1. Introdução
As relações sociais e a troca de informações tem tido um amplo avanço desde a década de 1980, quando se popularizaram diversas ferramentas de comunicação. O uso do telefone teve aí seu grande avanço, passando a ser item essencial de todo o lar. Posteriormente, com as etapas desenvolvimentistas do governo liberal Itamar Franco e FHC, houve a popularização do acesso à linha telefonica, e o surgimento gradual dos equipamentos celulares. Isso fez com que o diálogo, já antes bastante célere, se tornasse imediato.
Essa troca de informações tornou-se instrumento importante e competitivo, inclusive no ramo empresarial, sendo que o mais rápido na transmissão dos dados era também o mais rápido na produção, o que o tornava o líder de mercado.
Contudo, a expansão da comunicação auxiliou também a propagação dos ilícitos, que viram no uso do aparelho telefônico móvel uma grande ferramenta para comunicação e ajuste de prática de atos antijurídicos, protegidos inicialmente pelo direito à privacidade e involabilidade de suas comunicações.
Assim, por conta disso, o Poder Legislativo articulou-se na elaboração de norma específica, que relativizou o direito à intimidade para a captação de dados suficientes para a denúncia e condenação de criminosos. Tal instituto é a escuta telefônica, regulada pela Lei n° 9.296/1996.
A referida lei é, certamente, de caráter importantíssimo, e de aplicabilidade muito bem vinda. No entato, necessário apreciar o zelo em seu uso, a fim de que não sejam gerados efeitos nocivos à instrução criminal, que possam resultar na arguição de nulidade das provas.
2. A interceptação, seus limites e os riscos de nulidade probatória na contaminação de toda a instrução processual
A Constituição Federal protegeu a inviolabilidade das comunicações telefônicas pela redação de seu artigo 5°, inciso XII. Contudo, foi dado a este direito a exceção de sua violação para a apuração probatória em investigação e instrução criminal.
Dessa forma, temos visto uma larga escala de utilização desse meio probatório na apuração de fatos delitivos que poderiam permanecer encobertos, posto que praticados à distância, normalmente sob o enfoque de organizações de objetivo criminoso.
Para sua regulação foi editada a Lei n° 9.296/1996, que definiu não somente os parâmetros para apuração da prova como seus requisitos de validade para realização.
Por ser constitucionalmente garantiada a inviolabilidade do sigilo telefônico, este meio de prova deve ser entedido como de caráter excepcional. Assim, a Lei definiu algumas condições formais quando só então seria aprovada a realização da prova: (i) quando houver indícios suficientes de autoria; (ii) quando não houver outro meio de prova; (iii) somente para os tipos penais com pena de reclusão, mais graves, portanto de maior importância para sua apuração. Em qualquer das hipoteses, a determinação da prova deveria ser específica, descrevendo de forma completa o nome do Réu que está tendo seu sigilo turbado, e o exato fato (conduta) que se pretende apurar.
Ocorre que o meio de prova de interceptação tem sido usado de forma indiscriminada, rompendo com a instrução criminal e abrangindo fatos alheios.
Tem sido comum, na prática, a verificação de casos que, realizada a escuta, toma-se gravação de fato ilícito de terceiro. Esta prova, independente de ser acidental, não deve ser considerada lícita, pois não engloba o objeto da escuta telefônica que foi inicialmente requerido. O critério do parágrafo único do artigo 2° da Lei n° 9.269/96 deve ser absolutamente respeitado, pois é garantia de norma cogente constitucionalmente prevista, sendo que a expecionalidade da prova deve ser absolutamente objetiva.
Define a Lei que “em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.”. Quando da instrução, portanto, as provas de escuta telefônica valerão somente contra o réu, posto que requisito de sua apuração sua individualização.
Contudo, há conflito quanto ao uso em crimes consumados com o auxílio de co-autores ou em organizações criminosas.
Neste último caso, parece-nos razoável a citada impossibilidade manifesta da indicação do autor do fato a ser apurado, visto que a prova simples não abrange toda a organização, desde que seja o crime apurado vinculado à atividade da referida de organização.
Porém, temos que o uso da interceptação telefônica não pode ser indiscriminado, e deve ter atribuição direta entre o fato (conduta) praticado pelo sujeito da quebra de seu sigilo. Senão, poderemos ter investigações ilegítimas que, decaindo suspeita de relacionamento de uma pessoa com terceiros, estes os quais os verdadeiros agentes do crime, o uso de escuta telefônica passaria a ser um meio prático e rápido de busca de crimes não antes noticiados à autoridade policial. Seria um tipo de pesquisa genérica investigativa, o que não pode ser admitido pelo direito penal.
Nesse sentido se posicionam os Professores Luiz Flávio Gomes e Vicente Greco Filho, quando analisam o empréstimo de prova, respectivamente:
“Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser "emprestada" (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. (...) essa prova criminal deve permanecer em "segredo de justiça". É inconciliável o empréstimo de prova com o segredo de justiça assegurado no art. 1º.”
(In Interceptação Telefônica. Pg. 118-119. São Paulo: RT.)
“Os parâmetros constitucionais são limitativos. A finalidade da interceptação, investigação criminal e instrução processual penal é, também, a finalidade da prova, e somente nessa sede pode ser utilizada.”
(In Interceptação Telefônica. Pg. 24. São Paulo: Saraiva)
Ainda, deve-se ter absoluta cautela no uso da escuta telefônica. Como se vê, por ser de caráter objetivo, as definições do artigo 2º da Lei de interceptações deve ser encarado como requisito formal de validade da prova. Assim, qualquer prova que fuja a tais definições deve ser considerada nula, a ser extraída dos autos.
Contudo, quando falamos em instrução processual é possível se fazer correlação de provas. A interceptação telefônica, normalmente, tem grande condão elucidativa da demanda como um todo, e irá certamente influir direta ou indiretamente nas demais provas do processo.
O grande risco que aqui se apresenta é a contaminação das provas geradas licitamente pela prova nula e ilícita de uma interceptação telefônica mal realizada. Tal trabalho pode levar à anulação de toda a instrução processual, o que, por fim, geraria dificuldades na realização de provas suficientes na solução do caso, substitutivas às anuladas, resultando em processos findos incompletos.
3. Conclusão
Dessa feita, temos por concluir que a prova de interceptação telefônica realizada no processo penal deve se ater estritamente às pessoas vinculados ao inquérito policial ou à ação penal, de forma a efetivar o estrito respeito à norma legal de sua criação, evitando eventual alegação de nulidade e contaminação de toda instrução probatória incidente.
Precisa estar logado para fazer comentários.