RESUMO
O presente estudo aborda os fundamentos conceituais da Lei Maria da Penha, além da importância da interpretação sistemática dos diferentes dispositivos da legislação nacional e internacional, conjugados com as circunstâncias concretas, topicamente, quando da sua aplicação. Afirma a natureza política da violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher enquanto violência de gênero; e a Lei como um instrumento para promoção de Direitos Humanos, mais especificamente os das mulheres como sujeitos de direito. Para isto, expõe os objetivos centrais do Estado Democrático de Direito, entre eles o da promoção da igualdade, por meio de Ações Afirmativas, medidas políticas ou legais que visam minimizar desigualdades de fato historicamente construídas. Além disso, o estudo aprecia o processo de construção do conceito de gênero, e os conceitos dele decorrentes. Por fim, apresentará os fundamentos hermenêuticos que devem ser utilizados no tratamento dos casos de violência de gênero, tais quais a interpretação sistemática, a teoria tridimensional do Direito e a utilização de postulados normativos para dirimir antinomias entre regras. Realizada esta etapa, demonstra, ainda, as dificuldades para aplicação desta norma, devido à incompreensão de seus fundamentos em alguns níveis do Poder Judiciário. Para tanto, faz a análise de casos extraídos de diversos Tribunais do país, com o intuito de verificar quais as motivações das decisões relativas à violência de gênero. O objetivo é averiguar se os instrumentos hermenêuticos entendidos como necessários para a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos concretos estão sendo utilizados, e, em caso positivo, se seu uso está de acordo com os fundamentos conceituais e teóricos da Lei.
Os resultados obtidos levam à conclusão de que ainda há o desconhecimento de fundamentos relevantes sobre a violência de gênero, da necessidade da mudança de panorama por meio de Ações Afirmativas interdisciplinares que requerem uma articulação complexa do sistema jurídico, apesar de não se encontrarem questionamentos sobre sua constitucionalidade. Além disto, notou-se a ausência de contemplação dos fatores históricos relevantes nos casos envolvendo violência de gênero, sendo as motivações das decisões reduzidas a questões formais sobre o que está ou não escrito na Lei, desconsiderando a interpretação sistemática como condição de realização dos objetivos constitucionais.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Violência Contra a Mulher, Violência de Gênero, Lei Maria da Penha, Princípio da Igualdade, Direito Constitucional, Hermenêutica
ABSTRACT
The present study addresses the conceptual foundations of the Maria da Penha Law, and the importance of systematic interpretation of various provisions of national and international legislation, combined with the actual circumstances, topically, when it was established. Essays the political nature of domestic violence and intrafamilial violence against women as gender and the Law as an instrument for promoting human rights, specifically women as subjects of law. For this, exposes the central objectives of a democratic state, including the promotion of equality through Affirmative Action policies and legal measures aimed at minimizing inequalities in fact historically constructed. In addition, the study assesses the process of building the concept of gender, and concepts arising from it. Finally, present the hermeneutic foundations that must be used to treat cases of gender violence, such that the systematic interpretation, the three-dimensional theory of law and the use of normative postulates to resolve contradictions between rules. Performed this step, also shows the difficulties in applying this standard, due to misunderstanding of its foundations in some levels of the judiciary. To accomplish the review of cases found in different courts of the country, in order to see what the motivations of decisions relating to gender violence. The goal is to ascertain whether understood as hermeneutical tools necessary for the application of Maria da Penha law in concrete cases are being used and, if so, whether their use is consistent with the theoretical and conceptual foundations of the Law.
The results lead to the conclusion that there is still the lack of fundamentals relevant to gender violence, the need for change of scene through Affirmative Action requiring an interdisciplinary complex articulation of the legal system, although they are not questions about their constitutionality. Furthermore, it was noted the lack of contemplation of the historical factors relevant in cases involving gender-based violence, and the motivations of small issues formal decisions about what is or is not written in the law, disregarding the systematic interpretation as a condition for achieving the constitutional goals.
Keywords: Human Rights, Violence Against Women, Gender Violence, Maria da Penha’s Law, Principle of Equality, Constitucional Rights, Hermeneutics
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO LEGAL DA MULHER NA ATUALIDADE; 2.1 EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ESTADO DESDE O ESTADO LIBERAL; 2.1.1 Estado Liberal Clássico; 2.1.2 O Estado Liberal Social; 2.1.3 O Estado Liberal Social Democrático de Direito; 2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE, A LEGITIMAÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS; 2.2.1 A Igualdade no Estado Democrático de Direito; 2.2.2 Ações Afirmativas para promoção da igualdade; 3 A LEI MARIA DA PENHA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DE IGUALDADE; 3.1 A LEI E SEUS FUNDAMENTOS CONCEITUAIS: COMPREENDENDO O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER; 3.1.1 Gênero: a construção cultural de sexo; 3.1.2 A construção histórico-cultural do gênero e violência de gênero; 3.1.3 Lei Maria da Penha: Ação Afirmativa para combater a violência de gênero; 4 REFLEXÕES SOBRE OBSTÁCULOS CONCEITUAIS E HERMENÊUTICOS PARA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA; 4.1 REQUISITOS HERMENÊUTICOS NECESSÁRIOS À CORRETA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS DE PROMOÇÃO DE DIREITOS; 4.1.1 A interpretação sistemática do ordenamento jurídico; 4.1.2 A antinomia entre princípios e sua resolução; 4.1.3 Postulados normativos, estruturação da interpretação do Direito; 4.2 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA; 4.2.1 Delineamento da pesquisa; 4.2.2 Resultados obtidos; 4.2.2.1 A constitucionalidade da Lei Maria da Penha; 4.2.2.2 Aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95; 4.2.2.3 Aplicação da Lei 9.099/95 quando a violência de gênero é tipificada como contravenção penal; 4.2.2.4 A proporcionalidade da proteção conferida pela Lei Maria da Penha; 4.2.2.5 Aplicação da Lei Maria da Penha em casos de violência sem motivação de gênero; 4.2.2.6 Não aplicação da lei Maria da Penha em caso de violência de gênero; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
No presente estudo se abordará a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha – LMP, sua justificativa histórica e política e sua característica de Ação Afirmativa, bem como os conceitos que a permeiam e a legitimam.
A Lei Maria da Penha surgiu a partir de recomendações de diversos órgãos e mecanismos internacionais ao Estado brasileiro, signatário da Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar A Violência Contra A Mulher, a Convenção de Belém do Pará, como a formulada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no Relatório do Caso 054 de 2001. Tal relatório é conclusivo do Caso Maria da Penha Fernandes contra o Brasil, devido às falhas no processamento e ausência de punição do agressor da farmacêutica que dá nome à Lei, seu ex-marido.
Esta norma, em consonância com a Convenção da qual o país é signatário, prevê proteção especial às mulheres vítimas de violência doméstica e intrafamiliar definida como violência de gênero, e determinando a criação de políticas públicas para a erradicação desta prática que já foi considerada pela Organização Mundial da Saúde como um problema de saúde pública.
Diante disso, como garantir que a Lei venha a ser interpretada sistemática e teleologicamente, a partir da normativa internacional e nacional, Convenções específicas de Direitos Humanos e a Carta Magna com sua concepção de Justiça, seus princípios, objetivos e valores?
Neste trabalho será abordada a evolução das figuras de Estado Liberal de Direito, desde sua forma clássica, surgida das revoluções burguesas do Século XVII, até a atual forma Democrática de Direito, proveniente das mudanças ocorridas pós Segunda Grande Guerra, posteriormente à superação dos estados totalitários em parte da Europa e América do Sul.
Trataremos, também, do princípio da igualdade, suas formas material e formal, a diferença entre elas e sua forma de aplicação, a ainda sua virtude legitimadora das Ações Afirmativas, posteriormente explicadas.
Será apresentada a construção histórica e cultural do conceito de gênero, bem como sua perpetuação na forma de prática de atos violentos contra as mulheres, como forma de manutenção de relações desiguais de poder na sociedade, caracterizando uma violência política. Será defendida a forma de interpretação sistemática da Lei, tendo em vista os objetivos constitucionais do Estado Brasileiro, bem como uma breve análise de alguns casos extraídos do Judiciário brasileiro.
Acredita-se que haja, em diversos níveis do Judiciário, o erro na interpretação e, conseqüentemente, na aplicação da Lei Maria da Penha, como ferramenta contra a violência doméstica, pratica esta culturalmente difundida e socialmente aceita. Com este erro, incorre-se na banalização do texto legal, abrangendo ou distorcendo seu alcance aos sujeitos de Direito para quem esta Lei, em específico, não deve ser dirigida, ou não alcançando a proteção específica que a Lei, como Ação Afirmativa, dirige aos sujeitos de direito que fazem jus.
Para que seja possível construir o entendimento da concepção de igualdade hoje vigente, e por que a intervenção estatal é legitimada, se fará necessária uma retrospectiva histórica dos modelos de Estado, desde o Liberal clássico, ao Social e ao Democrático de Direito, onde surgiram os ideais balizadores das Ações Afirmativas de proteção dos sujeitos de direito.
A Revolução Francesa, em 1789, foi uma das determinantes para o advento do que conhecemos hoje como Estado Liberal.
Após esta Revolução, o Estado no modelo liberal foi institucionalizado, em sua forma clássica, materializando as novas relações econômicas e sociais do fim do Século XVIII, de um lado burguesia capitalista e do outro, em oposição, realeza e nobreza[1].
Foi neste modelo de Estado em que se viu nascerem, também, as primeiras garantias individuais, movidas pelos anseios da burguesia em ascensão, que não possuía posição política na sociedade pré-revolucionária.
Esta burguesia queria tomar o poder político das mãos da aristocracia, legitimando sua própria existência em uma base legal-racional embasada em uma “Constituição”, um “contrato social”, na forma do acordo social e político que suporta o Estado[2].
Os reais anseios da burguesia francesa, por trás dos românticos ideários de “igualdade, fraternidade e liberdade”, poderiam ser traduzidos como a liberdade para o comércio, expansão de seus negócios e obtenção de maiores lucros, igualdade jurídica relativamente à realeza e à aristocracia e o apoio dos camponeses e do proletariado com sua causa, a fim de que estes lutassem em favor da revolução[3].
Na visão revolucionária, o Estado, representado na figura do Monarca, como uma pessoa e não uma instituição, não poderia intervir nas relações individuais. Neste sentido, Bonavides afirma que “na doutrina do Liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o individuo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como o maior inimigo da liberdade.”[4]
Defendendo a liberdade individual (a doutrina do Liberalismo), a burguesia tentava legitimar a não intervenção estatal nas relações privadas, pois, segundo ela, sendo as pessoas livres para perseguirem seus objetivos como bem lhes aprouvesse atingir-se-ia o bem comum[5].
Nas palavras de Macridis, Liberalismo é “uma ética individualista pura e simples que se expressa, num primeiro momento, em termos de direitos naturais e, posteriormente, numa psicologia que considera os interesses materiais e sua satisfação como importantes na motivação do indivíduo.”[6]
Devido à forte influência da opressão estatal vivida no período pré-revolução, no Estado liberal clássico, os direitos fundamentais possuem, “tão somente, a tarefa de proteger o homem [sic] do Estado, salvaguardando um espaço inexpugnável de autonomia individual”[7].
Para Streck e Morais:
“O aspecto central [do Estado Liberal clássico] era o indivíduo e suas iniciativas. A atividade estatal, quando se dá, recobre um espectro reduzido e previamente reconhecido. Suas tarefas circunscrevem-se à manutenção da ordem e segurança, zelando que as disputas porventura surgidas sejam resolvidas pelo juízo imparcial sem recurso a força privada, além de proteger as liberdades civis e a liberdade pessoal e assegurar a liberdade econômica dos indivíduos exercitada no âmbito do mercado capitalista.”[8]
Coroando as aspirações burguesas, fundadas principalmente na busca pela igualdade de tratamento face à aristocracia e realeza, foi editada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, no dia 26 de agosto de 1789, e nela, em seu Artigo Primeiro, insculpiu-se o Princípio da Igualdade, em sua forma primordial clássica, que determina: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a utilidade comum”[9].
O Estado Liberal, em sua primeira concepção, primava por certas características, em sua estrutura teórica, que empolgaram o povo e suas revoluções, tais quais, soberania nacional por meio da democracia representativa, constitucionalismo limitando o poder do Estado e proporcionando segurança jurídica, tripartição dos poderes, com obrigações e direitos recíprocos e independentes entre si, clara distinção entre direitos público e privado, laicização do Estado, liberdade dos cidadãos quanto a não serem forçados a fazer ou deixar de fazer algo com o qual não concordam e que a Lei não obriga e igualdade jurídica entre as pessoas, sem qualquer diferenciação[10].
Porém, tais características não correspondiam à realidade, uma vez que os idealizadores deste novo Estado estavam de tal forma embebidos em seus devaneios de igualdade que ignoraram a nova era que se inaugurava no mundo com a Revolução Industrial, que modificaria profundamente as sociedades e faria surgir problemas até então desconhecidos por todos[11].
Neste cenário, o da Revolução Industrial, surgiu um novo indivíduo, o operário de fábrica, cuja reposição se tornara barata ou até mesmo desnecessária em caso de introdução de novos maquinários no mercado. Com ele, sua mulher, que deixava as tarefas domésticas para também trabalhar nos chãos de fábrica para, com sorte, adicionando seus ganhos com os do marido, conseguir sustentar a casa. E ainda neste contexto, temos as crianças do proletariado, impedidas de estudar e atiradas ao labor precoce e descabido[12].
De outro lado, se via o acúmulo da riqueza na mão dos burgueses (aqueles mesmos, os mentores da “revolução liberal”)[13], que, assim como na Revolução Liberal, usavam a mão de obra barata dos “peões” para aumentar seu luxo e abastança.
Em meio a esta realidade, e ainda adstrito aos ideais revolucionários, “o Estado Liberal a tudo assiste de braços cruzados, limitando-se a policiar a ordem pública. É [apenas] o Estado-Polícia.”[14]
Bobbio assevera que “o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto à suas funções”[15]. Esta nova concepção da sociedade não poderia perdurar, e não tardaram a ocorrer as manifestações de insatisfação da antiga plebe, agora proletariado.
A massa clamava por mudanças, pois se via acuada na pior posição possível dentro da sociedade, do obreiro assalariado que não possuía qualquer influência na economia ou na política do Estado.
Um dos principais motivos por essas reivindicações foi a igualdade. Porém, não por que se pensava não haver igualdade, mas sim por que a dita “igualdade” traduzia seu significado para a realidade. Da mesma forma, o conceito de “liberdade” não era fielmente reproduzido no contexto político e social vivenciado durante este período.
Para Maluf, “eram anti-humanos os conceitos liberais de igualdade e liberdade. Era como se o Estado reunisse num vasto anfiteatro lobos e cordeiros, declarando-os livres e iguais perante a lei, e propondo-se a dirigir a luta como árbitro, completamente neutro.”[16]
Iniciavam-se, então, diversos movimentos revolucionários, alguns mais outros menos violentos, mas todos com um objetivo em comum: mudar o paradigma Estatal.
Assim, o Estado liberal se viu encurralado, ou se reformulava ou perecia. Onde este atuou com menos veemência a transformação se deu com revoluções violentas, onde se mostrou forte, a mudança se deu de forma pacífica, com a evolução para um formato social-democrático dirigida por meio de reformas constitucionais e legislativas.[17]
Foi das revoluções que nasceu a mudança no modelo Estatal estabelecido após a revolução francesa, o Estado deixa de ser Liberal em sua forma clássica para tomar forma social, ainda imbuído dos princípios liberais.
“A partir de meados do século XIX percebe-se uma mudança de rumos e de conteúdos do Estado Liberal, quando este passa a assumir tarefas positivas, prestações públicas, a serem asseguradas ao cidadão como direitos peculiares à cidadania, ou a agir como ator privilegiado do jogo socioeconômico.”[18]
O início da mudança foi influenciado pela doutrina socialista, inaugurada no campo literário no século XVIII, alcançando seu ápice com o “Manifesto Comunista” de Friederich Engels e Karl Marx, publicado em 1848.[19]
Os ideais de Marx e Engels se espalharam rapidamente. O Estado Liberal se tornou impotente para resolver os conflitos entre proletariado e elite, pois consumido por erros doutrinários e incapacidade de superação das realidades sociais.[20]
Marx e Engels, os socialistas de século XIX, viram que não se poderia acabar com a supremacia burguesa pacificamente, por meio de política e escrutínios.[21]
O discurso de Marx e Engels coloca a classe trabalhadora em constante conflito com a burguesia:
“Homem [sic] livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, membro de corporação e ofícial-artesão, em síntese, opressores e oprimidos estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta, que a cada vez terminava com uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com a derrocada comum das classes em luta.”[22]
Mas o Manifesto não se restringia apenas à nova sociedade advinda da Revolução Industrial, indicando que durante toda a história houve o antagonismo de classes, com uma estruturação multifacetada e subdividida, desde Roma com patrícios, cavaleiros e plebeus, até o feudalismo com senhores feudais, vassalos, membros de corporação, artesãos e servos.[23]
A racionalização do comunismo não se restringe apenas a compreender e expor a estrutura social a que a história sempre esteve submetida, colocando em evidência a facilitação da propagação dos meios de produção, que por sua vez, facilitavam a baixa dos preços das mercadorias oferecidas pelos mercados capitalistas; além de salientar o êxodo rural causado pela nova sociedade, tirando o trabalhador do campo e colocando-o no chão da fábrica.[24]
“O marxismo se constrói em meio à aguda crise que separa o trabalho do capital, quando o capitalismo acreditava cegamente no liberalismo, que o favorecia, legitimava-lhe as pretensões iníquas e acalmava a consciência de seus agentes, no mesmo passo que a classe operária dispunha da violência como sua única arma de defesa.”[25]
Marx invocava o proletariado a pegar em armas e se rebelar ante a burguesia, fazendo apologia à tomada à força do poder, tendo como sua maior arma a acusação às deturpações hipócritas burguesas dissecada n’O Manifesto. À ferro e fogo deveria ser destruída a elite. Marx assim entendia, pois, segundo ele mesmo, na Historia, todos os métodos de diplomacia anteriormente adotados não surtiam efeito.[26]
Ainda segundo o autor:
“A adesão de Marx à violência acha-se, pois, historicamente legitimada, e é porventura duvidoso afirmar que sem o apelo à crise social houvéssemos jamais chegado às concessões feitas, a esse fecundo amadurecimento de consciência, que leva o mundo contemporâneo a tutelar, como verdade indestrutível, alguns postulados de justiça social.”[27]
Foi partindo desta premissa que o proletariado tomou o poder em alguns pontos da Europa, por meio de luta armada. Porém, o que se viu, principalmente na Rússia, com Lênin e Trotsky[28] foi a criação de ditaduras dos partidos comunistas, mas transformando o Estado em tutelador de necessidades sociais. Assim ocorre a transição do modelo de Estado da sociedade, reformulando o modelo liberal para dar ênfase ao social, conforme afirma Bonavides:
“Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influencia a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social.”[29]
Este novo Estado, desprendendo-se do controle oligárquico, com enfraquecimento da burguesia gradativamente, passa a ser o estado de todas as classes, o Estado que concilia conflitos de interesses e se torna o equilíbrio entre o proletariado e a elite[30].
