1 – Introdução
O presente estudo visa dar algumas observações e demonstrar os principais pontos atinentes à violência doméstica por meio dos dispositivos de leis pátrias.
2 – Das disposições constitucionais
A Lei visa coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, por meio da criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres que se encontrarem em situação de violência doméstica.
Vejamos abaixo o que dispõe referido artigo da Constituição Federal:
“Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Em outras palavras a constituição criou uma obrigação ao estado de proteger e assistir à família e todos os seus integrantes, inclusive de criar mecanismos para coibir a violência doméstica. Ou seja, foi criada a norma programática pela qual se deu origem à Lei Maria da Penha, tendo em vista que esta regula o modo pelo qual se coibirá a violência referida no parágrafo 8º do artigo 226 da Carta Magna.
Podemos, ainda, elencar na Constituição Federal os seguintes artigos que dão base à formação da lei em estudo:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
A dignidade da pessoa humana trata não de um dispositivo, mas, de um princípio basilar, que tem por finalidade sustentar, alicerçar e fundamentar todo o ordenamento jurídico pátrio a fim de preservar o equilíbrio nas relações interpessoais, bem como das garantias individuais.
A violência de forma geral pode ser vista como manifestação de preconceito e discriminação, inclusive a violência em foco neste estudo, o que prejudica o bem de todos e a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, como prevista na Carta Magna em seu artigo 3º, como podemos ver:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Cabe também mencionar o artigo 4º que trata da prevalência dos direitos humanos não só em âmbito nacional, como internacional:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
II - prevalência dos direitos humanos;’
Por fim, mas não menos importante, não podemos esquecer de mencionar o artigo 5º, que mantém a igualdade de todos independentemente de cor, raça, sexo, credo, etc., além de garantir a inviolabilidade dos direitos fundamentais de todos os seres humanos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;”
3 – Das disposições genéricas previstas na Lei nº 11.340/2006
Após a análise dos preceitos e dispositivos constitucionais, cabe analisar o que o legislador pretendeu demonstrar no âmbito da Lei 11.340/2006.
É importante mencionar que a violência doméstica passou a constituir uma forma de violação dos direitos humanos, como demonstrado acima pelos dispositivos constitucionais, e ficou definida pela Lei 11.340/2006 como:
“Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”
O legislador, para evitar futuras controvérsias sobre o que seria ou não considerado violência no âmbito da lei, discriminou e especificou cinco tipos de violência contra a mulher da seguinte forma:
“Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
Como o disposto no caput do artigo acima, podemos notar que não se trata de um rol taxativo, sendo que outros tipos de violência poderão se enquadrar na lei, aplicando-se as sanções previstas.
4 – Das disposições específicas de auxílio à mulher previstas na Lei nº 11.340/2004
Tendo em vista que o presente trabalho está focado na figura da mulher e nas assistências que esta tem direito perante os Órgãos Públicos quando se encontrar num estado de violência doméstica, devemos observar o que determinou a lei nesse sentido.
A lei em estudo dispõe, primeiramente, medidas integradas de prevenção, que é uma política pública visando coibir a violência doméstica contra a mulher por meio de um conjunto de ações da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e ações não-governamentais.
A política pública mencionada tem por diretrizes: a integração do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com áreas de segurança pública, assistência social, saúde, etc.; a promoção de estudos, pesquisas e outras informações relevantes sobre as causas, conseqüências e freqüência da violência doméstica contra a mulher; implementação de serviço policial especializado para as mulheres, entre outros aspectos abordados nos incisos do artigo 8º da referida lei.
Em seguida, a lei determina a forma como a assistência será prestada em seu artigo 9º e parágrafos, como podemos ver abaixo:
“Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.”
Nos artigos 10 e seguintes, demonstrará o legislador a forma que a autoridade policial deverá agir para assegurar a vítima, por exemplo: o encaminhamento ao hospital em casos de ferimento; comunicação do Ministério Público e ao Poder Judiciário; entre outros.
Em seguida, tratou o legislador das medidas protetivas de urgência a serem apreciadas em juízo no decorrer da ação proposta, encontrada nos artigos 18 a 24, e que podem ser divididas entre as que obrigam o agressor, como, por exemplo, o afastamento do lar conjugal, e as que protegem a ofendida, como, por exemplo, a restituição de bens subtraídos pelo agressor.
Ainda, importante mencionar que a lei determinou atribuições específicas ao Ministério Público, previstas nos artigos 25 e 26, que podemos verificar abaixo:
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Há, também, a previsão da assistência judiciária, no sentido de facilitar seu acesso à justiça, como podemos ver nos artigos 27 e 28 da lei:
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.
Por fim, não podemos esquecer-nos da criação de uma equipe multidisciplinar para o atendimento por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde, como podemos ver abaixo nos artigos 29 a 32:
“Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.”
Nas disposições finais da lei em estudo, ficaram atribuídas as competências, com relação ao que concerne a lei, da seguinte forma:
“Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.”
Cabe mencionar, ainda, que não será mais o Juizado Especial Criminal que cuidará dos processos envolvendo violência domestica, mas sim os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a serem criados e implementados nos fóruns criminais.
5 – Conclusão
Podemos depreender que a presente lei em estudo efetuou bastante conceituação, bem como houve bastante alteração na norma antes vigente.
6 – Bibliografia
1. BRASIL. Convenção do Belém do Pará de 1994 - http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=58 (acessado em 25/02/2010 às 10:10).
2. BRASIL. Constituição Federal de 1988 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm (acessado em 25/02/2010 às 10:15)
3. BRASIL. Lei nº 11.340 de 2006 – “Lei Maria da Penha” - http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm
4. Souza, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Doméstica Contra a Mulher – 2ª Ed. Curitiba: Juruá, 2009.
Bacharelanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Paula Schiavini da. Disposições legislativas atinentes à violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2010, 11:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22166/disposicoes-legislativas-atinentes-a-violencia-domestica. Acesso em: 22 nov 2024.
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