Resumo: O presente artigo objetivou ilustrar o contexto histórico da tortura no Brasil e as ações governamentais em suas diversas esferas de poder feitas, atualmente, para o seu combate, além de tentar esmiuçar os conceitos de direitos humanos mais modernos ligados a esse crime demonstrando, efetivamente, os torturados e os torturadores nesse processo; a tipificação do crime de tortura com a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988e os motivos que justificam a má imagem, perante a sociedade, mostrada pelos policiais e órgãos de segurança publica a partir desse contexto histórico em nosso cotidiano.
Palavras-chave: Tortura, direitos humanos, Brasil
Title: TORTURE IN BRAZIL A HISTORICAL ANALYSIS AND GOVERNMENT PROPOSALS TO COMBAT
Abstract: This article installed illustrate the historical context of torture in Brazil and the governmental action in their spheres of power, currently, to their fight, in addition to try going on the concepts of modern human rights linked to this crime effectively showing, tortured and torturers in that process; the definition of the crime of torture with the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988e the reasons justifying the bad image before society, shown by police and security organs publishes from this historical context in our daily lives.
Key-words: torture, human rights, Brazil
1 INTRODUÇÃO
O policial, atualmente, ainda é visto com bastante medo pela sociedade em geral, segundo Balestreri (1998). Na maioria das vezes, essa relação apenas ocorre quando a população tem necessidade de acioná-lo, isto é, quando os indivíduos estão envolvidos em crimes. Após sua atuação, inevitavelmente, serão apenas relembrados nos momentos de interrogatórios e depoimentos policiais ou judiciais. O estigma que essa classe carrega consigo origina-se, em grande parte do processo histórico ocorrido desde o descobrimento do território brasileiro e tem conseqüências marcantes até hoje em nossas vidas.
O tema tortura encontra-se quase sempre ligada aos direitos humanos. Nesse contexto a atividade policial, como o braço de execução das ações de segurança do Estado e das elites dominantes foi durante a historia dos pais o instrumento para a institucionalização e manutenção primeiramente dos interesses político-econômicos das elites que, desde nosso descobrimento, ditam os destinos da nação. No entanto, percebe-se ,ainda hoje, que a policia ,como instituição, continua a praticar a tortura e outras formas de violência contra os cidadãos em seu trabalho como será descrito no curso desta pesquisa.
Espera-se, neste artigo demonstrar as hipóteses que justificam essa visão demonstrando como a policia foi utilizada nos diversos momentos históricos nos pais, os conceitos de tortura correlacionados, a tipificação do crime de tortura após a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988; as ações do governo Brasileiro para a mudança desse perfil no cotidiano brasileiro que possam influir nos aparatos policias e de segurança pública.
1.2 MATERIAIS E MÉTODOS
Este trabalho foi fundamentado nos relatos históricos, em leis acerca do assunto, artigos científicos , livros acadêmicos e na rede mundial de computadores (por meio de sítios específicos e correlacionados ao tema proposto pelo artigo). Foi levado em consideração também a atualidade e a evolução dos conceitos aqui apresentados.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O CONCEITO DE TORTURA.
Segundo Arns (1985, apud MATEOS, 1978) em seu trabalho intitulado “Brasil Nunca Mais”, escrito nos fins da ditadura no Brasil, a tortura foi definida pela associação médica mundial realizada em Tóquio em 1975 como a imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas atuando por conta própria ou seguindo ordens de outro poder com o fim de forçar uma pessoa a dar informações, confessar ou por outra razão qualquer.
Hoje com mais de 50 anos Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas pós Segunda Guerra Mundial, quase um terço dos países que se comprometeram - com o documento assinado nessa data ainda utilizam a tortura como parte método nos interrogatórios policiais e militares conforme o livro Brasil Nunca Mais.
A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes possui dois artigos importantes, conforme segue o trecho abaixo:
Art. 1º Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência; (...)Art. 5º ninguém será submetido a tratamento á tortura, nem a tratamento cruel ou degradante. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL (2004)
Segundo Silva (2003, apud DINIZ, 1988) a tortura também pode ser definida como: “o suplício do condenado; sofrimento físico e moral infligido ao acusado para obter confissão ou alguma informação; ato criminoso de submeter à vítima a um grande e angustioso sofrimento provocado por maus tratos físicos e morais”.
