1. INTRODUÇÃO
Uma das funções institucionais do Ministério Público é a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, haja vista o disposto no art. 127 da Constituição Federal. Ou seja, compete ao Parquet promover a tutela dos direitos supraindividuais relativos à sociedade por ele representada.
O escopo deste trabalho é, tomando como fundamento os princípios institucionais do Ministério Público, bem como o art. 5º, §5º, da Lei n.º 7.347/85, demonstrar que não há impedimento legal no sentido do Ministério Público Estadual atuar perante a Justiça Federal e vice-versa, desde que no exercício das atribuições que lhe são inerentes.
2. DESENVOLVIMENTO
A Lei 7.347/85 elencou o Ministério Público dentre os legitimados para propor a Ação Civil Pública, permitindo ainda, em seu art. 5º, §5º, o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados.
Como conseqüência, devemos entender que nas Ações Civis Públicas em que for cabível o litisconsórcio entre Ministérios Públicos diversos, qualquer um deles pode ingressar sozinho com a demanda, haja vista que, por determinação legal, o litisconsórcio é facultativo.
Tomemos como exemplo um contrato de prestação de serviços bancários celebrado entre um município e a Caixa Econômica Federal, com o intuito de vincular o depósito da folha de pagamento de seus servidores àquela instituição financeira, celebrado sem a observância da necessidade de realização de prévia licitação.
Em face do desrespeito por parte da municipalidade a uma norma legal que visa resguardar notadamente o patrimônio público e os princípios constitucionais administrativos, cabe ao Ministério Público estadual que exerce atribuições naquela comarca promover a competente Ação Civil Pública, com o intuito de ver declarado nulo o contrato supramencionado. Para tanto, porque a demanda envolve empresa pública de âmbito federal, entendemos que a ação deve ser ajuizada perante o Juízo Federal.
Vale frisar, inclusive, que pode haver hipóteses em que o Ministério Público de um determinado Estado tenha que atuar perante a Justiça de outra Unidade da Federação, desde que em defesa de interesses concernentes ao seu núcleo de atribuição.
Em última análise, o Parquet estadual estará propondo a Ação Civil Pública não se valendo da atribuição do Ministério Público Federal ou do Ministério Público de outro estado, mas o fazendo por direito próprio, pela legitimidade e dever indelegável que o Ministério Público Estadual tem de defender os interesses metaindividuais da sociedade pela qual zela.
Transportando-nos para o exemplo trazido à baila, concluímos que poderia, tanto o Ministério Público Estadual, quanto o Ministério Público Federal, intentar a referida Ação Civil Pública, sem que um transpusesse a legitimidade do outro, facultando-se ainda o litisconsórcio entre ambos, haja vista que, in casu, as legitimidades eram concorrentes, posto que a situação jurídica objeto do feito envolveria interesses do núcleo de atribuição do Ministério Público Estadual, qual seja, o patrimônio público do município, e do Ministério Público Federal, em virtude de uma autarquia federal figurar como um dos contraentes do pacto viciado.
Diferente situação seria se o Ministério Público Estadual propusesse Ação Civil Pública objetivando exclusivamente a tutela de bem da Caixa Econômica Federal, porquanto essa atribuição está inserida no âmbito do Ministério Público Federal, submetida, por conseguinte, ao crivo da Justiça Federal, sendo impossibilitada a atuação do Parquet Estadual, quer como parte, litisconsorciando-se com o Ministério Público Federal, quer como custos legis.
Por todo o exposto, não resta dúvida que, em algumas hipóteses, estaremos diante de um litisconsórcio unitário facultativo ativo, ou seja, os Ministérios Públicos Estadual e Federal serão co-legitimados para ingressar em juízo sozinho, com o fito de discutir a mesma relação jurídica material, isto é, a defesa dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Nesse sentido, convém transcrever as elucidativas palavras do processualista civil Fredie Didier:
A possibilidade de litisconsórcio facultativo entre Ministérios Públicos para a propositura de Ação Civil Pública (art.5º, §5º, Lei Federal n.7.347/85) revela nitidamente a possibilidade de o Ministério Público poder demandar em Justiça que não lhe seria correspondente. Esse litisconsórcio é facultativo e unitário; como tal, exige que cada um dos litisconsortes, sozinho, tenha legitimidade para demandar o mesmo pedido, fato que por si só já demonstra o acerto da tese ora defendida[1].
Não é outro o entendimento de Motauri Ciocchetti de Souza, quando dispõe com maestria acerca do tema em sua obra “Inquérito Civil e Ação Civil Pública”:
“Em conseqüência, se o MP Estadual pode ingressar com ação civil pública perante a Justiça Federal em litisconsórcio com o MP Federal, por certo também poderá fazê-lo isoladamente, em virtude da natureza da legitimação e do conceito de litisconsórcio”[2].
Ademais, frente à hipótese de legitimidade concorrente entre Ministérios Públicos diversos, um eventual litisconsórcio só poderia mesmo ser concebido na sua forma facultativa. Contrario sensu, a inércia ou negativa de atuação proveniente de um Ministério Público tolheria o poder de ação do outro Parquet na defesa dos interesses metaindividuais, ferindo de morte a essência da Ação Civil Pública.
3. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, eventualmente e na busca da defesa da coletividade, que é o fim do Ministério Público, visando evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, determinado ramo da Instituição pode atuar em um foro que não é, habitualmente, o seu, sem que isso represente ofensa aos princípios institucionais.
NOTAS:
[1]. DIDIER, Fredie. Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2005, p. 72.
[2]. SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ação civil pública e inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 72.
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