, porém, a mesma Carta Maior que estabelece tal atribuição versa sobre a possibilidade do Ministério Público, titular da ação penal Pública, praticar atos de investigação necessários para elucidação de ilícitos, surgindo, dessa forma, discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade ou não da instauração de inquéritos por membros do Parquet. Esse tema é de grande relevância para o sistema processual penal pátrio, uma vez que após o acontecimento de um ilícito surge para o Estado a tutela penal, como forma de solução justa de conflitos, e o papel do Ministério Público na elucidação de atos delitógenos é de suma importância, por ser ele o titular da ação penal pública, ou seja, aquele que aciona a justiça para a persecutio criminis. Pode-se destacar sobre o tema específico a corrente favorável a instauração de inquéritos policiais por parte do Parquet, com o posicionamento dos principais doutrinadores e julgados favoráveis, bem como a corrente contrária a intervenção direta do Ministério Público na fase pré-processual, que se manifesta através da ampla discussão doutrinária sobre o tema, que merece destaque nesta obra, após pesquisa bibliográfica de vários autores.
PALAVRAS-CHAVE: Poderes investigatórios; Ministério Público.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata do instituto do Direito Processual Penal (Inquérito Policial), contido nos arts. 4º a 23, do Código de Processo Penal brasileiro. Contudo, dar-se-á atenção especial ao tema específico da investigação preliminar feita diretamente pelo Ministério Público, constituindo tal discussão o cerne desta pesquisa.
Será analisado os principais aspectos relativos a investigação criminal e o Ministério Público, ou seja, será delimitado o seu conceito, bem como suas finalidades essenciais e os seus destinatários. Será observado também, a diferença entre as investigações estatais e privadas, analisando as investigações estatais diretas e indiretas.
Ainda, dentro do estudo da investigação criminal, será discutida a dispensabilidade da realização do Inquérito Policial.
A notícia da prática de uma infração penalmente tipificada traz para o Estado, como detentor da tutela penal, o dever de apurá-la através de seus órgãos e agentes legalmente legitimados, de modo a confirmá-la ou não, para promover a ação penal como meio de se chegar ao jus puniendi. Ao conjunto de atividades desenvolvidas pelo Estado na colheita de elementos comprobatórios do fato e de sua autoria dá-se o nome de persecução criminal.
Tal investigação preliminar apresenta, conforme José Frederico Marques (1961, p.130) dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal. Abrangendo, portanto, tanto o direito-dever de promoção da ação penal quanto à atividade de investigação que o antecede para a correta apuração do fato e de sua autoria.
A fase administrativa anterior à constituição da relação processual, em que o Estado prepara os fundamentos da pretensão punitiva, denomina-se Inquérito Policial. Este surgiu no Direito Brasileiro, por meio da reforma processual implementada pela Lei n.2.033, de 20 de setembro de 1871, e regulamentada pelo Decreto-Lei n.4.824, de 28 de novembro de 1871.
De início, com o Código de Processo Penal de 1832, as funções investigatórias como o auto de corpo de delito, à formação de culpa, entre outras, eram desempenhadas pelos chamados juízes de paz, cabendo aos juízes togados o julgamento das lides penais. Porém, com a reforma implementada pela Lei supramencionada, as funções judiciárias e policiais foram devidamente separadas, surgindo nas instituições do processo penal, o inquérito policial, como instrução preliminar realizada pela Polícia Judiciária, a fim de preparar a ação penal.
A palavra investigação vem definida no dicionário como “o ato de investigar, buscar, pesquisar” (FERREIRA, 2007, p.325) proveniente do latim investigare, que significa “seguir os vestígios”, fazer diligências para achar; pesquisar, indagar, perquirir.
A investigação preliminar criminal, conforme sintetiza Bruno Calabrich (2007, p.54): “constitui na seqüência de atos preliminares direta ou indiretamente voltados à produção e à colheita de elementos de convicção e de outras informações relevantes acerca da materialidade e autoria de um fato criminoso”.
Tais atos preliminares de produção e reunião de elementos abrange várias ações de natureza investigatória que devem ser adotadas pela autoridade policial quando da apuração de um crime. Ao tratar desse assunto do Código de Processo Penal, em seu art. 6º, enumera um rol não taxativo, pois além dos atos ali descritos vários outros também podem ser utilizados pela autoridade policial para elucidação de ilícitos, todos autorizados por leis específicas e em situações determinadas, tais como, a captação e a interceptação ambiental e a infiltração de agentes de polícia ou inteligência (art.2º da Lei 9.034/95, e art.33 da Lei 10.409/2002); a obtenção de informações bancárias, fiscais e financeiras; a interceptação de comunicações telefônicas e de dados (art.5º, XII, da CF/88; Lei 9.396/96), dentre outras (CALABRICH, 2007, p.54).