Para Streck e Morais, as causas para a transformação do Estado mínimo são: as consequências trazidas pela proletarização e urbanização surgidas da Revolução Industrial, a Primeira Grande Guerra e demonstrando a necessidade de armamento e controle estatal, a crise americana de 1929 seguida da Grande Depressão trazendo a necessidade de intervenção estatal na economia, a Segunda Grande Guerra e a absorção estatal dos excessos e erros da industrialização bélica, as crises cíclicas econômicas que evidenciavam a delicada situação criada pelos monopólios e desigualdades sociais, as ideias dos movimentos sociais de que a livre concorrência não seria compatível com os interesses sociais e os governos totalitários como o comunismo na União Soviética, o fascismo na Itália e o Nazismo na Alemanha.[31]
No Estado Liberal Social, “o bem-estar e o desenvolvimento social pautam as ações do ente público”[32]. Segundo Sarmento “os direitos fundamentais, mesmo aqueles de matriz liberal, deixam de ser apenas limites para o Estado, convertendo-se em norte da sua atuação.”[33]
Na visão de Bonavides, fazendo-se um cotejo entre Estado Liberal e Estado Social, podemos afimar:
“Naquele [Estado Liberal] os valores fundamentais - vida, liberdade e propriedade - gravitavam, segundo Schambeck e Huber, no centro da ordem jurídica, ao passo que com o advento do Estado social os novos valores fundamentais produzidos pela sociedade industrial abrangem o pleno emprego, a segurança existencial e a conservação da força de trabalho. [...] Ontem o Estado ameaçava os valores dominantes. Hoje esses valores dominantes são outros; a ameaça que sobre eles pesa já não procede mais do Estado, mas da Sociedade e das suas estruturas injustas.”[34]
Neste novo Estado, os princípios sociais e garantias fundamentais se tornam bases do Direito e ditam a atuação do Estado, deixando este de ser espectador privilegiado do embate entre interesses para intervir na vida da sociedade.
Mas no pós-guerra, Estados foram readaptados, em especial na Turquia, Polônia, Portugal, Brasil e Argentina, no momento conturbado vivido e com nuances entre uns e outros, mas todos com grande influência do fascismo, do qual beberam as principais linhas doutrinárias que os respaldaram[35].
Assim, temos o Estado que atua na sociedade, seguindo princípios de proteção dos cidadãos, concede benefícios, atua socialmente, confere voz aos hipossuficientes, mas não permite ser questionado, restringe liberdades, um dos pilares do ideal Liberal.
O Estado Liberal Social inaugura a era dos direitos sociais e da atuação positiva estatal nos diversos ramos onde antes a regulação era particular, devido às benesses alcançadas com a Revolução Francesa e com o ideal de liberdade insculpido na matriz do pensamento Liberal.
Porém, para Streck e Morais:
“O conteúdo social adrede ao Estado não abre perspectiva a que se concretize uma cabal reformulação dos poderes vigentes à época do modelo clássico. [...] A questão da igualdade não obtém solução, embora sobrepuje a percepção meramente formal. [...] É por essas, entre outras, razoes que se desenvolve um novo conceito, na tentativa de conjugar o ideal democrático do Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo”.[36]
O conteúdo legal do Estado assume um papel de busca pela concretização da igualdade, deixando para trás seu enfoque genérico de comandos normativos, para buscar, por meio destes, realizar intervenções modificadoras da realidade[37].
Os princípios do Estado Democrático de Direito passam a ser a Constitucionalidade, a organização democrática da sociedade, reconhecimento de direitos individuais e coletivos, seja como Estado distante garantindo autonomia perante os poderes públicos, seja como Estado interventor, respeitador da dignidade da pessoa humana e garantidor de liberdade, justiça e solidariedade, a criação de mecanismos corretivos das desigualdades, o trespasse do conceito de igualdade apenas no campo formal, a divisão de Poderes e Funções, a Legalidade como medida de Direito e a segurança e certezas jurídicas; estes três últimos sendo resquícios do ideal clássico liberal[38].
Destarte, o novo paradigma trazido pelo Estado Liberal Democrático de Direito é o da inserção das mudanças e conquistas trazidas por seus dois antecessores, o Liberal Clássico e o Liberal Social, como a liberdade, a igualdade (tanto formal, quanto material), os direitos sociais, coletivos e difusos, e tornar, dogmaticamente falando, a razão de existência do Estado.
O Estado não é mais mínimo, intervindo apenas quando não há consenso entre os particulares. O Estado também não é mais o pai severo, que provê direitos e garantias, mas é totalitário e censura os cidadãos. O Estado Liberal, na sua forma Democrática de Direito agora é atuante, é garantidor, é protetor das liberdades, promove a igualdade e o bem-estar social.
O Estado, agora, não possui papel meramente sancionador, como em sua forma clássica, da mesma forma que não se restringe também à promoção de direitos, mas sim na educação de todos para garantia de direitos. O Estado não se adapta às novas realidades, ele se reestrutura. Deixa de pensar apenas no indivíduo ou no grupo, para considerar a comunidade, e os grupos de indivíduos que a compõem[39].
Vivemos, atualmente, no Estado Democrático de Direito, que foi descrito no item anterior, caracterizado pela constitucionalidade e legalidade, bem como pela proteção da liberdade e promoção da igualdade, esta última, conforme Bonavides afirma, é a espinha dorsal de todos os direitos e de sua ordem jurídica, já no Estado Social[40].
Além disto, o Estado possui uma ferramenta para a promoção da igualdade, qual seja, a Ação Afirmativa, legitimada e somente possível na função promocional deste Estado, o Democrático de Direito.
No entendimento de Canotilho, a igualdade na sua forma liberal clássica, formal, prega que os seres humanos nascem e vivem em iguais em direitos, motivo pelo qual se considera este princípio como pressuposto para a liberdade individual de todos os sujeitos de uma sociedade. A igualdade se torna, neste caso, inseparável da própria liberdade.[41]
Por isso, na nova forma democrática, o Estado não pode apenas aceitar que todos os indivíduos nascem e são iguais entre si, faticamente falando, por isso, afirma Leibholz, “já não se trata em rigor, de uma igualdade 'perante' a lei, mas de uma igualdade 'feita' pela lei, de uma igualdade 'através' da lei”[42]. Faz-se necessária a delineação dos contornos da igualdade em sua forma material, sem que isto importe uma menor relevância da igualdade formal.
Nasce, com o novo modelo de estado, o novo conceito de igualdade, deixando pra trás o modelo de igualdade formal, onde todos são iguais perante a lei e apena isso, partindo-se da premissa da humanidade “robótica”, “padronizada” e “única”, para adotar-se o modelo da igualdade material, onde a lei obriga o Estado a prover meios para que aqueles que não possuem a igualdade de condições as consigam atingir, seja pela Lei, seja por intervenções e políticas públicas.
Conforme Pernthaler, “pelo principio da igualdade material entende-se que o Estado se obriga mediante intervenções de retificação na ordem social a remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais”.[43]
Winkler aduz que “os direitos fundamentais do Estado social, deixando de ser unicamente limites, se convertem em valores diretivos para a administração e legislação”.[44]
Para Bonavides, “a igualdade material faz livres aqueles que a liberdade do Estado de Direito da burguesia fizera paradoxalmente súditos.”[45]
Moraes afirma que “o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça.”[46]
Na visão de Canotilho, no princípio da igualdade não há proibição de tratamento desigual pela lei, mas pelo arbítrio, in verbis:
“O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer que sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação: ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do artigo 13º [da Constituição da República Portuguesa].”[47]
O princípio da igualdade formal possui finalidade limitadora tríplice, ao legislador, ao judiciário e ao particular. O legislador não poderá fazer diferenciações infundadas quando da edição de normas sob pena de flagrante ato de inconstitucionalidade. O juiz/intérprete não poderá fazer aplicação da lei com o fim de aumentar desigualdades arbitrárias. Por fim, ao particular é vedado o uso de condutas preconceituosas ou discriminatórias em geral, estando sujeito a sanções civis e penais[48].
A igualdade material se formulou a partir da igualdade formal por força das desigualdades econômicas advindas das Revoluções Industriais somadas à permissividade do modelo liberal clássico de Estado. Não que inexistissem desigualdades de outros prismas, tais quais políticas e culturais, mas a identificação das disparidades de condições neste contexto foi determinante para a mudança de entendimento do que deve ser a igualdade, e como a promover.
Em outras palavras, concluímos que a igualdade formal serviu para desmascarar a si mesma, pois colocando os desiguais em condições em igualdade de direitos, revelou a verdadeira situação dos menos favorecidos; oprimidos em face de suas deficiências que deveriam ser anuladas por alguém mais forte até mesmo do que seus opressores, o Estado.
Elucidando o ponto, salienta-se que as desigualdades são criações sociais que põem em status de inferioridade certo grupo, ou grupos, de indivíduos em relação a outro, ou outros. As desigualdades são produto das diferenças, estas sendo biológicas ou culturais, não resultam qualquer presunção de superioridade/inferioridade de uns em relação a outros[49].
Exatamente por isto, “as diferenças devem ser respeitadas ou protegidas conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural” enquanto que deve-se procurar a erradicação das desigualdades, por força do princípio da isonomia[50].
Para Piovesan, “ao lado do direito à igualdade, surge, também, como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial.”[51] E afirma ainda:
“Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção da igualdade: a) a igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei” (que, ao seu tempo, foi crucial para abolição de privilégios); b) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério sócio-econômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).”[52]
A divisão feita por Piovesan ilustra, de certa forma, como deve ser aplicado o princípio da igualdade:
Se dois (ou mais) indivíduos estão inseridos em um contexto de igualdade de condições (sociais, econômicas, culturais e/ou políticos), não há que se falar em igualdade material (pois a mesma já existe nas condições), aplicando-se, então a lei sem distinção.
Agora, se dois (ou mais) indivíduos estão inseridos em contextos sociais, econômicos e/ou políticos diferentes, onde haja superioridade fática, o princípio da igualdade material deve igualar os indivíduos em condições, para só então se aplicar a igualdade formal.
Não apenas com aplicação da Lei quando provocado é que o Estado aplica o princípio da igualdade material. Na nova concepção democrática, é dever do Estado atuar para que a igualdade seja atingida pelos materialmente desiguais.
Não há discriminação nas diferenciações normativas quando há justificativas razoáveis para tanto, desde que conforme critérios valorativos aceitos e com aplicação em relação à finalidade para a norma considerada. Deve sempre, contudo, estar presente a relação de proporcionalidade entre o meio empregado e o fim que se quer atingir, de acordo com os princípios e garantias constitucionais[53].
A desigualdade criada na forma de discriminações negativas, na forma de preconceitos e construções subjugadoras históricas fere, não só o próprio princípio da igualdade, mas também o da dignidade da pessoa humana, conforme afirma Comparato, para quem “o pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo – como um ser inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial.”[54]
A igualdade material só se alcança através da lei, que devera tratar por igual o que é igual e desigual o que é desigual. Em contraponto à estrutura lógica de identidade, a igualdade pressupõe diferença[55].
A igualdade material, ao contrário da formal, não trata de aplicação de uma regra ad aeternum. A igualdade material, feita pela lei, prevê a equalização de condições para aplicação do direito, até que a condição de desigualdade esteja faticamente superada. Não que esta superação seja tarefa fácil ou rápida, eis que o princípio da igualdade formal está enraizado em nossa cultura jurídica, nos ideais liberais imutáveis de que todos são iguais em direitos e deveres perante a lei.
Porém, conforme já explicitado alhures, se possuímos duas situações que são desiguais é necessária a intervenção do Estado para que a desigualdade em comento, arbitrariamente criada, seja extirpada da sociedade; para, então, aquela não ser mais necessária (pelo menos no contexto ao qual estava, nesta hipótese, inserida), e podermos falar apenas em aplicação da lei de forma imparcial quanto à todos os envolvidos.
Como anteriormente referido, o poder publico passou a ter o dever de promoção do bem-estar, erradicando as desigualdades criadas e perpetuadas desde muito dantes do surgimento do Estado como hoje o conhecemos, sendo que esta passa a ser sua razão de ser.
Esta transformação se dá por meio de ações afirmativas que, na definição do eminente Ministro Joaquim Barbosa Gomes:
“Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do principio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.”[56]
Justamente da evolução do conceito de igualdade que se objetiva a ação afirmativa, sendo que, com ela, se intenta “implementar uma igualdade concreta (igualdade material), no plano fático, que a isonomia (igualdade formal), por si só não consegue proporcionar”[57]
A Ação Afirmativa possui sua origem nos Estados Unidos da América, na década de 30 com um dispositivo legal garantindo o direito de empregados pertencentes a sindicatos, e depois com o presidente John F. Kennedy, quando proibiu as agências governamentais a discriminarem candidatos por diversos motivos de cunho cultural, racial e social.
Conforme nos ensina Oliveira:
“Nos Estados Unidos, o termo Ação Afirmativa – Affirmative Action – surgiu pela primeira vez em 1935 no Ato Nacional de Relações do Trabalho, através do qual fica proibido ao empregador exercer qualquer ato repressivo contra um membro de sindicato ou seus líderes e, ainda, parar de discriminar usando mesmo de ação afirmativa para colocar suas vítimas num posição em que eles teriam atingido se não houvessem sido discriminados [...] No contexto da luta pelos direitos civis, o termo aparece primeiro na Ordem Executiva 10925 do presidente John F. Kennedy, de 6 de março de 1961. Nela, o presidente proibia as diversas agências governamentais de discriminarem seus candidatos por bases de cor, religião e nacionalidade, estimulando-as para que usassem a ação afirmativa na contratação de seus empregados.”[58]
A questão da Ação Afirmativa se relaciona com as noções de justiça distributiva e justiça compensatória, sendo que aquela é uma ferramenta para a promoção destas, dependendo para quais sujeitos de direito se direciona.
O principal argumento das ações afirmativas é de que nas sociedades onde houve historicamente práticas de discriminação de certos grupos de pessoas em face de outros se devem corrigir os efeitos desta subjugação. Ou seja, no presente estas sociedades estariam reparando as injustiças cometidas com os antepassados dos sujeitos pertencentes a estes grupos marginalizados. A discriminação sofrida pelos grupos no passado, tendem a se transmitir a gerações futuras na forma de ônus sociais, tais quais deficiências econômicas e culturais, que hoje faz dos sucessores, suas vítimas[59].
Assim, temos que as injustiças sociais devem sofrer uma compensação atual, para que se corrija a deformação de igualdade entre os humanos que foi causada pela civilização.
Enquanto que justiça compensatória busca a compensação dos males infligidos por gerações passadas, o conceito de justiça distributiva diz respeito aos efeitos que estes males causaram no cerne do ordenamento social.
“A noção de justiça distributiva é a que repousa no pressuposto de que um indivíduo ou o grupo social tem direito de reivindicar certas vantagens, benefícios ou mesmo o acesso a determinadas posições, às quais teria naturalmente acesso caso as condições sociais sob as quais vive fossem de efetiva justiça.”[60]
Então, a tese distributivista afirma, basicamente, que hoje os indivíduos pertencentes a determinados grupos sociais, que anteriormente foram vitimas de discriminação e segregação, podem postular que esta defasagem cultural lhes seja corrigida.
Isto porque, conforme afirma Gomes, as pessoas que, num determinado momento vêm ao mundo onde teriam, ao longo da vida, todas as condições para obter idênticas condições sociais, culturais e econômicas. Mas, por conta de imposições da sociedade, passadas de geração em geração, são obrigadas a traçar caminhos distintos, algumas se valendo amplamente de todos os benefícios que em sua frente se apresentam e outras, seja de forma aberta ou velada, possuem suas possibilidades de utilização destes benefícios diminuídas ou praticamente anuladas[61].
Práticas racistas e sexistas são explicações críveis para que estas situações aconteçam. Para suavizar estas ocorrências, se propõe, na tese distributivista, a adoção de Ações Afirmativas, que não são nada além de dar, aos grupos historicamente discriminados, as condições que eles normalmente teriam caso não fossem perpetradas práticas discriminatórias[62].
Quanto a relações de poder na sociedade, mister que haja ações para neutralização do mal que a perpetuação de práticas discriminatórias causou.
“A noção de ação afirmativa, ou seja, a adoção de dispositivos que atuem no sentido de afirmar, recuperar e redistribuir direitos, vem sendo aplicada para, na prática, equilibrar relações de gênero, raça/etnia, ou geração em diferentes áreas e, mesmo não sendo um tema novo, readquire a força da polêmica, quando a decisão passa para uma maior divisão de poder."[63]
Dias afirma que para se colocar em prática o princípio da igualdade material é impositivo o tratamento desigual para os desiguais, bem como justificar razoável e objetivamente estas diferenciações normativas, para que não se considerem discriminatórias[64]. Tais assertivas legitimam o poder público a intervir ativamente na sociedade, mais, o Estado tem o dever de assim agir.
No que tange a sujeitos de Direito, vários são os grupos de “minorias” (e aqui falamos em minorias políticas, não minorias populacionais) que estão em situação de desigualdade no Brasil. Neste estudo decidiu-se por dar ênfase à situação das mulheres, como sujeitos de Direito, no contexto social brasileiro, onde sofrem violências dos mais variados tipos e roupagens.
No próximo capítulo serão apresentadas a evolução histórica da situação da mulher na sociedade, os mecanismos que atualmente possuímos para o combate à violência, bem como nosso entendimento sobre a correta interpretação e aplicação dos instrumentos normativos disponíveis para a erradicação da violência de gênero.
Foi visto que, com a evolução democrática do Estado e este passando a ser atuante e interventor na sociedade, são legítimas e necessárias as Ações Afirmativas (intervenções positivas) para erradicação das desigualdades que a civilização impôs a certos grupos de indivíduos.
Um dos grupos de indivíduos, sujeitos de direito, submetidos à inferiorização historicamente são as mulheres, que vêm sendo subjugadas pelos homens, podemos dizer, que desde o surgimento da humanidade na Terra, e, em consequência, padece com a violência perpetrada por estes.
A violência contra a mulher não pode ser tratada da mesma forma como a violência contra homens, pois estão em situação histórica, social e economicamente (na maioria dos casos) desigual. Para os casos de violência contra homens (advindas de qualquer sexo), o Direito Penal e o Direito Civil se encarregam suficientemente de estudar todas as formas de coerção, erradicação da prática e reparação pelos danos sofridos.
