Sumário: 1. Considerações Preliminares. 2. O Modelo Processual Brasileiro. 2.1. Neoliberalismo Processual. 3. Paradigma constitucional para atuação do Judiciário. 3.1. A Celeridade processual e a decisão justa. 4. O Ativismo Judicial na Fase de Formação do Processo Civil. 4.1. A extinção prematura do processo e irregularidades sanáveis.4.2. A formação do processo e a reforma já perpetrada. 4.2.1. O julgamento liminar de mérito devido à prescrição. 4.2.2. Uma recente mudança: o julgamento “antecepadíssimo”. 5. O que vem por ai: O Projeto de Lei do Senado. 6. Conclusão. 7. Referências.
RESUMO
Este artigo é o resultado de um estudo crítico e científico sobre a atuação judicial ex-officio, na fase de formação do processo civil. Trata-se de ponderação jurídica sobre a necessidade de participação efetiva dos sujeitos na construção dos provimentos.
Critica-se o modelo processual atual, impulsionado pela política neoliberal. A busca pela celeridade deverá levar em conta a prevalência dos ditames democráticos. Não poderá haver mitigação do contraditório.
Conclui-se por entender como inconstitucionais alguns dispositivos da reforma processual já perpetrada e apresenta considerações sobre o Projeto de Lei do Senado, de Código de Processo Civil, n. 166/2010.
PALAVRAS-CHAVE: neoliberalismo; processo civil constitucional; democracia; dignidade; justiça; celeridade; ativismo judicial; contraditório, direito fundamental; participação; sujeitos; legitimidade; reforma processual.
ABSTRACT
This paper is the result of a critical and scientific study about the ex officio judicial action in the formative phase of the Brazilian civil procedure. It is a juridical ponderation about the need for legal effective participation of the subjects in the construction of legal provisions.
It criticizes the current procedure model, since it is driven forward by neoliberal policies, and advocates that the search for celerity must take into account the prevalence of democratic precepts. There can be no mitigation of the legal principle of contradiction.
Then, in conclusion, this paper takes as unconstitutional some provisions of the procedural reform already perpetrated, and presents considerations on the Senatorial draft bill for the Code of Civil Procedure n. 166/2010.
KEYWORDS: Neoliberalism; Civil Constitutional Procedure; democracy; dignity; justice; celerity; judicial activism; fundamental right; participation; subjects; legitimacy; procedural reform.
Neste artigo faremos uma crítica à atividade judicial solitária, na fase de formação do Processo Civil. Propõe-se um contraponto sobre os princípios processuais e constitucionais - na busca da participação efetiva de todos os sujeitos do processo - frente ao avanço desta forma de atuação judicial.
Nossa problemática é a crítica de que o juiz possui ampla liberdade de praticar atos ex ofício: 1) O juiz poderá extinguir o processo de plano, por entender que o autor não utilizou procedimento correto? 2) Existem, na atual legislação, previsões de atos de ofício, antes da citação, inconstitucionais? 3) O Projeto de Código de Processo Civil vem reforçar o protagonismo judicial?
O processo civil constitucional deve ser conduzido de modo a se obter provimentos construídos através da dialética do contraditório. As inovações acolhidas pela legislação processual civil estabelecem normas que extrapolam ao campo da inconstitucionalidade, por falta de contraditório. O Projeto de Código de Processo Civil é uma esperança de combate.
Na academia e na utilização dos recursos jurídicos cabíveis, devemos barrar o crescimento de atos judiciais como os que aqui discutiremos, cientificamente. Sustentados pela Teoria do Processo Constitucional, devemos estabelecer limites ao Poder Juiz, concernentes aos ditames do Estado Democrático de Direito.
2. DA SUPERAÇÃO DO MODELO PROCESSUAL BRASILEIRO
Existem dois modelos primordiais, na história: o liberalismo processual e a socialização processual. O primeiro tentou garantir o domínio das partes sobre um processo predominantemente escrito e guiado pelo Princípio Dispositivo. Já o modelo da socialização processual visa o protagonismo judicial, de forma oral e concentrada, combinada com a mitigação do Princípio Dispositivo, na busca da compensação das desigualdades sociais.
Entretanto, há quem defenda (NUNES, 2010, p.175), como nós, que, no Brasil, para que não hajam ingerências no processo, consideradas nefastas pelo modelo de mercado liberal, parcela do movimento de socialização se desnaturou para uma perspectiva pseudo-social (neoliberal) que garantiria uma aplicação do direito em larga escala (decisões padronizadas), não pormenorizadas (...)
No final da década de 1980, veio à tona no Brasil o neoliberalismo que exige mudanças econômicas e políticas, com regras de mercado voltadas a diminuição da interferência do Estado na vida privada. O governo brasileiro teve que protagonizar uma releitura das regras da Constituição Federal de 1988, recém promulgadas, a fim de que as medidas exigidas pelo mercado financeiro pudessem se concretizar.
Iniciou-se a busca da uniformidade das decisões, não obstante o caso concreto; alta produtividade de decisões e sumarização da cognição.
E mais: qualquer discurso garantista, fruto de uma perspectiva democrática constitucional, é visto e desnaturado pelo discurso dominante como a defesa de uma perspectiva formalista e burocratizante, como se um processo democrático que respeitasse toda a principiologia processual-constitucional também não pudesse ser célere e funcional. Trabalha-se, de modo recorrente, com uma lógica de eficácia sem possuir qualquer compromisso com o aspecto comparticipativo e de correção normativa com que o sistema processual deve atuar. (NUNES, 2010, p.163)
Trata-se de um terceiro modelo processual que não oferece perigo a nova ideologia e, na mesma medida, não tem comprometimento com a efetivação de um Estado Democrático de Direito. [1] Esvazia-se o papel público do processo, vez que os espaços criados não estimulam a problematização das questões, além de permitir a prevalência de entendimentos solitários, que podem abarcar determinada política exigida pelo poder dominante do mercado.
