O Direito Penal é o ramo do Direito que tem como missão a proteção dos valores fundamentais da sociedade e, devido seu caráter coercitivo, o Estado utiliza-se de seu poder para impor uma sanção para aqueles que vierem a transgredir suas normas. A esta sanção damos o nome de pena.
Mesmo sem um consenso entre doutrinadores sobre uma teoria que responda qual a finalidade da pena, o crime é infelizmente um freqüente fato social, que deve ser inibido.
Para coibir a prática delituosa, partimos da análise do fim de agir de cada sujeito para repercutir em uma punição ou não, e partindo desse pressuposto de vontade do agente, é fácil a constatação da ausência na pessoa jurídica, do animus capaz de gerar uma conduta punível, o que a torna ilegítima para configurar o pólo passivo de uma ação penal.
Nossa Carta Magna prevê duas hipóteses possíveis de responsabilidade penal da pessoa jurídica, que são os casos de crimes ambientais e econômicos. (CF, art, 173 e 225).
Contudo, não se pode estudar ou compreender o Direito penal sem sua integração com os princípios constitucionais que limitam o ius puniendi do Estado, e entendendo essa necessidade de conjugação de princípios e normas, nos deparamos com contradições entre a norma constitucionalizada e alguns princípios implícitos em seu texto.
LUIZ FLÁVIO GOMES, aduz sobre um dos princípios constitucionais inerentes ao direito penal:
“Princípio da responsabilidade pessoal, e diz não existir no Direito penal responsabilidade coletiva, societária ou familiar (leia-se: não há a responsabilidade por fato de outrem). Cada um responde pelo que fez, na medida da sua culpabilidade. Ninguém pode ser punido no lugar de outra pessoa, mesmo porque a pena não pode passar do condenado (CF, art. 5º, inc. XLV).”
Indisfarçável é também a incompatibilidade dos ditames dos princípios com o texto constitucional, quando NILO BATISTA expõe sobre o Princípio da Culpabilidade:
“É caracterizado pela possibilidade de se imputar a alguém a prática de uma infração penal, sendo possível a aplicação de uma pena com os seus limites de individualização, a um autor de um fato considerado antijurídico, não havendo responsabilidade objetiva pelo resultado se não houver agido com dolo ou culpa.
Esse princípio atua como limitação do ius puniendi, na determinação e individualização da pena, onde “A responsabilidade penal é sempre pessoal. Não há, no direito penal, responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva”.
Ainda sobre o Princípio da Culpabilidade LUIZ FLÁVIO GOMES esclarece que:
“Quem não tem capacidade de discernimento (inimputáveis) ou quem não podia comportar-se de forma distinta, não pode ser penalmente responsabilizado. O princípio da culpabilidade na atualidade, em suma, significa que não há pena sem culpabilidade; e que está proibida a responsabilidade penal de quem não podia agir de modo diverso.”
Destarte, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é uma ofensa direta aos princípios constitucionais implícitos à norma, pois nenhuma pena poderia passar da pessoa do condenado. Em observar, que a pena nesse caso, recairá sob o capital da empresa, com multas ou até mesmo com sua liquidação, inegável é a possibilidade de repercussão, por óbvio, diretamente em toda economia empresarial, punindo todos aqueles que dependerem de sua boa estrutura financeira, podendo ocasionar inclusive desempregos e conseqüências sociais maiores que a coerção visada.
É cediço, que não mais se admite na modernidade a aplicação do Direito penal máximo, que consiste no abuso do Direito penal para atender finalidades ilegítimas, ou seja, o Direito Penal é subsidiário, isto é, só tem lugar quando outros ramos do Direito não solucionam satisfatoriamente o conflito. O Direito penal, em suma, é o Direito de ultimo ratio (TJSP, AC 113.999-3, rel. Luiz Betanho) e assim deve ser prezado quando em sua aplicação.
No momento em que a jurisprudência majoritária entende que não se configura o delito desobediência quando houver sanção administrativa para a conduta, esta claramente exemplificando a subsidiariedade do Direito Penal. (TJMG, Apelação Criminal N° 1.0019.06.012474-0/001, Rel. Des. Fernando Starling)
Defender a legitimidade da pessoa jurídica em figurar o pólo passivo de uma ação penal seria antes de tudo, uma expectativa cível e não do direito penal brasileiro, e não podemos desconsiderar que são duas ciências autônomas, com objetivos que lhe são próprios.
A pena que se busca no direito penal, assume não só o papel de castigar o delinqüente na medida de sua culpabilidade, como busca impedir a prática de outros crimes, havendo, portanto, necessidade de se fazer juízo de valor acerca da conduta do sujeito causador do resultado, devendo tão somente recair sobre o sujeito que cometeu o crime, portanto consideramos a culpabilidade como pressuposta da imposição da pena.
Já condenação no direito cível é via de regra, imputação de penalidade que responde a um objetivo indenizatório, de característica monetária, material, que se assemelha com o objetivo da atividade da pessoa jurídica, logo, uma imputação penal encontra barreiras na incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.
A pessoa jurídica é desprovida de consciência e vontade, assim, não pode cometer crimes. Não há meios de se responsabilizar penalmente uma coletividade e assegurar que os efeitos jurídicos de sentença condenatória, recaiam individualizadamente sobre os verdadeiros responsáveis. Para tanto, deveria ser imposta a pena, tão somente ao sujeito que agir com dolo ou culpa.
A punição da pessoa jurídica no sistema penal não constrange seus verdadeiros responsáveis, repercutindo em conseqüências drásticas a uma coletividade não responsável, ferindo a expectativa da coersibilidade, além de pecar pela não punição do real responsável pelo ato delituoso, gerando um desmoronamento em todo fundamento principiológico do ordenamento jurídico penal.
Referência Bibliográfica
Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inc. XLV, art, 173 e 225).
TJSP, AC 113.999-3, Rel. Luiz Betanho.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal Parte geral. Volume 1, 2ª edição, São Paulo: RT, 2004.
(6) TJMG, Apelação Criminal N° 1.0019.06.012474-0/001, Rel. Des. Fernando Starling
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Revan, 1990, p. 104.
Precisa estar logado para fazer comentários.