Resumo
O acesso à justiça não é exclusivamente um direito social essencial, crescentemente reconhecido; ele é, fundamental, o alvo principal da atual processualística. O acesso à justiça faculta, portanto, ser enfrentado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. Este artigo registrará a "não-idéia" de justiça em Hans Kelsen, entendendo a palavra idéia em um contexto de uma teoria completa e absoluta de justiça, é dizer, um ideal de justiça. Kelsen se bate longamente em seus escritos sobre a justiça, em especial no "Problema da Justiça", por desconstruir qualquer fórmula mágica que pudesse responder a tal pergunta, a ponto de afirmar que todas as propostas teóricas de justiça, pelo menos as mais antigas, são completamente vazias de conteúdo.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça, acesso, problema, direito.
1 INTRODUÇÃO
Há valores ou padrões morais, sedimentados pela ciência ética, que Kelsen preza como caminhos de justiça ou um sentimento do justo. Contudo, segundo Kelsen, impossível é se afirmar um valor absoluto, uma idéia de justiça harmônica, uniforme e universal. Impossível generalizar-se uma idéia de justo, tanto na lide do conhecimento racional como no campo do sensível. Não existe para Kelsen o consenso absoluto do justo e, ainda que se admitisse um ideal universal, não nós é dado conhecê-lo. O que há é o entendimento/sentimento do justo para cada qual, talvez com uma maior ou menor possibilidade de ampliação e harmonização.
Kelsen vem discutir, com mais vagar, a tese da inexistência de um valor absoluto do justo. Diz respeito à sempre polêmica relação entre Direito e Moral. Desenvolve a crítica sobre inúmeros modelos de justiça, cada qual com a sua fórmula de solução. Merecem destaque suas contestações em face da regra de ouro, do imperativo categórico kantiano, do meio-termo aristotélico, do princípio retributivo, além dos princípios da justiça comunista. Vale ressaltar, ainda, o paralelo que faz entre as idéias de justiça de Platão e Jesus Cristo, a ponto de tratar o tema como um "mistério da fé", como "Ilusão de Justiça", [01] numa linha muito bem revelada pela Encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II. O problema continua quando se depara com os ideais de justiça conformados pelo jusnaturalismo. Ele enfrenta arduamente o debate, ferrenho defensor de sua lógica positiva, para afirmar que o direito natural não resolve o problema, não convence como justiça absoluta, inalcançável pela nossa razão, traduzindo quase um território místico. Para ele o sentido de justiça é tão-só um senso do justo sem qualquer intuito de universalização.
2 QUANTO AO ACESSO Á JUSTIÇA
Inicialmente, três ondas foram vistas como as mais básicas no sentido da efetividade do acesso à justiça: a primeira intenta frustrar o obstáculo econômico na fruição dos direitos humanos, o que se viabiliza pela assistência judiciária gratuita para os de baixa renda. A segunda tem por finalidade combater o obstáculo organizacional, possibilitando a defesa de interesses de grupo, difusos ou coletivos, através das ações populares ou coletivas; e a terceira onda objetiva combater o obstáculo processual de acesso à justiça, mediante a expansão e reconhecimento dos direitos humanos, por todos os meios que reduzam o congestionamento crônico dos sistemas judiciários internos da maioria dos Estados.
Conforme Mauro Cappelletti:
“O direito de acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. (...) O acesso à justiça não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica”.
O direito ao acesso à justiça está configurado como essencial nas constituições político-jurídicas dos Estados Democráticos de Direito. As pessoas necessitadas, que provem a falta de recursos, tem uma Defensoria Pública habilitada a atender, gratuita e amplamente, o acesso à justiça e ao Judiciário.
3 QUANTO AO PROBLEMA NA JUSTIÇA
Se, no problema da justiça, partimos de um ponto de vista racional-científico, não-metafísico, e reconhecermos que há muitos ideais de justiça diferentes uns dos outros e contraditórios entre si, nenhum dos quais exclui a possibilidade de um outro, então nos será lícito conferir uma validade relativa aos valores de justiça constituídos através destes ideais.
A regra de justiça do tipo metafísico se oferece como um interesse fundamental, além de todo o conhecimento humano experimental. Sob a perspectiva subjetiva da crença estamos diante de um ideal absoluto, como diria Kelsen:
O homem deve acreditar na justiça que eles constituem – tal como acredita na existência da instância de que eles procedem, mas não pode compreender racionalmente essa justiça. O ideal desta justiça é, como a instância da qual ela provém, absoluto: de conformidade com o seu próprio sentido imanente, exclui a possibilidade de qualquer outro ideal de justiça.
4 MÁRIO G. LOSANO E SUAS CRÍTICAS
Introdutor de Kelsen na edição italiana de "O problema da Justiça", sua crítica pode ser resumida da seguinte forma: "a pureza realmente é uma virtude recomendável e o asceta que a pratica é digno de todo nosso respeito; mas uma sociedade de ascetas estaria condenada à extinção". A primeira crítica vincula-se ao ideal formador da estrutura normativa kelseniana. Na segunda crítica, Losano afirma, na outra ponta do edifício normativo kelseniano, a exigência da eficácia para a validade da norma jurídica.
Segundo Losano, nos extremos da teoria pura do direito, Kelsen acha obstáculos para explicar a pureza do seu método científico. E ao fazer referência a justiça, ao ideal de justiça, a primeira crítica mencionada acima coloca Kelsen na fatalidade da escolha de um valor de justiça. Para Losano, a teoria pura do direito, associada com o ascetismo kelseniano em relação a justiça, originária do relativismo axiológico, em determinado momento, perde até mesmo sua força descritiva.
5 CONCLUSÃO
A não-idéia de Hans Kelsen quanto à justiça esta relacionada com a teoria pura do direito. Existe, na realidade, uma radicalização quanto à inexistência de um valor absoluto, pelo menos inalcançável pelo entendimento racional. Dessa forma pude constar que é uma justiça platônica, idealizada sem razão verídica, ou teológica.
Hans Kelsen, ainda que motivado essencialmente por seu espírito científico, nos deixa um caminho a seguir, qual seja: a justiça da liberdade, da paz, da democracia e, em especial, da tolerância. Talvez não haja, de fato, uma resposta absoluta para a justiça, mas há verdadeiramente um caminho a seguir.
REFERÊNCIAS
KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo. Martins Fontes, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução; Ellen Gracie Northfleert. Porto Alegre. Fabris, 1988.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo. Martins Fontes, 1994.
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