Este assunto, apesar de ser de claro entendimento, tem ocasionado interrogações devido as suas inéditas modificações, pelo fato do crime de estupro ter se unido ao delito de atentado violento ao pudor, transformando-se em somente um: estupro.
Destarte, tentaremos tratar de forma breve os principais pontos que caracterizam o crime em questão.
No Título VI, agora denominado “Dos crimes contra a dignidade sexual”, é constituído, dentre outros, pelo delito acima citado. Em consonância com o doutor Luiz Flávio Gomes[1]: “Há vários anos a doutrina penal brasileira mais atualizada reivindicava a eliminação do Código Penal do titulo (da década de quarenta, do século passado) crimes contra os costumes. Finalmente, com a Lei 12.015/2009 essa locução foi substituída pelo seguinte: Crimes contra a dignidade sexual (que significa a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada pessoa humana)”.
O crime de estupro, de acordo com a nova redação do art. 213, caput, CP, caracteriza-se por: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Trata-se de um crime comum, ou seja, qualquer pessoa (homem ou mulher) poderá caracterizar-se como sendo sujeito ativo ou sujeito passivo do crime em discussão.
O bem juridicamente protegido neste crime é a liberdade sexual da vítima, sendo esta pessoa que foi constrangida[2] pelo agente do delito o objeto material, podendo a mesma (vítima) ser agora de ambos os sexos.
Importa ressaltar que no caso de conjunção carnal, há a necessidade da ocorrência de uma relação heterossexual[3], isto é, da penetração do pênis masculino na cavidade vagínica feminina.
Este crime é composto por alguns elementos objetivos, a saber:
a) Constranger: tem por objetivo forçar; obrigar etc. a vítima com a finalidade de promover a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.
b) Conjunção carnal: é a cópula vagínica, ou seja, é a penetração do pênis na vagina.
c) Violência ou grave ameaça: a primeira seria aquela que se utiliza da força física para coagir a vítima. Já a última seria aquela empregada sobre o psíquico da vítima, provocando-lhe temor.
d) Outros atos libidinosos: qualquer ato adverso da conjunção carnal que seja propício à satisfação sexual como, por exemplo, sexo anal, sexo oral etc.
O elemento subjetivo neste caso é o dolo, que é a vontade livre e consciente de praticar o crime de estupro, não se admitindo o elemento culpa, “[...] por ausência de disposição legal expressa nesse sentido” (GRECO, 2010, p.454).
É um crime material, pois “[...] demanda resultado naturalístico, consistente no efetivo tolhimento à liberdade sexual [...]” (NUCCI, 2009, p.17); instantâneo, consumando-se imediatamente; comissivo, pois é praticado através de uma ação positiva; de dano, pois se consuma na lesão de um bem jurídico tutelado; unissubjetivo, podendo ser cometido por somente um agente; plurissubsistente, podendo uma mesma conduta distender-se em vários atos e de forma livre, pois pode praticar-se tanto através da conjunção carnal como através de qualquer outro ato libidinoso.
A conjunção carnal consuma-se no momento em que há a penetração, total ou parcial, do pênis na cavidade da vagina, “[...] não havendo, inclusive, necessidade de ejaculação” (GRECO, 2010, p.453).
Já os demais atos libidinosos, consumam-se no momento em que, após o constrangimento mediante violência ou grave ameaça, o agente “[...] obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal” (GRECO, 2010, p.453).
Por ser um delito plurissubsistente[4], admite-se a incidência de tentativa.
No caso da tentativa à conjunção carnal, preleciona Rogério Greco (2010, p.454): “Se os atos que antecederam ao início da penetração vagínica não consumada forem considerados normais à prática do ato final, a exemplo do agente que passa as mãos nos seios da vítima ao rasgar-lhe vestido [...], tais atos deverão ser considerados antecedentes naturais ao delito de estupro, cuja finalidade era a conjunção carnal”.
Já na hipótese da tentativa de um ato libidinoso, a mesma “[...] será possível a partir do momento em que o agente vier a praticar o constrangimento sem que consiga, nas situações de atividade e passividade da vítima, determinar a prática do ato libidinoso” (GRECO, 2010, p.454).
Apesar de ser admissível a ocorrência da tentativa de estupro, a mesma é de difícil comprovação[5].
Em se tratando de formas qualificadas do tipo, na novel composição do art.213 do Código Penal, passa-se a ser previsto a lesão corporal de natureza grave (art.213, §1º, CP) ou até a morte da vítima (art.213, §2º, CP), em decorrência “[...] do comportamento [...] dirigido no sentido de provocar o estupro [...]” (GRECO, 2010, 455).
