RESUMO: Intenta o presente trabalho discorrer sobre a aplicação da multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil como instrumento coercitivo de imediato adimplemento no processo trabalhista a fim de assegurar uma tutela jurisdicional adequada e efetiva.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, mister ter claro que quando o Estado retira do indivíduo o poder de autotutela deve, em contrapartida, fornecer a jurisdição. E, seguindo o espírito da Constituição Federal de 1988, a jurisdição deve ser prestada de maneira satisfatória e isonômica.
E é nesse alamiré, acesso à justiça como prestação jurisdicional eficaz, que se tem debruçado com afinco a doutrina. A preocupação maior, hodiernamente, é senão a realização do Direito, e são constantes as reformas legais que pretender aproximar o Direito Processual de sua, em última instância, função instrumental.
Cabe aqui uma breve reflexão sobre o princípio do acesso à justiça, garantia constitucional da ação. Ainda que tenha o jurisdicionado o devido acesso, este se torna inócuo quando ineficiente o procedimento para satisfação de seus direitos.
Tal reflexão torna-se ainda mais importante tratando-se de ramo do direito de feição ideológica, que é a justiça do trabalho, a fim de garantir ao trabalhador o real acesso à justiça e, em via oblíqua, a melhoria de sua condição social.
Porém, no plano prático, uma das principais limitações na efetivação dos direitos trabalhistas encontra-se, com absoluta certeza, na fase de execução, demorada e inefetiva, pela qual o obreiro deve passar logo após o calvário da fase cognitiva.
Assim, inequívoca a afirmação de que o processo trabalhista carece urgentemente de instrumentos apropriados para a efetivação dos direitos sociais salvaguardados na Carta Magna.
Dessa maneira, torna-se crucial a discussão sobre a aplicação do artigo 475-J no procedimento trabalhista, de forma a analisar os aspectos sociológicos e jurídicos decorrentes de tal celeuma.
DA COMPATIBILIDADE DOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO COMUM E TRABALHISTA
O Código de Processo Civil em suas reformas instituiu o sincretismo processual, a fim de tornar dinâmico e célere o processo, de modo que procedimentos cognitivos, executivos e acautelatórios coexistem e interagem entre si de acordo com a necessidade de efetivação da tutela jurisdicional requerida. Assim, é conferido ao juiz instrumentos para que possa dar ao jurisdicionado o bem da vida postulado nas melhores condições possíveis e em tempo hábil, compreendendo, conforme já referido, quaisquer atos de natureza cognitiva, executiva ou cautelar, que garantam um processo de resultados.
No âmbito trabalhista é previsto a aplicação subsidiária do processo comum, como se depreende da leitura dos artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho. Sendo necessário, nos aludidos artigos, o preenchimentos de dois requisitos, quais sejam: lacuna da CLT e compatibilidade com a principiologia que rege o processo laboral. No caso de execução requer-se, ainda, atenção à Lei de Execuções Fiscais – Lei º. 6.830/80, que será analisada antes mesmo da aplicação do CPC.
No procedimento de execução na justiça do trabalho, uma vez requerida o juiz mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento pecuniário, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.
Quanto ao procedimento previsto no CPC, o juiz ordenará a expedição de mandado de intimação para pagamento em 15 (quinze) dias, sob pena de penhora e incidência da multa de 10% (dez por cento).
Portanto, pode-se afirmar que a partir de uma análise também estrutural os dois procedimentos seriam receptivos à aplicação de multa cuja incidência estaria condicionada ao não pagamento no prazo de quinze dias ou quarenta e oito horas, respectivamente.
Exime-se da aludida multa aquele que optar a cumprir a sentença que afirmou o débito e transitou em julgado no prazo assinalado pelos respectivos diplomas legais pertinentes.
De fato, o que falta ainda na dicção da regra processual trabalhista é um instrumento coercitivo, já que nele contemplam-se todas as medidas sub-rogatórias presentes, antes como agora, na norma processual civil.
Tanto é assim que se invoca aqui a alteração dada pela Lei 10.444/02 ao art. 287 do CPC, a qual permitiu a cominação de astreinte em antecipação de tutela, figura incidente também no processo do trabalho. Isso porque intenta-se, através da recepção da multa diária, compelir o devedor a cumprir sua prestação trabalhista, como enfatiza o próprio TST que “dentre os deveres do magistrado está o de conferir efetividade às suas decisões, sob o risco de, por inúmeras vezes, vê-las descumpridas. Tal procedimento, aliás, não pode ser considerado constritor do direito alheio, máxime quando amparado na legislação”.[1]
Assim, pode-se afirmar que o artigo 475-J é o protagonista da transformação civil processualista, a qual objetiva trazer uma nova feição à execução, a fim de buscar uma satisfação rápido do crédito e a consequente efetivação da prestação jurisdicional, dispondo:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.
PRINCÍPIOS PROCESSUAIS
Um dos argumentos contrários à aplicação do artigo 475-J do CPC no processo do trabalho é a incidência do princípio da especialidade, o qual prevê que havendo norma especial empregável ao caso, deve-se aplica-la em detrimento de qualquer outra.
