SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica; 3 – Conclusão; 4 – Referências.
RESUMO: O artigo visa demonstrar que o §3º, do Art. 225 da Constituição Federal não admite a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.
PALAVRAS CHAVE: Interpretação, Princípios, Responsabilidade.
1 – INTRODUÇÃO
O artigo irá comprovar que o §3º, do Art. 225, da Constituição Federal não admite a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, tendo em mira uma análise sistemática da Carta Magna Brasileira e uma interpretação restritiva do aludido Art. 225.
2 – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
A expressão meio ambiente compreende: o meio ambiente natural, que é produto da natureza, a exemplo da fauna, da flora; o meio ambiente artificial, que é produto do homem, o espaço urbano, por exemplo; o meio ambiente cultural, tanto o natural, decorrente da natureza, quanto o artificial, de origem humana, esculturas; e, por fim, o meio ambiente do trabalho. Dessa forma, “o meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, José Afonso da apud CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 1094).
Dada a sua extrema importância, “para as gerações presentes e futuras” (art. 225, caput, da CF), o legislador constituinte achou por bem protegê-lo das possíveis agressões, não só civil e administrativamente, como também criminalmente, aduzindo que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art 225, §3º, da CF).
Inquestionável a possibilidade de proteção criminal ao meio ambiente, diante da sua dignidade jurídica, em face dos ataques intoleráveis. Contudo, há de se perquirir se além da pessoa física, a jurídica também é passível de repreensão penal, ou seja, se a pessoa jurídica também pode ser responsabilizada penalmente pelos danos causados ao meio ambiente.
Conforme preleciona Luiz Flávio Gomes:
Na origem da questão temos duas teorias: (a) da ficção jurídica e (b) da realidade ou da personalidade real. A primeira foi sustentada por Savigny, que afirmava que a pessoa jurídica tem existência fictícia e, portanto, não pode delinqüir (societas delinquere non potest). Essa é, aliás, a tradição do Direito romano, que foi seguida nesse ponto pelo Iluminismo bem como pela Escola clássica (Feuerbach, Carrara etc.). Todos negavam a possibilidade de se processar criminalmente a pessoa jurídica, mesmo porque, se a pena tem efeito preventivo, aquela não é dotada de capacidade para entender a mensagem da norma. No Brasil pensam dessa forma: Pierangelli, René Dotti, Régis Prado, Silva Franco, Tourinho Filho, R. Delmanto, Mestieri, Toledo etc.
A segunda teoria (teoria da realidade ou da personalidade real) foi sustentada, sobretudo, por Otto Gierke, que asseverava a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, reconhecendo nela a capacidade de atuação (societas delinquere potest). No Brasil, no mesmo sentido: Sérgio S. Shecaira, Paulo Affonso Machado, Vladimir Passos e Gilberto Passos, Edis Milaré, Damásio de Jesus etc (2005, p. 2).
Assim, denota-se a existência de duas correntes: os que defendem a repreensão penal dos atos da pessoa jurídica, dentro da qual se inclui o STJ (GOMES, 2005, p. 7/11), e os que a negam. Podem-se destacar como principais argumentos:
I – Dos que são a favor: a) A pessoa jurídica tem vontade própria, distinta dos seus sócios e diretores, tanto é que no seio social seus atos são reconhecidos como seus e não destes, pois, podendo ser criminalizados; b) O sistema penal prevê outras penas além da privativa de liberdade, tais como restritiva de direitos e multa, que são aplicáveis às pessoas jurídicas; c) A Carta Magna brasileira, em seu art. 225, §3º, expressamente ordena que os atos da pessoa jurídica, que sejam atentatórios ao meio ambiente, devam ser tutelados pela norma penal;
II – Dos que são contra: a) Impossibilidade de criminalização da pessoa jurídica, tendo em vista o princípio da culpabilidade; b) A Constituição Federal diretamente não prevê a possibilidade de tutela penal dos atos da pessoa jurídica, na verdade, reforça a idéia de que os atos da pessoa física estão sujeitos ao direito penal e os da pessoa jurídica ao direito administrativo; c) Ofensa ao princípio da pessoalidade da pena, já que há medidas aplicáveis as pessoas jurídicas que diretamente atingem outras pessoas; d) Não há necessidade na exigência da tutela penal, vez que o direito administrativo sancionador é mais que necessário, para não deixar impune a pessoa jurídica pelos seus atos contra o meio ambiente.
Inegável que, gramaticalmente, subtrai-se, do art. 225, §3º da CF, a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica. Mas será que este é o melhor caminho interpretativo a se percorrer?