Conforme relatório do Centro de Direitos Humanos de São Paulo-CDH/SP (2005) em termos gerais, a tortura poderia ser definida como “qualquer ato que, causado intencionalmente, resulte em dor, degradação e sofrimento físico, moral e psicológico intensos a outro com o objetivo de obter confissões, castigar ou humilhar”
A partir desse contexto, tem-se a necessidade de definir os torturados e os torturadores no país. Para Rodley, (2000) as vitimas que sofrem esse problema nos pais são pessoas com baixo nível de poder socioeconômico e que tem difícil acesso à justiça. Para ele, grande parte dos casos de tortura é voltada também para pessoas detidas ou presas apenas como suspeitas. Com a intenção de conseguirem arrancar as confissões dessas pessoas , os policias (digam-se civis e militares) e outras pessoas envolvidas (servidores que dão suporte as atividades policiais) chegam a cometer crimes até mais graves que os cometidos por elas.
Ainda em relação aos torturados, e de acordo com o Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil (2005) os chamados centros de unidade de privação de liberdade representados pelas delegacias de polícia, locais de internação de adolescentes, penitenciárias, cadeias públicas, centros de imigração, zonas de trânsito de aeroportos internacionais, instituições psiquiátricas e locais de prisão administrativa seriam locais onde a tortura estaria disseminada como forma da manutenção da disciplina e também como forma de se evitarem as fugas dos detidos e condenados.
Em relação aos torturadores observa-se que a grande maioria seria formada pelos policiais civis uma vez que possuem o poder sobre a manutenção e vigilância dos centros de unidade de privação de liberdade e em seguida pelos policiais militares. Segundo Rodley, (2000), é mais fácil logicamente torturar as pessoas a partir do momento em que estiveram dominadas
O relatório do CDH-SP (2005) é mais abrangente em relação ao rol de torturadores. Além dos membros da Polícia Civil e Militar; teríamos integrantes do Exército, os agentes penitenciários profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), que poderiam participar do crime de tortura por ação (atuação direta durante o emprego da tortura) ou por omissão (falsificação de laudos médicos, que masca conseqüências físicas causadas pela tortura).
Mas a partir disso é feita uma indagação. Porque a tortura no país não é punida com rigor apesar de já existirem instrumentos e uma lei que tipificou essa pratica como crime? A resposta estará nos tópicos seguintes e se iniciará com a evolução histórica da tortura no Brasil.
2.2 EVOLUÇÕES HISTÓRICAS DA TORTURA NO BRASIL
.O processo de tortura no Brasil vem desde suas origens e se justifica, em grande parte, pelo uso dos métodos de tortura no nosso território, ou seja, desde o período de colonização portuguesa até os dias atuais. Em todo o mundo, e principalmente nas épocas do Mundo Antigo e na Idade Média, quem se insurgisse contra o poder estabelecido principalmente de reis e imperadores seria objetivo de chacota e espetáculo.
2.2.1 COLONIZADORES PORTUGUESES
No Brasil, as ondas iniciais de violência e tortura iniciaram-se com as ações dos colonizadores portugueses, que mesmo antes de nosso território tornar-se independente, deixaram cicatrizes de violência e segregação nos negros trazidos como mercadorias nos tumbeiros (navios negreiros trazidos da África) e também nos indivíduos autóctones (os índios que esta terra já habitavam e que foram mortos sem saber, já que não tinham defesas naturais suficientes contra as doenças que os próprios colonizadores traziam). O trecho extraído do primeiro relatório Primeiro Relatório ao Comitê Contra a Tortura-CAT. - do Ministério da Justiça, (2000) relata essa situação:
Os negros foram trazidos da África do século XVI ao XIX. A condição de escravos na qual viriam significava uma constante possibilidade de um tratamento violento da parte do senhor. À penúria das condições de vida e trabalho a que eram submetidos juntava-se a possibilidade de o senhor, ao seu arbítrio, impor os castigos que quisesse ao escravo. “Privações, açoites, mutilações, palmatórias, humilhações diversas foram práticas comuns nas casas e fazendas dos senhores donos de escravos durante toda a vida da colônia. Primeiro Relatório ao Comitê Contra a Tortura-CAT. - do Ministério da Justiça, (2000)
Segundo Biazevic, (2004, apud Coimbra, 2001), a sociedade brasileira na época colonial era de cunho escravista, onde a crueldade perpetrada, principalmente, em relação aos negros, era enfocada como algo natural, porquanto estes eram considerados serem sub-humanos, destinados à produção agrícola e de minérios
De acordo com Rodley (2000) a tortura no Brasil, como meio de obtenção de prova através da confissão e como forma de castigo a prisioneiros, remonta aos primórdios da ocupação do país pela metrópole portuguesa, no ano 1500.