3. PARADIGMA CONSTITUCIONAL PARA ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO
Inobstante às exigências de mudanças promovidas pelo neoliberalismo, urge buscarmos a concretude o Estado Democrático de Direito, a balizar a atividade do poder-juiz. Sendo imperioso este paradigma, nitidamente consagrado no 1º e 3º da CF/88, faz-se necessária a análise do sistema processual em face da própria Constituição. Vejamos:
Certo é que o reconhecimento expresso dos direitos fundamentais nos textos constitucionais e ordenamentos jurídicos infraconstitucionais contemporâneos permitiu a criação de um bloco compacto de salvaguarda das pessoas e de suas liberdades contra quaisquer atos de abuso de poder ou de arbítrio provenientes do Estado, incompatíveis com o princípio maior da vinculação de qualquer ato estatal ao Estado Democrático de Direito, sobretudo o ato jurisdicional (DIAS, 2010, P. 70).
Entende-se que o poder jurisdicional é constitucionalmente organizado, delimitado, exercido e controlado[2] conforme as diretivas do Princípio do Estado Democrático de Direito (DIAS, 2010, p. 35)[3].
O processo deve se constituir na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura. Seus provimentos devem ser construídos com a garantia de participação igual, paritária, simétrica daqueles que receberão os seus efeitos (SOARES apud GONÇALVES, 1992, p.171). O ato de decidir não pode ser exarado unilateralmente pela clarividência do juiz, dependente das suas convicções ideológicas, mas deve, necessariamente, ser "gerado na liberdade de participação recíproca, e pelo controle dos atos do processo (SOARES apud GONÇALVES, 1992, p.188).
Neste paradigma, destaca-se a Teoria do Processo Constitucional. Se revela inegável a importância do contraditório para o processo justo, princípio essencial que se encontra na base do diálogo judicial e da cooperação. O provimento só pode resultar do trabalho conjunto de todos os sujeitos, restabelecendo o caráter isonômico do processo.[4]
3.1. Processo Constitucional e dignidade da pessoa humana
Garantindo-se a aplicação dos princípios consubstanciados no Estado Democrático de Direito é que o mesmo se realiza. As garantias constitucionais é que permitem à jurisdição afeiçoar-se àquilo que de fato é importante ao regime democrático (DINAMARCO, 1986, p. 151).
E neste desiderato é fundamental o respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana[5] que permeia todo o ordenamento jurídico que o concebe como fundamento. Conseqüentemente, o processo constitucionalizado[6] é verdadeira efetivação de um direito fundamental: o contraditório. Cada direito fundamental é elemento estreitamente ligado a efetiva vida digna, explicitando e projetando a dignidade da pessoa.
O superprincípio[7] (PIOVESAN, 2003, p. 392) deve ser entendido como ponto de partida e de sustento do ordenamento, visceral e indissociável dos direitos fundamentais. Destarte, há uma tríade interdependência entre Dignidade da Pessoa Humana, Direito Fundamental e Constituição. E sob a égide da democracia há uma supremacia da Dignidade que é indissociável dos Direitos Fundamentais. Sendo o contraditório um direito fundamental constitucional:
Há uma íntima conexão entre a violação dos princípios processuais, como no caso de inobservância do contraditório – que é o impedimento da participação no processo em simétrica paridade – e lesão grave à dignidade humana. Os direitos fundamentais são expressões do princípio da dignidade e a violação de qualquer um deles importa no impedimento da plena vivência digna.
(...)
Ora, em caso de desequilíbrio na oportunização participativa das partes em igualdade de condições na construção do provimento é facilmente perceptível a usurpação da dignidade de uma delas. O processo amparado em princípios constitucionais, como o contraditório, é garantia de sustento da condição digna. (TAVARES, 2008, p. 298)[8]
O objetivo constitucional de concretização de uma vida digna exige a efetiva participação dos sujeitos na construção dos provimentos. Isso ocorre alicerçando o sistema em garantias de participação igualitária, com atividade efetiva no processo, de forma co-responsável.
3.2. A Celeridade processual e a decisão justa.
É comum entenderem como alcançada justiça somente quando for eficiente, rápida e acessível. Entretanto, deve-se ter a preocupação em não se incorrer em abusos de autoridade, de modo a submeter o cidadão a decisões antidemocráticas[9]. Afinal, a efetividade da cidadania, e do próprio Estado democrático de Direito, decorre do aceso ao processo, instituição capaz de garantir o controle e fiscalização.
O discurso neoliberal de produtividade e rapidez afeta o fluxo processual, com decisões que não primam pela adequação constitucional. Não há uma busca pela legitimidade que, por sua vez, ocorrerá, somente, com o provimento partindo da análise das especificidades do caso concreto. [10]
Noutra medida, com a Emenda Constitucional n. 45 veio à baila o Princípio da Duração Razoável do Processo, inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Gerou-se, assim, uma série de inovações infraconstitucionais que primam pela rápida resolução dos conflitos, ao arrepio de princípios fundantes do Estado de Direito Democrático[11]. Aniquila-se o contraditório, subtraindo-se das partes o poder de convencer o órgão jurisdicional do acerto de seus argumentos. Em verdade, a pretexto de atingir a celeridade processual o legislador sufoca o caráter dialético do processo, em que o diálogo judiciário, pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas (MITIDIERO, 2006).
