Com a prática de uma infração penal surge para o Estado o direito de iniciar uma ação penal perante o poder judiciário, para que esta seja julgada e em caso de procedência impor uma sanção ao autor do delito.
No entanto, é preciso que essa pretensão punitiva seja exercida dentro do tempo fixado pela lei, sob pena de prescrição. Assim, de acordo com a lição de Rogério Greco (2009, p. 202), a prescrição pode ser conceituada como:
o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade.
Há duas Espécies de prescrição a saber: a prescrição da pretensão punitiva, calculada com base na pena máxima em abstrato prevista para cada crime e reconhecida antes do transito em julgado da sentença (impede o início ou interrompe a ação penal que está em andamento); e a prescrição da pretensão executória, calculada com base na pena fixada na sentença transitada em julgado (impede que o Estado execute a pena imposta ao condenado, quando esta não é iniciada dentro do prazo estabelecido).
Em relação à prescrição da pretensão punitiva estatal, muito se discutiu na doutrina (v. g. CAPEZ, 2001, p. 92) e jurisprudência quanto à possibilidade de seu reconhecimento antecipado, aplicando-se como parâmetro a pena em perspectiva, ou seja, a pena que possível ou provavelmente seria imposta ao réu no caso de uma futura condenação. Essa forma de prescrição é uma criação doutrinária, que não está prevista na lei, mas que é frequentemente aplicada no dia-a-dia forense, especialmente nos juízos de primeira instância.
Em razão do embate travado entre doutrinadores e magistrados acerca da legalidade de tal instituto, o tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Após uma série de julgados, aquele Tribunal Superior aprovou a súmula nº 438, que reconhece ser “inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
Não obstante já exista entendimento sumulado nesse sentido, o presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, se propõe a fazer algumas reflexões quanto aos impactos provocados pela inadmissibilidade da aplicação da prescrição da pena em perspectiva no processo penal. Tal abordagem se justifica na medida em que, não obstante a prescrição seja instituto eminentemente penal material, seus reflexos no processo são de extrema importância. Nesse sentido, Günther Jakobs (2009, p. 492) ressalta o caráter penal da prescrição:
é primeiramente, causa de redução da culpabilidade e do injusto, já que o rigor da apreciação de um conflito e a necessidade de sua solução por meio da imputação diminuem com o passar do tempo: o injusto culpável transforma-se em um assunto do passado. Além disso, essa prescrição leva em consideração que a identidade do agente pode mudar com o tempo, sobretudo no caso de jovens e adolescentes. Por outro lado, a prescrição da pretensão punitiva constitui um impedimento processual, visto que a segurança de uma reconstrução judicial exata de uma infração penal diminui à medida que o tempo passa.
Como já explicado anteriormente, com a prática do ilícito, nasce para o Estado a pretensão punitiva, exercida através da ação. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 130), “a ação penal é o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar em juízo, solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto’’.
Para a propositura de qualquer ação penal é necessário que estejam presentes algumas condições, tais como a legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. A nosso ver, o reconhecimento antecipado da prescrição punitiva possui estreita relação com o interesse de agir, cujo conceito está ligado às idéias de necessidade e utilidade do processo.
Na ótica de Rogério Greco (2009, pp. 206/207) “o interesse de agir como uma das condições da ação se biparte em interesse-necessidade e interesse-utilidade da medida”, compreendendo a idéia de que o provimento pretendido deve ser eficaz, necessário e adequado.
Ainda sobre o interesse de agir, lecionam Cintra, Pellegrini e Dinamarco (2010, p. 281) que
tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição (função indispensável para manter a paz e a ordem na sociedade), não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.
Nesse sentido, quando se verifica, mesmo antes de se chegar ao final da instrução processual, que o provimento condenatório não poderá ser aplicado, pode-se concluir que falta ao acusador interesse de agir.
Reforçando esse entendimento, esclarece Fernando Capez, que o processo, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa seu conteúdo. Aduz o mencionado autor, ainda, que "se, de plano, for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta, dir-se-á que inexiste interesse de agir (CAPEZ, 2001, p. 92).