“Os índios, como regra, sofreram menor opressão, pois receberam relativa proteção da Igreja”. (BIAZEVIC, 2004). A catequese a que os índios foram submetidos atenuou as ondas de violência.
2.2.2 O IMPERIO E A PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA
Na evolução do processo histórico brasileiro observou-se , no período do Império no pais (durante o século XIX), uma fase em que os princípios decorrentes dos ideais revolucionários burgueses de igualdade, liberdade e fraternidade presentes na Europa, fracamente, chegaram à corte portuguesa que aqui se instalara na presença de Dom Pedro I e mais tarde Dom Pedro II. Uma constituição que continha elementos modernos para a época mas que não passavam de fachada frente às atrocidades cometidas aos mais desfavorecidos e principalmente aos escravos (o pais era um dos únicos a manter a subserviência humana no mundo naquela época) foi elaborada a fim de manter o território sobre controle a partir da égide da violência e da tortura basicamente.
O trecho de Biazevic (2004, abud Coimbra, 2001), sobre o parágrafo anterior ilustra bem esta situação:
Mesmo no Brasil Império, com a elaboração da Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, onde se aboliram os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis, se continuou a supliciar os escravos. Assim, o Código Criminal do império de 1830, esculpido sob o espírito liberal, dispunha, no seu artigo 60, que, quando se tratasse de acusado escravo e que incorresse em pena que não fosse a de morte ou galés, deveria receber a reprimenda de açoites e, após entregue ao seu proprietário, para que este inserisse um ferro em seu pescoço pelo tempo que o juiz determinasse. BIAZEVIC, (2004)
Ainda de acordo com Biazevic (2004 apud Coimbra 2001), a tortura deveria ter sido abolida pela Constituição de 1824 trazendo para si, diversos princípios dos direitos humanos. Entretanto, muitos negros continuaram sofrendo esse tipo de violência até a proclamação da escravidão no pais no final do século XIX. A criação do código criminal de 1832 instituía que a confissão de qualquer acusado deveria ser baseada em provas e sustentada por elas.
A proclamação da Republica Federativa do Brasil não chegou a exercer grandes mudanças no cenário dos direitos humanos dos mais excluídos. A policia, agora mais institucionalizada continuava como instrumento de controle de revoltas por uma melhor distribuição de renda e numa política que a época ainda favorecia os grandes latifundiários.
Os movimentos dissidentes a então elite governante e relacionados com as questões sociais e geográficas que mantinham o nordeste em tensão constante, como o de Canudos, recebiam tratamentos muito violentos ; a tortura seguiu seu caminho com igual força nesse período de acordo com Cancian (2009).
Pode-se, conforme o exposto nos dois últimos parágrafos, afirmar que o reconhecimento da tortura e a adoção de medidas para preveni-la e combatê-la foram vinculadas, de forma direta com a história das nossas constituições e dos acontecimentos globais..
A constituição de1891 privou algumas classes como os mendigos, os analfabetos e os religiosos de exercerem os direitos políticos e isso foi motivo de revoltas e de violência e tortura para a afirmação do poder estatal.
2.2.3 A ERA VARGAS E DITADURA MILITAR
No período dito República das Oligarquias que durou até o governo de Getulio, vingou a política do coronelismo em que os grandes latifundiários que representavam a elite torturaram os trabalhadores rurais no interior do pais.