Com efeito, legislação civilista ou processual civilista que vier a confrontar-se com os princípios constitucionais de repercussão no segmento trabalhista não poderá ser aproveitada, pois não será compatível, mantendo sua eficácia tão somente no diploma original.
Ocorre que, aliado a esse princípio temos o princípio da subsidiariedade do processo civil, o qual, consoante disposto no art. 889 da CLT, será aplicado nos casos de lacuna da CLT e de compatibilidade com a principiologia que rege o processo laboral, atentando-se, prefacialmente, à Lei de Execuções Fiscais.
Nesse diapasão, mister trazer à baila que a CLT surgiu trazendo um procedimento mais oralizado e sumário por excelência. E, considerando a importância de se proteger a celeridade e simplicidade, bem como trazer eficácia ao procedimento trabalhista, que necessário recorrer-se ao processo civil. Não foi à toa que este último passou por profundas reformas, adequando-se à atual realidade social e tornando mais efetivo o processo de execução, seguindo, assim, o espírito da Constituição Federal.
Assim, questiona-se porque não aplicar ao procedimento de execução trabalhista atual e importante instrumento de eficácia trazido pelo Código de Processo Civil? Repisa-se aqui que é dever do Estado prover ao jurisdicionado acesso eficaz à justiça, tendo, para isso, meios eficazes de satisfação do crédito trabalhista.
Há quem sustente que a aplicação de tal instrumento processual civilista implicaria no desrespeito ao princípio do devido processo legal. Justificam, para tanto, com o princípio da especialidade, aduzindo, em síntese, que o artigo 475-J seria norma alienígena, imperando o previsto no diploma específico e, consequentemente, respeitando o devido processo legal.
Ora, tal argumento torna-se redundante é por deveras preciosista. Ainda que não caiba ao operador de direito inovar na legislação, é necessário que esse, de maneira que sua atuação seja mínima, guiar-se aos princípios constitucionais. E vedar a aplicação do art. 475-J na execução trabalhista é, além de formar um processo sem efetividade, não respeitar o princípio norteador do Direito Processual Trabalhista: in dubio pro operário.
Além disso, tal artigo do CPC não se mostra contrário à nenhuma disposição da CLT e LEF, pelo contrário, mostra-se compatível com o processo trabalhista, bem como com os tempos atuais.
Expostos tais princípios, cabe ao aplicador de Direito invoca-los na sua função normativa a fim de que sejam resolvidos eventuais conflitos e impere a aplicação do art. 475-J.
DAS LACUNAS JURÍDICAS
As lacunas jurídicas, conforme leciona a Profª. Maria Helena Diniz, podem ser ontológicas, axiológicas e normativas, respectivamente quanto a problemas no fato, valor ou na norma. Assim, deve-se operar a integração da norma sempre que esta esteja em disparidade com os fatos (lacuna ontológica), se sua aplicação leve a injustiças (lacunas axiológica) ou na falta completa de norma (lacuna normativa).
E, a partir de simples leitura do art. 769 do diploma processual trabalhista, assim não poderia ser diferente. Veja, in verbis:
“Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
Ademais, o sistema jurídico assegura isonomia real, ou seja, tratar desigualmente os desiguais; e, vetando a aplicação do art. 475-J estar-se-ia dando maior efetividade, no sistema processual, ao demandante civil que ao demandante obreiro hipossuficiente.
Outrossim, a possibilidade de adoção do processo comum no caso de regulamentação concorrente é adotada pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, conforme se depreende da edição da súmula 303 deste mesmo Tribunal, vez que estende os dispositivos do art. 475, §§2º e 3º do CPC ao processo do trabalho, ainda que haja regulamentação específica sobre a matéria (Dec.-Lei nº. 779/69.
Destarte, necessário não aliar-se ao comodismo de declarar a falta de omissão da CLT em fornecer meios eficazes de execução e sugerir edição de lei que estenda o benefício ao processo do trabalho. Está-se diante de direitos materiais plenamente compatíveis, pois cada um busca a satisfação de um crédito; e, não dispor aos procedimentos mesmas ferramentas é, no mínimo, sustentar a falência de um deles.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, é necessário que o aplicador do direito assuma compromisso com os direitos fundamentais, de forma que se invista da ideologia constitucional de concretização dos direitos sociais e utilize-se de instrumentos jurídicos da melhor maneira possível, de modo a garantir o espírito protetor que emana da seara trabalhista.
Nessa rota, imperativa a aplicação da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil ao processo do trabalho, vez que se trata, além de todo o referido, instrumento de efetivação dos direitos e garantias fundamentais inerente a qualquer Estado Democrático de Direito.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008.
CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Civil: Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007.
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MILBRATH, Camila de Azambuja. Aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC no processo trabalhista - aspectos doutrinários e jurisprudenciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 set 2011, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25628/aplicacao-da-multa-prevista-no-art-475-j-do-cpc-no-processo-trabalhista-aspectos-doutrinarios-e-jurisprudenciais. Acesso em: 22 nov 2024.
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