Além disso, diante do principio da subsidiariedade, entendemos ser possível ao julgador recorrer ao processo civil, na hipótese de existirem eventuais lacunas no processo penal, desde que as normas civilistas não afrontem os princípios norteadores do direito penal. Assim, seguindo esse raciocínio, na falta de previsão pelo ordenamento processual penal, pode-se aplicar o disposto no art. 267, VI, do Código Processo Civil, quando verificada a ausência de interesse de agir. Desse modo, extingue-se a ação penal. Essa operação, inclusive, pode ser realizada a qualquer tempo e, de ofício pelo juiz, nos moldes do que preceitua o art. 61 do Código de Processo Penal.
A extinção da ação penal feita dessa maneira, ao contrário do que pode parecer, não viola o conteúdo do posicionamento sumulado no verbete nº 438 do STJ. Isso porque nessa hipótese, com amparo dos argumentos já expendidos e com base nos princípios da economia processual e da utilidade do processo penal, o que se está reconhecendo é ausência de resultados práticos da persecução penal. Extingue-se a ação, não motivada em uma futura prescrição, mas sim na falta de interesse de agir ou justa causa para continuidade da ação penal.
Deixa-se, portanto, de movimentar em vão a máquina judiciária, por si só bastante onerosa. Isso representará, a curto prazo, uma melhora no acesso do jurisdicionado ao poder judiciário, já que os magistrados e servidores poderão se ocupar de processos nos quais efetivamente a pretensão estatal poderá ser satisfeita.
Deixar de reconhecer esse instituto por mera ausência de previsão legal demonstra um excessivo e condenável apego à forma, tendo em vista todos os benefícios que podem ser obtidos com a sua aplicação, conforme demonstrado.
Não se desconhece a tese que deu suporte à edição da súmula alhures mencionada, no sentido de que o reconhecimento da prescrição da pena em perspectiva viola o devido processo legal, pois deixa de assegurar a presunção de não culpabilidade, a ampla defesa e o contraditório. Todavia, dela discordamos, já que, de acordo com a proposta de extinção da ação pela ausência de interesse de agir, não há sentença condenatória, nem aplicação da pena, e, consequentemente, os princípios constitucionais que garantem ao indivíduo o exercício de suas liberdades individuais são respeitados de maneira integral. Corroborando essa ideia, destaca-se o posicionamento do desembargador Alexander de Carvalho:
Se a ação penal justifica-se na potencial concretização da pretensão punitiva estatal, com resguardo da isonomia, ampla defesa e contraditório aos seus protagonistas, é evidente a possibilidade de sua extinção, há qualquer momento, constatada que a punição não se efetivará face ao impedimento vindouro que se declara antecipadamente
(TJMG - Apelação 1.0090.07.017727-5/001 relator: Des. Alexandre Victor de Carvalho DJ. 19/02/08 DP. 08/03/08).
No mesmo sentido, Espínola Filho (2008, p. 478/479) ensina que
perde, inteiramente, toda significância a ação penal desde que extinta a punibilidade. Daí constituir um princípio de economia do processo o de que, extinta a punibilidade do réu, deve ser isso logo declarado, esteja em que pé estiver a ação penal, que, assim, tenha o seu curso definitivamente paralisado’.
Por fim, entendo plenamente possível a extinção da ação penal, em aplicação subsidiária do art. 267, VI, do Código Processo Civil, quando já se prevê a prescrição, uma vez que a impossibilidade de aplicação de pena ao autor do fato delituoso caracteriza a falta de interesse de agir, que deve se mostrar presente durante todo o curso da ação.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
CINTRA, Antonio; GRINOVER Ada; DINAMARCO Candido. Teoria Geral do Processo, 26ª Ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2010.
FILHO, Espínola, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. 1, pp. 478-9.
GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição virtual ou antecipada: súmula 438 do STJ. Disponível em http://www.lfg.com.br - 17 maio. 2010.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, 2ª Ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2009.
JAKOBS Gunther, Tratado de Direito Penal, Ed. Del Rey, p. 492.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10ª Ed. Belo Horizonte, RT, 2011.
Súmula 438, STJ
TJMG - Apelação 1.0090.07.017727-5/001 relator: Des. Alexandre Victor de Carvalho DJ. 19/02/08 DP. 08/03/08
Acadêmica de Direito pela Puc Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Ana Andrade. Prescrição pela pena em perspectiva: uma análise à luz das condições da ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2012, 07:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29313/prescricao-pela-pena-em-perspectiva-uma-analise-a-luz-das-condicoes-da-acao. Acesso em: 22 nov 2024.
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