Preliminarmente para entendermos de uma forma melhor a problemática a ser discutida, cumpre analisar algumas questões preliminares sobre a sentença como conceito e efeitos.
O ilustre mestre Humberto Theodoro Júnior acompanhando conceito do festejado Pontes de Miranda, descreve em sua obra que a sentença, portanto “é emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercerem a pretensão à tutela jurídica”.
Tradicionalmente a sentença é definida como um ato processual solene que deve revestir a forma escrita e compor-se de três elementos, quais sejam o relatório, a fundamentação e o dispositivo em que se funda da decisão.
Quanto aos efeitos a sentença tem como função declarar o direito aplicável à espécie, onde, por exemplo, o juiz acolhe ou rejeita o pedido do autor ou entre outros acolhe a alegação de decadência e prescrição, sempre prestando a tutela jurisdicional.
A sentença, assim, segundo a redação dada pela lei 11.232/05 ao §1º do artigo 162, é o ato pelo qual o juiz decide na forma dos artigos 267 e 269, resolvendo ou não o mérito. Esta nova definição fez com que a sentença deixasse de ser o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, com vistas a permitir a reunião dos processos de conhecimento e de execução em um processo sincrético de fases cognitiva e executiva. [41]
Aprofundando um pouco mais o estudo, vejamos outra modalidade de extrema importância da sentença, qual seja saber se a mesma admite fracionamento.
Em pesquisa a nossa legislação vigente, podemos observar que o art. 505 do CPC dispõe que a sentença poderá ser impugnada no todo ou em parte, logo nessa esteira pressupõe-se que a sentença pode ser divisível em unidades ou partes recorríveis - parciais.
Além do art. 505 do CPC, outros também admitem implicitamente a divisão da sentença, como o art. 475-I, § 2º, que autoriza a instauração simultânea da execução da parte líquida da sentença e da liquidação da parte ilíquida; podemos destacar também o art. 475-O, § 1º, que dispõe que ocorrendo a modificação ou anulação de parte da sentença provisória, a execução ficará sem efeito apenas em parte; por fim o art. 498 admite a existência de acórdãos com uma parte do dispositivo unânime e outra não unânime.
Do ponto de vista da doutrina brasileira, existem poucas manifestações acerca da teoria da divisão dos capítulos, encontrando-se predominante estudo sobre os recursos, eis que essa divisão repercute nos limites objetivos do recurso de apelação.
Barbosa Moreira não publicou nenhum trabalho específico sobre o tema, mas em diferentes passagens de sua extensa e profícua obra intelectual faz referência aos capítulos da sentença. Ao falar da reconvenção, leciona que: “Processadas em conjunto, julgam-se as duas ações, em regra ‘na mesma sentença’ (art. 318), que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio para fins de recorribilidade e de formação da coisa julgada. No tocante a ambos os capítulos devem observar-se os requisitos do art. 458; o relatório e os fundamentos comportam exposição conjunta, mas no dispositivo, sob pena de nulidade, o juiz há de julgar explícita e discriminadamente a ação originária e reconvenção”.
Por fim a jurisprudência que não poderia ser diferente, também já se pronunciou sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu em diversas oportunidades que a sentença comporta divisão em capítulos, ou seja, poderá ser parcial.
No recurso especial nº 203.132/SP, relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que foi conhecido e provido por votação unânime, foi expressamente reconhecida a possibilidade de a sentença ser dividida em capítulos distintos, na medida em que, à cada parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão, podendo assim ser proferida sentença procedente em um pedido, e improcedente em outro. As turmas 2ª e 5ª também entenderam assim nos Recursos Especiais 591668/DF e 439849/SP respectivamente.
A meu ver agem acertadamente os doutrinadores quem entendem ser plenamente possível uma sentença ser parcialmente procedente, pois podemos citar como exemplo prático, um pedido de divórcio litigioso em que o cônjuge varão na condição de autor da ação pleiteia a divisão dos bens, pedindo a guarda compartilhada da prole e/ou o não pagamento de pensão alimentícia a cônjuge varoa. Logo, feito o juízo de valor das provas juntadas aos autos o juiz poderá deferir a divisão de bens julgando procedente este pedido, e julgando improcedente o pedido de guarda compartilhada, determinando ainda o pagamento de alimentos à cônjuge varoa.
Os reflexos práticos que poderão advir no exemplo acima é o de que o autor da ação poderia entrar com recurso de apelação, devolvendo ao tribunal a matéria em que lhe foi desfavorável, ou seja, a improcedência do pedido de guarda e do pedido de não pagamento de pensão alimentícia.
Assim, diante deste exemplo, podemos concluir que a sentença foi parcial, havendo o trânsito em julgado da parte não recorrida, ou seja, da divisão de bens, continuando o processo no tocante aos outros pedidos recorridos, não podendo o tribunal pronunciar sobre o que transitou em julgado, a não ser no caso de sentença inexistente.
Por todo o exposto neste trabalho, defende-se que a hipótese de uma sentença apta a fragmentar o julgamento da causa, como no caso citado, pode trazer uma maior concretização do direito material, permitindo que o pedido já provado seja concedido mais rapidamente ao autor que tem razão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FLACH, Daisson. Casos em que esta preservada a autonomia procedimental da liquidação. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de [et al.]. A nova execução: comentários à Lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005. Forense, Rio de Janeiro, 2006.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. RIO DE JANEIRO: FORENSE, 2005. V.1.
OLIANI, José Alexandre Manzano. Capítulos de Sentença, Apelação Parcial e Sentença Juridicamente Inexistente – Breves Considerações. Texto elaborado pelo autor para a aula. Material da 3ª aula da disciplina Prova, Sentença e Coisa Julgada, ministrada no curso de Pós-Graduação Latu Sensu Televirtual em Direito Processual Civil – Uniderp/IBDP/Rede LFG.
Precisa estar logado para fazer comentários.