Porém, quando falamos em violência contra mulheres, estamos diante de hipossuficiência construída por falsas crenças (“lendas”) ao longo da História. Esta condição deve contar com a aplicação da igualdade material para colocar as mulheres em situação de equilíbrio em frente aos homens, com consequente erradicação da desigualdade existente. Gomes afirma que “para se combater eficazmente o racismo e o sexismo é indispensável conceber medidas que levem em conta os fatores de raça e sexo.”[65]
Amparados por este pressuposto que, em meados da primeira década deste século, movimentos feministas lograram a aprovação da Lei Maria da Penha, que prevê os mecanismos para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, cujos fundamentos e características passaremos a tratar adiante.
A violência contra a mulher já foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas - ONU como um problema de saúde pública, bem como, violação de muitos Direitos Humanos, tais quais o direito à vida, liberdade, autonomia e segurança da pessoa, à igualdade e não-discriminação, da garantia de não sofrer tratamento degradante ou tortura; além do direito à privacidade e à saúde[66].
“O principal marco histórico para promoção do paradigma feminista em relação aos Direitos Humanos foi a Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, 1993; onde se afirma pela primeira vez que violência contra a mulher é violação de direitos humanos. Contudo, a mais importante conquista ocorre em 1994, com a primeira convenção especificamente voltada para o combate à violência de gênero, em nível regional, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Conhecida como Convenção de Belém do Pará, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher estabelece mecanismos para concreta proteção das mulheres perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).”[67]
Todo Estado, quando Estado-membro de convenção internacional, possui, basicamente, três obrigações a serem cumpridas, tais quais, respeitar e promover os novos sujeitos e temas de direito provenientes desta convenção, adequar sua legislação aos novos padrões internacionais e apresentar relatórios periódicos para monitoramento do implemento destas novas imposições internacionais. A partir de então, os Estados passam a respeitar e promover os novos padrões de direitos humanos, dentre os quais estão os direitos das mulheres[68].
O desenvolvimento de sistemas internacionais de Direitos Humanos, mundiais ou regionais, torna obrigatório o reconhecimento de novos temas e sujeitos de direito. Com isso, há também a demanda de reordenamento jurídico dos Estados, para que possam cumprir seus papéis na forma Democrática de Direito. No Brasil, este reordenamento se deu na forma da promulgação da Lei Maria da Penha - LMP.[69]
A LMP surgiu a partir de uma denúncia feita pelas Organizações Não-Governamentais – ONGs Centro para a Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – OEA por conta da ausência de punição relativamente aos crimes praticados contra a cearense Maria da Penha Fernandes, no ano de 1983. Assim, a OEA condenou o Estado Brasileiro a levar o agressor à julgamento pelo crime de homicídio tentado, além de indenizá-la e elaborar e promulgar uma lei especial sobre violência contra a mulher, na forma da Convenção de Belém do Pará. Esta Lei, a de nº 11.340, do ano de 2006, foi batizada pelo Presidente da República, Lei Maria da Penha[70].
Apesar de eventuais lacunas ou imprecisões técnicas em sua redação, a Lei Maria da Penha é instrumento importante e basilar para prevenção e erradicação da violência de gênero, que deve ser compreendida a partir da premissa da desigualdade material das mulheres face aos homens historicamente.
Iremos, primeiramente, analisar o fenômeno da construção da dominação masculina na civilização, baseada nas diferenças entre os sexos, feminino e masculino, como categorias biológicas, transformando-as em desigualdades entre os gêneros, categorias socioculturais erigidas no transcorrer da existência humana na Terra.
Feita a distinção entre sexo e gênero, far-se-á uma retrospectiva histórica sobre a subjugação feminina e a perpetração da violência de gênero.
Analisaremos, então, a Lei Maria da Penha como Ação Afirmativa, instrumento para erradicação de desigualdades entre homens e mulheres, bem como suas bases e conceitos para a promoção dos direitos das mulheres.
Por fim, será feita a exposição do nosso entendimento sobre a correta interpretação da Lei, longe do modelo meramente positivista e literal, focado na mudança da dimensão da Cultura do Direito como forma de permitir a promoção dos direitos das mulheres no Brasil; e, ainda, abordar a forma de interpretação dos casos concretos com base em princípios constitucionais e hermenêuticos.
A desigualdade construída historicamente tem deixado as mulheres expostas à violência perpetrada por seus pares masculinos, e esta violência vem, ao longo do tempo, sendo aceita socialmente, não permitindo-lhes (às mulheres) sair da sombra das figuras masculinas.
O conceito de gênero está tão enraizado no cerne da sociedade que influencia até mesmo a imagem que as mulheres têm de si mesmas. Para Taylor, podemos afirmar que as mulheres foram induzidas a criar uma imagem depreciada de si mesmas, como se inferiores fossem, ao passo que, quando não há mais obstáculos que impedem seu crescimento, mesmo assim se veem impossibilitadas de se valer das chances que abrolham[71].
Em relação ao termo gênero e sua decorrência da construção política do sexo, Scott ensina:
“Mais recentemente – recentemente demais para encontrar seu caminho nos dicionários ou na enciclopédia das ciências sociais – as feministas começaram a utilizar a palavra “gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos.”[72]
O termo “gênero” foi utilizado, ao que se tem ideia, inicialmente entre as feministas americanas, como forma de destacar o cunho eminentemente sociológico das distinções baseadas em sexo. Ou seja, a palavra aponta repúdio ao determinismo biológico subentendido na utilização das palavras como “sexo” e “diferença sexual”[73].
Não ocorre em todas as sociedades as distinções explícitas dos gêneros, porém, isso é crucial na determinação de igualdade, uma vez que a hierarquização do poder se baseia nos entendimentos generalizados das diferenças entendidas como “naturais” entre homens e mulheres[74].
Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, a violência contra as mulheres é mecanismo para garantia da subordinação feminina na sociedade, que surge no espaço doméstico, mas é projetado para a esfera pública. Sua existência é a manifestação contundente da discriminação de gênero. Não se trata de ato isolado e particular, pois cria e sustenta os mais variados tipos de estereótipos baseados em gênero, para que às mulheres seja relegado apenas um lugar: o âmbito privado[75].
Assim, pode-se considerar a violência contra a mulher como uma violência política, pois serve para a sustentação do homem em lugar superior na hierarquia, figurando como gênero dominante nas relações sociais. A autorização por parte de diversas culturas dos atos violentos contra as mulheres são ferramentas usadas para manter as relações de poder baseadas em gêneros, de forma desigual, com dominação dos homens em face das mulheres[76].
A sociedade em momento algum foi construída com o reconhecimento da participação, ao menos ativa, feminina. A civilização, enquanto grupos de seres humanos ordenados e hierarquizados, foi construída sobre o prisma de diferenciação entre o homem, patriarca superior, provedor e protetor e os outros (mulheres, crianças, etc), na figura daqueles que necessitam do “macho alfa” para sobreviverem com paz.
O próprio conceito de alta política, conforme afirma Scott, é um conceito de gênero, pois define sua importância e poderes, seus motivos de existência e sua autoridade precisamente em decorrência da exclusão das mulheres de suas engrenagens. O gênero, como categoria cultural, é uma das principais e mais utilizadas referências pelas quais a política foi concebida, criticada e legitimada.[77]
“Importante fator moralizante e definidor de papéis na sociedade que não pode ser esquecido é a religião. No universo cultural ocidental e cristão, todas as mulheres são descendentes de Eva - a pecadora -, porém se convertem em Maria - a abnegada. Hoje em dia nosso Deus é um homem e é assim nas grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo, islamismo, bem como em outras religiões politeístas onde os deuses homens tendem a ser maioria. A religião perpetua e reproduz papéis, justifica-os, explica-os e os legitima. Esta é uma fonte da opressão contra as mulheres. O fato é que esta raiz permanece oculta, sepultada, arraigada tão profundamente que resulta difícil trazê-la à tona.”[78]
Prega-se que as mulheres devem ter vida de entrega e abnegação, amando a tudo e todos, maridos, pais, filhos, alunos, doentes, pobres, entre tantos outros, sempre mais que a si mesmas. Ou seja, possuem sua felicidade condicionada no amar ao próximo[79]. Esta entrega e abnegação, que a religião impõe às mulheres, facilita a “aceitação” psicológica da dominação, violenta ou não, masculina, pois se enraíza nas psiquês femininas que devem aceitar toda a sorte de violações para que possam ser tidas como “puras” e fazerem jus a um lugar no Paraíso.
A construção social de gênero vem acompanhada do silencioso fenômeno da violência contra a mulher, aliada aos fatores de exclusão econômica, política e social, servindo de ferramenta dos homens para manutenção do poder. Podemos afirmar, conforme Feix, que a imposição de certas condutas baseadas em papéis sexuais (gênero) justifica a mais variada gama de violações de direitos humanos[80].
A figura masculina sempre foi ligada à figura paterna, patriarcal. Este detentor do poder familiar e soberano do lar. Conforme Saffioti, “a ordem patriarcal de gênero, rigorosamente, prescinde mesmo de sua presença física para funcionar. Agentes sociais subalternos, como os criados, asseguram a perfeita operação da bem azeitada máquina patriarcal.”[81]
Sobre a construção do conceito de gênero, Ferreira afirma que trata-se de um fenômeno histórico, não sendo novidade, pois prega a diferenciação nos campos político, religioso, trabalhista, escolar e familiar, violando direitos humanos, bem como valores sociais e morais, e, ainda, o respeito às diferenças e diversidade.[82]
A discriminação baseada em gênero levanta barreiras e determina o que é masculino e o que é feminino dentro de uma sociedade, separando homens e mulheres. Desta feita, criam estigmas, figuras estereotipadas e relações que se complicam, devido a preconceitos e discriminação; tornando comuns subordinações e desigualdades baseadas na diferenciação dos sexos, consequentemente, gerando as mais diversas formas de exclusão social.[83]
Para Safiotti, a tolerância da sociedade com o comportamento violento dos denominados “chefes de família” contribui com a manutenção das desigualdades de gênero, conforme afirma:
“Violência de gênero é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio.”[84]
O conceito de gênero, portanto, é uma das bases das desigualdades que se afloram socialmente, relegando à mulher um papel secundário na sociedade, adstrita ao campo particular, sem participação ativa na vida pública.
Os gêneros, como forma desigual de tratamento cultural e social, são construções históricas, que remontam o surgimento da civilização; desde lá, mulheres se veem excluídas do círculo público e lhe são tolhidas as possibilidades de contribuir, seja positiva ou negativamente, no processo de aquisição de valores culturais, sociais e tecnológicos.
Concomitantemente a esta criação (do conceito de gênero), está a prática da violência baseada em gênero, que em muito contribui para a manutenção deste status quo relativamente às posições ocupadas na hierarquia do poder pelas figuras masculinas e femininas.
No concernente a alegações de que, em certos casos, a mulher coopera com a perpetuação da violência sofrida, Saffioti assevera:
“Trata-se de fenômeno situado aquém da consciência, o que exclui a possibilidade de se pensar em cumplicidade feminina com homens no que tange ao recurso à violência para a realização do projeto masculino de dominação-exploração das mulheres. Como o poder masculino atravessa todas as relações sociais, transforma-se em algo objetivo, traduzindo-se em estruturas hierarquizadas, em objetos, em senso comum.”[85]
Não há que se falar em cumplicidade ou “permissividade” feminina quando falamos em dominação (e violência) de gênero, pois é conceito e prática já intimamente ligados aos papéis sociais que nos são tradicionalmente ensinados e que, diariamente, nos são expostos.
Como já exposto, as mulheres, desde tempos remotos, sofrem com um lugar subjugado nas relações de poder, isso se originou em muito devido à sua compleição física inferior aos homens, pois no início desta civilização, era a força bruta que reinava sobre a razão.
A violência, em sua forma pura, se origina já no surgimento do ser humano na Terra, não que todos os homens (humanos do sexo masculino) fossem violentos, mas dela se utilizavam para impedir qualquer ameaça a suas condições; não obstante, é indubitável que, desde esta época, a mulher, de compleição mais frágil do que a masculina, foi colocada em segundo plano, sendo que somente os homens apareciam como indivíduos relevantes nas primeiras comunidades[86].
Como bem atestam Parodi e Gama, historicamente “as formas de dominação masculina extravasaram em espaços públicos e no campo intelectual, restando às mulheres o refúgio em ambiente privado.”[87]
No Brasil, segundo Cerdeira, a sociedade colonial existente também serviu para inferiorização da mulher que era mantida em “segundo plano em relação ao homem, tanto econômica como socialmente, a mulher permaneceu à margem da sociedade e da historigrafia brasileira”.[88]
Ainda conforme Cerdeira, a diferenciação em muito se baseava em questões sexuais, onde o homem era o sexo forte, atuante, protetor, e a mulher o sexo frágil, enclausurada e escondida, servindo apenas para tarefas domesticas e para saciar a lascívia do marido:
“Valores como possuir pés pequenos e cintura fina eram artificiais, uma vez que se tornavam incômodos os modos de vestir, envolvendo a própria liberdade física da mulher. É daí que vem a erotização da mulher, pois a sociedade não tinha outro modo de enxergá-la, a não ser como objeto sexual.”[89]
Tanto durante a Idade Média, quanto na reestruturação da Europa no Século XIV, bem como na Revolução Francesa de 1789, as mulheres permaneceram em segundo plano na sociedade, seja na condição de submissa, de não participante socialmente ou quanto aos alcançados pelas garantias revolucionárias[90].
Adiante na História, em especial no Direito Francês, a mulher foi permanecendo subjugada, seja pelo Código Napoleônico (1806), que manteve a mulher submissa à estrutura patriarcal, seja pelo Código Penal Francês que previa punições diferentes em casos de adultérios cometidos por homens (multa pecuniária, apenas) e mulheres (prisão de três meses a dois anos), além de prever excludente de ilicitude no caso de maridos que matassem a mulher adúltera quando flagrada no cometimento do “crime”.[91]
O exemplo da legislação civil francesa do início do século XIV, apenas confirma o estado de inferioridade e exclusão da esfera pública que vem sofrendo a mulher historicamente.
Para Parodi e Gama, este paradigma foi se alterando, havendo ampliação da participação da mulher em direitos deferidos somente aos homens quando aquela começou a ocupar postos de trabalho na Revolução Industrial. No Brasil, somente no final da década que 70 que se têm notícias das primeiras denúncias relativamente à violência doméstica e intrafamiliar, trazendo à tona um problema a que durante muito tempo foram expostos os lares brasileiros, na forma de ameaças, espancamentos e, até mesmo, tentativas e consumação de homicídios de esposas e concubinas.[92]
Segundo Feix “recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo (2010) concluiu que 24% das mulheres brasileiras já sofreram alguma forma de violência física, e que além de ameaças de surra (13%), uma em cada dez mulheres (10%), já foi de fato espancada ao menos uma vez na vida.”[93]
Os dados relativos à violência física sofrida pela mulher são alarmantes, conforme mostram Parodi e Gama:
"A escala crescente da violência vem expressa em números, ultrapassando as previsões mais realistas, tomando dimensões publicas preocupantes para a sociedade, os estado, as famílias e os indivíduos. [...] Os índices apresentados pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - PNAD do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as mulheres acontecem em ambientes domésticos e são praticadas por pessoas com relações pessoas e afetivas com a vitima. [...] Em 2001, as mulheres foram espancadas na ordem de 175.000 por cada mês do ano. De maneira ainda mais especifica, os espancamentos podem ser calculados em 5.800 por dia, ou seja 243 mulheres agredidas por hora ou 4 mulheres sofrendo agressões a cada minuto, uma mulher a cada 15 segundos sofreu um espancamento."[94]
Saffioti afirma que “a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca [homem “chefe da casa”], tendo este necessidade de fazer uso da violência”. Não podemos nos olvidar que, obviamente, é possível que uma mulher pratique atos de violência contra um homem com quem tenha relação de afeto, embora estes atos sejam inusitados. A grande diferença aqui é que a categoria social das mulheres (o gênero feminino) não possui um projeto social-histórico de exploração-dominação dos homens.[95]
É com base neste projeto de exploração-dominação que se legitima o tratamento diferenciado das mulheres pelo Estado na forma de Ações Afirmativas, através de norma específica, a Lei 11.340/06.
Falou-se, acima, sobre o conceito de gênero, seu contexto histórico, perpetuação da prática e efeitos sobre a mulher e seus familiares.
Não obstante as definições e conceituações sobre gênero e violência anteriormente expostas, é preciso atentar para o que define a Lei Maria da Penha como violência de gênero; definição esta constante em seu artigo 5º:
“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”[96]
Assim, nota-se que a lei, além de determinar que é necessária a existência de relação de gênero nos casos de violência, define em quais circunstâncias a vítima da violência é albergada pela norma.
Importante salientar o que dispõe o parágrafo único do artigo 5º, que não exclui da tutela da Lei os casos em que, embora não haja diferenciação de sexos, há diferenciações de gênero, com interpretação de papéis feminino e masculino no relacionamento.
Para configuração de violência de gênero, a vítima deve estar inserida em um contexto de gênero feminino, ou seja, inferiorizada em uma relação de poder.
De outra banda, não necessariamente a violência deva ser praticada em determinado ambiente físico, bastando que o ambiente social e relacional de intimidade esteja configurado, e sequer sendo necessária coabitação ou núpcias.
Também não é imprescindível a relação de casamento. Na união estável, por ser também relação íntima de afeto, haverá violência doméstica tanto no caso de ainda haver relacionamento, quanto no caso de este já ter sido findado.[97]
Os cinco tipos de violência doméstica e intrafamiliar mais conhecidos praticados e assim conceituados estão elencados nos incisos do art. 7º, da LMP e são: física, psicológica, sexual, patrimonial e verbal.
Analisaremos, adiante, cada tipo descrito no referido artigo, bem como, apontaremos suas principais características e peculiaridades:
No inciso Id o art. 7º, define-se a violência física, “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.”[98]
Conforme Feix, a violência em sua forma física é a mais visível e identificável tipo de violência doméstica cometida contra a mulher, uma vez que gera consequências comprováveis materialmente, na forma de hematomas, arranhões, cortes, fraturas, queimaduras e outros tipos de ferimentos.[99]
Além de evidências visuais deixadas pelas agressões, o estresse gerado por elas também pode deixar marcas na forma de sintomas como dores de cabeça, fadiga, dores nas costas e até distúrbios do sono[100].
