Desde o advento da festejada Lei Maria da Penha (Lei nº 11340/2006), operadores do Direito continuamente indagavam se a lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica possuía ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação.
De forma clara a Lei nº 11.340/2006 veda a aplicação Lei nº 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais), aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.
Essa vedação implicou em atribuir ao crime de lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica estabelecida no art.129, par.9º, Código Penal brasileiro, a natureza de ação penal pública incondicionada, face à interpretação sistemática do artigo 100, caput, do Estatuto Penal pátrio.
Controvérsias surgiram na doutrina sobre o assunto, tanto que, para alguns autores (Mauro Lessa Bastos, Luís Flávio Gomes, Alice Bianchini) a ação penal do crime de lesão corporal com violência doméstica passou a ser pública incondicionada, em face da proibição da aplicação da lei dos Juizados Especiais.
Entretanto, para outros autores (Damásio de Jesus, Emanuel Lutz Pinto e Rômulo de Andrade Moreira) a ação continuou sendo pública condicionada à representação, sob o fundamento de que atribuir essa forma de lesão corporal como incondicionada seria contrariar a tendência brasileira da admissão do Direito Penal Mínimo e dela retiraria meios de restauração da paz no lar.
A jurisprudência dos Tribunais também divergiam sobre esse tema, tanto que julgados apontavam para as duas posições.
O Superior Tribunal de Justiça, através da 6ª Turma, inicialmente firmou o entendimento que a violência doméstica contra a mulher constituía delito de ação penal pública incondicionada, afirmando com isso que Ministério Público poderia mover ação por violência doméstica contra a mulher.
Ressaltava o STJ que o crime de lesão corporal leve qualificado deixou de ser considerado infração penal de menor potencial ofensivo, ficando sujeito ao acionamento incondicional.
Posteriormente, em decisão de março de 2009, a 6ª Turma do STJ, por maioria, mudou o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima poderia se retratar da representação perante o juiz e por conseguinte a ação penal seria condicionada à representação.
A 6ª Turma do STJ justificou a mudança de opinião, salientando que a dispensa de representação significava que a ação penal teria prosseguimento e iria impedir a reconciliação de muitos casais (HC 113.608-MG, julgado em 5/3/2009, Informativo 385).
Entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente, na sessão do dia 09/02/2012, por maioria, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha. Ainda nessa mesma sessão e por unanimidade, os Ministros do STF acompanharam o voto do relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 19, Ministro Marco Aurélio, e concluíram pela procedência do pedido a fim de declarar constitucionais os artigos 1º, 33 e 41, da Lei Maria da Penha.
O Procurador de Justiça da Bahia e doutrinador Rômulo de Andrade Moreira criticou de forma veemente a decisão do STF, salientando estar de acordo com a tutela penal diferenciada para hipossuficientes, desde que não causem máculas à Constituição Federal e aos princípios dela decorrentes e inafastáveis.
Por outro lado, a advogada e doutrinadora Maria Berenice Dias afirmou que a decisão do STF é adequada à realidade. Ainda segundo ela, o STF veio dizer é que, mesmo que a mulher não represente, o Ministério Público pode prosseguir com a ação penal através da Lei Maria da Penha.
De fato, compartilho com a opinião de Maria Berenice Dias, vez que a decisão do STF, a respeito da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, reafirmou uma interpretação mais atenta às exigências sociais, pois vivemos em uma sociedade hierarquizada e patriarcal.
Na realidade a Lei Maria da Penha vinha sendo desvirtuada, pois qualquer pessoa pode denunciar uma agressão física sofrida pela mulher vitimada pela violência doméstica e nesse caso específico os juizados especiais diziam que necessitava de representação.
Com a Lei Maria da Penha, a lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica ou familiar passou a ser vista com maior rigor, entretanto, antes da decisão do STF, admitia que a vítima se retratasse e retirasse a representação.
O problema foi que se começou a intimar a vítima para saber se ela não iria retirar a queixa. Essa era uma equivocada aplicação da lei, porque as mulheres retiravam as denúncias pressionadas e, muitas vezes, eram chantageadas pelo agressor.
Assim, como o CDC e o Estatuto do Idoso, leis que atendem a seguimentos vulneráveis, a Lei Maria da Penha visa proteger a mulher vítima de violência doméstica ou familiar.
Portanto, entendo ser justa a escorreita decisão do STF ao julgar que a Lei Maria da Penha não ofende o princípio da igualdade.
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