O presente artigo aborda a história da instituição da progressão de regime de cumprimento de pena no ordenamento jurídico brasileiro, sua evolução histórica e legislativa, assim como sua aplicação. Apresenta a posição dos doutrinadores sobre o tema, assim como a evolução jurisprudencial sobre a aplicação do instituto. Aponta as críticas feitas pela doutrina, assim como expõe os anseios sociais sobre a dureza de tratamento com os criminosos, sem que isso represente violação aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Verifica e analisa os dados estatísticos da realidade do sistema prisional brasileiro, com sua infraestrutura e organização. Finaliza a exposição apontando a atual tendência legislativa do instituto e os projetos que o governo tem discutido no sentido de garantir concomitantemente segurança ao cidadão e dignidade e condição de ressocialização do condenado. Conclui demonstrando a absoluta falência dos regimes semiaberto e aberto, que fazem com que a progressão de regime no Brasil seja apenas o motor da reincidência e da insegurança jurídica e da sensação de insegurança e impunidade experimentadas pela sociedade civil Brasileira.
No ano de 1.984 o Brasil passava por grandes mudanças políticas. Dentre essas mudanças, uma que chama a atenção do meio jurídico é a reforma do Código Penal Brasileiro e a edição da Lei de Execuções Penais. Com esse novo sistema jurídico, o Estado buscava uma resposta mais adequada à criminalidade que o país enfrentava, a qual buscava um alinhamento mais humanitário e ressocializador, em concordância com os novos rumos do Direito Penal no âmbito internacional.
Com a criação do cumprimento de penas privativas de liberdade de forma progressiva, o Estado permitiu que houvesse diferenciação no trato com os condenados, de modo que aqueles que demonstrassem vontade de recomeçar a vida dignamente fora dos presídios tivessem a oportunidade de reconquistar sua liberdade de modo gradual.
Entretanto, com o transcorrer do tempo, surgiram no Brasil as primeiras facções criminosas e os primeiros sequestros de grande repercussão, que levaram a população a questionar essa nova sistemática, exigindo novamente um endurecimento no trato com os custodiados pelo Estado, indo na contramão do anseio anterior liberalista. A essa altura, o país já vivia um regime democrático, pois a ditadura que oprimira o cidadão por décadas já havia se retirado do poder.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1.988, viu-se que era o momento ideal para tratar a questão, até mesmo porque a crescente onda de crimes violentos no país começou a assustar todas as esferas da sociedade brasileira. Foi nesse momento, em 1.990, que foi editada a Lei dos Crimes Hediondos, que era a resposta que o Estado dava a essa situação, visando reprimir de forma contundente essas condutas delituosas.
Entretanto, após muitos anos da égide desse sistema, verificou-se que ele por si só não era capaz de reprimir a escalada da violência no país, que continuou a crescer desenfreadamente, ao passo que o fenômeno da reincidência se mostrou como um eficaz combustível pra esse avanço da criminalidade.
Como decorrência prática dessa ineficiência, verificou-se que a superlotação do sistema prisional no Brasil persistia e havia se agravado, mesmo que de modo geral, a progressão de regime tivesse a pretensão de esvaziar o cárcere, provendo outros tipos de estabelecimentos prisionais para buscar a recuperação do condenado. Na prática, o que se viu foi que foram construídos pouquíssimos estabelecimentos para essa finalidade, o que impulsionou a ineficiência do sistema.
Desta feita, começaram a se agravar os questionamentos da constitucionalidade sobre a impossibilidade da progressão de regime para os condenados pela Lei de Crimes Hediondos, visto que esse agravamento não fazia mais sentido, mesmo porque ele por si só não era capaz de garantir que o condenado tivesse mais chance de se recuperar, devido à insalubridade e degradação do ambiente carcerário, que somente lhe retirava o pouco de humanidade que lhe restara.
Como decorrência desses questionamentos, vimos a mudança da Lei de Crimes Hediondos, no intuito de atender mais essa tendência do meio jurídico brasileiro, que considerou danoso demais para o condenado restringi-lo ao regime integralmente fechado. Entretanto, essa mudança de orientação pouco mostrou em termos de resultados práticos para o combate à criminalidade.