Além disto, sendo contínua a agressão física, pode gerar transtornos psicossomáticos dos mais variados tipos, devido à baixa imunidade que a condição psicológica enfraquecida proporciona.[101]
Para melhor compreensão acerca da violência doméstica como violência de gênero, como violência utilizada para perpetuação de relações desiguais de poder, que a violência física ainda é a forma mais aceitável socialmente como forma de afirmação de autoridade dos pais com relação aos seus filhos, no exercício do poder familiar.[102]
A violência psicológica é conceituada no inciso II, do art. 7º, que a define da seguinte forma:
“A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;”[103]
A violência de cunho psicológico esta intimamente conectada a todas as outras formas de violência de gênero, pois nega desfrutar dos direitos conquistados pelos humanos nas revoluções burguesas do séc. XVIII, tais quais a autonomia da vontade e liberdade, na condição de sujeito diferenciado em relação a outros, principalmente a seu agressor.[104]
A proteção da saúde psicológica da mulher nunca dantes havia sido prevista em nossa legislação, mas, devido aos ditames da Convenção de Belém do Pará, a violência psicológica foi incorporada ao rol dos tipos de violência praticados contra a mulher[105].
“Graziela Ferreira (1994) estuda “El Sindrome de La Indefensión Aprendida”, como um sintoma desenvolvido por mulheres vítimas de violência, que se assemelharia à conhecida “Sindrome de Estocolmo”. Segundo a autora, tal como o fenômeno que justifica a afeição expressa pelo refém em relação ao seu algoz, nas situações de rebeliões ou sequestros; a mulher vítima de violência sistemática desenvolveria a incapacidade de reação e consequente anulação de sua identidade, projetando como seus os desejos do agressor, como uma condição de sobrevivência. Ou seja, evitar a diferenciação seria a receita que algumas mulheres utilizam como estratégia para sobreviver ou não ser fisicamente molestadas, tendo como preço a invisibilidade e a incapacidade de contestar as agressões.”[106]
Assim, explicam-se os dados coletados na pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo[107] onde constatou-se que a continuidade do vínculo marital se deu em mais de 30% dos casos, enquanto que nos casos de espancamento este percentual é relativamente menor, 20%, mas não menos preocupante.[108]
Em relação à violência sexual, consta no inciso III, do artigo 7º:
“A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;”[109]
Na interpretação da norma, deve-se ter especial cuidado com os estereótipos sobre os papéis sexuais diferenciados e desiguais que são exercidos pelos gêneros quando se trata de comportamento sexual. Estas falsas crenças, socialmente difundidas, limitam a capacidade de exercício da autonomia da vontade da mulher no que tange aos atos sexuais, havendo, inclusive, o mito de que “a mulher não pode parar no meio do caminho”[110].
“A crença expressa no jargão “ajoelhou tem que rezar” implica em comum naturalização do uso da força e constrangimento contra a manifestação e exercício autônomo da vontade. Como se o “sim” dito no cartório, no altar, no bar ou no motel impusesse à mulher um consentimento permanente, inquestionável, infalível, irretratável. Não. O exercício da sexualidade deve ser sempre contratado e os contratantes, para garantia de sua dignidade, devem ser livres para destratar a qualquer tempo.”[111]
Até 2005 ainda existia, na legislação pátria, a figura da “mulher honesta” figura construída cultural e socialmente, que vinculava o exercício de direitos por parte das mulheres a certos padrões de conduta, como castidade, fidelidade, recato e responsabilidade sobre gravidez indesejada. Inclusive, dando aso à impunidade ao tratamento injusto sofrido pelas mulheres tidas como “desonestas”, tais quais negligência, desrespeito e desonra.[112]
Apesar do reconhecimento da violência sexual poder ser considerada violência de gênero na Convenção de Belém do Pará, houve certa relutância da doutrina e da jurisprudência em admitir a hipótese de violência sexual em vínculos familiares. Isto se deu devido à crença do “débito conjugal”, o que identificava como praticamente obrigatório o exercício da sexualidade; como se direito do homem fosse fazer com que a mulher sucumbisse a seus pedidos quando bem lhe aprouvesse.[113]
Ademais, a LMP ainda veio a dar amparo às mulheres que engravidam quando vitimadas por violência sexual, excluindo a ilicitude dos atos do médico que realizar aborto nestes casos.[114]
A violência de ordem patrimonial, inovação legislativa conforme afirma Feix[115] está descrita no inciso IV, do artigo 7º, que dispõe:
“A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;”[116]
Este inciso tipifica cristalinamente quais as condutas que configuram violação de direitos econômicos e patrimoniais das mulheres, legitimando o Estado a combater este tipo de prática. Sendo a violência de gênero de cunho político, cuja única intenção é perpetuar a dominação masculina social e culturalmente; em assim sendo, justifica-se este inciso pelo fato de tais práticas atingirem a autonomia econômica da mulher, e, desta forma, colaborar para a manutenção de sua subordinação[117].
É importante frisar que o fenômeno da abastança feminina é deveras recente, e que as mulheres ainda lutam para transpor obstáculos sociais, culturais, burocráticos e legais para que possam dispor livremente de suas posses e propriedades[118].
As imunidades previstas nos artigos 181 e 182 do Código Penal Brasileiro[119], com o advento da Lei Maria da Penha, não mais podem ser admitidas[120], por que desta forma se procedendo se estaria relegando ao esquecimento o embasamento conceitual, histórico, político e filosófico da Lei como Ação Afirmativa[121].
No tocante à violência moral, conforme o inciso V, do artigo 7º, esta é definida “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”[122].
Também comete violência patrimonial o companheiro ou cônjuge que deixa de pagar alimentos, estejam eles determinados judicialmente ou não, ou, até mesmo, o que comete abandono patrimonial, não provendo economicamente (de forma injustificada) a companheira que não possua condições para tanto[123].
Embora o legislador se limite a reproduzir as condutas já tipificadas e descritas no Código Penal Brasileiro, para que sejam considerados crimes enquadrados na Lei Maria da Penha, dependem da circunstância de estarem inseridos em um contexto de gênero, ou seja, numa das circunstâncias enquadradas nos caput e incisos do art. 5º, da referida norma. A violência moral se liga fortemente à violência psicológica, mas com efeitos mais amplos, pois expõe socialmente a mulher vitimada, na forma de desqualificações, ridicularizações e inferiorizações, tornando-se óbice à manutenção da auto-estima e reconhecimento social da vítima.[124]
O rol exemplificativo dos tipos de violências praticadas contra as mulheres é fragmentado nas cinco categorias acima expostas. Porém, ainda assim se mantém abertas as situações que podem ser denominadas como violência de gênero, principalmente tendo-se em conta a presença dos requisitos dos artigos 5º, a desigualdade de gênero, e 6º, a violação de direitos humanos. Especificamente, quanto ao capítulo 7º, apresentam-se neles elementos conceituais sobre os diferentes tipos de violência, para o fim didático de facilitar sua aplicação. Gize-se que a expressão “entre outras” tem o condão de não tornar taxativo o rol de tipos de violência elencado em seus incisos, uma vez que não é possível para o Direito ser tão amplo quanto às inúmeras situações que a vida coloca em nossa frente[125].
Ademais, conforme afirma Feix, é de suma importância a interpretação sistemática do artigos que definem a base conceitual da lei, os artigos 5º. 6º e 7º:
“O artigo 7º da Lei Maria da Penha, em conjunto com os que lhe precedem, particularmente os artigos 5º e 6º, constituem o núcleo conceitual e estruturante da Lei, porque justificam sua existência e finalidades, delimitando o escopo de sua aplicação. Daí decorre a necessidade de sua interpretação sistemática, levando em consideração a ordem jurídica nacional e internacional.”[126]
Os artigos mencionados possuem conceitos e definições de suma importância, sistematizados internacionalmente, mas ainda não bem compreendidos pelos operadores do Direito, sendo necessária sua explicitação e assimilação para que haja sucesso em sua internalização.[127]
Registre-se que, por força do §3º do art. 5º da Carta Magna, mesmo que o artigo 7º da Lei 11.340/06 fosse omisso quanto à expressão “entre outras”, como há tanto na LMP como na Convenção de Belém do Pará a premissa de “violação de direitos humanos”, o catálogo de atos ao abrigo da Lei Maria da Penha estaria aberto. Salienta-se, também, que, em caso de nova legislação internacional aprovada dentro das Casas do Congresso, sua aplicação será imediata, mormente o disposto nos parágrafos 1º e 2º da Constituição da República, independentemente de quaisquer providências legislativas em relação à LMP[128].
Entende-se que há, no ambiente familiar ou de coabitação de um modo geral, relações de poder, e, em assim sendo, violências cometidas dentro deste ambiente serão consideradas de gênero quando, segundo Dias, além da tradicional marido e mulher, ocorrer na relação entre parentes mulheres (mães e filhas, sogra e nora, irmãs, etc.), companheiras de quarto ou co-habitantes de repúblicas, tios e sobrinhas, avôs e netas[129], ou, até mesmo a do patrão contra a empregada doméstica, se esta estiver inserida no âmbito familiar agregada[130].
Para que não se paire dúvidas quanto ao que seja ambiente familiar, Cunha e Pinto definem-no como sendo o “espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes desta aliança”[131].
Nos novos tempos, novas visões e quebra de paradigmas, não deve prevalecer mais o conceito de família apenas como a constituída por pais e filhos; o legislador, ao redigir a Lei 11.340/06, pela primeira vez, definiu o que é família, (ao contrário do contido no Código Civil), não adstringindo-se apenas à velha figura do “pai, mãe e filhos” construída pelo casamento, mas fala em “indivíduos” ligados por laços afetivos, como hodiernamente se afigura uma família. Também não há como excluir da definição de unidade familiar as figuras da curatela e da tutela, mesmo que não haja parentesco entre curador/tutor e curatelada/tutelada, devido à característica de convivência inerentes a estes institutos[132].
Devem ser consideradas como “famílias”, igualmente, as anaparentais, formadas apenas por irmãos, as famílias paralelas, que ocorrem quando o homem, normalmente, mantém duas ou mais famílias e as homoafetivas, que são formadas por pessoas do mesmo sexo. Estas estão, igualmente, tuteladas no conceito constitucional de “família”, e são merecedoras das mesmas proteções estatais. Outro fator importante é que para ser considerado do gênero feminino não necessariamente deve se tratar de sujeito mulher, mas de qualquer sujeito que com este gênero se identifique, e na posição deste gênero esteja em relações de poder, assim, lesbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha[133].
Especificamente quanto a ações afirmativas aplicadas aos casos de violência de gênero, Galvão diz:
“A lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. [...] 'ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas publicas especificas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas'.”[134]
E reitera que "as desigualdades de gênero entre homens e mulheres advém de uma construção sociocultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza."[135]
Diante de todas as afirmações acima, é salutar o reconhecimento da Lei Maria da Penha como Ação Afirmativa, mecanismo necessário para a defesa e promoção dos direitos humanos, devido a seu caráter distributivo/regenerativo de desigualdades criadas socialmente, baseadas em diferenças naturais.
É esta acepção da Lei Maria Penha que deve nortear o tratamento dado pelos aplicadores da norma nos casos concretos, interpretando-a de forma sistemática e levando-se em conta o caráter social democrático de sua criação, existência e aplicação.
Após a exposição de nosso entendimento relativamente ao princípio da igualdade, às Ações Afirmativas, bem como aos fundamentos teóricos da Lei Maria da Penha, devemos ater-nos à problemática de sua comunhão, para a efetiva interpretação e aplicação da Lei.
Podemos concluir que na nova ordem jurídica que se desenha com o advento do Estado Liberal Social Democrático de Direito, se faz necessária, mais do que nunca, a fuga da mera aplicação da “letra fria da Lei”, que se baseia no positivismo, no que manda a Lei. Os novos paradigmas determinam que a interpretação e aplicação do direito deve ser teleológica e sistemática, levando em conta aspectos fático-históricos, partindo da norma positiva para, a partir de então, aplicá-la em face dos casos concretos e, mais importante, segundo o contexto social no qual se está inserido; tendo como norte os objetivos justificadores do Estado Democrático de Direito.
No Brasil, a prática interpretativa fático-social é relativamente nova, pois durante o século XIX e boa parte do século XX, se considerou a teoria de Savigny de interpretar a Lei, numa concepção juspositivista[136].
Porém, a interpretação em sua forma literal, em face da nova sistemática Democrática de Direito, não mais possui guarida em casos complexos oriundos de fenômenos sociais modernamente reconhecidos pela ordem jurídica, como é o caso da discriminação por gênero.
Aqui dizemos “modernamente”, pois é novidade a abordagem da discriminação com base em gênero como fenômeno social. Antes da organização dos movimentos feministas, como já exposto anteriormente, sequer se falava em projeto de dominação-exploração dos homens em relação às mulheres.
Conforme afirma Streck, no Brasil ainda predomina o modo de produção do Direito voltada para disputas interindividuais, como bem se proliferam nos manuais, com disputas entre dois indivíduos hipotéticos; sendo que um é o agente/autor e o outro é a vítima/réu. Em um dos casos o agente invade a propriedade da vítima e em outro o agente é autor de um furto de coisa alheia móvel da vítima. Em ambos os casos é tranquila a resolução, basta utilizar-se do que a dogmática jurídica coloca à disposição do operador e o problema se resolve, seja com uma ação possessória, seja com uma ação penal[137].
Porém, se um dos personagens participar de uma invasão de propriedade em conjunto com um grupo de pessoas (sem-teto ou sem-terra, por exemplo), ou se o outro participa de um “esquema” de bancos que causa um prejuízo de milhões de dólares, a forma de pensar o Direito dos operadores não consegue ultrapassar a forma liberal-individualista de produção e interpretação do Direito[138].
Como responder às questões que se apresentam além das fronteiras interindividuais, frutos de uma sociedade complexa em que conflitos, cada vez mais, possuem condão transindividual? Se o primeiro caso acima mencionado for tratado da mesma maneira como são tratados conflitos de vizinhança, as consequências podem ser desastrosas. Já no segundo caso, os resultados são conhecidos, bastando verificar o número ínfimo de condenações por crimes financeiros apurados pelo Banco Central do Brasil[139].
Estes exemplos demonstram como a visão simplista das relações pode prejudicar a aplicação do Direito no sentido de Justiça, principalmente social. Normas como a Consolidação das Leis do Trabalho ou o Código de Defesa do Consumidor são exemplos de regulação que leva em conta a hipossuficiência na interindividualidade. Estas normas hoje existem e são aplicadas porque são formas de promoção do bem de todos, abstraindo-se da visão formal e clássica da igualdade, pois reconhecem relações de desigualdade no plano fático e encarregam-se de equiparar com regras que, à primeira vista, podem parecer injustas ou discriminatórias, mas são, em verdade, instrumentos de equalização entre os que “possuem” e os que “não possuem”, como nos exemplos citados.
Da mesma forma, a Lei Maria da Penha mune os sujeitos de direito “mulheres” no combate ao plano de exploração-dominação masculino perpetrado durante os séculos. A LMP, considerando situações histórico-fáticas e todos os conceitos construídos pelos movimentos feministas, discrimina as mulheres positivamente, uma vez que isto se mostra necessário, pois o gênero feminino não se encontra em situação de igualdade com o gênero masculino. As mulheres necessitam desta Ação Afirmativa, e necessita que seus conceitos sejam compreendidos para que possam se libertar do domínio silencioso já instalado no subconsciente coletivo, ao ponto de muitos sintomas desta dominação não serem sequer notados, mesmo quando explicitamente expostos.
A aplicação da Lei Maria da Penha deve levar em conta a teoria tridimensional do Direito, formulada por Miguel Reale. Ela se mostra de suma importância para a efetividade da interpretação e aplicação desta Lei, pois enxerga o Direito sob três aspectos: fatos, normas e valores.
Os fatos, valores e normas se entrelaçam e relacionam dialeticamente, não possuindo significado jurídico se dissociados uns dos outros. Valores são as representações culturais e sociais sobre o que é ou não direito, fatos significam a realidade social, seja a dos acontecimentos “extra-jurídicos” como os jurídicos, e normas são as leis, conteúdos normativos, que são redigidos e regulam, de forma positivada, a vida em sociedade. Os três aspectos, ou dimensões, não possuem valia se analisados isoladamente[140].
A enorme incidência da violência contra a mulher seria a dimensão fática do Direito, os objetivos Democráticos de combate à desigualdades e promoção da igualdade estão situados na dimensão valorativa do Direito e a legislação internacional, a Constituição e, principalmente a Lei Maria da Penha, compreendem a dimensão normativa do Direito, e conjuntamente devem ser analisados, pois de forma isolada não farão sentido. Assim sendo, a condição histórica de gênero (fato), necessita dos valores constitucionais de supressão de discriminação e promoção da igualdade (valor) inseridos em instrumentos jurídicos como Tratados e Leis (norma), como é o caso da Lei Maria da Penha.
“Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor.”[141]
A teoria é especialmente importante no momento de interpretação e aplicação do direito, no que tange à análise normativa, pois normas isoladas, sem aprofundamento fático-valorativo não possuem condão de promover a justiça.
De outra banda, também a interpretação sistemática é ser utilizada para a correta aplicação do Direito e para tanto devemos ter em mente, primeiramente, o que é sistema jurídico, que, nas palavras de Freitas, se define como:
“Uma rede axiológica e hierarquizada topicamente de princípios fundamentais, de normas estritas (ou regras) e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias em sentido amplo, dar cumprimento aos objetivos justificadores do Estado Democrático, assim como se encontram consubstanciadas, expressa ou implicitamente, na Constituição."[142]
Ou seja, o sistema jurídico não é a mesma coisa que ordenamento jurídico, sendo este o conjunto de regras, normas, regulações e maneiras de criá-las e aplicá-las, enquanto aquele é muito mais, embora também englobe este processo, mas abarca os fatos e valores sociais e políticos, a historicidade, e os paradigmas advindos do ideal Democrático de Direito insculpido na Constituição, o qual pauta toda e qualquer ação do poder público. Daí que se conclui que temos que nosso sistema jurídico, portanto, possui os princípios constitucionais como balizadores de todo e qualquer ato, seja executivo, legislativo ou judiciário, para que os fins garantidores de direitos sejam alcançados e a promoção da igualdade e bem de todos permeie a completude do Estado.
Tendo em mente que o que se propõe é justamente utilizar-se da lei como um meio, não um fim em si, para promoção da igualdade, entende-se que sua interpretação (e conseqüente aplicação) deve ser sistemática. Quando fixamos o conceito de sistema jurídico, devemos conceituar a interpretação sistemática, a fim de suportarmos as modernas complexidades das funções do Direito Positivo, ainda mais em face das alterações na nossa sociedade pós-industrial[143].
É imperativa a historicidade na interpretação sistemática, embora o intérprete normalmente não aceite, acriticamente, esta imposição. O exame pós-descritivo é a alma da interpretação jurídica. A decisão daí oriunda deverá, obrigatoriamente, ser resultado de diálogo do texto legal e da realidade em evolução, com suas praticamente inimagináveis diferenças[144]. Isto é, quando deparado com a violência de gênero, deverá ser considerada pelo intérprete a questão histórica de relações desiguais de poder, bem como com a finalidade mitigadora de desigualdades que a Lei Maria da Penha possui; daí resultará o dialogo entre a realidade e a norma, onde se verificará que a desigualdade existe (há tempos) e deve ser extirpada.