Todavia, o que deve defender-se é a existência de um tempo razoável para o acertamento das questões controvertidas e para a atuação dos sujeitos de maneira comparticipativa para formação dos provimentos, a significar que devem ser evitadas dilações indevidas do processo. Estas, em sua maioria, se referem a períodos prolongados de paralisia procedimental, nos quais não se praticam atos no processo ou o são fora da previsão legal do tempo em que devem ser realizados – etapas mortas do processo – (DIAS, 2010, p. 158)
A defesa cega da celeridade[12] está indo de encontro ao Estado Democrático de Direito, que exige decisões com qualidade e, quanto melhor o espaço de diálogo entre as partes, existindo maiores oportunidades de participação, melhores serão as decisões judiciais. Afinal, a decisão não se qualifica como justa pelo critério da rapidez, e se a justiça não se apresentar no processo não se poderá, também, na sentença. (GONÇALVES, 1992, p. 125)
4. O ATIVISMO JUDICIAL NA FASE DE FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL
Realmente é importante a celeridade do processo, podendo ser benéfico o Ativismo Judicial, impulsionando o processo para que haja maiores fundamentos para o convencimento do juiz. Conexo o entendimento (BEDAQUE, 2003, p. 53):
A necessidade de o juiz assumir efetiva posição de condutor do processo, com ampla participação no contraditório desenvolvido pelas partes, corresponde à tendência unânime da moderna ciência processual. Ampliasse, dessa forma, a noção do contraditório, para incluir também a efetiva atuação do juiz no desenvolvimento da relação processual.
Com efeito, no processo civil atual reclama-se, portanto, que o Juiz não seja mais impassível diante do caso concreto. O juiz deve disponibilizar de poderes maiores, a fim de que eventualmente supra a deficiência de uma das partes. [13] DIDIER JÚNIOR (2005, p. 75 e 76), ampara:
(...) chamado princípio da cooperação, que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.
Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação das decisões judiciais (arts. 131 e 461, § 5° , CPC). O magistrado deve adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias, quando for o caso. [...]
Entretanto, a premissa não está sendo democraticamente aplicada. Vem ocorrendo, sim, um crescente aumento no número de decisões solitárias, mormente na fase de formação processual, ou seja, nem mesmo iniciado o processo dialético de construção democrática e comparticipativa de provimentos.
4.1. A extinção prematura do processo e irregularidades sanáveis
Recentemente fomos surpreendidos, em militância no foro federal, com uma decisão respaldada no art. 295, V do CPC, pelo indeferimento de nossa petição inicial, sem prévia intimação para emenda, por entender o juiz que o procedimento escolhido não era correto. [14] Ocorre que se tratava de Petição Inicial tecnicamente formulada. Tanto que foram distribuídas, e despachadas para efetivação da citação, sem que ocorresse o indeferimento da inicial, inúmeras ações similares em outras subseções federais. Inobstante, o juiz federal extinguiu prematuramente o feito, sem abrir qualquer espaço para apresentação de nossa argumentação jurídica. Entendeu o magistrado ser incorreto o rito e indeferiu de plano a ação, sem qualquer fundamentação e direito de manifestação da autora.[15]
Ora, se irregularidade fosse, tratava-se de questão sanável.
Distribuída a petição inicial, deverá o juiz proferir o despacho preliminar[16] (MOREIRA, 2007, p. 23) e, no caso, o legislador estabelece o direito de participação efetiva do autor na construção da decisão, sanando eventual irregularidade. É o que preleciona o art. 284 do Código de Processo Civil.[17] Para proferir um despacho preliminar negativo[18], indeferindo a inicial, deverá o órgão julgador intimar o autor, para que emende ou complete a inicial.
Com isso, haverá a formação cooperada da decisão, com a participação efetiva dos sujeitos atingidos, no caso da escolha de procedimento: autor e juiz, respeitando a garantia constitucional do contraditório.
4.2. A formação do processo e a reforma já perpetrada
Além do reforço único dos juízes e o decorrente esfacelamento da participação dos sujeitos do processo; com o passar dos anos, o modelo reformista brasileiro foi sendo acometido de uma patologia ainda mais grave, qual seja, o esvaziamento do papel do processo como instituto que garante a implementação de direitos fundamentais. (NUNES, 2010, p.150)
O discurso burocratizante do processo foi fazendo com que todos acreditassem que ele seria um mal, uma doença, a significar que deveria ser extirpada mediante sua supressão quase completa, diminuindo-se o espaço cognitivo formador das decisões e promovendo a defesa da rapidez procedimental a qualquer preço (NUNES, 2010, p. 150).
4.2.1. O julgamento liminar do mérito devido à prescrição
A Lei 11.280/06, com a modificação do instituto da prescrição de ofício, artigo 219, §5º do CPC, deixou ao lado o direito material do autor de receber o crédito e do réu em pagar dívida. Não atentou o legislador para fato de dar ampla liberdade ao juiz para adentrar ao campo de direitos patrimoniais e, além disso, de decidir prematuramente sobre um direito material disponível. Ha uma desconsideração do direito estatuído no artigo 191 do Código Civil, que permite a renúncia da prescrição consumada, a significar que o juiz, antes de julgar o mérito devido a prescrição, deverá citar o Réu (CÂMARA, 2010).[19]
Com efeito, a bem da prevalência do direito dos sujeitos atingidos participarem na construção dos provimentos, a busca da celeridade não pode motivar a perda de disponibilidade e concretização de um direito material. Deverá ser respeitada a garantia constitucional de acesso a justiça, sendo que este não se sintetiza no simples e trivial acesso ao juiz ou ao tribunal, compreendendo a possibilidade de acessar e dar efetividade a uma extensa dimensão de direitos individuais e sociais (TAVARES, 2008, p. 14).[20]
Ocorre um déficit democrático, com a violação do devido acesso à justiça. A prescrição é exceção de direito material, ostentado fundamento no direito privado, sendo portanto questionável[21] e incompatível à interpretação por parte do Estado diante dos efeitos e reflexos no campo processual. (TAVARES, 2008, p. 23)
Entendemos por inconstitucional a inovação trazida pela Lei 11.280/06, no pertinente à alteração do §5º do artigo 219 do CPC. E as alterações legislativas recentes seguem a mesma linha de inconstitucionalidade.
