Notas Introdutórias
O instituto relativo às condutas alternativas conforme ao direito, laborado por Roxin, concerne a um mecanismo de análise da realização específica de um risco relevante e proibido no âmbito da teoria da imputação objetiva de Roxin, com o desiderato de atribuição normativa devida no caso concreto.
Este mecanismo de aferição objeto deste estudo realiza um juízo de comparação entre o comportamento desvalido e a conduta adequada que deveria ser perpetrada na hipótese fática. Assim, se, ainda que o comportamento fosse praticado conforme os regramentos sociais, em uma situação hipotética – ao contrário da conduta efetivamente realizada destoante do risco permitido, relativo à criação de um risco relevante e proibido – e o resultado viesse da mesma forma a ocorrer, não haver-se-ia imputação do resultado.
Exemplo clássico do instituto desenvolvido por Roxin alude à fábrica de pincéis que entrega por meio de seu gerente pêlos de cabra da China, sem tomar as devidas medidas acauteladoras de desinfecção. Quatro trabalhadoras são infectadas, vindo a falecer. Porém, investigação posterior conclui que os métodos de desinfecção exigidos seriam ineficazes em relação à ação do bacilo (ROXIN, 2002, p.332). Nesta perspectiva, embora tenha havido a infringência da norma de cuidado, esta apresentou-se inócua, ensejando a não imputação.
Inobstante a apresentação deste exemplo marcado pela inocuidade taxativa do comportamento adequado, a discussão acerca do tema que tem sido objeto de intenso debate doutrinário diz respeito ao grau de certeza quanto à evitação do resultado pela conduta adequada, ou seja, se mesmo havendo incerteza quanto a evitabilidade do resultado se realizado o comportamento ajustado, poderia ensejar a eliminação da imputação.
Há duas posições defendidas neste caso, relativas à Roxin e Jakobs – novamente antagônicos no cenário doutrinário – com resultados opostos no tocante à aferição da realização específica do risco relevante e proibido no resultado. Passemos agora à breve análise de cada posição.
Posição de Roxin: imputação do resultado
Claus Roxin argumenta que na hipótese incerteza quanto à evitação do resultado pela conduta adequada ao Direito o resultado ainda assim deverá ser imputado ao agente, sobretudo em razão de aumentar as possibilidades de salvaguarda do bem jurídico, exigindo o cuidado pelo indivíduo onde é mais necessário (ROXIN, 2002, p.341).
Exemplo trazido por Roxin apresenta situação de médico que comete um erro grosseiro em uma operação de risco, que se não fosse imputado na ocorrência de incerteza, deixaria visível a impunidade no caso concreto (ROXIN, 2002, p.341)
Ademais, argui que o risco não pode ser dividido em uma parte permitida e outra proibida e ser analisado separadamente no tocante à realização do perigo engendrado, o que obsta a possibilidade de exclusão de imputação na incerteza (ROXIN, 2002, p.340-341).
Portanto, Roxin só excluiria a imputação nos casos em que a certeza fosse de grau máximo quanto à ineficácia da perpetração do comportamento alternativo e hipotético exigido pelo direito.
Posição de Jakobs: não imputação do resultado
Por outro viés, quanto à incerteza verificada na confrontação com a conduta consoante ao direito, Jakobs pugna pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, ou seja, na dúvida quanto à certeza da produção do resultado, por meio do comportamento adequado, daria azo à exclusão de responsabilidade penal.
Destarte, apenas nas hipóteses de grau máximo de certeza quanto à evitação do resultado pela hipotética conduta adequada, em contraponto à conduta desvalida haveria atribuição do resultado. Nos outros casos, quando houver grau de certeza médio ou mínimo, a não imputação, na visão de Jakobs, seria a decisão mais acertada a ser tomada na hipótese casuística.
Neste conduto de exposição, defende posicionamento ligado a não responsabilização do autor do fato, nessas hipóteses de variabilidade a menor do grau de certeza máximo quanto à eficácia da conduta adequada. Neste diapasão, Jakobs assevera que
“a necessária aplicação do princípio in dubio pro reo deve conduzir à absolvição inclusive nas hipóteses de limites de extrema falta de cuidado e sendo pouco provável a explicação por meio de outro risco; não porque não concorra um comportamento desaprovado, mas porque não está provado que o resultado pode ser atribuído ao comportamento”(JAKOBS, 2007, p.93)
Assim, Jakobs se ampara na questão da prova para não atribuir o resultado ao indivíduo – embora agente produtor de um risco juridicamente relevante e proibido – não ocorrendo hipótese de certeza quanto à evitação do resultado pela conduta conforme ao direito.
Considerações Finais
Acerca da divergência apresentada neste estudo, quanto ao cotejo entre o aumento das chances de salvamento do bem jurídico e o princípio do in dubio pro reo, lastreado no exame de prova apresentado, verifica-se implícito confronto entre diretrizes ligadas à supremacia do interesse público, atrelada à tutela dos bens jurídicos e as garantias individuais ligadas à pessoa do réu, principalmente à sua presunção de inocência, elidida pela prova cabal.
Neste confronto, tomamos posição ao coadunar com entendimento de Roxin, no desiderato de tutela dos bens jurídicos penalmente relevantes, em detrimento ao princípio do in dubio pro reo neste caso relativo às condutas alternativas conforme ao direito.
Esta intelecção dirige-se neste sentido em virtude da compreensão de que um comportamento criador de um risco proibido seria a ratio cognoscendi da realização específica do risco, isto é, pressupõem-se que a conduta desvalida que cria perigo não permitido se realizou no resultado, cabendo a prova contrária, quanto à incongruência entre risco e resultado ao réu, enfatizando o caráter indiciário da constatação da criação de um risco juridicamente relevante e proibido.
No entanto, entendemos que a adoção deste posicionamento também deve ser visto com reservas, em razão do grau de certeza máximo não poder ser vislumbrado como única hipótese de exclusão da imputação pelo instituto das condutas conforme ao direito, pois a certeza, na maioria dos casos afigura-se inalcançável. Deste modo, propugnamos por uma avaliação adequada incumbida ao magistrado a entender que, havendo grau de certeza “suficiente”, e não grau máximo para a constatação de que a conduta adequada em substituição à conduta proibida seria inócua a impedir a produção do resultado.
Referências Bibliográficas
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2007.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2002.
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