Outro período marcante da história da tortura no país foi Era Vargas.. Durante os oito anos do chamado Estado Novo, os direitos humanos da época praticamente desapareceram.Nessa época surgiram os chamados tribunais de exceção constituídos para julgarem os crimes relativos a segurança do estado brasileiro. Os direitos e liberdades constitucionais de ir e vir, o direito de correspondência e de outros meios de comunicação foram usurpados dos princípios legais da época. A repressão e o controle do novo regime eram conseguidos através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e da policia secreta conforme estudos de Koshiba e Fausto (2009).
O primeiro foi responsável pelo controle ideológico do sistema. A aversão ao perigo comunista foi o motivo utilizado para a sensação de insegurança que atormentou o período destruindo qualquer movimento contrario ao sistema enquanto o segundo era o braço de atuação na segurança do estado para a sua afirmação por meio das torturas, assassinatos e o espalhamento do terror.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, passou-se por um período histórico mais tranqüilo. Foi o chamado período dos anos Dourados em que o presidente Juscelino Kubtchek ,seu principal representante , conseguiu diminuir essa onda de tortura e violência.
Segundo Maia, (2000), o pais, após os anos dourados de Juscelino, foi assombrado por um dos períodos históricos mais violentos da sociedade. O governo foi deposto e os militares intervieram na sociedade civil por meio dos chamados Atos Institucionais.Esses instrumentos foram utilizado para legalizarem o novo regime que se instalava.O método mais utilizado para tal foi a tortura, que não acabava de ser criada ,mas sim exacerbada.Observe o trecho que mesmo autor diz:
A sombra mais negra veio com a prática disseminada da tortura, utilizada como instrumento político para arrancar informações e confissões de estudantes, jornalistas, políticos, advogados, cidadãos, enfim, todos que ousavam discordar do regime de força então vigente. A praga a ser vencida, na ótica dos militares, era o comunismo, e subversivos seriam todos os que ousassem discordar. Foi mais intensamente aplicada de 1968 a 1973 sem, contudo, deixar de estar presente em outros momentos. MAIA, (2000)
Durante a Ditadura Militar, utilizaram-se uma grande variedade de formas de tortura aos presos políticos nos pais. Diversos são os documentos encontrados sobre o assunto que descrevem as técnicas de tortura física e psicológica sentida por eles, conforme estudo de Arns, (1985).
Segundo Morini (2009), muitas foram às técnicas da época da ditadura: ”O pau-de-arara consistia em uma barra de ferro atravessada entre os punhos e a dobra do joelho ficando entre duas mesas a cerca de 30 cm do chão. A partir daí, outras formas de tortura física e psicologia eram associadas. como o afogamento, o uso de toalhas umedecidas e o de mangueiras ligadas a torneiras. “Muita utilizada durante a escravidão, à pessoa que ficasse na posição de frango assado sentira dores terríveis por todo o corpo e a cabeça”. (ARNS, 1985)
Arns (1985) afirma que eram usados também choques elétricos baseados em dois fios longos que ligados eram colocados nos órgãos sexuais. Morini (2009) complementa que o corpo dos torturados era molhado para facilitar a circulação das correntes elétricas.
“Existia a geladeira. Os torturados eram colocados em baixíssimas temperaturas ao som de barulhos estridentes que os deixavam sem sentidos”. (ARNS, 1985)
O telefone (aplicação de tapas que causavam labirintite nos ouvidos), o uso de insetos (ratos, baratas cobras até jacarés) que eram introduzidos nas cavidades naturais dos corpos das vitimas; as queimaduras de cigarro, asfixia por gases de carros são algumas das centenas das formas de torturas descritas por Morini (2009).
As conseqüências dessas praticam desumanas levavam os torturados à depressão, perda de peso alucinações, depressões, a perda de coordenação motora, a presença de melena e urinúria (fezes e urina sanguinolentas) alem do desejo do suicídio ,por exemplo.
Praticamente todos esses métodos de tortura foram praticados durante o regime militar que chegou ao ápice com a publicação do Ato Institucional de n° 5 que deu poderes ilimitados ao governo. Nesse período, vários foram os casos de desaparecidos sejam esses políticos ou não que foram mortos por rebelaram-se contra as diretrizes ditatoriais segundo com Arns, (1985 apud MATEOS,1978). Até hoje, sofremos com desprezível de nossa história.
