Esse talvez seja um dos pontos que desperta a controvérsia doutrinária, a possibilidade de concessão da tutela antecipada de ofício, mas em resposta ao questionado, sou contrário a possibilidade de concessão de ofício da antecipação dos efeitos da tutela, nem para punir o exercício ilegítimo do direito de defesa pelo réu ou seu intuito protelatório.
Não obstante a doutrina se divida em seus entendimentos, sou favorável a posição de doutrinadores que entendem não ser possível a concessão de tutela antecipada de ofício, isso porque tal medida implicaria violação aos princípios dispositivos e da inércia do Judiciário, haja vista que o dispositivo legal que disciplina o instituto submete a sua concessão à existência de requerimento da parte interessada.
Com efeito, o professor Alexandre Freitas Câmara [01] leciona que a exigência de requerimento da parte é consentânea com o princípio da demanda, não podendo o órgão jurisdicional conceder a parte o que não foi pleiteado. Ressalta, ainda, que tal exigência decorre também do fato de, na hipótese de a tutela antecipada ser indevida e causar danos à parte contrária, e o autor da ação ter que responder pelos danos causados, o que não seria possível caso a antecipação dos efeitos da tutela fosse deferida por uma decisão judicial que o autor não requereu.
Também segue a posição, em defesa da não concessão de ofício da tutela antecipada, mesmo quando há abuso do direito de defesa do réu ou intuito protelatório, João Batista Lopes [02]:
A proibição da tutela antecipada de ofício justifica-se no fato de o instituto não ter sido criado para resolver problemas da morosidade da justiça, mas para dividir o ônus da demora processual, na realidade, serve para beneficiar o autor que demonstrar a probabilidade da existência do direito e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação (grifos aditados).
Assim, não se cuida, de simples expediente destinado a acelerar o julgamento das causas, que justificaria iniciativa oficial, mas de providencia voltada à satisfação provisória do autor.
De fato, a antecipação dos efeitos da tutela é um meio de satisfação da pretensão deduzida em juízo pela parte, e não uma simples decisão de movimentação processual, como, por exemplo, o deferimento da produção de provas, razão pela qual não se justifica a aplicação do princípio de impulso oficial no caso.
Ainda, a respeito da relevância do requerimento da parte para o deferimento da tutela antecipada e da inaplicabilidade das normas que regem as medidas cautelares por analogia, Cândido Rangel Dinamarco [03]:
Mas ressalva-se que, sem embargo das semelhanças entre as medidas cautelares e as antecipações da própria tutela jurisdicional, quanto a estas é legítimo condicionar a medida judicial à postulação da parte; o atual art. 273 do Código de Processo Civil, introduzido pela Reforma, é explicito em exigir o requerimento de parte. Não se trata-se, como nas cautelares, de dar apoio ao processo e à dignidade da jurisdição, mas de atender a interesses do litigante – sendo mais do que razoável que prevaleça, quanto a isso, a regra nemo judex sine actore". (grifos aditados)
Dessa forma, a despeito dos argumentos apresentados em favor da concessão de ofício da tutela antecipada, a antecipação dos efeitos da tutela não pode ser utilizada como instrumento de punição em face do abuso de direito praticado pelo réu.
Para punir o exercício ilegítimo do direito de defesa pelo réu ou seu intuito protelatório, o ordenamento jurídico pátrio prevê meios próprios de sanção, como as normas do parágrafo único do art. 14 do Código de Processo Civil, que estabelece hipóteses de atos atentatórios ao exercício da jurisdição, e dos artigos 16 e 17 do mesmo diploma processual, que define os casos de litigância de má-fé.
Tais dispositivos legais já são suficientes para garantir a ordem processual. De fato, a imposição de multa sempre foi considerada instrumento hábil para intimidar a parte na prática de atos contrários à efetividade e à celeridade da prestação jurisdicional.
Assim, a concessão de ofício da antecipação de tutela, como já visto, não pode punir o réu, mas sim, distribuir o ônus do tempo do processo, garantindo ao autor, diante da verossimilhança do seu direito, e da fragilidade da defesa do réu, a adoção de medidas de execução, visando satisfazer antecipadamente o direito material afirmado.
Mesmo a aplicação de ofício da antecipação da tutela no caso de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, violaria a finalidade da norma, bem como, o princípio do devido processo legal, já que a legislação processual vigente é expressa ao exigir o requerimento da parte para a sua concessão.
Aceitar tal possibilidade seria permitir as partes litigarem sem ter certeza de que as normas processuais previamente estabelecidas serão realmente respeitadas, o que abalaria a segurança jurídica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil - vol. I. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumes Juris, 2004.
LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno – v. II. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
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