Convém observar que, o inquérito policial apesar de servir de elemento de convicção para a formalização da acusação feita na fase instrutória, não necessariamente contará com a participação da defesa, bem como não será submetida ao contraditório.
Portanto, tais atos preliminares, que não contam com a participação da defesa e do juiz, não são consideradas como provas, ao menos não em sentido estrito. Esta suposta invalidade dos elementos colhidos na fase pré-processual para fins de formação do convencimento judicial definitivo constitui, como assevera Bruno Calabrich (2007, p.58), pressuposto para a preservação do modelo processual penal garantista.
Faz-se oportuno salientar a possibilidade da chamada produção antecipada de determinadas provas diante do eminente risco do perecimento das mesmas, fato que justifica sua produção em momento anterior a deflagração da ação penal. Nestes casos especiais, para que aquelas provas possam integrar o processo é necessário que no momento de sua produção todos os princípios do direito sejam observados, além da participação do acusado para fins de contraditório e a ampla defesa.
Após conceituação, far-se-á uma ponderação sobre a finalidade e destinatários da investigação criminal.
Como dito acima, necessário se faz explanar quais os motivos finalísticos da fase de investigação pré-processual e a que se destina tais elementos comprobatórios da ocorrência ou não de infração penal.
Segundo Fernando Capez (2006, p.67), “a finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que constitui infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou ás providências cautelares.”
Para Fernando da Costa Tourinho Filho (2006, p.67), “a polícia desenvolve laboriosa atividade, visando à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de fornecer elementos ao titular da ação penal que o autorizem a promovê-la”.
Assevera-se que, a investigação preliminar se faz não só para provar a prática de um ato delitógeno, mas também, para comprovar a não existência de um fato que, caso não fosse devidamente investigado, pudesse causar danos irreversíveis a sociedade e a parte acusada.
O inquérito policial subsidia tanto o Estado, nos casos de ação penal pública, quanto o particular nos casos de ação penal privada e assegura que o direito de ação não seja o produto de uma atuação temerária, e livre de acusações sem fundamentos consideráveis, fadadas ao total fracasso causando danos a justiça que já sofre com meios escassos de trabalhado ajudado por procedimentos morosos e formais.
Os atos investigatórios que servem de formação da opinio delicti, destinam-se de acordo com os preceitos instituídos na Carta Magma, em regra, ao Ministério Público, que detém a legitimidade de promoção da ação penal, e, nos casos de ação de iniciativa privada, ao particular.
Para a deflagração de uma ação penal faz-se necessário que haja um mínimo de elementos probatórios que possam formar um juízo de probabilidade plausível de que o fato investigado coaduna-se em um suposto ilícito. Tais elementos de convicção podem ser elaborados e fornecidos pelo Estado e por particulares.
Observa-se que, de acordo com o sistema jurídico pátrio a investigação preliminar presidida pela autoridade policial reputa-se dispensável, pois fornecendo o legitimado elementos probatórios convincentes da existência do ilícito, que torne plausível a acusação, é possível a deflagração da ação penal pública ou privada. Inclusive, tais elementos de convicção são denominados pelo Código de Processo Penal, em seu art.28, como peças de informação (VADE MECUM, 2008, p.627).
Portanto, apesar do Inquérito Policial ser o principal instrumento de documentação na investigação de ilícitos, não é ele o único, podendo também entes não estatais, colhê-los e produzi-los. Assim, pode-se dizer que a investigação pré-processual pode ser classificada em estatais e privadas.
As atividades estatais como define o doutrinador Bruno Calabrich (2007, p.67) são aquelas realizadas por autoridades, agentes públicos que, nesta qualidade, praticam atos administrativos dotados de imperatividade, exigibilidade e demais atributos. E as investigações privadas são aquelas realizadas por terceiros legitimados, entes e sujeitos estranhos ao Estado que disponibilizam sua energia pessoal produzindo e concentrando elementos de convicção e esclarecimento do ilícito.
Sobre a investigação preliminar privada dispõe Sérgio Demodoro Hamilton (2000, p.209): “qualquer dado probatório, ainda que produzido por particular, pode lastrear a acusação, desde que, evidentemente, esteja revestido da indispensável idoneidade”.
