SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Conceito; 3 – Eutanásia: Obrigação ou Direito de Viver; 4 – Conclusão; 5 – Referências.
RESUMO: O artigo visa demonstrar que a Eutanásia há de ser admitida, por se tratar de um fato materialmente atípico.
PALAVRAS CHAVE: Eutanásia, Princípios, Tipicidade.
1 – INTRODUÇÃO
O artigo irá comprovar que, numa ponderação de princípios e valores constitucionais, e desde que adotados critérios seguros para a sua realização, a Eutanásia deve ser permitida. Isto por que numa visão contemporânea do direito penal, ela é considerada materialmente atípica.
2 – CONCEITO
A Eutanásia é palavra de origem grega, que significa boa morte (eu = bom, thanatos = morte), que se traduz na interrupção da vida de alguém, a seu desejo, acometida de enfermidade, sem perspectiva de cura, terminal ou não, que lhe cause intenso sofrimento físico e mental.
Pode ser dividida em ativa e passiva. No primeiro caso, alguém diretamente interrompe a vida de outrem, a contento deste, com o intuito de abreviar seu sofrimento. Nessa hipótese, a morte não é certa, iminente, contudo o paciente encontra-se em estado de extrema angústia física e mental. Há quem a divida em direta e indireta, como Luiz Regis Prado (2008, p. 117), sendo aquela quando a intenção primordial é ceifar a vida do sujeito, e esta quando se objetiva cessar o sofrimento, para tanto retirando a vida do paciente.
Já na segunda hipótese, que é o mesmo que Ortotanásia, palavra também de origem grega (orthos = correto, thanatos = morte), ou seja, morte no tempo certo, o paciente, como bem preleciona Guilherme de Souza Nucci (2005: 494), encontra-se em estado terminal, desenganado pela medicina, sendo sua morte certa e iminente. Aqui há uma interrupção do tratamento médico, da intervenção médica no prolongamento da vida, para que o paciente possa ter uma morte digna, menos dolorosa.
Contudo, há quem compreenda serem diferentes a Eutanásia e a Ortotanásia, como bem informa Luiz Regis Prado:
A eutanásia passiva, a seu turno, consiste na omissão de tratamento ou de qualquer meio que contribua para a prolongação da vida humana, irreversivelmente comprometida, acelerando, assim, o desenlace mortal. Trata-se de uma omissão já que o médico suspende o tratamento, constituindo os aparelhos mantenedores da vida vegetativa uma longa manus da atividade daquele.
Cumpre distinguir, ainda, a eutanásia da ortotanásia e da distanásia. A ortotanásia guarda certa relação com a eutanásia passiva, mas apresenta significado distinto desta e oposto ao da distanásia. O termo ortatanásia (do grego; orthos = correto; thanatus = morte) indica a morte certa, justa, em seu momento oportuno. Destarte, corresponde à supressão de cuidados de reanimação em pacientes em estado de coma profundo e irreversível, em estado terminal ou vegetativo.
De outra parte, a distanásia (do grego, dys = mau, anômalo; thanatus = morte) refere-se ao prolongamento do curso natural da morte – e não da vida, por todos os meios existentes, apesar daquela ser inevitável, sem ponderar os benefícios ou prejuízos (sofrimento) que podem advir ao paciente. (2008, 116/117).
Há, ainda, que se mencionar a morte ou suicídio assistido. Nesse caso, quem dá fim a vida é a própria pessoa, tendo, entretanto, o auxílio de um terceiro, devido a sua incapacidade física, para que venha a realizar o seu intento, que é a interrupção de sua própria vida. Diferindo, pois, da eutanásia, em que o ato é praticado pelo terceiro e não pela vítima.
3 – EUTANÁSIA: OBRIGAÇÃO OU DIREITO DE VIVER
Na eutanásia, ocorre uma desarmonia entre o direito fundamental a vida e o da dignidade da pessoa humana e do bem-estar. Então, nesse prisma, deve-se harmonizar os princípios em questão e se decidir se a pessoa está obrigada a viver, independentemente da tortura física e psicológica pela qual está passando, ou se assim como tem o direito a uma vida digna, também possui o mesmo direito em relação à morte.
A vida é um bem jurídico fundamental inviolável e indisponível (art. 5º, caput, CF), assim como, a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, CF). Ao lado destes está o bem-estar, ao qual a Carta Magna brasileira, no seu preâmbulo, conferiu o grau de valor supremo da sociedade. Impende observar, que não existe direito ou princípio fundamental absoluto, em algum caso concreto poderá um princípio ceder espaço a outro, sem que isso se configure a sua ruína.
Portanto, a vida, tanto quanto a dignidade da pessoa humana e o bem estar, não são absolutos. Se assim fosse, não se admitiria a existência do estado de necessidade e da legítima defesa (art. 24 e 25 da CP), bem como a possibilidade de pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVVII, “a”, CF).