Então, não se pode admitir que sendo internacionalmente reconhecida a violência de gênero como violência política, não apenas como um ato de violência como qualquer outro, mas imbuído de conceitos e ideias de perpetuação de superioridade e manutenção de hierarquia e posições de poder, isto não seja considerado pelo poder público, ou que seja ignorado em detrimento a normas positivas ou ideais antiquados de aplicação do Direito.
A interpretação será sistemática se conjugarmos a destinação constitucional de assegurar o exercício de direitos sociais, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos inscritos no Preâmbulo e artigos 1º e 3º da Constituição. Assim sendo, a relação entre a concepção de justiça social, os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, e o objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, pela redução das desigualdades sociais; associados à definição de violência contra a mulher como violência de gênero na Convenção de Belém do Pará, ratificada pela Lei Maria da Penha, permite-nos uma compreensão sistemática do Direito e da Constituição enquanto um sistema aberto.
Um dos principais problemas enfrentados pela Lei Maria da Penha é a alegação de seus opositores de que ela fere o princípio da igualdade. Ocorre que o princípio da igualdade, como anteriormente observado neste trabalho, não é uma ideia única que não seja relativizada, ou que ignore situações de fato. Por possuir duas vertentes, a formal e a material, o princípio da igualdade não pode ser aplicado sem uma conjugação da realidade de fato que se está a analisar. O princípio da igualdade será aplicado de formas diferentes dependendo de onde estará incidindo.
Aliás como visto no item anterior, a igualdade material aparece pela primeira vez em nossa Constituição, em 1988, como fundamento da justiça social e dos objetivos estabelecidos no artigo 3º, exigindo a mudança de paradigma quanto às obrigações do Estado em relação ao princípio da igualdade, agora não mais reduzido a punir a discriminação, mas compelido a promover igualdade e combater as desigualdades,
Porém, quando se fala em igualdades, tanto a formal quanto a material, estamos falando em desdobramentos de um único princípio matriz, o da igualdade. A questão de aplicação da Lei Maria da Penha trata de antinomia entre a igualdade formal e a igualdade material.
A igualdade formal está insculpida no caput do artigo 5º da Constituição Federal quando este diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”[145]
Em relação ao princípio da igualdade material, podemos dizer que está presente em toda a Constituição Federal, espalhado por seus artigos, mas, como exemplo emblemático, o artigo 3º, incisos III e IV ilustra uma de suas ideias centrais, quando afirma que:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[...]
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”[146]
Voltando a questão da antinomia de normas, no caso da LMP entre o princípio da igualdade formal e material, é preciso registrar que só ó haverá colisão de norma superior com norma superior, como são os princípios, na hipótese de ser considerado um mais elevado e “fundamental” que outro, no caso concreto. Ocorrendo isto, deixará de existir, por assim dizer, a superioridade em uma das normas, e a questão passará a ter seu desfecho com aplicação do princípio da hierarquização. Devemos atentar para o fato de que a resolução desta problemática supõe que recorra-se a princípio superior “de maior grau” do que os que estão em colisão.[147]
Seguindo o mesmo raciocínio, porém, com outras palavras,, Mendes, Coelho e Branco, afirmam que quando há antinomia de princípios o que se deve almejar é a harmonia, cada um em suas diversas extensões aplicáveis, tendo-se em conta a relevância de cada uma no caso concreto, sem que um deles venha a ser eliminado do ordenamento jurídico por ser contrário a outro. Ademais, é indispensável que os princípios e regras estejam em constante disputa, e a hierarquia entre eles é construída teleologicamente. Neste prisma, inova-se a visão do interprete que se encontra obrigado a expender seus esforços à promoção da perfectibilização do sistema, como um todo unitário e coerente.[148]
A hodierna missão do intérprete/aplicador é, talvez, a mais árdua, pois não se cinge mais apenas à tentar adaptar os fatos às normas, tentando sempre encontrar a solução pronto-positiva para um problema, mas ao contrário, será a de adaptar a norma aos fatos, dando-lhe aplicação conforme o ordenamento jurídico, moldado a partir dos ideais do Estado Democrático de Direito, de forma sistemática e teleológica.
A solução estará no sopesar dos interesses conflitantes do caso concreto, na busca de determinar qual o princípio que deverá prevalecer segundo um critério de justiça pragmática. Isto se dá devido ao fato de, apesar de os princípios fundamentais possuírem caráter prima facie, a noção da abrangência total de um princípio, e, por conseguinte, de seu valor jurídico, não provém da mera concepção da norma que o positiva, mas sua completitude se dará por cognição de outros fatores.”[149]
A análise aprofundada do caso concreto deve conjugar os aspectos fáticos sistematicamente com os diversos fundamentos da Lei Maria da Penha, com sua história, seus conceitos e os princípios do Estado Democrático de Direito. No momento de decidir sua aplicação devem estar presentes na construção judicial as relações de dominação, de hierarquia e de manutenção perversa de posição de poder masculino, com o objetivo de relegar posição inexpressiva publicamente da mulher.
No entanto, mesmo diante deste entendimento sobre a colidência de princípios e sua solução, ainda encontramos problemas quanto â compreensão dos princípios e sua finalidade de promover o bem-estar, a partir da concepção de justiça que caracteriza o bem-estar no Estado Democrático de Direito: a justiça social.
Para a promoção do bem de todos, para erradicação das desigualdades, as normas não podem ser lidas conforme estão escritas, devendo na verdade servir de base, até mesmo porque estas normas foram positivadas com uma certa dose de discriminação, pois advém de seres humanos, inseridos no contexto social deturpado que se pretende modificar.
Ademais, normalmente o julgador, além de pertencer a uma sociedade perpetuadora de segregações, advém da escola do positivismo reprodutor ao qual Streck se refere, tornando a tarefa da promoção de direitos humanos ainda mais difícil.
Nesta senda, Streck assevera:
“Para romper com essa tradição inatêutica, no interior da qual os textos jurídicos constitucionais são hierarquizados e tornados ineficazes, afigura-se necessário, antes de tudo, compreender o sentido de Constituição. Mais do que isso, trata-se de compreender que a especificidade do campo jurídico implica, necessariamente, entendê-lo como mecanismo prático que provoca (e pode provocar) mudanças na realidade.”[150]
Outrossim, se despirmo-nos da antiquada visão de que todos realmente nascem iguais, poderemos efetivamente ver aplicada o princípio da igualdade material para resolução de conflitos entre desiguais, não perante a lei, mas perante a sociedade.
É esta a visão de Garcia Herrera quando infere:
“Esse novo modelo constitucional supera o esquema da igualdade formal rumo à igualdade material, o que significa assumir uma posição de defesa e suporte da Constituição como fundamento do ordenamento jurídico e expressão de uma ordem de convivência assentada em conteúdos materiais de vida e em um projeto de superação da realidade alcançável com a integração das novas necessidades e a resolução dos conflitos alinhados com os princípios e critérios de compensação constitucionais.”[151]
A Lei Maria da Penha, então, é Ação Afirmativa, pois se trata de política voltada à concretização do principio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos de discriminações de gênero historicamente erigidas, e deve ser utilizada como ferramenta para promoção de justiça distributiva e justiça compensatória, no que referido por Streck, transforma o Direito em mecanismo que provoca mudanças na realidade.
O intérprete e aplicador do Direito possui, na tarefa de extirpação da incompatibilidade entre princípios nos casos concretos, a ferramenta dos postulados normativos. Os postulados normativos podem ser considerados metanormas, uma vez que são normas que estão acima das normas, pois se aplicam à todas elas, mas de forma analítica metódica, colocadas no metanível aplicativo[152].
Os postulados diferenciam-se dos princípios por três razões básicas, primeiro porque, como já expresso, não se situam no mesmo nível; enquanto as regras e princípios são objeto de aplicação, os postulados são orientações à aplicação das regras e princípios. Em segundo lugar, porque possuem diferentes destinatários, sendo direcionadas as regras, primordialmente, ao Poder Público e contribuintes; e os postulados, por sua vez, são frontalmente voltados aos intérpretes e aplicadores do Direito. Postulados são distintos pois não se relacionam da mesma forma com outras normas. Enquanto que princípios e regras geram antinomias entre si, os postulados normativos orientam e estruturam a aplicação dos princípios e das regras, justamente quando estes se encontram em conflito[153].
Os postulados normativos estão definidos como deveres estruturais, estabelecendo o vinculo entre elementos e determinada relação entre eles. Existem postulados que não especificam elementos e/ou critérios entre elementos que devem nortear sua relação, sendo ideias generalizadas, sem critérios específicos que orientam sua aplicação. Estes postulados possuem a denominação de postulados inespecíficos[154].
Existem três postulados normativos inespecíficos: a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso. O postulado da ponderação é o método de atribuição de pesos a elementos que se interconectam, sem haver referência material para orientar este sopesamento. A ponderação deverá levar em conta bens, valores, princípios e interesses, obrigatoriamente, e se divide em três partes: a) a preparação, onde se analisam todos os elementos e argumentos envolvidos na controvérsia, à exaustão, sendo que qualquer omissão viola o postulado científico da explicitude das premissas e o princípio da fundamentação das decisões; b) a realização, onde se visa fundamentar a relação de pesos entre os elementos em comento, que, no caso de princípios, chamar-se-á a atenção para qual possui primazia sobre o outro; e, c) a reconstrução da ponderação, que consiste na formulação das regras de interligação entre os elementos analisados, pretendendo-se obter validade também adiante do caso[155].
O postulado da concordância prática fala em tentar-se alcançar a máxima harmonização possível entre os valores sobrepostos, com a finalidade de proteção máxima a todos. Para Dürig o que se almeja é uma síntese dialética entre as normas contrapostas, buscando a otimização dos valores em conflito[156]. Porém, nenhum dos postulados referidos apontam critérios para promoção das finalidades relacionadas, apenas oferecem uma estrutura formal para construção do raciocínio jurídico necessário[157].
O último postulado inespecífico, o da proibição de excesso, é, na verdade, uma limitação quanto ao tolhimento de princípios a fim de promoção das finalidades constitucionais. Ele proíbe a limitação assoberbada de qualquer garantia constitucional. A análise do quanto se está limitando uma garantia independe de qualquer relação de meio e fim; ou seja, não requer justificação no que se pretende alcançar com tal limitação. A investigação que requer este postulado é a de verificação se a restrição da garantia está atingindo o núcleo central desta, o centro medular de existência, face ao Direito que se quer garantir. O postulado da proibição do excesso determina que este centro medular não poderá sofrer qualquer tipo de ablação[158].
Estes três postulados normativos inespecíficos, são assim chamados por que, como já exposto, não determinam critérios de resolução de antinomias ou sobreposições de princípios e regras, mas somente delimitam a estruturação formal a ser dada na análise das circunstâncias e elementos postos em relação.
Quanto aos postulados normativos específicos, temos o da igualdade, o da razoabilidade e o da proporcionalidade, sendo que o primeiro possui ainda certas características inespecíficas, quando determina formas estruturais para aplicação de regras, enquanto que os dois últimos, estes sim, determinarão os pesos e critérios formais e materiais para resolução das antinomias que se afigurem nos casos concretos.
A igualdade (ou equidade), como postulado normativo, irá estruturar a forma de aplicação do Direito em função de critérios de diferenciação e o objetivo de distinção e da relação havida entre estes elementos, para haver congruência da utilização dos critérios em razão da finalidade. A partir deste postulado, utilizam-se critérios de relevância material para o fim de diferenciação do que se deve ser diferenciado; parâmetros como idade, sexo, etnia, entre outros, serão utilizados quando o forem adequados de acordo com os fins a serem alcançados[159].
O postulado da razoabilidade estrutura, especialmente, as regras, sendo utilizado de diversas formas. Basicamente, existem três utilizações primordiais do postulado da razoabilidade, o primeiro que exige a relação das normas com o caso concreto, a fim de demonstração se a norma se aplicará ou não a ele, de acordo com as individualidades que apresente. A segunda diretriz determina o emprego da razoabilidade como exigência de vinculação da norma existente (a aplicada) com a realidade na qual ela está inserida, se ela possui legitimação fática de existência, ou seja, se possui suporte fático para aplicação no caso concreto. No terceiro prisma, a razoabilidade é útil parametrizando de equivalência entre duas magnitudes, para apurar se há uma relação de equivalência entre a medida e o critério dimensionador[160].
Resumidamente, o critério/postulado da razoabilidade faz um cotejo entre caso concreto e norma, verifica a incidência desta (ou não) de acordo com as características de fato, estabelece se a norma possui suporte de acordo com a conjuntura social do ordenamento jurídico, se ela “faz sentido”, se possui razão de ser; e, finalmente, sopesa regras e normas e determina qual possui prevalência.
O postulado da proporcionalidade, por sua vez, demanda que o os poderes legislativo e judiciário se utilizem de meios adequados, necessários e proporcionais (em sentido estrito) para o atingimento dos fins propostos. Consideram-se adequados os meios se, simplesmente, promove o fim. Um meio é necessário se, dentre os disponíveis, for o menos restritivo quanto às garantias fundamentais. E mostra-se proporcional, em sentido estrito, o meio que supera em vantagens promovidas as desvantagens geradas[161].
A aplicabilidade do postulado da proporcionalidade está intrinsecamente conectado a uma relação de meio e fim concretamente estruturada, caso contrário, pela falta de referenciais o exame de proporcionalidade cai no vazio. Assim sendo, a aplicação deste postulado depende do nexo de causalidade entre meio e fim, sendo sua força estruturadora dos efeitos da utilização do meio e a justificação do objetivo da medida[162].
Portanto, o postulado da proporcionalidade visa estabelecer critérios para medir se o fim alcançado justifica os meios utilizados, se os mesmos possuem relação de causa e efeito, e se o tolhimento de alguma garantia foi feito da forma menos nociva o possível.
Estes postulados devem ser, por certo, analisados conjuntamente. Ou seja, quando da aplicação de uma norma como a Lei Maria da Penha, que contrapõe princípios, de certa forma, os postulados da equidade, razoabilidade e proporcionalidade oferecem as ferramentas necessárias que respondem à pergunta: esta norma é aplicável a este caso concreto?
A aplicação dos postulados normativos exige um caso concreto para averiguação e sopesamento dos critérios inseridos na estruturação dada por estes postulados, bem como da verificação do contexto social onde se inserem, não cabendo sua aplicação apenas ao Direito positivo. A forma de verificação estrutural e a inserção destes postulados serão objetos de análise na próxima seção.
As questões hermenêuticas nos remetem a um olhar sobre à aplicação da Lei Maria da Penha por parte dos diversos Tribunais do País. Após as abordagens acima, sobre o que e como se deve considerar a aplicação de normas, como fundamentos conceituais, políticos, valorativos e filosóficos de fenômenos sociais, apresenta-se a problemática: os julgadores de nosso país examinam os casos concretos de acordo com os fundamentos da proteção dos direitos humanos das mulheres? Quando julgam, eles demonstram conhecimento sobre os conceitos e bases teóricas da Lei Maria da Penha, insculpidos nos tratados internacionais de proteção das mulheres?
Sobre isto, faremos uma análise de julgamentos que envolvam violência doméstica para averiguar os argumentos expendidos pelos julgadores e verificar a utilização e compreensão dos fundamentos conceituais e hermenêuticos acima referidos como requisitos para sua interpretação e efetivação.
Delimitaremos, abaixo, os métodos e procedimentos utilizados na pesquisa realizada sobre a interpretação e aplicação da Lei Maria da Penha, que como instrumento de proteção das mulheres e combate à violência de gênero, tem como objetivo a promoção da igualdade. Após, serão apresentados os resultados obtidos, bem como a análise dos mesmos.
A pesquisa científica pode ser classificada de acordo com as seguintes caracterizações: segundo seus objetivos, segundo suas fontes de dados e segundo os procedimentos de coletas de dados, segundo seu método de coleta de dados e segundo seu método lógico-cognitivo de abordagem.
A pesquisa, segundo seus objetivos, pode ser classificada como exploratória, onde se visa criar a maior familiaridade possível com o fato/fenômeno pesquisado; a descritiva, que é um levantamento de características existentes que compõem o fato/fenômeno pesquisado; e a explicativa, onde, de posse de conhecimentos prévios, se analisa e cria uma teoria a respeito do fato/fenômeno pesquisado[163].
A pesquisa, de acordo com suas fontes de dados, é dividida em três tipos: pesquisa de campo, quando se busca informações/dados no lugar natural onde ocorre o fato/fenômeno pesquisado; pesquisa de laboratório, onde há interferência artificial na produção ou na captação/leitura do fato/fenômeno pesquisado; e bibliográfica, que caracteriza-se pela busca de informações em livros, periódicos, relatórios, etc., produzidos a respeito do fato/fenômeno pesquisado[164].
Conforme os procedimentos de coletas de dados, a pesquisa possui as seguintes classificações: pesquisa experimental, que consiste na realização de experiências, por meio de reprodução controlada do fato/fenômeno pesquisado, para o fim de obter informações sobre quais os fatores que o produzem; pesquisa ex-post-facto, que é similar à experimental, mas se estuda o fato/fenômeno acontecendo naturalmente; pesquisa de levantamento, onde se obtém informações relativamente ao fenômeno com questionamentos feitos a um grupo de pessoas que tenham contato com o fato/fenômeno pesquisado; o estudo de caso, consistente na seleção de um caso específico, fato/fenômeno individual, que será objeto de estudo para o fim de aprofundamento sobre os aspectos peculiares; a pesquisa-ação, onde ocorrem diversos procedimentos anteriormente descritos, como pesquisa bibliográfica, experimentos, etc., com engajamento conjunto entre pesquisador e participantes, normalmente acontece quando há interesse coletivo no fato/fenômeno pesquisado; e bibliografia, que consiste na pesquisa das fontes bibliográficas previamente selecionadas que tratam do fato/fenômeno pesquisado[165].
Há ainda a diferenciação entre os métodos lógicos que são utilizados para a realização da pesquisa, que podem ser indutivos ou dedutivos.
O método indutivo consiste na observação de fenômenos particulares que possuem uma variável lógica em comum para se alcançar proposições generalizadas. Ou seja, o caminho percorrido aqui é do particular ao geral para a formação da argumentação[166].
O método dedutivo, ao contrário do indutivo, parte-se de uma premissa generalizada e logicamente verdadeira a respeito de um fenômeno específico e aplica-o a outro raciocínio lógico, por meio de silogismo, a fim de obter mais conhecimento do por que deste fato/fenômeno. O fato/fenômeno pesquisado é o termo maior do silogismo realizado, o termo médio é a relação entre o fenômeno e seus sujeitos, que são o termo menor[167]. Giza-se que o método dedutivo, por seu formato de inferência, só poderá funcionar com afirmações gerais previamente conhecidas e verdadeiras.