4.2.2. Uma recente mudança: o julgamento “antecipadíssimo”
O artigo 285A, incluído no CPC pela Lei nº 11.277, de 2006, também extrapola o campo da constitucionalidade, quando prevê a possibilidade de extinção do processo com julgamento do mérito, pela improcedência, sem integrar à lide o Réu, tendo intuito de conferir maior celeridade ao andamento das ações, assegurando a Razoável Duração do Processo. Entretanto, este princípio não pode vir, somente, para atender aos ditames do mercado neoliberal, de produtividade a qualquer preço. [22]
A amplitude deve ser constatada na aplicação das garantias constitucionais. Não poderá prevalecer a mitigação do Princípio da Ampla Defesa, com a nítida supressão de quase todo o procedimento de primeira instância, diminuindo, assim, sensivelmente, as oportunidades de manifestação para influir no convencimento do juiz da causa.
Além disso, vejo no artigo uma violação do princípio constitucional da isonomia. Irretocável o entendimento de que onde atuam magistrados com entendimentos diferentes acerca da mesma matéria fará com que para alguns essa regra seja aplicada e para outros, não, ainda que estejam em situações jurídicas substancialmente iguais (CÂMARA, 2008). É que os entendimentos diversos dos vários juízos, para uma mesma matéria, acarretarão processos com seu curso normal e outros com seu curso abreviado, para as varas onde já exista entendimento consolidado, sobre dada questão, pela improcedência do pedido.
Já no tocante ao contraditório, infeliz regra do art. 285-A do CPC, que, a pretexto de permitir julgamento mais célere de processos ditos repetitivos, afasta irremediavelmente o princípio do contraditório (WAMBIER, 2009).
Voltando à nossa crítica inicial ao modelo processual neoliberal, cumpre-nos dizer que o art. 285-A, na busca da produtividade a qualquer preço, descumpre a efetividade normativa do sistema, da qual o contraditório, como garantia de influência, constitui uma das principais manifestações, inviabilizando o debate de modo inconstitucional (NUNES, 2010, p.171).
Isso, não somente por existir uma sentença de improcedência de plano, prejudicando o autor, mas, também, pelo fato do réu se ver com direitos colocados ao lado.[23]
Ora, ademais disso, quer o legislador infraconstitucional fazer-nos crer que o dispositivo reduziria o tempo do processo, o que não é verdade. Quase sempre há recurso do autor e, com isso, o réu é citado, acontecendo o chamado “contraditório sucessivo”. [24]
Acrescente-se que a decisão não pode mais ser expressão da vontade única do julgador e sua fundamentação ser vislumbrada como mecanismo formal de legitimação de um entendimento que este possua antes mesmo da discussão endoprocessual (NUNES, 2010, p. 237). Não se pode acreditar em uma decisão adequada, se já esta pré-estabelecida antes do debate, ínclito do processo, e, conseqüentemente, alheia às peculiaridades do caso concreto que são conhecidas através do discurso argumentativo. Faz-se inadmissível uma decisão com resolução de mérito, amparada em cognição verticalmente sumária e valendo-se de precedente do próprio julgador, como motivação.
Expressamos a opinião pela inconstitucionalidade do referido dispositivo, vez que, como bem defendido pelos diversos doutrinadores já citados, o art. 285-A contraria, sobremaneira, princípios constitucionais como contraditório, ampla defesa e isonomia.
5. O QUE VEM POR AI: O PROJETO DE LEI DO SENADO
Nesse ponto, de maneira antecipada, trazemos à baila algumas reflexões sobre as inovações, que possivelmente estão por vir, com o novo Código de Processo Civil. Destarte, tratam-se de considerações preliminares, haja vista que o Projeto de Lei do Senado 166/2010, ainda está em tramitação, podendo ser objeto de modificações. Recentemente foi aprovada a Emenda nº 221-CTRCPC (Substitutivo), com alterações do Relator Geral e destaques. Aprovada em turno suplementar, a matéria vai à Câmara dos Deputados.
Com propriedade o Projeto 166/2010 é permeado pela Teoria do Processo Constitucional, na efetiva participação dos sujeitos atingidos na construção dos provimentos, e estatui o Princípio da Cooperação. É o que percebemos, nos artigos 5º e 8º do projeto em tramitação no Congresso Nacional.[25]
Acrescente-se que há uma constante presença do Princípio do Contraditório, numa assente perspectiva de adesão à Teoria do Processo Constitucional, defendida neste trabalho. Dentre os vários que citam o contraditório, vale notar, por exemplo, o 7º no início do projeto.[26]
Percebe-se, comparando o artigo 7º do projeto com o artigo 125 do CPC[27], que o projeto apresenta maiores detalhes na previsão dos direitos das partes. Com efeito, se aprovado o texto, diminuirá em muito, acredito, as práticas arbitrárias do órgão julgador.