O futuro do cumprimento de penas privativas de liberdade no Brasil está incerto, visto que novamente começam a surgir projetos para modificar sua funcionalidade, mostrando mais uma vez a tentativa do Poder Público em remediar essa situação alarmante de nossa sociedade da maneira mais barata, ou seja, tentando regular o tempo que os condenados permanecem no cárcere, se esquecendo de fornecer ao condenado a possibilidade de recuperação em estabelecimentos adequados.
Por intermédio dessa pesquisa, verificamos o quão superficial é a atual abordagem que a questão do cumprimento de penas privativas de liberdade possui no Poder Público, que tem o dever de prover as soluções adequadas para atingir os objetivos intentados pelo legislador quando da criação do sistema.
Portanto, o presente estudo tem por finalidade demonstrar a ineficácia histórica do sistema progressivo de cumprimento de penas, através do estudo evolucionário da doutrina e da jurisprudência e os desdobramentos sociais que esse instituto proporcionou no país. Por fim, o presente estudo aponta uma visão abrangente e sistemática do problema, propondo uma nova percepção sobre a atual situação da questão.
A progressão de regime prisional é um instituto que visa permitir ao condenado a possibilidade de diminuir o rigor do regime de cumprimento de sua pena enquanto a mesma é efetivamente cumprida. Em outras palavras, trata-se de uma forma de execução de pena privativa de liberdade que permite ao condenado sair de um regime prisional mais severo para integrar um regime menos severo e deve ser concedido pelo Estado punidor quando o condenado cumpre os requisitos previstos em lei, demonstrando que está buscando dentro do cárcere a condição de voltar ao convívio social sem que isso represente um perigo para a coletividade.
Esse instituto, na verdade, de acordo com o professor Renato Marcão, é “um direito público subjetivo do sentenciado. Integra-se ao rol dos direitos materiais penais.”. Desta feita, verifica-se que o mesmo faz parte do rol dos direitos que são discutidos em sede de execução criminal, ou seja, onde vigora o princípio do in dubio pro societate. Por conta disso, tal matéria é de competência originária do juízo da execução responsável pelo cumprimento da pena imposta ao sentenciado.
O instituto da progressão de regime para os condenados às penas privativas de liberdade foi instituído no Direito Brasileiro com a Lei Federal 7.209 de 1984, que reformou a parte geral do Código Penal e foi devidamente regulamentada pela Lei de Execução Penal (Lei Federal 7.210 de 1984).
Naquele momento histórico do Direito Brasileiro, a expectativa do legislador era embasada pela tendência mundial de aplicar ao cidadão a pena privativa de liberdade somente nos casos mais graves, naqueles nos quais seria realmente danoso à sociedade que o indivíduo permanecesse em seu convívio diário.
O pensamento, além de jurídico, também possuía um aspecto político que ainda nos dias de hoje deve ser levado em conta. O aspecto jurídico é de que o próprio ambiente carcerário é pernicioso ao detento, pois o mesmo encontra-se exposto às sevícias do cárcere e sua corrupção que, paulatinamente lhe retira a aptidão ao trabalho, conforme se encontra na exposição dos motivos da Lei 7.209 de 1984:
Ainda finaliza o legislador, sinalizando pela humanização da aplicação das penas nesse novo sistema.
Entretanto, um dos motivos políticos que moveram essa mudança foi, sem dúvida, o custo de construir e manter a estrutura prisional no Brasil de maneira que as prisões pudessem oferecer ao detento uma possibilidade de reinserção social e também atendesse à nova tendência, de que fosse um lugar no qual o encarcerado tivesse a oportunidade de trabalhar, receber por isso e ser assistido pela Previdência Social.
O intento do legislador era permitir a reconquista da liberdade para aqueles detentos que mostrassem condições de receberem-na novamente e que a conquistassem de forma progressiva, através do seu merecimento. Era uma análise personalíssima, ou seja, dependeria muito do comportamento ostentado pelo condenado que estivesse cumprindo a pena.