Ademais, há, ainda, as classificações quanto ao método de coleta de dados na pesquisa, que pode ser quantitativo ou qualitativo. Lembrando-se, aqui, que não se trata de “procedimento”, já alhures exposto, e sim “método” de coleta.
O método quantitativo se apreende na intenção de garantir a precisão dos dados, evitando-se discrepâncias na análise das informações e possibilitar uma margem de segurança quanto às inferências obtidas[168].
Embora utilize desta “margem de segurança”, e permita que se verifique a influência de variáveis em relação a um fato/fenômeno, ou, até mesmo, o valor destas para entender ou explicar um problema, este tipo método não se aplica à uma análise específica de causa-efeito entre as variáveis[169]. Quanto a esta última afirmação, não podemos nos olvidar da velha máxima: “coexistência não indica correlação, nem correlação pressupõe causalidade”.
O método qualitativo de coleta de dados, em princípio, diferencia-se do quantitativo por não utilizar um instrumento de estatística como base da análise de um fato/fenômeno[170].
O método qualitativo pode ser definido como a tentativa de apreensão de conhecimento aprofundado do significado de situações fáticas apresentadas pelos sujeitos analisados, em vez da produção de medições características ou comportamentais[171].
Embora haja autores que não diferenciem métodos qualitativos e quantitativos, para Richardson, “podemos reconhecer que a forma como se pretende analisar um problema, ou, por assim dize, o enfoque adotado é que, de fato, exige uma metodologia qualitativa ou quantitativa.” A abordagem qualitativa de estudo e investigação se justifica por esta ser uma maneira apropriada para a compreensão aprofundada e detalhada de um fato/fenômeno pesquisado[172].
Em relação à pesquisa qualitativa, Richardson aduz que “para muitos pesquisadores qualitativos as convicções subjetivas das pessoas têm primazia explicativa sobre o conhecimento teórico do investigador.”[173]
Feitas estas asseverações, passaremos a expor as escolhas para a realização da pesquisa constante neste Capítulo.
Quanto aos objetivos, podemos categorizar a presente pesquisa como exploratória-descritiva, posto que, além de ter como fundamento o levantamento de informações sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, também buscará descrever suas características.
Sobre a metodologia de interpretação lógica da pesquisa, optou-se pela indução, pois se formarão os argumentos generalizados sobre a violência de gênero, a partir de dados particulares coletados dos casos estudados.
No que toca à metodologia de levantamento e abordagem dos dados, optou-se pela pesquisa qualitativa, uma vez que se quer analisar o entendimento sobre os aspectos da Lei 11.340/2006 na visão dos aplicadores do Direito, requerendo aprofundamento teórico-fático sobre a aplicação correta ou incorreta na forma dos conceitos abordados neste estudo. A pesquisa quantitativa, embora pudesse oferecer um panorama sobre a quantidade de casos onde a lei é aplicada, não é pertinente, uma vez que análise é justamente se esta aplicação (ou falta desta) é feita com base nos fundamentos políticos, sociais, conceituais e filosóficos que justificam sua existência como uma ação afirmativa para combater a desigualdade de gênero.
Para atender estes objetivos, foram realizadas pesquisas jurisprudenciais nos sites[174], utilizando-se termos genéricos de busca, tais quais “Lei Maria da Penha”, “Violência de Gênero”, “Lei 11.340/06”, entre outros. de Tribunais de Justiça dos Estados das dez cidades mais populosas do país: São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA, Brasília/DF, Fortaleza/CE, Belo Horizonte/MG, Manaus/AM, Curitiba/PR, Recife/PE e Porto Alegre/RS, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Com os resultados de pesquisas preliminares, foram separados acórdãos que, pela leitura de sua ementa, tratem dos conceitos que estão expostos neste trabalho, a fim de verificar se estão contempladas: a) a compreensão dos fundamentos teóricos da Lei, tais quais gênero, violência de gênero, desigualdade de gênero, etc; e b) a interpretação sistemática do Direito; e, nos casos onde puder incidir, como foi feita a utilização de postulados normativos.
Após o levantamento preliminar de casos, foram analisados, nesta seção, 09 acórdãos de 06 tribunais do Brasil, considerados como que abordam de forma mais pertinente (positiva ou negativamente) os temas de relevância até aqui estudados, sob uma perspectiva fática, não meramente positivista. Como já referido a pesquisa se baseou na metodologia qualitativa, não se prestando a análise a seguir para oferecimento de dados estatísticos, ou indicação de corrente majoritária, mas apenas um olhar interpretativo sobre a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos aqui expostos.
A grande preocupação primordial e que serviu de motivação para o desenvolvimento do presente estudo era as opiniões que se proliferavam, seja no meio jurídico, ou no meio midiático-jornalístico, de que a Lei Maria da Penha seria inconstitucional, por ferir o princípio da isonomia, tratando homens e mulheres de maneira desigual.
Não há, como já afirmado, qualquer inconstitucionalidade na Lei Maria da Penha, seja por que está embasada no Princípio Constitucional da Igualdade Material, de tratamento desigual aos desiguais de fato, seja porque se trata de uma Ação Afirmativa, que pretende discriminar positivamente sujeitos de direito que se viam excluídos do sistema jurídico até o advento dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A visão de que a LMP feriria a igualdade está relacionada diretamente ao ideal de igualdade nascido na forma Clássica do Estado Liberal, que tratava a todos como se fossem iguais de condições sempre; visão que, de certa forma, paira na cultura de aplicação do Direito. Porém, de acordo com o que já foi tratado anteriormente, com a evolução do Estado e advento do ideal do Estado Liberal Democrático de Direito, os valores de não intervenção estatal nos meios privados e de mero assistencialismo social deram lugar aos valores de proteção e promoção de direitos humanos, direitos coletivos e direitos difusos, com intervenção positiva do Estado para que estes objetivos sejam alcançados; e mais, a atuação estatal vai ser calcada nestes ideais.
O que a pesquisa preliminar demonstrou é que, atualmente, não mais se prega a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, seja porque promove a igualdade material, seja porque não houve manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal quanto à ela.
Entendimento de constitucionalidade da Lei Maria da Penha, é encontrado no julgamento do Conflito Negativo de Jurisdição de nº 4661562-12.2007.8.13.0000 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ementado conforme segue:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA - LEI MARIA DA PENHA - INCONSTITUCIONALIDADE - INOCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. I - A ação afirmativa do Estado que busque a igualdade substantiva, após a identificação dos desníveis sócio-culturais que gere a distinção entre iguais/desiguais, não se pode tomar como INCONSTITUCIONAL já que não lesa o princípio da isonomia, pelo contrário: busca torná-lo concreto, efetivo. II - As ações políticas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero - deságüem ou não em Leis - buscam a efetivação da igualdade substantiva entre homem e mulher enquanto sujeitos passivos da violência doméstica. III - O tratamento diferenciado que existe - e isto é fato - na Lei 11.340/06 entre homens e mulheres não é revelador de uma faceta discriminatória de determinada política pública, mas pelo contrário: revela conhecimento de que a violência tem diversidade de manifestações e, em algumas de suas formas, é subproduto de uma concepção cultural em que a submissão da mulher ao homem é um valor histórico, moral ou religioso - a origem é múltipla.”[175]
O irretratável arrazoado realizado pelo julgador denota a compreensão dos mais diversos conceitos intrínsecos às Ações Afirmativas, e, em especial à Lei Maria da Penha como ferramenta para erradicação da violência contra a mulher. Em suas razões, o julgador demonstra motivações não apenas constitucionais, mas também históricas e culturais para motivar sua decisão. A interpretação sistemática apregoada como requisito para aplicação da Lei Maria da Penha se mostra presente quando o intérprete se despiu de quaisquer leitura isolada e técnica de comandos legais positivados e construiu raciocínio jurídico considerando as normas existentes tanto no âmbito nacional, quanto no internacional e, acima de tudo, nos objetivos constitucionais de promoção do bem de todos e erradicação das desigualdades.
O postulado da equidade possui especial função estrutural na análise de casos de violência de gênero uma vez que contrapõe critérios diferenciadores e finalidades para as quais a norma foi feita. Neste caso, se mostra como diferenciador necessário o critério “gênero”, devido à historicidade da subjugação feminina como bem fundamentado pelo julgador no caso em tela.
O julgamento da Apelação Criminal 6262/2009, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mostra o entendimento, em nossa opinião, equivocado sobre a violência de gênero. No caso, houve violência perpetrada por varão contra sua companheira grávida, sendo desferidos socos e chutes contra ela, já havendo notícias de ocorrências deste tipo anteriores. O caso possui a seguinte ementa:
“Indivíduo objeto de procedimento policial, e depois denunciado, pelo crime de lesão corporal na pessoa de sua companheira, a teor do artigo 129, § 9º, do Código Penal, na redação da Lei Maria da Penha (Lei 11340 de 2006). Prisão e liberdade provisória. Proposta ministerial da suspensão do processo, com base no artigo 89 da Lei 9099/1995. Aceitação e decretação pelo Juízo de origem. Outro procedimento, envolvendo o mesmo casal, com igual resultado. Notícia de processo ulterior, pelo delito contido no artigo 180 do Digesto, pelo qual a Promotoria de Justiça pediu a revogação do benefício. Indeferimento pelo Magistrado a quo. Apelação. Declinação da competência pela E. Turma Recursal dos Juizados, pelo fator da incidência do referido diploma de proteção da mulher. Opinar do “parquet” de 2º grau no abono da insurgência. Diligências do Relator, com mantença de tal posição. Respeitosa discordância. Varão e mulher já disseram em audiência que estão reconciliados, retomando a vida marital, e tendo um filho, ou dois filhos, de pouca idade. A mulher não compareceu para o exame de corpo de delito, só o tendo feito o homem, que restou com escoriações provenientes de “unhadas”. Mesmo que se considere ter ele, por superioridade física, ferido a mulher por mais intenso, dificilmente seria condenado, no julgamento de mérito, a uma sanção superior ao mínimo de 03 meses de detenção; o que estaria prescrito. Valor familiar que, apesar dos pesares, continua prestigiado pela Carta Magna, de específico quando almeja a conversão em casamento da união fática entre homem e mulher. Interpretação da dita Lei 9099/1995 que não cabe ser restrita à literalidade, mas que deve abranger os elementos racionais, sistemáticos e teleológicos. Delito de receptação, contra o patrimônio, que muito difere da infração objeto destes autos. Cumprimento presumido, pelo réu, das condições fixadas para o dito sursis. Vida do casal, ao que tudo indica, dentro da normalidade, sem outras agressões. Exegese, também equilibrada, que impende, da Lei Maria da Penha. Decisório que se mostra irretocável. Recurso desprovido.”[176]
O juízo de primeiro grau aplicou as benesses do artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais, para a suspensão condicional do processo. Tal medida se deu com base no fato de que ambos, homem e mulher, estariam “reconciliados” e procedendo na criação conjunta de filho ou filhos, e que a pretensão punitiva já estaria prescrita, se ocorresse, pela pena a que seria condenado o agressor em caso de procedência da denúncia.
Tais afirmações não consideram o caráter protetivo da Lei Maria da Penha, bem como a provável impossibilidade de uma verdadeira reconciliação e convivência pacífica entre os companheiros, tendo em vista a recorrência da violência e a compreensão, já estudada, de sua natureza cíclica. Esta também evidenciada a necessidade de auxílio que necessitam as vítimas de violência doméstica, posto que, neste caso, por ausência de intervenção, houve “reconciliação”, tendo retornado o agressor para a convivência com a vítima.
Tratando o caso como outro qualquer, o julgador ignora a especificidade da violência de gênero como uma violência política reconhecida pela OMS como problema de saúde pública, merecendo maior atenção por parte do Estado.
Destaca-se uma passagem do voto do Relator, onde este alega que se fosse revogado o entendimento de aplicação benéfica da Lei dos Juizados Especiais realizado em primeiro grau, o réu se mostraria inconformado e se voltaria violentamente contra a companheira, além de impossibilitar o convívio entre pais e filhos, como se o Estado nada pudesse fazer. Além disso, destaca-se a presumida visão discriminatória do julgador quando este afirma que a Constituição almeja que as uniões de fato entre pessoas de SEXOS DIFERENTES sejam convertidas em casamento. Nas palavras do relator:
“A família, apesar dos pesares, ainda é um valor constitucional. A Carta Magna almeja que as uniões de fato entre pessoas de sexo diferente sejam convertidas em casamentos. Revogar-se tal sursis processual, além de todo o já comentado, porá em risco a reconciliação já havida; revoltará o ora recorrido, e remeterá o casal à lembrança das brigas e das agressões. Prejudicará; o que é pior; o convívio entre pais e filhos.”[177]
Estas afirmações também denotam uma opinião de prevalência da proteção à família, na sua clássica concepção, em detrimento à proteção do bem-estar das mulheres, evidenciando o problema da cultura do Direito, como acima demonstrado, pois se mostra perpetuador de visões estereotipadas e antiquadas percepções sociais sobre o que deve ou não ser valorizado.
Em nosso entendimento, deveria haver maior interesse preventivo e protetivo por parte do Estado quando há situação de presumida recorrência em atos de violência, ainda mais quando o ato em comento se dá contra mulher grávida. Além disso, o objetivo da Lei Maria da Penha em seu artigo 41 era justamente dar um tratamento especial para este tipo especial de atuação agressiva, na forma de desencorajamento da prática e como medida pedagógica contra a discriminação de gênero, merecendo tratamento diferenciado dos crimes violentos comuns, e não devem, sob nenhuma hipótese, ser consideradas crimes de menor potencial ofensivo, pela importância reconhecida pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O postulado da razoabilidade terá importância vital no estudo do presente caso, uma vez que na sua dimensão de suporte fático de uma norma em relação à aplicação no caso concreto. Aqui, não parece razoável, devido à “razão de ser” da Lei Maria da Penha, que tem como objetivo a erradicação da violência de gênero, que se negue proteção maior às vítimas de violência deste tipo. A LMP, inserida no contexto social brasileiro (e internacional) não pode ser preterida para se dar maiores privilégios a agentes perpetuadores da dominação de gênero.
Nos seguintes casos analisados, a controvérsia paira sobre a possibilidade de contravenções penais estarem abrangidas pela Lei Maria da Penha ou não, até a criação dos Juizados de Violência Doméstica. Foram analisados dois julgamentos, um a favor da aplicação da Lei neste caso e outro contrário a este entendimento.
O acórdão que possui entendimento contrário à aplicação da Lei 11.340/06 possui a seguinte ementa:
“processual penal. lei maria da penha. contravenção penal. Vias de fato. Competência declinada.
Malgrado tenha a L. 11.340/06 concentrado as jurisdições cível e criminal em um juizado integrado, para a apreciação de todas as “causas” afetas à violência doméstica e familiar contra a mulher, ressalvou, em seu art. 41, que a aplicação da L. 9.099/95 só não ocorreria aos crimes praticados sob o manto de incidência da nova lei, deixando claro, a contrario sensu, ser a L. 9.099/95 ainda aplicável às contravenções penais. Declinaram da competência. Unânime.”[178]
O intérprete aqui aduz que o legislador quando falou em “crimes” no artigo 41 da LMP, retirou de sua égide as contravenções, devido ao caráter técnico de distinção entre os dois, conforme se nota no seguinte trecho:
“A Lei fala em ‘crimes’ e não diz, em momento algum, que às contravenções não seria aplicável a L. 9.099/95. Do leigo até se admitiria a confusão entre ‘crime’ e ‘contravenção’, mas não se pode pressupor que o legislador tenha ignorado as distinções técnicas que têm base legal expressa na Lei de Introdução ao Código Penal”[179]
O julgador nitidamente se atém a questões técnicas positivistas, deixando de analisar a razão de não se aplicar, aos fatos albergados pela Lei, a competência dos Juizados Especiais Criminais.
Como já citado anteriormente, a violência física contra a mulher não precisa deixar marcas visíveis, daí porque a desnecessidade de se caracterizar as lesões corporais. Não deixando marcas, o ato violento perpetrado contra a mulher será tratado como vias de fato, e, mantendo-se uma compreensão eminentemente positivista e técnica, tramitará nos Juizados Especiais, recebendo tratamento idêntico a outros tipos de violência.
Permitir um tratamento generalizado a atos violentos contra a mulher, inclusive com oferecimento de benefícios como multas pecuniárias e suspensão condicional do processo, afasta o caráter protetivo/pedagógico caracterizado nas convenções internacionais de Direitos Humanos, na Constituição e na própria Lei Maria da Penha, relegando à perpetuação as agressões físicas sofridas pelas mulheres.
A despeito de qualquer imprecisão técnica na redação do artigo 41, o que podemos pressupor de qualquer artigo da Lei 11.340/06, a partir de uma análise sistemática, em especial com o artigo 7º, inciso I da referida norma, é que não quis o legislador afastar de sua incidência qualquer ato que possua motivação de gênero, que se valha para manter a mulher em relação desigual de poder e que perpetue atos de violência contra ela, não se admitindo, assim, que qualquer destes, independentemente de sua natureza, sejam abrandados ou tenham tratamento comum.
Novamente se evidencia o problema da cultura do Direito, pois se prioriza a questão de técnica legislativa, sem considerar-se os valores constitucionais de proteção de Direitos Humanos e da interpretação sistemática das normas que envolvam o caso. O papel do intérprete é corrigir a imprecisão para aumentar a abrangência da proteção e promoção das mulheres vítimas de violência de gênero, e não o de utilizar interpretação literal para perpetuar uma condição histórica de inferioridade e insubordinação a que são submetidas as mulheres.
Segue esta linha caso favorável, proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao afastamento da jurisdição dos Juizados Especiais nos casos de violência de gênero, seja qual for o delito praticado. O caso possui a seguinte ementa:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. VIAS DE FATO. CONFLITO FAMILIAR. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR A CAUSA. JUÍZO COMUM.
A competência para o processo e julgamento da denúncia em que se imputa a prática de vias de fato no seio familiar, enquanto não sobrevier a instalação dos Juizados de Violência Doméstica, é atribuída ao juízo comum, e não ao juizado especial criminal.