Fazendo-se um enlace entre os princípios, nota-se que o cidadão tem o direito a uma vida digna, uma vida feliz e saudável. O bem estar envolve tanto a situação econômico-financeira, quanto, e principalmente, a saúde físico-mental. Quem nunca ouviu falar “que sem saúde não somos ninguém”. Então, será que, submeter uma pessoa, contra a sua vontade, a tratamentos médicos infrutíferos e extremamente dolorosos, que mais parecem sessões de tortura, ou mantê-la em uma condição vegetativa que a faça se sentir menos pessoa a cada dia, é digno? Ou será que não é mais humano, permitir que a pessoa decida, nessas situações de extrema anormalidade, o que é o mais digno para ela?
O ser humano não tem a obrigação de viver, mas sim o direito de viver. Este não pode, nem deve ser obrigado a viver de forma indigna, a ser submetido a uma tortura desumana e degradante. Portanto, em condições sobre-humanas de dor e sofrimento, o sujeito tem o direito de decidir se quer continuar ou não a viver; pois o que a legislação proíbe é a disponibilidade, a renunciabilidade, da vida de forma arbitrária, irracional, intolerável, e não a morte digna, que traz mais paz e alento ao moribundo, do que sofrimento, conforme pode se extrair do disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 4º, item 1.
Interessante observar que o legislador, em desarmonia semelhante, pendeu a balança para a dignidade da pessoa humana e do bem-estar em nome da vida (art. 128, II, CP), no caso do aborto sentimental ou humanitário, como bem preleciona Guilherme de Souza Nucci:
Dentro da proteção à dignidade da pessoa humana em confronto com o direito à vida (nesse caso, do feto), optou o legislador por proteger a dignidade da mãe, que, vítima de um crime hediondo, não quer manter o produto da concepção em seu ventre, o que lhe poderá trazer sérios entraves de ordem psicológica e na sua qualidade de vida (2005: 516).
Destarte, se é permitido que se retire à vida de um inocente, a do feto, que nada fez, em nome do bem estar psicológico da mãe, vítima de um crime de danos sem limites, quanto mais a da pessoa que permitirá que retire a vida dela e não a de outra, em razão de uma tortura não só psicológica, mas, sobretudo, física.
No entanto, como forma de evitar abusos, mortes indiscriminadas, deve-se eleger critérios para que a eutanásia possa ser permitida, como, por exemplo, os previstos na legislação Holandesa. Neste país, “é preciso ser médico para praticar a eutanásia e, ademais, isso só é possível quando não há mais chance de vida e desejo expresso do paciente (ou da sua família, quando ele está inconsciente e já tinha manifestado antes interesse pela eutanásia). Um outro especialista (médico) deve atestar a irreversibilidade da morte” (GOMES, 2007, P. 2/3).
4 – CONCLUSÃO
A posição jurídica conservadora acerca do assunto, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 494), Julio Fabbrini Mirabete (2008, p. 34) e Luiz Regis Prado (2008, p.116), é a de que a eutanásia deve ser enquadrada como homicídio privilegiado (art 121, § 1º, CP). Só que, dentro de uma visão constitucionalista do delito[1], a eutanásia é um fato materialmente atípico, por seu resultado jurídico não ser desvalioso, vez que não é intolerável, como fora bem demonstrado anteriormente.
Percebe-se claramente que em virtude da inoperância do legislador, de realizar uma discussão ampla e séria acerca do assunto, os entendimentos são doutrinários e jurisprudenciais, uma vez que falta legislação específica sobre o tema. O que gera um estado de insegura jurídica muito grande, fazendo com que segmentos da sociedade, diante dessa ausência, tratem do tema, a seu bel prazer, como ocorreu com a resolução nº 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina. O que, independente da intenção, não é político-juridicamente o mais correto.
Por fim, sedimentando tudo o que foi exposto, desde que realizada dentro de critérios seguros, para se evitar abusos, a eutanásia deve ser permitida, posto que numa visão contemporânea do direito penal, não constitui ilícito penal algum.
REFERÊNCIAS:
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Bahia: Podivm, 2008. 1131p.
GOMES, Luiz Flávio; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito penal: parte geral. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 290 e seg. Material da 3ª aula da Disciplina Tutela penal dos bens jurídicos individuais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNISUL – IPAN - REDE LFG.
______; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Penal. V. 4. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 320p.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Especial. Arts. 121 a 234 do CP. Volume 2. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 510p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, 1180p.
PIERANGELI, José Henrique. Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 284p.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Especial – arts 121 a 249. V. 2. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 800p.
[1] Trata-se da nova doutrina criminal, baseada nas idéias funcionalistas de Roxin e Zaffaroni, que tem como seu expoente Luiz Flávio Gomes. A qual preleciona que o fato típico é formado por dois planos, o formal, que é o fato típico finalista, Welzeniano, e o material, que engloba o desvalor da conduta e do resultado jurídico e o nexo de imputação.
Analista de Direito do MP/SE e Especialista em Ciências Criminais pela Unisul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TRINDADE, Alexsandro de Araujo. Eutanásia: obrigação ou direito de viver Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2010, 08:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22054/eutanasia-obrigacao-ou-direito-de-viver. Acesso em: 22 nov 2024.
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