Ocorre, também, previsão infraconstitucional expressa das garantias alhures previstas na Constituição Federal, conforme nota-se nos artigos 1º, 3º, 4 º e 6 º, do projeto[28].
Neste passo, com relação aos temas apresentados neste trabalho - o nosso fundamentado descontentamento com decisões solitárias -, nos deparamos com modificações que vão ao encontro das reflexões, já apresentadas, sobre a legislação atual. Se aprovado o projeto, haverá uma restrição aos atos ex officio e maior participação das partes, na construção do provimento, na fase de formação do processo civil.
Permitirá, com efeito, a todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência dos julgados, a garantia de contribuir de forma crítica e construtiva na formação do provimento.
Neste diapasão, os artigos 9º e 10[29] do projeto são categóricos e, caso aprovado o texto, existirá um dever de consulta do órgão julgador, com efetivo debate prévio, e, principalmente, submissão dos fundamentos da decisão ao contraditório.
O direito de manifestação antes das decisões de ofício é o que, abertamente e fundamentadamente, defendemos. Embasados na Teoria do Processo Constitucional, certo é que, antes mesmo de aprovado o projeto, já há doutrina capaz de subsidiar aplicação de norma que impedem a surpresa nas decisões.
Ancorada do direito comparado, com doutrina explanada por juristas europeus podemos citar:
Deste modo, o contraditório constitui uma verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em “solitária onipotência” aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou ambas as partes (FERRI apud NUNES, 2010, p. 229).
Na nova sistemática a ser, possivelmente, adotada, e salvo em hipóteses definidas pelo legislador, as partes terão direito de serem previamente ouvidas, antes que o órgão julgador prolate qualquer decisão que lhes afetem. E não somente isso. Até mesmo o fundamento da decisão, em qualquer instância, deverá passar pelo crivo do contraditório, mesmo se tratar de matéria a qual deverá ocorrer decisão ex offcio.
Noutro ponto já debatido no item 4.1, o original do projeto inovava na análise judicial do erro na escolha da forma dos atos processuais, com o artigo 151[30]. Seguia o projeto a linha dos nossos fundamentos de construção participativa do provimento. Entretanto, o substitutivo aprovado suprimiu o §1º e, no pertinente ao contraditório, e manteve a legislação sem qualquer inovação significante, se comparada ao atual correlato, o artigo 154 do CPC[31].
Noutra medida, foi sensato ao autor do projeto, ao deixar clara, no art. 291 do projeto[32], a necessidade de intimação da parte, para que tente corrigir a irregularidade, antes que o juiz extinga o processo sem julgamento do mérito.
Na linha de construção co-responsável dos provimentos, o artigo 284 do CPC[33] já é alinhado com a Teoria Constitucional do Processo. Tanto isso é verdade que, neste trabalho, no ponto 4.1, defendemos a interpretação do artigo de modo a impossibilitar que o juiz indeferir a inicial, sem intimação do autor para que complete ou emende a petição.
Entrementes, - haja vista a existência de inúmeras decisões não fundamentadas pelo Poder Judiciário e, conseqüentemente, quando intimado autor para completar ou emendar a inicial, dificilmente consegue entender e cumprir o comando -, o artigo 295[34] do projeto foi além do atual CPC.
Com o fim de dar celeridade e efetividade ao processo, o artigo proposto deixou claro o dever de cumprimento, pelo julgador, do Princípio Constitucional da Fundamentação das decisões (art. 93, IX da CF/88).
E indo mais ao encontro de nossas reflexões do tópico: a extinção prematura do processo e irregularidades sanáveis, o projeto não prevê, dentre as causas de indeferimento liminar da inicial, aquele malfadado inciso V do Artigo 295 do V[35].
Não há, também, no projeto, as imprecisões técnicas e inconstitucionais do atual artigo 285A, do CPC, tão criticado em nosso tópico: Uma recente mudança: o julgamento “antecipadíssimo”. Inexistirá, assim, se aprovado o texto, a possibilidade do juiz prolatar a inconstitucional decisão solitária, somente tendo como norte o entendimento daquele órgão julgador, conforme preleciona o artigo 307[36] do Projeto de Lei do Senado
Assim, cumpriu-se o desiderato de não incorrer o projeto no erro, já criticado por nós, aqui neste artigo, de instituir o direito do juiz em prolatar decisões com resolução de mérito, amparadas em cognição verticalmente sumária e valendo-se de precedente do próprio órgão julgador, como motivação.
O cidadão não pode ser manipulado ao ponto de atos processuais interferirem antidemocraticamente em seu patrimônio. É inconcebível que a meta da aceleração seja concebida como efetividade. Reduzir o número de demandas não deve significar a redução de direitos e interesses, a bem das estatísticas.
Noutra medida, infelizmente, percebe-se que o artigo supra do projeto, no §1º, mantém a possibilidade de indeferimento liminar da ação pela ocorrência da prescrição. Há prevalecer a norma, se abrirá espaço ao autoritarismo judiciário, inútil e contraproducente (CIPRIANI apud NUNES, 2010, p. 196), a significar que não se resolve problema algum quando se procura a obtenção da eficiência em prejuízo das garantias.
Salvo esta questão da prescrição de ofício, o projeto apresenta inovações democráticas, pelo menos no pertinente á formação do processo, objeto deste estudo. Entretanto, mesmo antes da aprovação do novo codex a condução do processo já deve ser efetuada na linha apresentada nos artigos propostos. A significar que devemos entender o ordenamento jurídico como um sistema, sendo certo que toda reforma legislativa não se pode olvidar dos preceitos constitucionais. Não deve haver qualquer paradoxo entre os paradigmas constitucionais e infraconstitucionais, a sistemática jurídica não deve ser abalada, colocando-se ao largo preceitos fundamentais.
