Questão que tem despertado bastante discussão nos tribunais, no meio acadêmico e doutrinário, diz respeito à classificação do ato de tentar subtrair coisa alheia móvel em estabelecimentos vigiados ou com sistemas de segurança. Trata-se de tentativa de furto ou de crime impossível?
Tentativa, como bem define o art. 14, II, do Código Penal, é o início de execução de um crime que somente não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Exige-se, assim, que o agente tenha praticado atos executórios, daí não sobrevindo a consumação por forças estranhas ao seu propósito.
Zaffaroni denomina a tentativa como “crime incompleto”, em oposição a crime consumado. Crime impossível, nos termos do art. 17 do Código Penal, é o que se verifica quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, jamais ocorrerá a consumação. Tal instituto funciona como causa excludente da tipicidade, pois o bem jurídico não sofre risco algum, logo não há punição.
Observa-se, assim, que o crime impossível guarda afinidade com a tentativa: em ambos o agente inicia, em seu plano interno, a execução da conduta criminosa que não alcança a consumação.
Entretanto, há uma diferença bastante nítida: na tentativa é, em tese, possível a consumação, a qual somente não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente, enquanto que no crime impossível a consumação nunca pode ocorrer, seja em razão da ineficácia absoluta do meio, seja por causa da impropriedade absoluta do objeto.
Posto isto, para analisar se nas situações em que o agente é previamente vigiado, fato que inviabilizará o cometimento de furto, estaria configurado crime impossível ou tentativa de furto, temos que, inicialmente, avaliar as diversas teorias que buscam fundamentar a punibilidade da tentativa, para então verificar qual a teoria acolhida pelo Código Penal.
A doutrina elenca quatro principais: 1. Teoria subjetiva, voluntarística ou monista, que leva em consideração apenas o valor da ação, sendo irrelevante o desvalor do resultado; 2. Teoria objetiva, realística ou dualista, que considera tanto o desvalor da ação quanto o desvalor do resultado. A tentativa é punida em face do perigo proporcionado ao bem jurídico tutelado pela lei penal, razão pela qual deve receber punição inferior à do crime consumado; 3. Teoria da impressão ou subjetivo-objetiva, pela qual se pune em razão do risco causado ao bem jurídico protegido. 4. Teoria sintomática, para a qual o fundamento da punição é a prevenção. Sustenta a punição em razão da periculosidade subjetiva.
Da análise do art. 14, parágrafo único, CP, vislumbra-se que o Código Penal acolheu, como regra, a teoria objetiva, ao determinar que a pena da tentativa deve ser correspondente à pena do crime consumado, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços).
Entretanto, apesar da adoção dessa teoria realística, no que concerne ao fato em que a conduta do agente é previamente vigiada por câmeras de segurança, há posições controversas. Parcela da doutrina, que adota a teoria subjetiva, entende haver tentativa, haja vista que para esta basta a vontade – contrária ao Direito – de subtrair coisa alheia móvel, aliada ao animus furandi.
Para Jescheck, entretanto, como o Código Penal brasileiro em vigor adota a teoria objetiva, a tentativa só é punida por haver grande probabilidade da produção do ilícito. Dessa forma, a tentativa absolutamente inidônea simplesmente afasta a punibilidade. Segundo o autor, portanto, como a ação do agente que esconde um objeto de estabelecimento vigiado por câmeras de segurança não apresenta perigo concreto ao bem jurídico, nem tem o condão de retirar a res da esfera de vigilância e disponibilidade da “vítima”, restaria configurado crime impossível, e não tentativa de furto.
De fato, nas situações em que a conduta do agente é, desde o início, “controlada”, torna-se impossível a consumação do delito, ainda que os seguranças do estabelecimento esperem o momento adequado para efetuar a prisão. Nestes casos, não há como se falar em tentativa de furto, haja vista que o meio utilizado pelo agente era absolutamente ineficaz, não trazendo perigo concreto ao bem jurídico. É impossível a consumação do crime.
Destaque-se, por oportuno, que absolutamente ineficaz é aquele meio que se apresenta ineficaz a qualquer um e em qualquer momento, verificando-se as nuances do caso concreto, as quais devem ser sopesadas pelo julgador.
Situação diversa ocorre quando a conduta traz uma ineficácia somente relativa. Nestes casos, efetivamente, o crime deixa de ser impossível, passando a configurar-se, quando frustrado por circunstâncias alheias à vontade do agente, na figura típica correspondente, em sua modalidade tentada.
Ressalte-se assim que, apesar de alguns doutrinadores prenderem-se a aspectos ultrapassados, avista-se que o Direito Penal moderno não pode querer “desvalorar” somente a ação contrária ao direito, mas, também, o resultado. Dessa forma, nos casos em que há inviabilidade de subtração de coisa alheia móvel por conta de estar previamente vigiada, como efetivamente o bem jurídico protegido não foi colocado em perigo, não há como punir a tentativa, devendo-se reconhecer o crime impossível.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Publicado no diário oficial em 31 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 23 de out. de 2009.
CALLEGARI, André Luís. Crime impossível: furto em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 69, ago. 1998. Material da 2ª aula da Disciplina Tutela penal dos bens jurídicos individuais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG.
CARVALHO, Thiago Amorim dos Reis. Furto famélico, estado de necessidade, crime impossível e princípio da insignificância. Até quando o delegado de polícia continuará a ser uma autoridade simbólica?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2245, 24 ago. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13373>. Acesso em: 24 out. 2009.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Renovar, 2007.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2 ed. São Paulo: Método, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol.2 - parte especial. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro – Parte geral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
Precisa estar logado para fazer comentários.