Segundo as preleções de Rogério Greco (2010, p.455): “No entanto, deve ser frisado que esses resultados que qualificam a infração penal somente podem ser imputados ao agente a título de culpa, cuidando-se, outrossim, de crimes eminentemente preterdolosos”.
Ou seja, o agente, por exemplo, dirigindo sua conduta à estuprar a vítima, acaba também por lesionar gravemente ou matar a vítima. Nesta hipótese, no caso do estupro, será considerado como um crime doloso, ao passo que no caso da lesão grave ou da morte, será caracterizado como um crime culposo.
No ocasião do autor possuir a intenção de provocar os dois crimes (estupro e lesão corporal grave ou estupro e morte), responderá por ambos os delitos, em concurso material de crimes (art.69, CP).
Em sentido contrário, leciona Guilherme de Souza Nucci (2009, p.26), que diz: “o resultado qualificador pode ser atingido com dolo ou culpa, mantendo-se a figura do crime qualificado pelo resultado”.
E prossegue exemplificando: “se o agente do estupro, durante a prática do ato sexual com violência, atinge a vítima de modo fatal, atuando com dolo ou culpa, deve responder por estupro qualificado pelo resultado morte”.
No caso de vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos (art.213, §1º, CP), dá-se um tratamento diferenciado.
De acordo com Rogério Greco (2010, p.458): “Dessa forma, o juízo de censura, de reprovação, deverá ser maior sobre o agente que, conhecendo a idade da vítima, sabendo que se encontra na faixa etária prevista pelo §1º do art.213 do Código Penal, ainda assim insista na prática do estupro”.
Presumindo-se que ocorra a morte de menor de 18 anos e maior de 14 anos, aplicar-se-á o §2º do art.213 do CP, pelo fato das penas deste parágrafo serem maiores do que as do §1º[6].
Em se tratando de novatio legis in mellius inserido no crime em discussão: com a ocorrência da revogação do crime expresso no art.214 do Código Penal, a mesma (revogação) acaba por provocar a redução da pena do condenado que praticou estupro juntamente com atentado violento ao pudor (concurso formal, concurso material ou crime continuado), beneficiando de certa maneira o agente dos delitos.
“[...] Um exemplo prático, tomando-se por base o concurso material e as penas bases dos delitos em tela, temos seis anos para o estupro e seis anos para o atentado violento ao pudor, perfazendo-se uma pena de reclusão de doze anos para o autor. Com o advento da lei em comento, desaparece o segundo artigo, atentado violento ao pudor, uma vez que este fora juntado ao artigo 213, estupro. Ou seja, o autor será condenado apenas à pena de seis anos [...][7]”.
A ação penal deste crime de estupro é pública condicionada à representação, salvo nos casos em que a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, que será pública incondicionada, de acordo com o art. 225, parágrafo único do Código Penal.
Esperamos que, através deste sucinto texto, possa ter havido uma abordagem clara sobre o assunto em questão e que por meio dele (texto) o leitor possa ter uma maior simplificação e complementação de seus estudos.
REFERÊNCIAS
CHAGAS, José Ricardo Chagas. A nova lei do estupro: o homem e a mulher como sujeitos ativo e passivo e o abrandamento punitivo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 601. Disponível em: Acesso em: 17 set. 2009
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Capítulo I – Dos crimes contra a liberdade sexual: redação dada pela Lei 12.015, de 2009)
GOMES, Luiz Flávio. Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2010
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Parte especial. 7.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. v.III
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009
NOTAS:
[1] http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story:20090911125548652& mode:print
[2] Guilherme de Souza Nucci, Crimes contra a dignidade sexual, comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p.17
[3] Rogério Greco, Curso de direito penal, Parte especial, 7.ed., rev. e atual., Rio de Janeiro, Impetus, 2010, v.III, p.453
[4] Rogério Greco, op. cit., p.454
[5] Guilherme de Souza Nucci, op. cit., p.18
[6] Rogério Greco, op. cit., p.458
[7] CHAGAS, José Ricardo Chagas. A nova lei do estupro: o homem e a mulher como sujeitos ativo e passivo e o abrandamento punitivo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 601. Disponível em: Acesso em: 17 set. 2009, p.2
Bacharela em Direito, formada pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Autora de outros artigos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Giselle Cristina Lopes da. Considerações acerca do delito de estupro, segundo as alterações ocasionadas pela Lei nº 12.015/2009 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2012, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29507/consideracoes-acerca-do-delito-de-estupro-segundo-as-alteracoes-ocasionadas-pela-lei-no-12-015-2009. Acesso em: 22 nov 2024.
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