Nosso entendimento, e de renomados juristas, citados no corpo deste artigo, é de que, devido aos ditames constitucionais, não deverão ocorrer surpresas aos partícipes ao proferir o órgão julgador seus provimentos. Deverá este decorrer do fluxo argumentativo perpetrado no processo, havendo uma garantia de influência do contraditório (NUNES, 2010, p. 171) em todo iter processual, em relação tanto às atividades das partes quanto às atividades judiciais, de modo que o exercício de poderes oficiosos constitua expressão de um princípio de colaboração e não de autoridade no processo (CIVININI apud NUNES, 2010, p. 232).
Desse modo, o papel do julgador é dirigir ativamente o processo, estimulando o diálogo. E exercendo solitariamente o poder. Somente a existência da Constituição, e do Princípio do Contraditório, não garante, por si só, a legitimidade da decisão. Destarte, deverá sempre ser oportunizada a parte a possibilidade de discutir, dentro do processo, numa preparação participativa da sentença, apresentando seus argumentos, como será a interpretação e aplicação do texto legal ao caso concreto, pois o ciclo legitimador da Democracia não pode ser interrompido (TAVARES, 2008, p. 126).
Mesmo acreditando já ser possível a aplicação dos entendimentos defendidos,, acredito serem importantes, para a sociedade, as inovações infraconstitucionais a serem aprovadas. Acontecerá, sim, um passo a favor da efetividade da garantia constitucional do amplo contraditório. Todavia, para democratização do processo, a reforma legislativa não pode manter ao largo a mudança de práticas institucionais (e processuais), mas necessárias, inclusive, que qualquer alteração de texto contraditório (NUNES, 2010, p. 259).
6. CONCLUSÃO
Com efeito, comprovamos com nosso estudo que o resultado da atividade judicial deve contribuir para efetiva proteção e garantia do contraditório.
Assim, seja na perspectiva de qualquer dos três modelos processuais da história - liberal, social e neoliberal -, há uma deficiência no debate processual, sendo que as decisões não são fruto das discussões perpetradas no curso da demanda. Entretanto, a bem da concretude dos fundamentos do Estado democrático de Direito, o processo não há que ser visto como instrumento técnico de jurisdição, podendo o juiz tomar uma decisão com qualquer conteúdo.
Não há qualquer privilégio cognitivo do julgador, que possui idêntica dignidade à das partes. Os provimentos devem ser resultado da participação efetiva das partes, em prol da dignidade humana.
O judiciário e, muito mais, a sociedade, primam por decisões ágeis, e, com isso, muitos juízes prolatam sentenças que carecem de qualidade, por falta de participação efetiva das partes na construção da Decisão. O Ativismo Judicial deve ocorrer de forma benéfica à sociedade. Deverá haver restrição aos atos de ofício, vez que estão em discussão direitos disponíveis e as partes buscam efetivar um direito material. Para tanto, mister se faz um procedimento com efetiva participação das partes na construção da decisão, declarando a inconstitucionalidade de atos e normas que vão de encontro ao direito de participação.
A condução do processo já deve ser efetuada na linha apresentada nos artigos, aqui citados, do Projeto de Lei do Senado, número 166/2010. Acreditamos serem importantes, as inovações infraconstitucionais a serem aprovadas. Acontecerá, sim, um passo a favor da efetividade da garantia constitucional do amplo contraditório.
Por fim, nosso dever, na academia e advocacia, é barrar o crescimento de entendimentos a favor dos atos judiciais que aqui criticamos. Atos estes que, a nosso ver, não contrariam somente o Código de Processo Civil, mas, sobremaneira, a Constituição Federal.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do processo constitucional in Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, v. 2, n 3. Belo Horizonte: 1999.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003,
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Revista dos tribunais, 1994,
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de direito. Notícia do direito brasileiro, Brasília, v. 6, dez. 1998,
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010;
DIDIER JUNIOR, Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. Revista de processo. Porto Alegre, v. 30, n. 127, set. 2005,
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume III, 6ª edição, Malheiros Editores, 2009.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de janeiro: Aide, 1992.
MITIDIERO, DANIEL. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo 3, Editora Memória Jurídica, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. – São Paulo: Atlas, 2006.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro, Ed. rev. W atial.Rio de Janeiro, Forense, 2007.
NERY JUNIOR, NELSON e OUTRA. Código de Processo Civil Comentado, 10ª edição, Editora RT, 2008.
NERY JÚNIOR, NELSON; NERY, ROSA MARIA ANDRADE; BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição Federal comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 987p.
NUNES, Dierle José Coelho, Processo Jurisdicional Democrático/ 1ª Ed. (ano 2008), 2ª reimpr./Curitiba: Juruá, 2010. 282 p.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. O Formalismo-valorativo no confronto com o Formalismo excessivo. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/ppgd/doutrina/CAO_O_Formalismovalorativo_no_confronto_com_o_Formalismo
_excessivo_290808.htm >. Acesso: 26 de abril de 2009.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ªed., p. 111, Ed. Malheiros Editores Ltda, 1998.
SOARES, Carlos Henrique. Considerações preliminares sobre o relatório do novo Código de Processo Civil, Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14854
SOUZA, Artur César de. Contraditório e revelia. Perspectiva Crítica dos efeitos da revelia em face da natureza dialética do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Constituição, Direito e Processo. Princípios Constitucionais do Processo. Curitiba: Juruá, 2008, 338p.
