RESUMO: O artigo em questão apresenta um estudo analítico sobre as Nulidades no Processo Penal brasileiro, tomando por base os princípios e regras constitucionais e processuais penais, além da abordagem da doutrina e da jurisprudência pátria, principalmente, dos tribunais superiores.
Palavras-chave: Direito Processual Penal; Nulidades; Instrumentalidade das Formas.
INTRODUÇÃO
O tema das nulidades tem importância fundamental no estudo do processo penal brasileiro, tendo em vista a necessidade de se resguardar as garantias individuais historicamente adquiridas como a ampla defesa, o contraditório, presunção de inocência, devido processo legal, juiz natural, para que, assim, o processo seja um instrumento seguro para se chegar à pretensão jurídica material.
REFERENCIAL TEÓRICO
Como referencial teórico, este artigo baseou-se nas pesquisas realizadas na área do Direito Processual Penal, por autores como Nestor Távora, Rosmar Alencar e Eugênio Pacelli que estudaram as nulidades no processo penal brasileiro, abordando, também, a jurisprudência dos tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).
Assim, o artigo em tela encontra-se alicerçado em suporte teórico suficiente para conduzir este estudo aos resultados esperados.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada no presente estudo é a pesquisa bibliográfica, que segundo Ruiz (1996, p.58) consiste no exame de livros, artigos e documentos para se promover um “levantamento e análise do que já se produziu sobre determinado assunto que assumimos como tema de pesquisa científica”.
DISCUSSÃO
As nulidades no processo penal são tratadas no livro III, título I, dos artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal.
É consabido pela doutrina que as formas processuais existem com a finalidade de se chegar com segurança ao resultado prático do processo, que é a tutela jurisdicional pretendida.
Neste contexto, Nestor Távora e Rosmar Alencar, conceituam nulidade como a “sanção aplicada pelo juiz em razão da verificação de um ato processual defeituoso”. Sucintamente, a marcha processual pode ser contaminada por um ato defeituoso que poderá provocar a nulidade de todo o processo.
Aqui, cabe mencionar que as nulidades têm como fim precípuo assegurar as garantias processuais penais previstas na Constituição Federal, dentre muitas: ampla defesa, contraditório, presunção de inocência, devido processo legal, juiz natural (art. 5º, CF). Além desses princípios constitucionais, alguns princípios processuais penais também devem ser observados: instrumentalidade das formas, conservação dos atos processuais, economia processual, razoável duração do processo etc.
Não obstante, as nulidades seriam aplicadas de forma diferente para cada tipo de sistema jurídico, conforme Paulo Sérgio Leite e Geórgia Bajer Fernandes: sistemas rígidos, em que as nulidades seriam inflexivelmente especificadas; sistemas genéricos, que permitem ao interprete a adequação ao caso concreto.
Já, segundo Távora e Alencar, a classificação dos sistemas de nulidades seria do seguinte modo: Sistema Privatista (a nulidade dependerá da manifestação do interessado); Sistema Legalista (o juiz fica subordinado à lei que traça requisitos a serem observados); Sistema Judicial (autoriza a valoração da essencialidade pelo juiz). Portanto, para o referido autor, o Brasil adotou um sistema eclético que contempla tanto o “sistema legal e judicial” quanto o “sistema instrumental”, já que o artigo 564 do CPP traz um rol exemplificativo de hipóteses que podem acarretar nulidades. Por exemplo, incompetência, suspeição ou suborno do juiz, ilegitimidade das partes, dentre outros.
No entanto, vale frisar que, de acordo com Eugênio Pacelli, um princípio resume a questão de nulidades: “Pas de nullité sans grief” mais conhecido no Brasil como “instrumentalidade das formas”. Ou seja, para que haja nulidade, o ato processual deve ter a capacidade de causar prejuízos aos interesses processuais das partes (art. 563 do CPP). Destarte, para Paulo Rangel, o sistema adotado foi o da instrumentalidade das formas com resquícios do sistema legalista. Logo, mesmo que a causa esteja prevista no rol do artigo 564 do CPP, pode ser que não caiba a declaração de nulidade, caso não seja ato idôneo a causar dano a qualquer das partes. Ou, até mesmo, pode haver uma causa hábil a gerar nulidade que não esteja elencada no rol do retromencionado dispositivo legal.