Fato é que para se chegar ao substrato da norma, esta não deve ser interpretada isoladamente, mas sim dentro do contexto em que se encontra. Nesse caso, como se trata de responsabilidade penal, deve-se cotejar a norma constitucional com os princípios e as garantias previstas em seu próprio bojo, para daí verificar qual a interpretação que melhor atende aos seus anseios.
Do art. 5º da Constituição Federal, extrai-se o princípio da culpabilidade, garantia penal, que veda a existência de responsabilidade puramente objetiva no direito penal, ou seja, repreensão penal só se for subjetiva, existência de dolo ou culpa, como bem aduna o insigne constitucionalista Dirley da Cunha Junior:
d) Garantia da Culpabilidade:
Assenta-se no postulado de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa) e de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade. Em seu sentido amplo, esse princípio compreende o da responsabilidade penal subjetiva, de sorte que somente será responsabilizado criminalmente aquele que atuou com dolo ou culpa.
(...), a culpabilidade é assimilada como um conceito adverso à idéia de responsabilidade objetiva. Ou seja, ela impõe a existência de uma conduta dolosa ou culposa (encerra uma idéia de responsabilidade subjetiva) (2008, p. 684).
Além do princípio da culpabilidade, há o postulado da intervenção mínima, o qual, no tocante ao elemento da subsidiariedade, informa que “(...) o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, somente deve atuar quando os demais ramos do direito se revelarem incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade” (CUNHA JUNIOR, 2008, p. 689).
Cristalino que não há como superar a barreira do princípio da culpabilidade, vez que, nas palavras de um constitucionalista, e não de um criminalista, a Constituição Federal terminantemente veda a responsabilidade puramente objetiva no Direito Penal Pátrio.
Destarte, não há como punir criminalmente a pessoa jurídica sem que seja através de uma responsabilidade objetiva, posto que a vontade que propalam que possui, na essência, trata-se de algo presumido, que só existe porque os sócios ou diretores, assim, desejaram. Ou será que em uma reunião a pessoa jurídica senta-se e discute, com os sócios ou diretores, aquilo que deseja e o que deve ser feito, inclusive discordando, no caso, de uma conduta supostamente lesiva ao meio ambiente?
Percebe-se também que não há necessidade da tutela penal, vez que outros campos do direito atuam com mais eficiência na repressão do dano ao meio ambiente pela pessoa jurídica praticado. Ou será, que a possibilidade de aplicação de multa até o valor de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) (art. 9º do decreto federal nº 6.514/2008), além de outras penas previstas nos arts. 3º e 20, não são suficientes para punir eficazmente a pessoa jurídica? No mais, frise-se que no campo do ilícito civil e administrativo é possível a existência de responsabilidade objetiva (arts. 37, §6º, da CF e 927, parágrafo único, do CC), que é o caso da pessoa jurídica, ao contrário, de como foi visto, no Direito Penal.
3 – CONCLUSÃO
Portanto, mediante uma análise sistêmica da Constituição Federal, chega-se à conclusão de que, através de uma interpretação restritiva, já que, gramaticalmente, o legislador disse mais do que deveria dizer, o art. 225, §3º não admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, na realidade, reforça a idéia de que, além da pessoa física, a jurídica também deve ser punida pelos ataques ao meio ambiente, sem que esta se dê na seara penal.
Por fim, observe-se que aqui de forma alguma se está a pregar a impunidade da pessoa jurídica, pelo contrário, esta deve ser punida de acordo com o dano praticado. Na verdade, está a se defender que há outros meios tão ou mais eficientes que o direito penal, que podem ser utilizados, sem que para isso tenha que abalar diversas garantias constitucionais do cidadão, que servem de contenção a desenfreada voracidade do poder punitivo do Estado.
4 - REFERÊNCIAS:
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Bahia: Podivm, 2008. 1131p.
GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade “penal” da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br/article.php?story=20070924110620139. Acesso em: 24/09/2005. Material da 1ª aula da Disciplina Tutela Penal dos Bens Jurídicos Supra-Individuais, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais – UNISUL – IPAN - REDE LFG.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Geral. V. 1. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 748p.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Especial. Arts. 121 a 234 do CP. Volume 2. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 510p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 1072p.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. 362p.
Analista de Direito do MP/SE e Especialista em Ciências Criminais pela Unisul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TRINDADE, Alexsandro de Araujo. Responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz do §3º, do art. 225 da Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2010, 08:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22059/responsabilidade-penal-da-pessoa-juridica-a-luz-do-3o-do-art-225-da-constituicao-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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