Antes de discorrermos acerca do tema, é necessário, ainda que em poucas palavras, respondermos a seguinte pergunta: Afinal de contas o que é um princípio? O ilustre Professor Diógenes Gasparini conceitua o princípio como sendo “um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” (GASPARINI, 2004, p. 06). Em outras palavras, os princípios são uma orientação geral para casos que não estão pré-determinados, possuindo alto grau de abstração e força normativa a partir do pós – positivismo.
Sem dúvida alguma o Estado Democrático de Direito vem consagrar junto a ele o Princípio da Dignidade Humana como um princípio norteador de todo o ordenamento jurídico, sendo este princípio inclusive expresso como fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu Art. 1º, § 3º (BRASIL, 2011).
O princípio da dignidade da pessoa humana é aquele pelo qual “protege o direito a todos os meios e condições para trazer a esta vida um mínimo de auto-suficiência e de decência” (RIOS, 2008, p. 78).
Devemos observar, contudo que este princípio não deve ser visto de maneira absoluta, tendo em vista que “nenhum direito deve ser tratado de maneira absoluta” (RIOS, 2008 p. 79).
Além disso, este princípio possui várias finalidades como: preservar a igualdade; impedir a degradação e coisificação da pessoa, uma vez que o Estado não pode violar este princípio perante qualquer pessoa, principalmente perante os infratores; e visa também garantir uma igualdade de condições para a pessoa subsistir, sendo esta última finalidade expressa no art. 170 da CRFB/88 (RIOS, 2008, p. 79).
Desde então, com o passar do tempo, percebeu-se que em muitos momentos este princípio tão exaltado vem sofrendo uma grande crise em sua aplicabilidade, sendo inclusive uma dessas crises o uso de algemas de modo descabido e como forma de demonstração de poder por parte do Estado como uma forma retributiva a sociedade.
Um fator ainda mais grave diz respeito ao juízo de culpabilidade ou reprovabilidade que a sociedade automaticamente faz ao ver um indivíduo sendo algemado, antes mesmo de se provar se tal indivíduo é culpado ou inocente de qualquer acusação; antes mesmo de se perguntar se o uso das algemas se justifica para a ocasião.
O uso de algemas de forma arbitrária agride também o princípio da presunção de inocência previsto no art. 5°, LVII da CRFB/88 que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal” (BRASIL, 2011).
Outro fator muito importante a ser salientado diz respeito ao uso de algemas no tribunal do júri. Ao longo do julgamento percebia-se que o acusado ao permanecer algemado durante toda audiência causava nos jurados um juízo de periculosidade do indivíduo, de modo que aquele indivíduo se tornaria uma séria ameaça à sociedade caso estivesse solto.
Observa-se que o Art. 199 da Lei de Execuções Penais é muito claro ao preceituar que o uso de algemas deve ser disciplinado por meio de decreto federal, não havendo ainda a existência de tal decreto. (TÁVORA, 2009)
As algemas não devem em momento algum servir de símbolo de coerção autoritária e vexatória.
O ilustre Professor Nestor Távora em sua obra Curso de Processo Penal, na qual nos baseamos como marco teórico desta pesquisa, explícita de modo claro e sucinto acerca do assunto:
“O art. 199 da LEP remete a disciplina do uso de algemas a decreto federal, ainda inexistente, restando a advertência que as mesmas só podem ser utilizadas quando estritamente necessárias pelas circunstâncias, não podendo simbolizar verdadeiras pulseiras de prata para desmoralizar aqueles que são presos, principalmente quando em trânsito perante as câmeras ou nas audiências, dando ensejo à caracterização do abuso de autoridade. (TÁVORA, 2009, p.456).”
A partir destas importantes considerações, o Supremo Tribunal Federal na data de 07/08/2008, na apreciação do HC n° 91.952 cujo Relator foi o Min. Marco Aurélio, em decisão unânime anulou julgamento, cuja competência era do tribunal do júri, pelo fato do acusado permanecer algemado durante toda a sessão, sendo este indivíduo acusado de homicídio, uma vez que o fato do acusado permanecer algemado durante toda audiência influiu diretamente no resultado do júri. (TÁVORA, 2009).
Tal decisão ensejou diretamente a criação da Súmula Vinculante n° 11 do STF, na qual, restringe o uso de algemas somente nos casos de resistência, fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia. (TÁVORA, 2009)
A súmula ainda discorre no sentido de justificar de forma escrita o uso das algemas, de modo a garantir a responsabilização do agente caso não cumpra com os requisitos formais, podendo ocasionar ainda a nulidade da prisão.
A criação desta súmula teve como intuito principal, coibir a pratica do abuso de poder por parte das autoridades policiais que muitas vezes extrapolam os limites de suas atribuições simplesmente para uma exibição vaidosa de poder.
O ilustre professor Diógenes Gasparini conceitua o abuso de poder como sendo “toda ação que torna irregular a execução do ato administrativo, legal ou ilegal, e que propicia, contra seu autor, medidas disciplinares, civis e criminais” (GASPARINI, 2004, p. 142).
Destarte, conclui-se que através dos argumentos ora expostos nesta presente pesquisa, ratifica-se o entendimento de que a ausência de fundamentação no uso das algemas ofende diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo sempre a autoridade policial observar os requisitos necessários para a aplicação deste procedimento.
As algemas devem ser tratadas como medidas extremas de segurança, procurando sempre se utilizar de outras medidas alternativas que assegurem de modo efetivo a segurança da coletividade antes de utilizarem as algemas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República federativa do Brasil. Brasília: Senado. 2011.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 11. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum universitário de direito RIDDEL. 9ª Ed. São Paulo: Riddel, 2011.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. 3ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2009
RIOS, Andressa Silmara Alves Carvalho. Eutanásia: o direito de morrer com dignidade?. Direito público: constitucional, processo constitucional, administrativo, eleitoral, previdenciário, tributário / coordenadora Dayse Starling Lima Castro. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008.
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