Pode o Tribunal dar provimento ao Agravo de Instrumento, ao argumento de que a Súmula do STJ invocada na sentença não deve ser prestigiada? Se for processada a Apelação, é possível o Tribunal julgar desde logo o mérito da causa, mesmo sem requerimento do Autor? Em caso positivo, o julgamento poderá ser de improcedência do pedido ou isso representaria reformatio in peius?
A questão a ser enfrentada é polêmica e envolvida por críticas. Trata-se de breves considerações sobre o §1º do Art. 515 do Código de Processo Civil, inserido pela Lei nº 11.276/2006, em que alguns juristas ao fazerem uma interpretação sistemática do parágrafo acrescido afirmam ferir de morte o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição e do contraditório; já outros dizem que o referido dispositivo não gera prejuízos às partes, vez que não cabe, pelo menos em princípio a alegação de inconstitucionalidade, pois o duplo grau de jurisdição, apesar de reconhecidamente integrante do sistema pátrio, não consta expressamente da Constituição Federal como garantia, mas somente como princípio.
Importante, nesse passo, citar o pensamento de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: "A Constituição Federal prestigia o duplo grau como princípio, não como garantia, ao enunciar seguidas vezes a competência dos tribunais para o julgamento dos recursos; mas ela própria põe ressalvas à imposição desse princípio, especialmente ao enumerar hipóteses da competência originária dos tribunais, nas quais é quase sempre problemática a admissibilidade de algum recurso, seja para o próprio tribunal, seja para outro de nível mais elevado. Em face disso, em princípio não é inconstitucionalmente repudiada uma norma legal que confine em um só grau jurisdicional o julgamento de uma causa ou que outorgue competência ao tribunal para julgar alguma outra, ainda não julgada pelo juiz inferior."
Ao se analisar tal dispositivo e interpretá-lo gramaticalmente, observa-se que se trata de norma cogente, vez que não faculta ao magistrado o recebimento do recurso de apelação, caso este tenha motivado sua sentença em súmula do STJ ou do STF, pelo contrário, obriga o juiz a não recebê-lo: “o juiz não receberá”. Com isso, esse novo dispositivo (art.518, § 1º) acrescenta mais um item a ser transposto pelo juízo de admissibilidade do recurso, qual seja a consonância ou não da sentença com entendimento sumulado pelos pretórios superiores. Na primeira questão a ser abordada o tribunal não poderá, portanto, dar provimento ao agravo de instrumento, exceto casos de sentença de mérito parcial em que haja sucumbência recíproca e/ou mais de uma tese, devolvendo ao tribunal o julgamento da lide.
No tocante a outra situação, que também é polêmica, caso seja processada a apelação, alguns doutrinadores afirmam que o tribunal poderá julgar desde logo o mérito da causa, mesmo não sendo a mesma exclusivamente de direito, e ainda que não tenha requerimento expresso do recorrente nesse sentido. Destarte, a terminologia "causa exclusivamente de direito" não é suficientemente adequada por não abarcar as situações em que há questionamento fático, muito embora sem necessidade de instrução probatória. Nessa ordem, é válido o entendimento segundo o qual o magistrado poderá julgar a lide antecipadamente, desde que a causa esteja "madura para julgamento.
Embora a norma fale em "questão unicamente de direito", seria insensato incorrer nesta infundada restrição, eis que mesmo não havendo controvérsia sobre fatos, e encontrando-se estes bem demonstrados, ao tribunal será permitida a aplicação do artigo. Nessa linha, amparamo-nos em entendimento do STJ que diz: "Tendo em vista os escopos que nortearam a inserção do § 3º no art. 515 (celeridade, economia processual e efetividade do processo), sua aplicação prática não fica restrita às hipóteses de causas envolvendo unicamente questões de direito. Desde que tenha havido o exaurimento da fase instrutória na instância inferior, o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal fica autorizado, mesmo que existam questões de fato. Assim, estando à matéria fática já esclarecida pela prova coletada, pode o Tribunal julgar o mérito da apelação mesmo que o processo tenha sido extinto sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva do apelado.
Com relação à eventual faculdade do órgão ad quem em proferir julgamento do feito, ainda que não haja requerimento expresso da parte recorrente na apelação, deve ser frisado que o § 3º do Art. 518 utiliza-se da expressão ‘pode’ julgar desde logo a lide desde que presentes os elementos necessários, referida terminologia sugere uma interpretação ampliativa, inclusive de permissão, em que há outros doutrinadores que entendem não ser a mais aconselhável para o caso, dado que a inovação vem a restringir a aplicação de princípios outros que são de suma importância para a estabilidade do sistema.
LUIZ ORIONE NETO, em patente defesa do caráter da instrumentalidade e eficiência do processo, em contraposição àqueles que preconizam ser defeso ao tribunal julgar sem que haja requerimento da parte, defende o entendimento de que "A locução sublinhada fala por si só, pois se o tribunal pode desde logo proferir julgamento de meritis, é porque o julgamento per saltum independe de pedido do apelante. Caso contrário, o novel § 3º teria feito menção expressa a essa necessidade de requerimento do apelante."
Todavia, há outra corrente contrária a posição do mencionado autor, a qual menciona o princípio tantum devolutum quantum apellatum, previsto no artigo 515 do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal somente deverá conhecer das matérias que forem suscitadas pela parte recorrente. Tal entendimento se fundamenta ainda em outro preceito, o de que a parte que busca a reforma de um provimento que julgue lhe tenha sido prejudicial, jamais poderá ver sua situação agravada (reformatio in pejus).
Quanto a um possível agravamento em desfavor do recorrente através do julgamento do recurso, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA ensina que "Com efeito: se a impugnação só abrange parte da sentença, o caput do art. 515 basta para excluir a cognição do órgão ad quem no tocante à matéria não impugnada. (...) Mesmo fora desse caso, porém, os argumentos de ordem sistemática utilizáveis sob o regime de 1939, para excluir a reformatio in pejus, continuam válidos para o ordenamento em vigor...”
Também é esse o entendimento de MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, o qual nesta matéria nos filiamos, quando pondera que "Da mesma forma, é princípio fundamental aplicável a qualquer recurso a impossibilidade de no seu julgamento ser o recorrente prejudicado, ou beneficiado além do que fixou como sendo objeto do pedido de nova decisão."
Portanto, pode-se concluir sobre a primeira questão que o tribunal não poderá dar provimento ao Agravo de Instrumento, pois trata-se de norma cogente, devendo aplicar a lei sistematicamente; podendo sim na segunda questão julgar o feito desde logo, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, desde que se trate de questão exclusivamente de direito ou esteja o feito devidamente instruído, o qual entendemos ser possível mesmo sem requerimento da parte, desde que estejam presentes, de forma concomitante, os elementos previstos no § 3º, do artigo 515 do Código de Processo Civil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.jus.br/SCON/ Acesso em: 04 de Abril de 2011.
DINAMARCO. Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. Editora Malheiros, São Paulo, 2002.
FILHO. Manoel C. Ferreira. Comentário ao Código de Processo Civil, Volume VII, Editora RT, São Paulo, 2001.
DINAMARCO. Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. Editora Malheiros, São Paulo, 2002, p. 151.
(STJ - 4ª T., REsp nº 533.980-MG, Rel. Min. César Rocha, j. 21.8.03, p. 374).
FILHO. Manoel C. Ferreira. Comentário ao Código de Processo Civil, VolumeVII, Editora RT, São Paulo, 2001, p. 110.
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