Ao discorrer criticamente sobre o Direito e a Justiça é imperioso que se promova uma análise histórica, social, e, inclusive, etimológica, destes institutos, abordando o contexto, em cada época, examinando pensamentos filosóficos e condutas sociais.
A partir da premissa de que o homem é dotado de consciência, vontade e livre arbítrio, como Ser que pensa, o homem cria mundos a partir de suas ideias, as quais são posteriormente projetadas e ajustadas ao meio em que vive, dando início ou aprimorando sociedades.
Como ser social e cultural busca artifícios no sentido de promover, da melhor maneira, a convivência entre sua espécie, formulando preceitos que garantam ou busquem assegurar-lhe seus valores morais e éticos.
Dos ideais perseguidos pelo homem, pode-se destacar o desejo de Justiça, como ideia intrínseca à natureza humana, sendo considerado “Valor” no qual se institui em um “dever” de si mesmo para com o outro. Valor este, exigido tão somente ao homem que vive em sociedade, tendo em vista que é dever entre indivíduos.
Sendo a Justiça um ideal, um valor, seu conceito se transformou com o passar dos tempos, visto que os valores morais se modificam de acordo com a sociedade, o local e a época em que são vividos.
À medida que o homem muda a sociedade também sofre esse efeito e consequentemente se modificam os valores. Desta forma, o homem pode ser considerado seu próprio valor, pois o desrespeito aos valores morais será desrepeito à própria ideia de homem.
Desse anseio, de assegurar o ideal de justiça procurando promover a proteção de valores individuais e coletivos tidos por justos, surge o Direito.
Definindo etimologicamente o Direito e a Justiça temos que:
Direito vem do étimo latino directu e significa o que é recto, probo e justo é, numa acepção mais restrita, o conjunto de disposições legais que regulam obrigatoriamente as relações dentro de uma determinada comunidade;
Justiça vem do étimo latino justitia e significa conformidade com o direito, dar a cada um o que por direito lhe pertence, praticar a equidade.
O sentido etimológico da palavra Justiça pode sugerir um caminho para que se proponha a sua definição. Entretanto, apenas aponta uma direção (origem etimológica), não sendo possível afirmar categoricamente em que consiste a definição universal de Justiça.
Essa dificuldade de definir o que seja a justiça decorre da diversidade de culturas e valores éticos e morais, pois o que se tem por justiça para uma determinada comunidade pode não o ser para outra.
Alguns pensadores a qualificaram como sendo “dar a cada um aquilo que lhe é por justo dentro de uma determinada sociedade”.
Outos, como Shopenrauer a define como forma negativa e afirma que a justiça é “não tirar de cada um aqui que lhe é por direito”. Assim, não podemos construir uma definição de Justiça, mas temos apenas conceitos desta.
O ponto crítico dessa situação é que, mesmo que a prática da justiça se resuma a “dar a cada um o que lhe é devido”, surgiria uma problemática no sentido de saber e de depois decidir o que pertence a cada um.
Desta forma, a definição atribuida à Justiça parece ser mais pertinente ao ideal de Direito, pois o Direito é quem parece decidir aquilo que é justo, e é quem regulamenta as normas de conduta e de distribuição do que se idealiza como justiça dentro de um mesmo meio social, criando normas de comportamento e de convivências chamadas Leis (Direito posto).
Pode-se propor que Justiça não é Direito, mas os termos se completam, sendo o Direito instrumento para se alcançar a aplicabilidade da Justiça, a qual, por sua vez, pode ser, ainda, considerada como uma ideia moral de convivência social.
Justiça, também, não tem seus fundamentos nos artifícios (leis e organizações) do Estado, como forma de garantia de direitos, pois com uma consequente queda daquele, também deixaria a Justiça de existir.
Essa tem como fundamento a defesa da existência do homem como homem, sendo que diante da celeuma que gira em torno dos motivos e objetivos que culminam na criação de ordenamentos jurídicos que buscam o exercício dessa justiça, temos que a ideia de existência e de coexistência do Homem é o fundamento de seus próprios preceitos.
Dentro da seara do Direito como norma posta, e, no afã de se perseguir o ideal do justo, criou-se o ordenamento jurídico que dá ensejo às obrigações.
Direito não se confunde com obrigação. O Direito em sentido amplo pode ser considerado como ferramenta de distribuição do que é justo e é utilizado pelo Estado objetivando a prática do ideal de justiça.
A obrigação é o meio de coerção empregado pelo Direito para que sejam atingidas suas perspectivas de justiça e pode ser dividida em obrigação legal e moral.
A obrigação legal deriva do dever de obediência às normas de convivência, que segundo alguns pensadores, podem ser impostas como marco limitador da liberdade do homem, pois, este tem dever de obrigação quanto àquelas. Nesta corrente, e, sendo o homem possuidor de livre arbítrio, deixaria de existir a liberdade.
Em se falando de Direito e Moral estes também não se confundem. O dever moral é insto de cada um, aquilo que cada homem tem como valor (justiça), sendo, às vezes, mais forte e mais correspondido que as normas escritas e muitas vezes diverge destas.
Daí a afirmação de que o direito posto pode não ser justo, pois o direito justo é o que amolda à moral de cada um. Direito positivado pode cometer injustiças, pois nasce do Estado e pode não se ajustar aos ideais de justiça para que fossem propostos.
Enquanto ser material, o homem possui características que o submete às leis da natureza (causa e consequência), as quais o despojam do direito de escolha - livre arbítrio - tendo como resultado a consequência imutável de cada ato natural (ente). Por outro lado, como ser provido de ideias e com a peculiaridade do poder de decisão, pode escolher se aceita a consequência ou não de suas ações (ser).
Neste foco, se a promoção da Justiça e a aplicação do Direito é a criação de normas que regulam causa e consequência (ato reprovável e punição) então, está descartado o ideal de justiça quanto ao livre convencimento e aos valores de cada homem, não tendo, este, outra escolha a não ser a de fazer e obedecer às normas jurídicas pré-estabelecidas.
O que não acontece, pois o direito não pode punir o pensamento do homem, nem obrigá-lo a obedecer às normas legais coercitivamente - porque se assim o fosse - não ocorreriam ilícitos. Mas o Direito pode julgar suas escolhas, julgamento este, em que não se pode medir a justiça aplicada, pois o Direito busca o ideal aproximado de Justiça, não a sua plenitude. Isso como forma de resposta ao clamor da sociedade contra o injusto.
Assim, a criação de normas de convivência entre homens não se esbarra no direito de decidir, sendo o livre arbítrio o pressuposto para existência da liberdade, é forma de conduzi-la, de maneira que a aplicação das leis tem o objetivo de se achegar ao mais próximo do ideal de Justiça, para que seja propiciada a coexistência entre os homens de uma sociedade e a perpetuação da ideia de Homem.
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