2.2.4 A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TORTURA APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NO BRASIL
O processo de redemocratização dos pais culminou na promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Este documento, no capitulo dos diretos e garantias individuais e coletivos garante a proteção contra a tortura e aos tratamentos cruéis e degradantes. No entanto, faltava uma norma que regulamentasse o texto constitucional..
Para se inicialmente discutir sobre essa questão, será feito comentários sobre a lei da tortura, a qual regulamentou o inciso, XLIII do artigo 5º da constituição da República Federativa do Brasil. Ela possui a seguinte redação:
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos.§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; III - se o crime é cometido mediante seqüestro.§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. (BRASIL,Lei 9455/1997)
O legislador tratou a tortura como um crime formal, ou seja, não necessitaria de um resultado naturalístico para que se configurasse o crime em si não cabendo tentativa.. Qualquer pessoa poderia cometer a tortura e não apenas os agentes estatais segundo estudo realizado pela Academia de Policia Civil do Distrito Federal /APC-DF (2009).
O inciso II da referida lei tratou torná-la como crime próprio quando algum de seus de seus agentes tivesse “o poder, a guarda ou a autoridade” sobre alguém . Convém explicitar que esses agentes poderiam ser estatais ou particulares. Sua conduta deveria ser dolosa na forma comissiva (a pessoa agiu e praticou o ato) ou na forma comissiva por omissão (em que a pessoa tinha o dever de coibir e não o fez) , diz o estudo sobre tortura da APC-DF (2009).
Ressalta-se a causa de aumento de pena quando o agente for funcionário público, cometido contra vulneráveis e na prática do seqüestro. Segundo Piovesan, (2005) nossa atual Constituição foi a única a também tipificar a tortura como crime insuscetível de graça ou de anistia alem de ser inafiançável. Antes do dispositivo legal de 1997 a tortura era enquadrada na forma de constrangimento ilegal e de lesão corporal o que contrariava os textos internacionais sobre a questão, uma vez que o Brasil já teria se comprometido em combater esse crime e ainda não o havia tipificado.
2.2.5 COMO FICOU A QUESTÃO DA IMPUNIDADE EM RELAÇÃO À TORTURA
A questão da impunidade da tortura também remete a nossa herança histórica. O trecho escrito por Rodley (2000) ilustra essa afirmação:
Herança do período colonial escravista, a imposição de castigos físicos têm sido reservada às pessoas situadas na base piramidal da sociedade, na classe trabalhadora. Se ontem os desamparados da Justiça eram em sua maioria os escravos negros, hoje os excluídos desse direito são trabalhadores braçais, urbanos e rurais, muitos dos quais negros (o perfil das vítimas revela a persistência de uma componente racial nessa exclusão social). A maioria desses cidadãos carece de educação fundamental e apresenta ignorância jurídica, o que concorre para dificultar a realização de seus direitos. (RODLEY, 2000).
De acordo com o que foi explicitado acima, percebe-se que os torturadores de antigamente o os atuais têm a certeza da impunidade uma vez que as vitimas, por não terem condições, não conseguiriam recorrer aos seus direitos.
“Em diversos estados do país não existem ou são frágeis as defensorias públicas responsáveis pela assistência jurídica gratuita às pessoas privadas de liberdade”. (Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no BRASIL, 2005)
Isso tem desmotivado as vitimas e familiares em levar adiante os processos em que estejam envolvidos devido à morosidade da justiça e os inúmeros recursos que protelam as sentenças definitivas segundo o estudo de Rodley (2000).
Devido ao exposto acima e paradoxalmente, muitas vezes é a própria população que pede para que o policial aja dessa forma. A violência em que a sociedade brasileira hoje vive contaminou os órgãos de segurança publica também de outra forma.O desespero da população a clamar por justiça, as pressões externas e a falta de desconhecimento das normas legais também justificam isso conforme Balestreri (1998).