Entretanto, a doutrina costuma dividir os elementos formais em atos processuais essenciais e acidentais. Aqueles possuem a presunção de prejuízo para as partes. Presunção esta que parece ser “iure et de iure” (absoluta), não admite, portanto, prova em sentido contrário. Por exemplo, um processo eivado pela incompetência absoluta traz como consequência necessária a nulidade de todos os atos decisórios. Não poderia a parte provar que não houve prejuízo, pois se tratam de questões de ordem pública, pelo fato de ter sido violado o princípio constitucional do juiz natural (art. 5º, LIII, CF). Daí, justifica-se a opinião de Pacelli no sentido de que não se trata de mera presunção, mas de uma imposição de casos que, incondicionalmente, implicarão em nulidade.
Contudo, quanto à classificação das nulidades, existe uma grande cizânia doutrinária. Pacelli e Mirabete as classificam em: ato inexistente, nulidade relativa e absoluta. Apesar disso, Nestor Távora e Rosmar Alencar não concordam com a classificação quanto ao ato inexistente. Segundo os mesmos, o próprio nome ato processual inexistente já traz consigo um paradoxo: se este ato necessita de declaração judicial de inexistência é porque ele gera, no mínimo, alguma dúvida sobre a produção de efeitos, mesmo que transitoriamente. Mas, contra-argumenta Pacelli:
“O tema da inexistência, como logo se percebe, encontra-se ligado à questão de existência do processo, enquanto as nulidades diriam respeito aos requisitos de sua validade...Por isso, desde que regularmente provocado, o recebimento da denúncia ou queixa bem como o prosseguimento do curso da ação penal por meio de atos prolatados por quem se achar investido na função jurisdicional, dá por existente o processo, e com capacidade para a produção de determinados efeitos jurídicos, ainda que irremediavelmente nulos .”[1]
No que tange às nulidades relativas, podem elas ser assim denominadas pelo fato de sua alegação caber ao interesse da parte, não cabendo ao Estado, em regra, interferir. Ora, se a parte não as argüiu é porque, logicamente, não lhes causaram prejuízo processual. Daí, surge o elemento temporal para a preclusão. Caso a alegação não seja feita em certo prazo, a parte não terá mais a prerrogativa de alegá-la posteriormente.
Já as nulidades absolutas são questões de ordem pública que, por isso, extrapolam a esfera de interesses individuais, já que se relacionam à função jurisdicional do Estado. Ou seja, para qualquer processo penal em curso, as nulidades absolutas acarretariam prejuízo para as partes, por isso, o juiz tem o dever de atuar de ofício. Desse modo, por exemplo, configura, inevitavelmente, a nulidade processual se houver desrespeito aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, presunção de inocência, devido processo legal, juiz natural (art. 5º, CF). Nulidades estas que podem ser alegadas a qualquer tempo durante o processo ou até mesmo depois, através da revisão criminal que é um modo de se relativizar a coisa julgada. Aqui, surge uma questão interessante. No processo civil, a jurisprudência consolidou-se no sentido de não se admitir alegação de nulidades em sede de recurso especial e extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. Entretanto, tal conclusão não parece lógica, já que seria possível ajuizar uma ação com caráter desconstitutivo-anulatório (Ação Rescisória no processo civil e Revisão Criminal no processo penal) da decisão judicial, por que não caberia no próprio trâmite do processo alegá-la? “Quem pode o mais, pode o menos”.