Com a entrada em vigor do novo sistema em 1984, através do advento da reforma do Código Penal e a entrada em vigor da Lei de Execução Penal, pelo princípio da aplicação da lei mais benéfica, essa forma de execução já pôde ser aplicada a diversos detentos, desde que seus requisitos legais já estivessem cumpridos.
Porém, com o passar dos anos, a sociedade brasileira começou a clamar por um rigor maior a aqueles que praticavam crimes mais graves, principalmente com o crescimento no Brasil do crime organizado, já final dos anos 1980. Como resposta, atendendo ao vetor constitucional do artigo 5º inciso XLIII da Constituição Federal de 1.988, o legislador promulgou em 25 de julho de 1.990, a Lei Federal 8.072, que dispunha sobre os crimes hediondos.
Essa lei continha uma disposição extremamente rigorosa sobre a progressão de regime para os crimes previstos neste diploma legal. Assim como era rigorosa era polêmica, uma vez que quase imediatamente já se questionava sua constitucionalidade ou não.
A lei, em seu artigo 2º, § 1º, impunha o cumprimento da pena para esses crimes em regime integralmente fechado, impedindo a progressão que até então era vigente no país. Era uma resposta do legislador àquela sensação de impunidade e insegurança que a sociedade brasileira vinha experimentando.
A discussão sobre a constitucionalidade ou não desse dispositivo legal, em primeiro momento, foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, que reiteradamente a considerou como constitucional. Entretanto, com a entrada em vigor da Lei Federal 9.455/97 (Lei de Tortura), essa discussão ganhou corpo novamente, pelo disposto em seu § 7º do artigo 1º, que dispunha de maneira diversa ao regime adotado pela Lei de Crimes Hediondos. Para os crimes de tortura, a progressão de regime era, então, permitida.
Diante desse dispositivo, a doutrina, que até então não havia aceitado bem a vedação à progressão de regime para os crimes hediondos, interpretou que essa nova lei equiparava a tortura aos demais crimes hediondos e que, portanto, ela revogaria o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei Federal 8.072/90, por ser lei posterior mais benéfica.
Diante deste cenário, foi impetrado o habeas corpus 82.959, sobre o qual o STF teria de se pronunciar finalmente sobre a constitucionalidade ou não desse dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos. Finalmente, em 2006, o STF julgou inconstitucional o disposto, autorizando a progressão de regime para tais crimes, desde que respeitados os critérios subjetivos e objetivos da Lei de Execução Penal, que eram no momento o merecimento do condenado e o cumprimento de 1/6 da pena neste regime.
Por decorrência desta decisão, urgiu-se a necessidade de regulamentar a matéria peremptoriamente. Em 28 de março de 2007, foi promulgada a Lei Federal 11.464, que dispõe sobre a matéria, porém de maneira mais gravosa que a Lei de Execução Penal, diferenciando o requisito objetivo para a progressão de regime para os crimes hediondos, mudando de 1/6 de cumprimento da pena para 2/5 para réus primários e 3/5 para reincidentes.
Essa nova disposição, para alguns, era considerada novatio legis in pejus, pois piorava a situação do condenado em comparação ao que vinha sendo aplicado após a decisão do STF sobre o HC 82.959, que autorizou a progressão de regime com apenas 1/6 da pena cumprida em regime fechado. Essa posição, também exposta pelo professor Antonio Lopes Monteiro, é que essa decisão do STF não revogou a Lei de Crimes Hediondos, assim como o Senado Federal também não suspendeu sua aplicação. Portanto, essa nova lei, na verdade representa clara novatio legis in mellius.
Entretanto, o melhor entendimento é que a retroatividade dessa nova legislação deva somente ocorrer nos casos anteriores ao julgamento do habeas corpus 82.959, pois, a partir dessa decisão que teve efeito erga omnes, o que foi aplicado posteriormente é mais benéfico que a nova redação, conforme demonstraremos adiante.
Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acadêmico do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo/SP. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Marcelo Mazella de. A Progressão de Regime nos Crimes Hediondos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2012, 03:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29373/a-progressao-de-regime-nos-crimes-hediondos. Acesso em: 22 nov 2024.
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