Alguns de nossos policiais, em alguns lugares, incorporam a si esse comportamento de justiceiro clamado pela população. Vários são os casos em que o cidadão que teria o dever fiscalizar e manter a ordem passa dos limites da legalidade e age com espírito de vingança. Extrapola de suas reais funções deixando a emoção sobrepor à razão. O profissionalismo é deixado de lado e substituído por uma onda de violência. Conforme Balestreri (1998) tornam-se pseudo heróis pois logo são esquecidos e voltam a ser estigmatizados pela sociedade.
A própria televisão, representada pelos seus apresentadores e jornalistas, muitas vezes faz apologia ao uso da violência contra a violência por meio da tortura. Instigam as pessoas a praticarem-na como se isso fosse resolver o problema.
O Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil (2005) enumera mais algumas justificativas para a continuidade da impunidade no Brasil em relação a pratica da tortura:
A resistência dos agentes públicos de denunciar e investigar casos praticados por colegas de profissão; A resistência de diretores e gerentes das organizações do Sistema de Justiça Criminal em admitir a tolerância da tortura em suas instituições; O medo das vítimas e de seus familiares de denunciar a tortura; A percepção – ainda que equivocada – de parte dos agentes públicos e da população de que a prática de tortura produz benefícios imediatos do ponto de vista da obtenção de informações de suspeitos ou criminosos e da manutenção da ordem em unidades de privação de liberdade. (Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no BRASIL, (2005)
Ainda de acordo com o Plano de Controle de Ações Integradas no Brasil (2005), vários são os lugares onde não existe acolhimento para as pessoas que foram vítimas de tortura. Dentro dos presídios, institui-se o regime disciplinar diferenciado (RDD). Devido a isso ,e de acordo com o pensamento de Magalhães (2007) a tortura psicológica aos detidos tornou-se presente com a ameaça por parte dos agentes que poderiam de forma preventiva colocá-lo isolado dos outros presos como cautela ou sanção para o cumprimento de um regime mais diferenciado.
Poucos são os lugares nos pais que possuem corregedorias para a fiscalização dos policias que praticam atos de tortura conforme o estudo de Rodley (2000), ou até mesmo a programas de proteção a testemunhas. A partir de estudos de Souza (1999). As pessoas têm medo de denunciarem os agentes com medo de represálias devido ao corporativismo das instituições, que muitas vezes praticam técnicas de tortura as quais não deixam marcas visíveis e quando as deixam são acobertadas pelos próprios institutos médicos legais apontou o estudo de Rodley (2000).
2.2.6 MEDIDAS DE COMBATE A TORTURA
Segundo Piovesan (2005 apud RODLEY, 2000) a tortura se caracteriza como um crime de oportunidade.
Para o Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil (2005) o combate desse crime deveria ser baseado em ações preventivas, de responsabilização dos agressores e as recomendações aos órgãos de segurança pública e a sociedade em geral.
Afirma também que as ações preventivas necessitariam de articulação política dos governos federal e estadual para conseguirem unificar os esforços contra esse crime, ao invés de ações isoladas. Isso incluiria o repasse de verbas especificas para esse fim, a criação de institutos como bibliotecas e centros de estudos e pesquisas; aperfeiçoamento dos nossos policias por meio de cursos de reciclagem dos servidores da ativa e a implementação de maior carga horária relativa à disciplina de direitos humanos nos futuros cursos de formação para policiais e agentes penitenciários pelo pais; atuação, por meio de incentivos, para uma presença mais constante do Ministério Publico e da Justiça na fiscalização dos locais ou unidades de detenção de pessoas alem de melhorar a Defensoria Publica.
A modernização das policias para que os serviços de inteligência policial fossem utilizados para a solução de crimes. O que passaria por uma reforma profunda das secretarias de seguranças publicas nacionais que se encontram sucateadas (isso incluiria o aumento dos salários dos policias também).
Segundo Varalda (2002) o Ministério Publico deveria ter sua legitimidade desobstruída de qualquer empecilho para investigar diretamente o crime de tortura praticado pelos agentes policia e de segurança publica diante da inoperância desses em apurar os crimes cometidos por eles mesmos a fim de identificarem a autoria e a produção de provas para a instrução criminal. Para ele, o número de ocorrências sobre este tipo de crime que chega ao Ministério Publico para investigação é muito pequeno em relação a quantidade de torturados no país.