A interpretação sistemática e teleológica da Lei 11.340/06, inspirada pelo seu espírito protetivo, faz emergir a conclusão de que quaisquer fatos com repercussão criminal cometidos no âmbito familiar merecem a atenção especial do Estado e recomendam a competência do juízo comum, independentemente de se tratar de crimes ou de contravenções penais.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE, PARA MANTER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM.”[180]
O caráter interpretativo teleológico está evidenciado no irretocável pronunciamento do relator ao falar sobre os objetivos almejados pelas normas de proteção às mulheres:
“Parece cristalino que a legislação em comento não visa a proteger (no sentido de dar maior fiscalização estatal) apenas aos crimes praticados no seio da família, mas sim a todas as práticas ilícitas que tenham repercussão na órbita criminal e tenham sido praticadas perante o conjunto familiar. É esta a interpretação que mais se concilia com o espírito protetivo afirmado pela Lei Maria da Penha, que ainda ontem (23.09.2011) completamente [sic] um lustro de vigência.”[181]
Esta é a interpretação sistemática que deve ser dada a qualquer dispositivo da Lei Maria da Penha. Em consonância com os tratados internacionais, a intenção é de proteger a vítima, assistindo-a e promovendo ações para que práticas de violência de gênero não sejam mais cometidas, não excluindo quaisquer delas de sua égide.
O julgamento do Habeas Corpus nº 0075033-16.2011.8.26.0000, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, exemplifica a utilização do postulado proporcionalidade em suas três vertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. O acórdão é ementado conforme abaixo:
“HABEAS CORPUS - LESÃO CORPORAL - LEI MARIA DA PENHA - Impetração visando a concessão de liberdade provisória - IMPOSSIBILIDADE – Não se vislumbra a ocorrência de constrangimento ilegal - Paciente com personalidade agressiva - Histórico de agressões já de conhecimento dos milicianos que atenderam a ocorrência - Preenchimento dos requisitos da liberdade provisória não são os únicos elementos a serem apreciados – Ordem denegada.”[182]
No julgamento, o intérprete aduz que a soltura do paciente acarretaria não apenas perigo à vítima, mas também insegurança, além de o agressor demonstrar que possui personalidade agressiva e de os fatos de violência ocorrer repetidas vezes, não importando o preenchimento dos requisitos para soltura do mesmo[183].
Há incidência do postulado da proporcionalidade, mesmo que não explicitamente, na motivação do julgador quando este demonstra a adequação da medida, no caso evitar risco à vida da mulher; a necessidade, quando afirma que poderiam ser impor medidas protetivas, mas que estas, por si só, não impediriam o paciente de perseguir a vítima; e proporcionalidade estrita desta pois as vantagens, de garantia do bem-estar físico e psicológico da agredida, superam a desvantagem do segregado.
Esta demonstração de proporcionalidade em sentido estrito evidencia o peso da sistematicidade da interpretação quando o julgador leva em conta as condições históricas e sociais do gênero feminino, quando do embate entre os direitos da vítima e do acusado.
Nesta seção, o exame se dará em casos onde há violência contra mulheres no âmbito da convivência doméstica, mas não há, entretanto, motivação de gênero em sua prática, afastando a incidência da LMP. Não obstante se tenha exposto que não se quer excluir da proteção conferida pela LMP casos de violência de gênero, aplicar medidas protetivas com base nesta norma em casos que não merecem sua proteção servirão para: a) aumentar a demanda crescente nos Juizados de Violência Doméstica; b) banalizar a utilização da Lei Maria da Penha que deve servir para a promoção de Direitos Humanos de mulheres que sofrem com violência de gênero.
Não se entenda aqui que acredite-se tratar de casos pouco importantes os de violência familiar sem motivação de gênero, mas o que se destaca é que a proteção do gênero feminino pode ficar ameaçada se a estrutura do Judiciário, por ter demasiada demanda, não puder oferecer a proteção que vítimas desta violência política necessitam.
Em um dos casos, proveniente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, possui a seguinte ementa:
“CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. LEI MARIA DA PENHA. INCIDÊNCIA. CONFLITO ENTRE AVÓ E NETA. ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA APRECIAR E JULGAR O FEITO. A 'ratio legis' da Lei 11.340/06 é, justamente, o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, prescindindo de qualquer característica especial do sujeito ativo, não se limitando aos conflitos ocorridos no âmbito das relações conjugais.”[184]
Nele, a incidência da Lei Maria da Penha se dá com base no argumento de que a razão de ser da Lei Maria da Penha é proteger mulheres vítimas de violência, sem distinção de quem perpetrou-a.
Assim se manifesta o julgador para justificar a competência dos Juizados de Violência Doméstica para o julgamento de crime de violência havido entre avó e neta, há certo equívoco em suas razões, quando assevera não haver necessidade de qualquer característica especial o sujeito ativo da violência; embora incorra acertadamente na razão de não limitar violência de gênero a conflitos ocorridos apenas a relações conjugais.
No segundo caso, advindo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a violência é pratica por um filho contra sua mãe, tratando de caso onde o sujeito ativo da violência é homem. Todavia, não é apenas o fato de o sujeito ativo ser homem que caracteriza uma relação de gênero, devendo ser feita uma análise da característica da situação da violência, se esta possui motivação de dominação por interpretação de papéis hierarquicamente desiguais. A ementa é a seguinte:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RELAÇÃO FAMILIAR.
1. A incidência da Lei sobre violência doméstica (Lei nº 11.340/06) tem como pressuposto motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar, isto é, opressão contra a mulher.
2. Tratando-se de suposto delito de ameaça praticado pelo filho contra sua mãe, há a incidência da Lei Maria da Penha no presente caso, tendo em vista que se trata de violência praticada no âmbito da família. Hipossuficiência da vítima que restou aparente no presente caso, visto que se tratava de vítima nascida em 1945 e que pode ser inclusive presumida em se tratando de agressões de um homem contra uma mulher, tendo em vista a superioridade física daquele ante esta.
JULGARAM PROCEDENTE O CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. UNÂNIME.”[185]
Neste caso, em uma análise prefacial, não existe a motivação de dominação, sendo esta situação, inclusive, evidenciada pelo julgador de primeiro grau, conforme o que mostra o arrazoado a seguir:
“Trata-se de pedido de concessão de medidas protetivas com base nas disposições da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Segundo consta na ocorrência policial, a vítima é mãe do suposto agressor, sendo que as ameaças são, em tese, praticadas porque o mesmo é usuário de entorpecentes e sofre de esquizofrenia.
Ocorre que a Lei Maria da Penha Destina-se à proteção da mulher que, em razão do gênero, sofre violência (por exemplo, casamento, namoro e união estável, ainda que findados), não alcançando, portanto, o caso em tela.
Logo, o fato de o alegado crime ter sido praticado contra mulher, não acarreta, por si só, a incidência da legislação específica, cabendo à parte, querendo, ajuizar a devida ação no respectivo juízo”.[186]
No entanto, o relator do Conflito de Jurisdição de nº 70039242680, apesar de afirmar que a “incidência da Lei sobre violência doméstica (Lei nº 11.340/06) tem como pressuposto motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar, isto é, opressão contra a mulher”, entendeu haver esta relação de hipossuficiência e dominação, no caso de ameaças proferidas por filho drogadito contra sua mãe.
Ambos os casos, por mais louváveis que sejam suas intenções, podem influenciar em pontos negativos quanto à efetividade de aplicação da Lei Maria da Penha. Como já dito, se todos os casos onde haja violência contra a mulher forem tratados com o manto da Lei Maria da Penha ocorre de os Juizados especializados ficarem abarrotados de processos, possuindo mais demandas do que possam dar conta; e também numa banalização da utilização da Lei Maria da Penha, que possui condão protetivo de relação de gênero.
Situações de risco ou de violência que não sejam motivadas por relações de gênero possuem guarida da legislação cível e criminal, não sendo motivo para aplicação da Lei Maria da Penha. Já tratamos alhures que relações entre pais e filhas, irmãs, mães, a, até mesmo, empregadas domésticas podem ser albergadas pela LMP, porém, em cada caso deve ser averiguado se há relação de gênero, com desigualdades em relações de poder e utilização da violência com o intuito de perpetuar posição hierárquica superior do gênero masculino.
Analisando sistematicamente, o artigo 1º da Convenção de Belém do Pará e artigo 5º da Lei Maria da Penha em conjunto com o artigo 7º da mesma Lei, atesta-se que é exegese desta que a violência seja baseada em gênero. Para determinar se há ou não a violência de gênero, é necessário buscar na doutrina e na História a construção deste conceito, como forma de subjugar a mulher ao espaço privado dentro da sociedade, que, conforme Saffioti, faz parte do plano de dominação-exploração masculino que perdura praticamente desde o inicio da civilização, utilizando-se das mais diversas ferramentas para isto, como já exposto anteriormente.
Embora Saffioti refira que não necessariamente deva ser um homem o perpetrador da dominação patriarcal característica de uma relação de gênero[187] nem sempre quando há violência entre familiares, mesmo com prevalência física de um perante o outro, poderemos pressupor que haja relação de gênero, ou mesmo relações desiguais de poder bem delineadas, requerendo uma análise mais aprofundada do fato.
Em ambos os casos, de acordo com o referencial abordado anteriormente neste trabalho, não há violência de gênero; há sim, a necessidade de proteção do Estado relativamente às vítimas de tais violências, mas não deverão valer-se da Lei Maria da Penha, sendo que lhes socorrerá o contido nas legislações Cível e Penal.
Esta foi a leitura do relator do Conflito de Jurisdição nº 0208666-4, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, ementado da seguinte forma:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. LESÃO
CORPORAL E AMEAÇA. CRIMES PRATICADOS CONTRA MENOR PELO GENITOR. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL DOS CRIMES CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTES.
1. Pelo teor do art. 5o da Lei Maria da Penha constata-se que constitui requisito essencial para a incidência do referido diploma que a mulher seja vítima de violência em razão de sua condição feminina, do contrário, a lei não utilizaria a expressão "baseada no gênero". Mostra-se competente, no presente caso, a Vara de Crimes Contra Criança e Adolescente, tendo em vista tratar-se de lesão corporal e ameaça, praticadas pelo genitor contra sua filha menor, que estava sob seus cuidados, não se tratando, assim, de agressões baseadas no gênero.
2. Conflito de jurisdição julgado improcedente, mantida a competência do Juízo Suscitante.”[188]
Neste julgamento, aferiu-se haver violência contra mulher e condição de hipossuficiência, mas que isto não provinha de situação de gênero, e sim de se tratar de filha do agressor, e que este teria agido da mesma forma independentemente do sexo da vítima, conforme afirma:
“Pelo teor do dispositivo supra [o artigo 5º da Lei Maria da Penha], constata-se, sem maiores dificuldades, que constitui requisito essencial para a incidência do referido diploma que a mulher seja vítima de violência em razão de sua condição feminina, do contrário, a lei não utilizaria a expressão ‘baseada no gênero’.
Além disso, o fato de tratar-se de mulher, por si só, não justifica a proteção prevista em Lei Especial, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da igualdade entre os sexos.
Portanto, não é qualquer espécie de crime praticado contra mulher que é alcançado pela "Lei Maria da Penha", mas apenas aqueles perpetrados no âmbito doméstico e familiar e em razão da condição feminina da vítima.
No caso análise, nota-se que o acusado João Paulo Nascimento Vieira se viu denunciado (fls. 03/04) pela prática de lesão corporal e ameaça contra sua filha, uma criança com, à época do fato, 02 (dois) anos, que estava sob seus cuidados. Não se trata, assim, de agressões baseadas no gênero, ou seja, em razão da condição feminina da vítima, posto que, ainda, que a vítima se tratasse de um menino, tudo leva a crer que o genitor, ora acusado, teria procedido da mesma forma.”[189]
Esta é a interpretação sistemática, social e cultural que deve ser feita caso a caso, quando da análise de aplicação ou não da Lei 11.340/06, sob pena de, como já exposto, banalizar sua utilização e torná-la inócua ao fim para o qual ela foi criada. Note-se que não houve negativa de situação de hipossuficiência ou qualquer alegação de proteção ao acusado ou recusa de tutela a sujeito de direito merecedor de proteção especial, mas o que houve foi o enquadramento correto do caso (fato) à Lei específica (norma) para o fim de recebimento da tutela específica (valor) a que faz jus.
A motivação da decisão do Conflito Negativo de Competência nº 10520-8/2008, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, demonstra a negativa de proteção específica a quem de direito se levadas em conta condições culturais, sociais e históricas. O processo possui a seguinte ementa:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA SUPOSTAS INFRACOES CATALOGADAS NOS ARTIGOS 140 E 147 DO CP. AUTOR DO FATO EX-NAMORADO DA VITIMA. LEI N° 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA. INAPLICABITIDAnF NAMORO COMO RELACAO INTIMA DE AFETO (ARTIGO 5°, III, DA LEI 11.340/2006) NAO EVIDENCIADO IN CASU (ANALISE CASO A CASO). ENTENDIMENTO RECENTE DO STJ (Discute-se, em conflito de competência. se o disposto na Lei n° 11.340/2006 – Lei Maria da Penha - e aplicável as relações entre namorados. Para a Min. Relatora, como o art. 5º da citada lei dispõe que a violência domestica abrange qualquer relação intima de afeto e dispensa a coabitacao. cada demanda deve ter uma analise cuidadosa, caso a caso. Deve-se comprovar se a convivência e duradoura ou se o vinculo entre as partes e eventual, efêmero. uma vez que não incide a Lei em comento nas relações de namoro eventuais. No caso, o suposto fato delituoso não se amolda aos requisitos exigidos na Lei Maria da Penha. Desse forma, a Seção declarou competente o juízo de Direito do Juizado Especial Criminal, o suscitado. Precedente Citado: CC 85.425-SP, DJ 26.06.2007 CC 91979-MG, Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura. julgado em 16.02.2009). COMPETENTE O JUIZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.”[190]
Como já exaustivamente tratado, a interpretação sistemática da Lei Maria da Penha é imprescindível para sua correta aplicação. No presente julgamento, o intérprete valeu-se de questão de temporalidade para a aferição de haver ou não relação íntima de afeto. Porém, em se tratando de violência perpetrada historicamente e culturalmente aceita, não se pode negar guarida a mulher vítima de violência quando há relação de gênero.
Embora o julgador valha-se de julgado do Superior Tribunal de Justiça, o mesmo trata de caso positivo de aplicação da LMP, ou seja, indica que não é necessária coabitação para configuração de violência de gênero[191], utilizando como argumento irrelevante em seu silogismo, senão vejamos:
“O suposto autor do fato era ex-namorada da vitima (folhas 03/04), não encontrando nos autos quaisquer elementos probatórios de que sem namoro com a mesma fosse duradouro; que houvesse convivência entre ambos ou outra forma de que tal relacionamento tinha contornos firmes e intenções mais concretas de um entendimento estável, nada comprovou os autos.”[192]
Ora, já foi abordado neste estudo que a violência de gênero (de cunho político) não possui relação com a durabilidade, consistência ou intenção do homem nas relações, possuindo como único objetivo a subjugação da mulher nas relações de poder, relegando-a papéis estereotipados e submissos na sociedade.
Negar vigência às normas protetivas do gênero feminino a uma vítima de violência apenas porque seu relacionamento não se caracteriza como uma relação duradoura, ou que haja intenções não efêmeras de ambos os lados é reconhecer o problema da cultura na interpretação do Direito, quando se valoriza mais conceitos ultrapassados de construção de laços de afetividade/afinidade do que os conceitos de dominação e exploração de gênero que historicamente pairam sobre a civilização.
Utilizando-se destes argumentos, o julgador, embora pareça estar fazendo uma interpretação teleológica da Lei, está, na verdade, incorrendo em falha estrutural quanto aos postulado da ponderação e a interpretação sistemática, pois atribui valor apenas a alguns elementos constantes na interrelação posta á sua frente, sem considerar outros bens, valores, princípios e interesses, pois apenas observa o que a lei define e sopesa elementos de tempo, porém, olvida-se de incluir nesta ponderação os fatores culturais, filosóficos, conceituais, políticos e sociais que envolvem as manifestações de gênero.
O presente trabalho tinha como objetivos estudar os fundamentos conceituais da Lei Maria da Penha e promover sua eficácia a partir da interpretação hermenêutica, elucidar o papel do Direito e as responsabilidades do Estado brasileiro frente à violação dos direitos humanos causada pela desigualdade entre homens e mulheres; estudar os fundamentos conceituais da Lei Maria da Penha como instrumento de combate à violência doméstica contra a mulher; e verificar se (in)compreensão conceitual da Lei pode ser considerada uma das causas de sua banalização e ineficácia e propor soluções para este problema.
Estes objetivos foram propostos a partir da verificação da problemática de acreditar-se haver no Judiciário, o erro na interpretação e, consequentemente, na aplicação da Lei Maria da Penha, como ferramenta contra a violência doméstica, pratica esta culturalmente difundida e socialmente aceita. Com este erro, incorre-se na banalização do texto legal, abrangendo ou distorcendo seu alcance aos sujeitos de Direito para quem esta Lei, em específico, não deve ser dirigida, ou não alcançando a proteção específica que a Lei, como Ação Afirmativa, dirige aos sujeitos de direito que fazem jus.
Ficou demonstrado que o Estado Democrático de Direito possui como principal base a promoção de direitos coletivos, devido ao princípio da igualdade material, que tem como fundamento o tratamento desigual dos desiguais, sendo que a principal ferramenta para isto são as Ações Afirmativas, na forma de políticas que visem modificar a realidade de desigualdades.
Uma destas formas de desigualdade, a de gênero, foi abordada, sendo mostrada seu surgimento e manutenção. Esta desigualdade se se baseia em relações hierárquicas de poder com papéis sexuais, masculinos e femininos, bem definidos. Os homens assumem o papel público e privado, enquanto que às mulheres somente se permite atuação na esfera privada, no recôndito do lar. Sendo que é por meio da violência, principalmente, que os homens mantém esta situação de desigualdade.
Vimos, também, que foi a partir das últimas décadas do século passado que começaram a surgir movimentos feministas organizados para combater esta opressão. Foi também por esta época em que foram assinados os primeiros tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, conferindo, pela primeira vez, a condição de sujeitos de direito das mulheres, reconhecendo internacionalmente a importância de proteção especial às vítimas de violência de gênero e a necessidade de erradicação de sua prática.
No Brasil, a Ação Afirmativa para alcançar estes objetivos se chama Lei Maria da Penha, promulgada em 2006 com a finalidade de tornar factíveis os objetivos constitucionais e internacionais de proteção da mulher e promoção do bem estar destas. Diante disto, aferimos os conceitos e referenciais teóricos necessários para a correta aplicação da Lei no nível do Poder Judiciário, tendo-se em vista a teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale.
Além disto, tratamos da necessidade de interpretação sistemática das situações de gênero, conforme o conceito de sistema jurídico trazido por Juarez Freitas, superando a interpretação meramente técnico-positivista, inviável no atual sistema constitucional. Ademais, apresentamos as formas de expurgação de antinomias entre princípios e normas em conflito nos casos concretos, em especial com a utilização de postulados normativos, que estruturam a análise judicial e determinam como devem ser resolvidas estas antinomias.