Além dessa classificação, Nestor Távora e Rosmar Alencar aduzem que a divisão entre atos nulos e anuláveis não seria tão rígida. Assim, segundo os referidos autores:
“Antes, é possível depreender multiníveis de nulidades, ou melhor, extensões de efeitos dos atos defeituosos em maior ou menor grau, de acordo com as possibilidades do caso concreto ou hipótese em que a preclusão pode se dar em momento antecipado ou diferido.”[2]
Cabe, agora, analisar algumas hipóteses passíveis de reconhecimento judicial de nulidades. São elas:
Falta ou deficiência de defesa: assunto abordado pela súmula 523 do STF, “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a deficiência só o anulará se houver prejuízo para o réu.” Esta súmula vem sendo criticada pela doutrina, pois segundo Antônio Tovo Loureiro, o acusado seria duplamente prejudicado pela deficiência da defesa e, ainda, pelo ônus de provar que sofreu prejuízo.
Ilegitimidade da Parte: a legitimidade da parte ad causam trata-se de condição da ação. Já a legitimidade ad processum é um pressuposto processual. A violação de qualquer delas implica em nulidade absoluta. Podem ocorrer, por exemplo, quando o parquet oferece denúncia em crimes de ação privada ou mesmo quando a denúncia é oferecida contra alguém sobre o qual não haja quaisquer indícios de autoria.
Incompetência do juízo: para Nestor Távora e Rosmar Alencar, a incompetência absoluta gera nulidade de todos os atos do processo. Por outro lado, a incompetência relativa torna nulos apenas os atos decisórios. No entanto, esse não é o entendimento consolidado no STF. Para a Corte Suprema, a incompetência absoluta significa nulidade dos atos decisórios; enquanto a incompetência relativa não gera nulidade de qualquer ato. A consequência imediata do reconhecimento da incompetência absoluta é a remessa dos autos ao juiz competente para ratificação dos atos processuais.
Incompatibilidade, impedimento e suspeição: teoricamente, incompatibilidade é gênero do qual impedimento e suspeição são espécies. Aquele está ligado a questões objetivas, como, por exemplo, parentesco do juiz com qualquer das partes, afigurando-se como causa de nulidade absoluta; a suspeição, contudo, está relacionada a situações subjetivas como a amizade íntima ou inimizade do juiz com a parte e é hipótese de nulidade relativa.
Inexistência ou defeito de peça acusatória ou de representação: o vício de inexistência de peça acusatória acontece, mais comumente, nos juizados especiais criminais, em que a denúncia é oral, devendo ser reduzida a termo na ata de audiência. Assim, gera nulidade absoluta. Já defeitos de representação pode ser sanados. O que, entretanto, não pode ocorrer é a ação penal pública condicionada a representação prosseguir ante a inexistência de representação (condição de procedibilidade). Aí, a nulidade absoluta será inevitável.
Ausência de intervenção do Ministério Público: segundo Pacelli, a ausência do MP no processo é causa de nulidade absoluta; Távora e Alencar divergem, no entanto, com o forte argumento de que o membro do MP pode perfeitamente entender que não lhe é cabível interferir em algum ato do processo. Portanto, o que gera a nulidade absoluta, de acordo com os mesmos, é a falta de intimação do Ministério Público, e, não, sua ausência no processo, individualmente considerada.
Falta de citação: a falta de citação, também, é meio capaz de anular o processo. Mas, se o réu espontaneamente comparece, mesmo que para alegar a falta de citação, considera-se sanado o vício. O mesmo ocorre se o réu deixar de ser intimado da data do julgamento pelo tribunal do júri.
Ausência de interrogatório do réu: o interrogatório do réu, com a mini-reforma de 2008, passou a ser o último ato processual e meio de defesa. Portanto, é obrigatória a possibilidade de sua realização, sob pena de nulidade absoluta, a não ser que o réu não queira ser interrogado (direito ao silêncio).
Irregularidades na sentença de pronúncia: a sentença de pronúncia não pode conter alguns elementos como agravantes (deverão ser alegadas na sustentação oral) e atenuantes, devendo o juiz restringir-se a aceitar a acusação, pronunciando o réu pelo crime contra a vida. Tais restrições se fazem necessárias ao passo que podem influenciar os jurados, o que violaria o princípio do livre convencimento dos jurados. Por isso, há necessidade de se declarar a nulidade absoluta, diante da violação.