Observe ainda o que diz o autor sobre a ação da policia nesses casos:
(...) os entraves na apuração da torturas são, entre eles, a inoperância da polícia em apurar crimes de tortura por ela mesma praticados (corporativismo); a ausência de um aperfeiçoamento técnico e pessoal da polícia para a obtenção da prova (a confissão é apenas um dos meios); a vinculação dos órgãos responsáveis pela realização da perícia técnica à própria Polícia e a resistência ideológica da Polícia em não reconhecer como atribuição do Ministério Público a promoção direta das investigações de infrações penais, a qual encontra apoio em alguns posicionamentos do Poder Judiciário. Varalda (2002)
Em relação à responsabilização dos agressores seria necessária, de acordo com o plano, a capacitação dos agentes de saúde principalmente nos sistemas penitenciários para que comunicassem a Justiça ao Ministério Publico e não agissem com leniência em relação à questão; o melhoramento das centrais de atendimento aos torturados e a seus parentes e familiares e a criação de ouvidorias independentes.
Como recomendação teria a diminuição da superlotação dos presídios com a redução do tempo de permanência nas unidades de detenção provisória; os aumentos dos efetivos carcerários e policias; o estabelecimento de protocolos administrativos, diminuírem o número de prisões para averiguação; estimular a gravação dos interrogatórios policias e a federalização desse tipo de crime.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tortura no Brasil ainda é bastante presente na atividade policial de hoje como meio de confissão e de castigo e foi para as elites dominantes forma dominação político-econômica no passado. Ela possui uma relação extremamente ligada ao preconceito e discriminação dos escravos negros no passado e atualmente com os trabalhadores e da massa pobre (a qual também incluía negros) que não tiveram e não tem acesso a defesa adequados. Esses argumentos corroboraram para que seus torturadores tivessem a certeza da impunidade mesmo com a presença de instrumentos jurídicos eficazes de combate a esse crime.
Desde o nosso descobrimento, as elites utilizaram-se da tortura para o comando e os destinos dos pais a bem de seus interesses privados e ideológicos mesmo quando os pais era uma colônia.
Nesse contexto, o policial e os órgãos de segurança representaram o braço do estado para que seus interesses fossem conquistados e mantidos, muitas vezes por meio desse tipo de violência.
O pais passou, no século XX por uma cruel ditadura em que as seqüelas são sentidas até hoje. A policia, como instituição de defesa da paz social, do direito, da ordem e da lei continuou sendo estigmatizada pelos atos que os policias e seus congêneres históricos fizeram em outras épocas muitas vezes sem saber porque os praticavam. Muitos nem se davam conta que estavam ali como servos de interesses de grupos dominantes.
Por outro lado, a modernização dos pais agravou ainda mais as desigualdades sociais. Alguns policias, no ensejo de resolver o clamor da sociedade por justiça, utilizaram e utilizam das técnicas de tortura como forma de castigo pois o judiciário não correspondia a esse chamado.
Devido a isso, os governos (em todas as esferas) estão se empenhando na criação de mecanismos de combate a tortura e sua impunidade. A tipificação da tortura como crime com a lei 9577/1997, a utilização de técnicas mais modernas de investigação criando outros métodos de produção de prova, o melhoramento da inteligência policial; a maior presença de corregedorias especiais e o controle externo da atividade da policia pelo Judiciário e pelo Ministério Publico.
O policial civil, em particular, deverá exercer o seu trabalho perante a sociedade sempre se baseando na legalidade e no respeito à dignidade humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ARNS, D.Paulo Evaristo Cardeal, Brasil Nunca Mais, Petrópolis/RJ, Vozes, 1985
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CIRURGIÃO DENTISTA FORMADO PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA; AGENTE DE POLÍCIA DA POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL; ESPECIALISTA EM INVESTIGAÇÃO POLICIAL PELA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Fabio Brito. Tortura no Brasil: uma análise histórica e propostas governamentais para o seu combate Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2012, 09:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28554/tortura-no-brasil-uma-analise-historica-e-propostas-governamentais-para-o-seu-combate. Acesso em: 22 nov 2024.
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