WAMBIER, LUIZ RODRIGUES e OUTROS. Artigo: Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005), disponível no sítio www.tex.pro.br , acesso no dia 05/05/2009.
www.agu.gov.br
[1] Não podemos mais compreender que a autoridade judiciária exerça uma atividade autoritária e, do alto de um pretenso “notável saber jurídico”, faça prevalecer decisões embasadas em convicções pessoais. Impõe-se superar esta dicotomia de ideologias que em um momento defende o amplo poder das partes, formando uma relação jurídica, havendo um juiz imparcial no topo de uma pirâmide, e, depois, apregoa um protagonismo judicial, a despeito dos argumentos dos partícipes do processo.
Com efeito, e como defendido pela Teoria Socializadora, para o funcionamento adequado do processo, os juízes deveriam conhecer amplamente o direito e demais ciências sociais. Assim, teriam a sensibilidade necessária a prolatar decisões sem qualquer apoio nos argumentos dos demais partícipes do processo.
Todavia, isso não é possível em uma sociedade plural e globalizada. Acrescente-se que, mesmo se possível fosse, verifica-se que nossos operadores estão longe de obter o perfil necessário (NUNES, 2010, p.167).
[2] Quanto ao controle, vale notar que os atos judiciais se submetem a teoria do abuso de poder, na espécie desvio de poder. Deve o juiz decidir conforme delimitado na lei, sob pena de incorrer em ilegalidade.
Mas uma vez citando o Prof. Dierle José Coelho Nunes (2010, p. 196), na perspectiva democrática, será possível enxergar o processo não somente em sua dimensão técnica e de eficiência. Há que se levar em conta, também, o fato de ser uma estrutura de legitimação e formação dos provimentos, a permitir o constante controle formal e material das decisões.
[3] Em verdade: ao se fazer uma releitura da teoria do processo a partir da teoria habermasiana, vislumbra-se que o processo estruturado em perspectiva comparticipativa e policêntrica, ancorado nos princípios processuais constitucionais, impõe um espaço público no qual se apresentam as condições comunicativas para que todos os envolvidos, assumindo a responsabilidade de seu papel, participem na formação de provimentos legítimos que permitirá a clarificação discursiva das questões fáticas e jurídicas. (HABERMAS apud NUNES, 2010, p.211).
[4]A democratização exige a interdependência e co-responsabilidade de todos os sujeitos processuais, com o conseqüente fortalecimento da advocacia, magistratura, e demais partícipes, na busca de formação técnica e poderes processuais.
O juiz democrático não pode ser omisso à realidade social e deve assumir função jurisdicional decisiva, na análise dos argumentos endoprocessuais, sem extrapolar o campo do discurso argumentativo. E Importante se faz o fortalecimento dos poderes das partes, por sua participação mais ativa no processo de formação da decisão, em consonância com uma visão não autoritária do papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho entre o órgão judicial e as partes.
[5] Aqui vale lembrar que o significado da dignidade humana extrapola qualquer conceituação jurídica, sendo condição inerente ao ser humano, um atributo que o caracteriza. Nos dizeres de José Afonso da Silva (1998, p. 91): a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda expectativa, tal como a própria pessoa humana.
[6] O processo democrático é aquela estrutura constitucionalizada, que confere a todos os interlocutores uma condição ideal de fala. Trata-se de uma instituição dimensionada por todos os preceitos constitucionais dinâmicos, mormente contraditório e ampla defesa, que concretizam a idéia nuclear do Estado de Direito – sujeição do poder a princípios e regras jurídicas – garantindo às pessoas e cidadãos liberdade, igualdade perante a lei e segurança (CANOTILHO apud DIAS, 2010, P. 63).
[7] Flávia Piovesan explica que a dignidade da pessoa humana simboliza um verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, dotando-lhe especial, racionalidade, unidade e sentido.
[8] leciona Tarciana Nogueira de Carvalho Duarte, em livro sob a coordenação de Fernando Horta Tavares,
[11] A redução atécnica dos espaços de diálogo, na busca da celeridade, acaba por macular um ou vários princípios constitucionais, como, por exemplo, e quase sempre, o contraditório. A democratização exige a adequação de todos os princípios, englobando, inclusive, o Princípio da Duração razoável do processo, mas, também, sem sobrevalorizá-lo, de modo a impor sua busca a qualquer custo, em prejuízo a uma articulação técnica e constitucionalizada do processo. (NUNES, 2010, p. 151)
[13] Ao contrário de uma relação triangular, existiria, sim, uma relação linear, em que o Juiz desceria de seu pedestal eqüidistante, e desenvolveria sua função constitucional, realisticamente.
[14] Este fato foi a causa de nosso descontentamento jurídico e conseqüente escolha do presente tópico de estudo e argumentação. Afinal, se o magistrado tivesse impulsionado realisticamente a cooparticipação para formar o provimento, com certeza não teria ocorrido a extinção prematura do feito.
[15] Ademais disso, sem me alongar, pois não entraremos nos detalhes da demanda, vez que não se trata do objeto deste artigo, a decisão foi atécnica, pois não havia qualquer erro de escolha no procedimento.
O Douto Julgador Monocrático competente, encampou entendimento no sentido de rejeitar a Ação Civil Pública como meio correto de veiculação da pretensão autoral. Em sua fundamentação, entendeu o Exmº. Juiz estar a União pleiteando a defesa de um interesse puramente individual, consubstanciado tão somente na pretensão ressarcitória, a qual não se insere no rol do art. 1º da Lei 7.347/85. Como conseqüência, o Douto Magistrado julgou extinto o processo sem resolução de mérito, na forma do artigo 267, I c/c art 295, V, ambos da Lei Adjetiva Civil.