As principais diferenças existentes entre as investigações estatais e privadas consiste no poder de coerção existente na investigação preliminar realizada pela polícia judiciária e inexistente na investigação realizada pelo particular, pois este utiliza-se apenas de seus esforços pessoais e de informações colhidas perante órgãos; além da obrigatoriedade (poder-dever) que o Estado possui de investigar um ilícito quando da sua ocorrência, que se confronta com a facultatividade imposta ao particular que pode ou não realizar tais investigações.
As investigações realizadas pelo Estado através de autoridades e agentes públicos como elemento de convicção para propositura de ação penal podem ser classificadas ainda pela sua competência originariamente investigativa e pela sua competência suplementar.
Existem, no nosso ordenamento jurídico, órgãos especialmente designados para a função investigativa com vocação constitucional e legalmente disciplinada como, por exemplo, as polícias e a comissão parlamentar de inquérito. Estes tem a investigação pré-processual como objetivo primordial, sendo, portanto, realizadores de investigações estatais (visto que são entes pertencentes ao Estado) diretas.
Outros órgãos, também estatais, que não possuem vocação principal nas repercussões criminais dos fatos investigados, também, de forma indireta, durante o desempenho regular de suas atribuições podem investigar elementos que pelo seu caráter iminentemente ilícito possam servir de base para a propositura de uma ação penal. É o caso das investigações conduzidas pelos órgãos ambientais, tributários, financeiros, sanitários e outros que, no desempenho de investigações administrativas de sua competência podem, incidentalmente, obter elementos caracterizadores de um ato delitógeno. Esta investigação incidental é chamada investigação estatal indireta.
Como ora exposto, a peça de informação, que porventura venha a embasar a denúncia, não precisa ser impreterivelmente elaborada pela polícia judiciária, sob a presidência da autoridade policial, podendo os elementos ensejadores da ação penal serem fornecidos por terceiros não-estatais, portanto, não há dúvidas do caráter dispensável de tal peça vestibular.
Vários dispositivos contidos no Código de Processo Penal demonstram de forma satisfatória a desnecessidade do inquérito policial.
O art.12 do mencionado código afirma que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa sempre que servir de base a uma ou a outra (VADE MECUM, 2008, p.626), deixando clara a possibilidade que tem da ação penal ser deflagrada sem ter como suporte probatório aquele procedimento administrativo.
O art.27 do mesmo diploma legal afirma que qualquer pessoa do povo poderá acionar o Ministério Público, fornecendo-lhe informações sobre o fato e a autoria (VADE MECUM, 2008, p.627) ficando a critério do Agente Ministerial observar se as informações contém elementos suficientes para ensejar, desde logo, a denúncia.
Compartilhando do mesmo entendimento dispõe o art. 39, §5º do CPP que o Ministério Público poderá dispensar o inquérito policial, se com representação do ofendido forem fornecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia em 15 (quinze) dias (VADE MECUM, 2008, p.627).
Da mesma forma, o art. 46 § 1º do CPP, afirma que quando o órgão Promotorial dispensar a peça informativa, o prazo para a deflagração da ação penal começará a contar da data em que tiver recebido os elementos informativos convencedores do fato e de sua autoria (VADE MECUM, 2008, p.628).
De fato, há muitas controvérsias sobre o caráter utilitário de tal procedimento administrativo pelo seu caráter extremamente formal que, por diversas vezes, como afirma Verônica Lazar Machado (2002, p.25), acarreta uma verdadeira instrução que será refeita posteriormente em juízo, resultando em uma completa perda de tempo.
Compartilhando do mesmo entendimento manifesta-se Euclides Ferreira Júnior (2006, p.53): “O inquérito policial é um instituto em desuso no mundo, fruto de herança da legislação portuguesa, mas mantido pela nossa legislação por motivos políticos quando poderia, de há muito, ter sido suprimido.”
Consoante divergências doutrinárias acerca da utilidade do inquérito policial, observa-se que, apesar de seu caráter dispensável e por vezes demasiadamente formal, hoje ainda coaduna-se no principal instrumento informativo, dotado de fé pública e legitimidade, de que dispõe o Ministério Público e o magistrado para a persecução penal.
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Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Sandra Elizabeth de Almeida. A investigação criminal pelo Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2010, 10:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21921/a-investigacao-criminal-pelo-ministerio-publico. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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