Diante das novas promessas do Estado Democrático de Direito, que hoje impera sob o ordenamento jurídico brasileiro, a questão da bioética e suas ramificações acabaram por ganhar força e vieram de maneira muito peculiar conquistando espaço para discussão dentro cenário jurídico-filosófico. Sobre a bioética e suas ramificações urge defender, um dos maiores embates sociais, políticos, religiosos e também filosóficos que atualmente cercam a sociedade, que é tratar do direito de morrer.
O direito de morrer está intrinsecamente relacionado à autonomia da vontade ou esses caminhos se anulam, entendendo como necessária uma limitação à autonomia da vontade? Esse é o debate que hoje trás tantos pontos controversos e opiniões diferentes acerca do direito de morrer. Antes de tal pergunta ser esclarecida far-se-ão alguns comentários sobre bioética, no qual é condição sine qua non, para o entendimento da abordagem filosófica que aqui será trabalhada.
Uma ética que não cumpra com as condições (humanas) e sua possível realização através da ação, não pode ser justificada como tal, mas a ética que degrada o ser humano em condições desumanas, não pode ser justificada como autêntica.
O entendimento de Eugenio Trías (1999) expõe muito bem que, a ética deve ser colocada como um caminho saudável a ser seguido, constituindo assim o que ele denomina de ética autêntica, ou seja, aquela que atenda aos valores humanos, que os dê mecanismos de proteção e de respeito a própria condição humana.
A ética não pode ser vivida apenas na rede das relações interpessoais, deve sê-lo também nos fatos estruturais e nos mecanismos socioeconômicos. Ela não pode permanecer num livro de sonhos ou numa contínua divisão entre exigências das pessoas e mecanismos perversos.
Logo, percebe-se que a questão ética deve ser abordada não apenas de modo restrito, mas sim de modo latu sensu, no qual, conforme as brilhantes palavras do Professor Sgreccia (1997) ela seja distribuída e analisada não apenas nas questões interpessoais, mas sim de maneira abrangente no qual o direito de morrer tem aplicação imediata, quando se questiona o homem como um ser ético diante de um quadro, por exemplo, de eutanásia. Aqui a bioética ganha força, aqui ela se materializa, se transforma e o que é mais importante neste quadro de afirmação de valores humanos e éticos, ela tem sua devida aplicação.
Não há como o homem enquanto um animal político e social, nas precisas palavras de Hannah Arendt, abster-se dos contornos éticos e humanos que lhes cerca, e dele não fazer parte.
Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas a ação é a única que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens. A atividade do labor não requer a presença dos outros, mas um ser que “laborasse” em completa solidão não seria humano, e sim um animal laborans no sentido mais literal da expressão.
É basicamente este o sentido que a bioética foca, é este o sentido em que ela chama para sí a responsabilidade de criar condições plausíveis de sustentar a possibilidade do direito de morrer. Seria como se ela criasse uma base de elementos que disponibilizariam instrumentos capazes de fornecer ao homem, este enquanto um animal político e social, subsídios e mecanismos para a aceitação do ideal estudado, que é o direito de morrer, e que urge ser entendido como uma possibilidade correta nas situações-limite.
A bioética refere-se à conduta humana no âmbito das ciências da vida, abarcando as ciências médicas e profissões afins ou correlatas. Compreende situações que podem ocorrer nas relações entre paciente e médico, pesquisador e pesquisado, Estado e cidadão; os desdobramentos sociais das investigações biomédicas e do comportamento daqueles que se encontram inseridos em atividades terapêuticas, englobando ainda as questões relacionadas à vida em sentido mais amplo, indo além da saúde e vida humana, inserindo-se nesse contexto as experiências com animais e plantas.
Neste momento podemos abordar a pergunta realizada acima descrevendo a linha tênue entre bioética e a autonomia da vontade. Não há como falar de autonomia da vontade sem realizar a estrita ligação à Kant principalmente no que diz respeito ao seu modelo eticista, onde:
Afirma que o homem é o único que possui dignidade porque é o único ser do universo com capacidade de autonomia, ou seja, de se submeter, livremente, às leis morais que reconhece como procedentes da razão prática.
É pertinente entender que a autonomia da vontade postulada por Kant, hoje é um meio fundamentador que consegue explicar que o direito de morrer não necessariamente está atrelado a uma simples vontade individual do ser humano, mas sim numa vontade individual que consiga dizer qual o melhor ideal digno de uma boa morte, um ideal que se materializa através da própria autonomia da vontade e focaliza para uma morte digna condizente com a dignidade da pessoa humana.
A bioética, portanto, não se identifica com a “ética” médica, como esta foi entendida durante séculos, nem se constitui em um corpus de princípios, interpretados de forma uniforme, por diferentes correntes do pensamento social; Trata-se de uma área de conhecimento, cujas raízes encontram-se nos dados fornecidos pelas ciências biológicas, que fornecem o material empírico necessário para a reflexão propriamente filosófica.
A bioética surge, assim, como o mais novo e complexo ramo da ética filosófica, pois trata da responsabilidade em relação à humanidade do futuro e, ao mesmo tempo, considera a pessoa humana como detentora dos direitos inalienáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10.ed. São Paulo: Forense Universitária. 2007.
FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e Direitos Fundamentais: A bioconstituição como paradigma do biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
SGRECCIA, Elio. Manual da Bioética. v.III. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 1997.
SOARES, Dennis Verbicaro. A importância dos marcos normativos no contexto jurídico-filosófico da tanato-ética e sua relação com a definição das metas e compromissos do Estado no âmbito das políticas públicas para a saúde em situações-limite. In: Sustentabilidade: Ensaios sobre Direito Ambiental. São Paulo: Editora Método, 2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2.ed. Rio de Janerio: Renovar, 2004.
TRÍAS, Eugenio. Ética y Condición Humana: Reflexiones sobre felicidad y libertad. In: Derechos Humanos: La Condición Humana em La Sociedade Tecnológica. Madrid: Tecnos, 1999.
TRÍAS, Eugenio. Ética y Condición Humana: Reflexiones sobre felicidad y libertad. In: Derechos Humanos: La Condición Humana em La Sociedade Tecnológica. Madrid: Tecnos, 1999. p. 19.
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