De posse destas informações partiu-se para a pesquisa proposta, por meio de análise de casos judiciais, de natureza exploratória-descritiva, com metodologia indutiva e qualitativa de análise e aferição de resultados, buscando jurisprudências nos Tribunais de Justiça das 10 maiores capitais do Brasil, a fim de se observar, aproximadamente, como se tem produzido o Direito nestes órgãos.
Após a triagem preliminar, com análise de ementas, foram então analisados os julgamentos considerados mais relevantes no tocante à forma de motivação de suas decisões e os conceitos levantados no estudo bibliográfico.
No primeiro ponto, tocante à questão de constitucionalidade da Lei Maria da Penha, o julgado utilizado para análise faz uma leitura irretocável, reconhecendo a necessidade de extirpação de desigualdades na forma de tratamento desigual, reconhecendo a Lei Maria da Penha como uma Ação Afirmativa e ferramenta de transformação da submissão a que a mulher foi submetida historicamente.
No segundo ponto, utilizando-se de rigorismo técnico, o julgador nega a vigência da Lei Maria da Penha em um caso onde ao agressor foi imputada prática de “vias de fato” em situação flagrante de relação de gênero. Mas, por desconhecimento ou desconsideração dos fundamentos teóricos que permeiam as questões de gênero, e imbuído de certa dose de visão estereotipada quanto ao conceito de “família”, o julgador ateve-se ao fato de que na redação de LMP em um ponto fala em “crimes” e não “contravenções penais”, e que, segundo seu entendimento, isto excluiria da égide da Lei os casos de contravenção. Por óbvio que não são imprecisões textuais que excluirão do manto de proteção da norma em comento agressões físicas de qualquer espécie, pois se isto ocorresse se estaria negando a condição reformadora da Lei.
No terceiro tópico, examinou-se um caso de típica colisão de princípios, onde a liberdade de um suposto agressor enfrentou o direito à vida e segurança da vítima. Utilizando-se do postulado da proporcionalidade implicitamente aplicado, o julgador entendeu que o direito da vítima merecia guarida, em detrimento ao do réu. Porém, tal construção não seria possível sem a demonstração (realizada na motivação) da relevância histórica da violência de gênero e disto resulta o merecimento de maior proteção por parte de suas vítimas.
No quarto ponto da pesquisa, se contemplou casos onde existe violência contra mulheres, mas que não se constituem casos de violência de gênero, bem como o problema de aplicar a LMP nestes casos. O vislumbre equivocado de situação de violência que não tem motivação de gênero, acarreta em assoberbamento das repartições especializadas neste tipo de violência, dificultando o alcance da tutela a quem de direito, além de banalizar a utilização da Lei, colocando em risco a própria eficácia da norma. Porém, um dos casos estudados neste quesito faz a interpretação correta ao afirma que nem toda a violência contra a mulher é violência de gênero, e, que naquele caso específico, apesar da hipossuficiência, a motivação para a prática violenta não era baseada em gênero.
Por último, se observou um caso onde foi negada a tutela específica da Lei 11.340/06 sob o argumento de que a relação em comento carecia de profundidade, temporalidade e afeto suficientes para caracterização de relação de gênero. Incorre-se em grande equívoco quando se coloca sob ótica apenas o fator tempo em um relacionamento, quando a questão de gênero em nada e modifica com isso, uma vez que conforme a doutrina estudada, a violência de gênero é perpetrada por homens contra mulheres quando estes querem mantê-las “em seus devidos lugares”, valendo-se de seu papel social masculino e da aceitação cultural que a prática possui. Este é um típico caso de desconhecimento dos fundamentos filosóficos e conceituais da violência de gênero.
Concluiu-se, assim, que ainda há, em alguns níveis do judiciário, o desconhecimento de conceitos relevantes sobre a violência de gênero, da necessidade da mudança de panorama por meio de Ações Afirmativas interdisciplinares que requerem uma articulação complexa do meio jurídico. Além disto, notou-se a ausência de contemplação dos fatores históricos relevantes nos casos envolvendo violência de gênero, sendo as motivações reduzidas a questões formais sobre o que está ou não escrito na Lei, desconsiderando-se os objetivos constitucionais de nosso sistema jurídico.
Por outro lado, a Lei Maria da Penha, a despeito de qualquer imprecisão técnica que poderá ser corrigida, é, de forma geral, considerada constitucional, principalmente se notarmos argumentos favoráveis às discriminações positivas como forma de promoção do bem-estar social, legitimadas no princípio da igualdade.
Sem dúvida não se intentou neste trabalho esgotar o tema proposto, e, sequer, servir de base estatística sobre a aplicação correta ou incorreta da Lei 11.340/06. Porém, de qualquer forma, as conclusões alcançadas denotam ventos de mudança no Poder Judiciário, embora ainda necessário menor rigorismo técnico, mas, de maneira geral, demonstra obediência aos ditames constitucionais e, principalmente, motivações enraizadas nos ideais do Estado Democrático de Direito.
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[2] STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.51
[3] LA BRADBURY, 2011.
[4] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p.40.
[5] SARMENTO, Daniel. A Dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.) Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.253.
[6] STRECK; MORAIS, 2010, p. 57.
[7] SARMENTO, 2003, p.253.
[8] STRECK; MORAIS, 2010, p.61.
[9] FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 26 ago. 1789. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 12 de agosto de 2011.
[10] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 26ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.129.
[11] MALUF, 2003, p.130.
[12] MALUF, 2003, p.130.
[13] MALUF, 2003, p.130.
[14] MALUF, 2003, p.130.
[15] BOBBIO, Norberto apud STRECK; MORAIS, 2010, p. 56.
[16] MALUF, 2003, p.131.
[17] MALUF, 2003, p.133.
[18] STRECK; MORAES, 2010, p.63.
[19] MALUF, 2003, p.135.
[20] MALUF, 2003, p.135.
[21] BONAVIDES, 2009, p.176.
[22] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Estudos Avançados, São Paulo, v. 12, n. 34, Dezembro 1998, p.7.
[23] MARX; ENGELS, 1998, p.8.
[24] MARX; ENGELS, 1998, p.12.
[25] BONAVIDES, 2009, p.176.
[26] BONAVIDES, 2009, p.176.
[27] BONAVIDES, 2009, p.176.
[28] MALUF, 2003, p.136.
[29] BONAVIDES, 2009, p.186.
[30] BONAVIDES, 2009, p.187.
[31] STRECK; MORAIS, 2010, p.70-71.
[32] STRECK; MORAIS, 2010, p.96.
[33] SARMENTO, 2003, p.254.
[34] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª edição. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p.380.
[35] MALUF, 2003, p.149.
[36] STRECK; MORAIS, 2010, p.97.
[37] STRECK; MORAIS, 2010, p.97
[38] STRECK; MORAIS, 2010, p.98-99.
[39] STRECK; MORAIS, 2010, p.101.
[40] BONAVIDES, 2006, p.376.
[41] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.426.
[42] BONAVIDES, 2006, p.376.
[43] PERNTHALER apud BONAVIDES, 2006, p.379.
[44] WINKLER apud BONAVIDES, 2006, p.379.
[45] BONAVIDES, 2006, p.379.
[46] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16ª ed. atualiz. São Paulo: Atlas, 2004, p.66.
[47] CANOTILHO, 2003, p.429.
[48] MORAES, 2004, p.67.
[49] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. rev. e atualiz. São Paulo: Saraiva, 2010, p.206.
[50] COMPARATO, 2010, p.206.
[51] PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas No Brasil: Desafios e Perspectivas. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): p. 887-896, set.-dez. de 2008, p.888.
[52] PIOVESAN, 2008, p.888.
[53] MORAES, 2004, p.67.
[54] COMPARATO, 2010, p.241.
[55] CANOTILHO, 2003, p.428.
[56] GOMES, Joaquim Benedito Barbosa apud SILVA, Luiz Fernando Martins da. Sobre a implementação de cotas e outras ações afirmativas para afro-brasileiros. Disponível em: <http://www.achegas.net/numero/cinco/l_fernando_2.htm> Acesso em: 12 de agosto de 2011.
[57] MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (Affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.29.
[58] OLIVEIRA, Eduardo H. P. de. Além do nada: Estado, raça e ação afirmativa. Intertexto-Gestão da Informação, Estudos e Projetos: Cidadania. Disponível em http://www.intelecto.net/cidadania/nada.htm>. Acesso em: 20 de setembro de 2011.
[59] GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.62.
[60] GOMES, 2001, p.66.
[61] GOMES, 2001, p.67.
[62] GOMES, 2001, p.68.
[63] MIGUEL, Sonia M. A política de cota por sexo: um estudo das primeiras experiências do Legislativo Brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000, p.17.
[64] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça : a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência domestica e familiar contra a mulher. 2a Edição rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.75.
[65] GOMES, 2001, p.77.
[66] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE e ESCOLA DE LONDRES DE HIGIENE E MEDICINA TROPICAL. Preventing Intimate Partner And Sexual Violence Against Women : taking action and generating evidence. Genebra: Organização Mundial de Saúde, 2010, p.6.
[67] FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha : comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p.203.
[68] FEIX, 2011, p.203.
[69] FEIX, 2011, p.202-203.
[70] BARSTED, Leila Linhares. Lei Maria da Penha: Uma Experiência Bem-Sucedida de Advocacy Feminista In: CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha : comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011, p.29.
[71] TAYLOR apud GOMES, 2001, p.75.
[72] SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 15, n. 2, jul./dez. 1990, p.72.
[73] SCOTT, 1990, p.72.
[74] SCOTT, 1990, p.91.
[75] FEIX, 2011, p.202.
[76] FEIX, 2011, p.202.
[77] SCOTT, 1990, p.92.
[78] CORTIZO, María del Carmen; GOYENECHE, Priscila Larratea. Judiciarização do privado e violência contra a mulher. Revista Katálysis [online]. vol.13, n.1, p. 102-109, 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rk/v13n1/12.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2011, p.106.
[79] CORTIZO; GOYNECHE, 2010, p.106.
[80] FEIX, 2011, p.202.
[81] SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu [online]. Campinas, n. 16, p. 115-136 , 2001 . Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a07.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2011, p.116.
[82] FERREIRA, Maria de Fátima de Andrade. Relações de Gênero e Sexualidade : considerações históricas e sociais. Estudos IAT, Salvador, v. 1, n. 1. 2010, p.123.
[83] FERREIRA, 2010, p.123-124.
[84] SAFFIOTI, 2001, p.115.
[85] SAFFIOTI, 2001, p.119.
[86] PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. Lei Maria da Penha - Comentários à Lei n. 11.340/2006. 1ª edição. Campinas: Russel, 2010, p.59.
[87] PARODI; GAMA, 2010, p.60.
[88] CERDEIRA, Cleide Maria Bocardo. Os primórdios da inserção sociocultural da mulher brasileira. mar. 2004. Disponível em: <http://www.unibero.edu.br/download/revistaeletronica/Mar04_Artigos/Cleide%20B%20Cerdeira.pdf> Acesso em: 20 de setembro de 2011
[89] CERDEIRA, 2004.
[90] PARODI; GAMA, 2010, p.61.
[91] PARODI; GAMA, 2010, p.61.
[92] PARODI; GAMA, 2010, p.62.
[93] FEIX, 2011, p.205.
[94] PARODI; GAMA, 2010, p.14.
[95] SAFFIOTI, 2001, p.115-116.
[96] BRASIL. Lei n. 11.340/06, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 08 de ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 24 de agosto de 2011.
[97] DIAS, 2010, p.54.
[98] BRASIL. Lei n. 11.340/06, de 07 de agosto de 2006.
[99] FEIX, 2011, p.204.
[100] ROVINSKI apud DIAS, 2010, p.64.
[101] FEIX, 2011, p.204.
[102] FEIX, 2011, p.205.
[103] BRASIL. Lei n. 11.340/06, de 07 de agosto de 2006.
[104] FEIX, 2011, p.205.
[105] DIAS, 2010, p.66.
[106] FEIX, 2011, p.205.
[107] Dados da Pesquisa Mulheres Brasileiras no Espaço Público e Privado 2010. Publicada em 21 de fevereiro de 2010 apud FEIX, 2011, p.205.
[108] FEIX, 2011, p.206.
[109] BRASIL. Lei n. 11.340/05, de 07 de agosto de 2006.
[110] FEIX, 2011, p.207.
[111] FEIX, 2011, p.207.
[112] FEIX, 2011, p.208.
[113] DIAS, 2010, p.67.
[114] FEIX, 2011, p.208-209 e DIAS, 2010, p.70.
[115] FEIX, 2011, p.209.
[116] BRASIL. Lei n. 11.340/06, de 07 de agosto de 2006.
[117] FEIX, 2011, p.209.
[118] FEIX, 2011, p.209.
[119] Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
In: BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 12 de outubro de 2011
[120] DIAS, 2010, p.71.
[121] FEIX, 2011, p.209.
[122] BRASIL. Lei n. 11.340/06, de 07 de agosto de 2006.
[123] DIAS, 2010, p.73.
[124] FEIX, 2011, p.210.
[125] FEIX, 2011, p.203.
[126] FEIX, 2011, p.201.
[127] FEIX, 2011, p.202.
[128] FEIX, 2011, p.204.
[129] DIAS, 2010, p.69.
[130] PARODI; GAMA, 2010, p.48.
[131] PARODI; GAMA, 2010, p.49.
[132] DIAS, 2010, p.60.
[133] DIAS, 2010, p.61.
[134] GALVÃO, Elaine apud FREIRE, Nilcéa. Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 4559/2004. 03 dez. 2004. Disponível em: <http://200.130.7.5/spmu/legislacao/projeto_lei/expo_motivos.htm> Acesso em: 20 de setembro de 2011, item 6.
[135] GALVÃO apud FREIRE, 2004, item 16.
[136] SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica. 2ª ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.292.
[137] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise : Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8ª edição rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.32.
[138] STRECK, 2009, p.32-33.
[139] STRECK, 2009, p.33.
[140] REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. rev. e aum. São Paulo : Saraiva, 1994, passim.
[141] REALE, 1994, p.149.
[142] FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4ª ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2004, p.61.
[143] FREITAS, 2004, p.62.
[144] FREITAS, 2004, p.62
[145] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 24 de agosto de 2011.
[146] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 05 de outubro de 1988.
[147] FREITAS, 2004, p.168.
[148] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p.182.
[149] MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p.182-183.
[150] STRECK, 2009, p.295.
[151] GARCIA HERRERA apud STRECK, 2009, p.297.
[152] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios : da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. ampl. São Paulo : Malheiros, 2011, p.134.
[153] ÁVILA, 2011, p.134.
[154] ÁVILA, 2011, p.154.
[155] ÁVILA, 2011, p.155-156.
[156] DÜRIG apud ÁVILA, 2011, p. 157.
[157] ÁVILA, 2011, p.157.
[158] ÁVILA, 2011, p.157-158.
[159] ÁVILA, 2011, p.162-163.
[160] ÁVILA, 2011, p.164.
[161] ÁVILA, 2011, p.171.
[162] ÁVILA, 2011, p.174-175.
[163] SANTOS, Antonio Raimundo dos. Metodologia Científica : a construção do conhecimento. 5ª ed. rev. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.26-27.
[164] SANTOS, 2002, p.28-29.
[165] SANTOS, 2002, p.29-31.
[166] RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social : Métodos e Técnicas. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1999, 35-36.
[167] RICHARDSON, 1999, p.37.
[168] RICHARDSON, 1999, p.70.
[169] RICHARDSON, 1999, p.72.
[170] RICHARDSON, 1999, p.79.
[171] RICHARDSON, 1999, p.90.
[172] RICHARDSON, 1999, p.79.
[173] RICHARDSON, 1999, p.91.
[174] IBGE. Estimativas da População Residente Nos Municípios Brasileiros Com Data de Referência Em 1º de Julho de 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/POP2011_DOU.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2011
[175] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Conflito Negativo de Jurisdição n. 4661562-12.2007.8.13.0000. Suscitante: Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal de Além Paraíba. Suscitado: Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Além Paraíba. Relator: Alexandre Victor de Carvalho. Belo Horizonte, 20 de maio de 2008.
[176] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Crime n. 6262/2009. Apelante: Ministério Público. Apelado: Ismael Patrick Seabra. Relator: Luiz Felipe Haddad. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2011.
[177] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Crime n. 6262/2009.
[178] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70043952209. Apelante: Márcio José Victor. Apelado: Ministério Público. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. Porto Alegre, 21 de setembro de 2011.
[179] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70043952209.
[180] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Jurisdição n. 70045075272. Suscitante: Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria. Suscitado: Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria. Relator: José Conrado Kurtz de Souza. Porto Alegre, 06 de outubro de 2011.
[181] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Jurisdição n. 70045075272.
[182] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Habeas Corpus n. 0075033-16.2011.8.26.0000. Impetrante: Luciano Travain Mendes. Impetrado: Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Pereira Barreto. Paciente: Daniel Ferreira da Silva. Relator: Ruy Alberto Leme Cavalheiro. São Paulo, 26 de julho de 2011.
[183] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Habeas Corpus n. 0075033-16.2011.8.26.0000.
[184] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Conflito de Jurisdição n. 0277365-32.2011.8.13.0000. Suscitante: Juiz de Direito da Vara Criminal e de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte. Suscitado: Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Relator: Matheus Chaves Jardim. Belo Horizonte, 16 de junho de 2011.
[185] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Jurisdição n. 70039242680. Suscitante: Pretora do Juizado Especial Criminal de Canoas. Suscitado: Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Canoas. Relator: Odone Sanguiné. Porto Alegre, 25 de novembro de 2010.
[186] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Conflito de Jurisdição n. 70039242680.
[187] SAFFIOTI, 2001, p.116.
[188] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Conflito de Jurisdição n. 0208666-4. Suscitante: Juízo da Ia Vara dos Crimes contra Criança e Adolescente. Suscitado: Juízo do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. Relator: Adeildo Nunes. Recife, 17 de agosto de 2010.
[189] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Conflito de Jurisdição n. 0208666-4.
[190] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Conflito Negativo de Competência n. 10520-8/2008. Suscitante: Juiz de Direito da 8ª Vara Criminal da Capital. Suscitado: Juiz de Direito do 2º Juizado Especial Criminal da Capital – JECRIM 02 – Extensão Largo do Tanque. Relator: Mário Alberto Simões Hirs. Salvador, 15 de abril de 2009.
[191] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Conflito Negativo de Competência n. 10520-8/2008.
[192] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Conflito Negativo de Competência n. 10520-8/2008.
Advogado especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito, com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental. também pela Escola Paulista de Direito. Ex-membro da Comissão de Fiscalização do Exercício Profissional da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WENDLAND, Henrique Klassmann. Fundamentos Conceituais e Hermenêuticos para Aplicação da Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27406/fundamentos-conceituais-e-hermeneuticos-para-aplicacao-da-lei-maria-da-penha. Acesso em: 22 nov 2024.
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