Percebe-se que a legislação prevê, no inciso citado na decisão (art. 295, V) do CPC, como fundamento para indeferimento da inicial, a escolha, pelo autor, de procedimento que não corresponder a natureza da causa. Sendo o caso uma Ação Civil Pública, a escolha poderá ser, então, somente o procedimento comum, como foi o escolhido no caso paradigma.
Noutro passo, há que se olvidar que O nome o qual se rotula a ação é sem relevância para a ciência processual (RSTJ 37/368 e Just. 166/196). E acrescente-se: sendo os fatos expostos aptos a conduzir, em tese, à conseqüência jurídica traduzida no pedido, não importa o rótulo que se tenha dado a causa (STJ-3ª Turma, REsp 14.944-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 17/12/91, dju 12/02/92)
[16] Primeiro contato do órgão julgador com a postulação do autor, momento em que ao juiz é determinado pelo legislador que efetue o controle da regularidade formal do processo e da admissibilidade da ação. Nos dizeres de José Carlos Barbosa Moreira (2007, p. 24), não se trata de ato de impulso processual. O controle da regularidade formal e dos requisitos de admissibilidade da ação entra no conceito amplo de saneamento. É que envolve a solução, no curso do processo, de questões incidentes (art. 162, §2º).
[17] Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.
[18] Despacho preliminar positivo é aquele que defere a inicial (MOREIRA, 2007, p. 24)
[19] Como preleciona Fredie Didier (2009, p.453), nas relações privadas a regra é não admitir o conhecimento ex ofício da prescrição, que sempre se caracterizou como um direito (exceção substancial) disponível do devedor.
Afinal, o Réu, por princípios morais pode querer reconhecer e pagar a dívida. Poderá, também, decidir por continuar a demanda, para fins de obter uma decisão de inexistência do débito cobrado ou, mesmo, poderá pagá-la e exigir a devolução em dobro, nos termos do direito estatuído do art. 940 do CC.
[20] Explicação de Adriano Lúcio dos Santos, em livro coordenado por Fernando Horta Tavares
[21] Ha que se esclarecer, ainda, que a demanda, quase sempre, não está madura para ser julgada de plano. É que existem diversas causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional (artigos 197 a 204 do CC) e, muitas vezes, indefinição do marco temporal inicial, sendo importante a dilação probatória com o desiderato de identificar ou não a ocorrência de uma delas.
[22] Citando COMOGLIO, o Professor Dierle José Coelho Nunes (2010, p. 171) acrescenta que há um descumprimento da efetividade normativa do sistema, da qual o contraditório, como garantia de influência, constitui uma das principais manifestações, inviabilizando o debate de modo inconstitucional
[23] O réu tem, sim, interesse em saber se houve tal julgamento, pois, caso o autor repita a demanda em outro Juízo – cujo magistrado não tenha a mesma posição que aquele que anteriormente apreciou o outro processo –, não terá esse réu como alegar a preliminar da coisa julgada (art. 301, VI do CPC)
Além disso, há uma incorreção técnica na redação do malfadado artigo. Com a apelação do autor, retornando os autos ao mesmo juiz, estaria este, a nosso ver, impedido. Como poderia julgar uma causa como procedente, se já a prejulgou improcedente? E mais, como seria a defesa do Réu em segunda instância? Poderia alegar preliminares que deveriam ser analisadas na primeira instância?
[24] Percebe-se, portanto, que não se entende por que não se implementar uma efetiva discussão antes da decisão (contraditório antecipado), com a possibilidade de um sucessivo julgamento conforme o estado, ao contrário de se garantir tão-somente um contraditório sucessivo ( via razões e contra-razões de recurso), que geraria, na prática, a potencialidade de duas atividades recursais e uma quebra indiscutível da celeridade (NUNES, 2010, p.172).
[25] Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência. (grifo nosso)
Art. 8º As partes têm o dever de contribuir para a rápida solução da lide, colaborando com o juiz para a identificação das questões de fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes desnecessários e procrastinatórios. (grifo nosso)
[26] Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório. (grifo nosso)
[27] Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
[28] Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei.
Art. 4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
[29] Art. 9º. Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito. (grifo nosso)
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício. (grifo nosso)
[30] Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
§ 1º Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.
(...)
[31] Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil. (Incluído pela Lei nº 11.280, de 2006)
[32] Art. 291. Antes de proferir sentença sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.
[33] Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.
[34] Art. 295. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 303 e 304 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. (grifo nosso)
[35] Art. 295. A petição inicial será indeferida: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
[36] Art. 307. O juiz julgará liminarmente improcedente o pedido que se fundamente em matéria de direito, independentemente da citação do réu, se este:
I – contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos de recursos repetitivos;
III – contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição;
§ 2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.
§ 3º Aplica-se a este artigo, no que couber, o disposto no art. 306.
Advogada da União, Integrante do Grupo Permanente de Combate a Corrupção, Pós Graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE em parceria com o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, especializada em Direito Civil e Processual Civil pela UNICOC e em Direito Público pela Pontifícia Universidade católica de Minas Gerais, Graduada em Direito pela Fundação Educacional Monsenhor Messias.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Valkiria Silva Santos. Atos judiciais de ofício antes da citação: O Ativismo Judicial de encontro ao Direito Fundamental ao Contraditório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28423/atos-judiciais-de-oficio-antes-da-citacao-o-ativismo-judicial-de-encontro-ao-direito-fundamental-ao-contraditorio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.