Presença de, pelo menos, quinze jurados no tribunal do júri: Dos vinte e cinco jurados, deve haver quinze para o início do plenário. Destes, sete serão sorteados para o conselho de sentença. Se não houver esse número mínimo, será caso de nulidade absoluta. No entanto, surge questão interessante decidida pelo STJ. Caso haja a necessidade de se “tomar por empréstimo” jurados de outro tribunal do júri, para compor o conselho de sentença é perfeitamente plausível.
Concessão de prazos processuais: sendo o ato processual indispensável ao direito de defesa, deve ser declarada a nulidade absoluta. Exemplificativamente, o STJ decidiu que a não-apresentação de contrarrazões pelo advogado dativo enseja nulidade absoluta por desrespeitar o princípio constitucional da ampla defesa.
Falta de intimação de testemunhas: é caso de nulidade absoluta, inclusive, quando a testemunha essencial não comparecer e o juiz, negligentemente, não determinar sua condução coercitiva. Na hipótese de expedição de precatória para oitiva de testemunha com prazo determinado, é entendimento pacífico nos tribunais superiores de que o julgamento da ação penal prossegue, sem nenhum vício.
Falta de exame de corpo de delito em crimes materiais: pode ser suprido pelo exame de corpo de delito indireto, prova testemunhal, art. 167 do CPP.
Incomunicabilidade dos jurados: Com o objetivo de que a imparcialidade dos jurados não seja afetada, é proibida a comunicação entre eles, ressalvadas questões importantes que nada tenham a ver com o julgamento.
Falha na quesitação do tribunal do júri: as perguntas aos jurados devem ser simples e objetivas. Assim, primeiro se pergunta a respeito da existência da materialidade e, depois, da autoria ou participação. Aqui, o sistema adotado foi o sistema inglês: “Guilty or not guilty” (culpado ou inocente).
Vícios na sentença: por disposição legal, a sentença deve conter alguns elementos essenciais: relatório (resumo fático), fundamentação (tese jurídica adotada) e dispositivos (a sentença propriamente dita, a decisão condenatória ou absolutória). Como se tratam de elementos essenciais, sua ausência implica em nulidade absoluta, devendo o juiz proferir outra decisão que se adeque à forma legal.
Descumprimento de reexame necessário: em alguns casos (sentença concessiva de habeas corpus ou mandado de segurança, por exemplo) o processo deve ser submetido ao reexame pela instância superior. O desatendimento desse requisito é mera irregularidade que impede a expedição da certidão de trânsito em julgado.
Descumprimento de quorum legal de julgamento nos tribunais: cada tribunal fixará o número mínimo de julgadores em seus órgãos fracionários, sob pena de se violar o princípio do revisibilidade das decisões ou duplo grau de jurisdição, que pressupõem o julgamento por um órgão colegiado.
Por fim, a “reformatio in pejus indireta” ocorre quando a decisão judicial condenatória é anulada, por qualquer razão. O que se depreende é a impossibilidade de o juiz da causa, quando do pronunciamento de nova decisão, agravar a pena para o réu, mesmo que a primeira decisão esteja eivada da nulidade absoluta. Esse entendimento teve por base a proibição da “reformatio in pejus” em grau de recurso interposto pelo réu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, podemos concluir que o sistema de nulidades no processo penal brasileiro é forma idônea de se assegurar a aplicação das garantias constitucionais em todo trâmite processual, evitando, com isso, a ocorrência de arbitrariedades, que são incompatíveis com o ordenamento jurídico pátrio. Destaca-se, assim, a importância da forma processual, mas não em detrimento do conteúdo dos atos em si. Portanto, o princípio da instrumentalidade das formas deve nortear a hermenêutica das nulidades.
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Acadêmicos do Curso de Direito - (UNIMONTES)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Adriano Souto. Teoria geral das nulidades no processo penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 abr 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28472/teoria-geral-das-nulidades-no-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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