INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a relativização da coisa julgada em caráter excepcional, objetivando demonstrar que em algumas situações a res iudicata pode ser relativizada visto que existem valores e princípios mais importantes que o mero formalismo da coisa julgada. Há pouco tempo, era pacífico o entendimento de que a decisão que transitasse em julgado e passado o prazo para interposição da ação rescisória, era tido como algo absoluto, intocável, imutável.
O recente progresso da ciência jurídica vem trazendo grandes modificações nas relações sociais. Membros do Judiciário que se baseavam em suposições, indícios e até presunções para prolatarem suas decisões e solucionar conflitos contam hoje com exames cada vez mais complexos e exatos.
Não só a ciência jurídica evoluiu como também o pensamento dos nossos doutrinadores e da jurisprudência a respeito da intangibilidade da coisa julgada. Atualmente, há inúmeros doutrinadores de peso que defendem a relativização da coisa julgada material em caráter excepcional, bem como julgados concedendo uma relativização à coisa julgada nos Tribunais de Justiça dos Estados do Brasil, no Superior Tribunal de Justiça e também no Supremo Tribunal Federal como restará demonstrado ao longo desse estudo.
O presente trabalho não tem a intenção de inovar a respeito do tema, mas sim possibilitar uma reflexão sobre o mesmo, visto que até hoje podemos encontrar polêmicas sobre tal instituto. No primeiro capítulo será abordado o estudo legal e doutrinário da coisa julgada em si, iniciando com surgimento, direito comparado, classificação, conceituação e limites.
No segundo capítulo será demonstrada a importância dos princípios no nosso ordenamento jurídico e da utilização da técnica de ponderação de valores como forma de obter decisões mais justas, e a busca da verdade real, demonstrando os aspectos gerais da relativização da coisa julgada.
E no terceiro e último capítulo, será demonstrado um aspecto mais prático do instituto da coisa julgada, com os remédios cabíveis para impugnar tal instituto e a relativização de forma excepcional à luz da jurisprudência brasileira. A presente monografia se encerra com a conclusão, a demonstração de que a visão contemporânea do direito admite de forma excepcional a relativização da coisa julgada material, para que se possam ter decisões mais justas que busquem a verdade real, em casos que após ser feita a técnica de ponderação de princípios ficarem evidenciado a necessidade de relativização, tendo-se ainda como regra a imutabilidade da coisa julgada.
1 CAPÍTULO I - O INSTITUTO DA COISA JULGADA
1.1 Breve Histórico e surgimento no Brasil da Coisa Julgada
Para um melhor entendimento sobre coisa julgada material, inicia-se a presente monografia discorrendo um pouco acerca do histórico, do surgimento, e da evolução deste fenômeno ao longo da história.
A coisa julgada surgiu no Direito Romano, e a partir desta época até os dias atuais, vem sofrendo diversas modificações em seu conceito. Muitos doutrinadores acreditam que este instituto remonta de muito tempo atrás, segundo lições de Celso Neves (1971, p.30), pode se dizer que é anterior a Lei das Doze Tábuas, momento em que já existia uma regra conhecida por todos nós de que sobre uma mesma relação jurídica não poderia ocorrer duas vezes a ação da lei.
Na Roma antiga já era demonstrada a preocupação de evitar ao máximo o acúmulo de processo sobre a mesma situação fática. Segundo os ensinamentos dos juristas romanos, a coisa julgada tinha fundamento em um pressuposto de ordem prática, ou seja, satisfazer o direito reconhecido por decisão judicial ao vencedor da demanda. Para melhor ilustrar essa realidade, observam-se os ensinamentos de Chiovenda (2000, p.447):
Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo... (fr.6, Dig. De execpt. Rei iud.44,2)
Importante falar também do Direito Português, mais precisamente no sistema que vigorou na época do período colonial, que influenciou o Direito brasileiro. No Direito da Monarquia Lusitana, que também sofreu influência do Direito Romano, havia um grande prestigio a autoridade da sentença em prol da segurança do relacionamento social. Na mesma linha de raciocínio seguiram-se as Ordenações Filipinas e Manoelinas, legislações estas que vigoraram no nosso país durante décadas. Infere-se desde os tempos remotos do processo romano, que a coisa julgada é instituto jurídico intimamente relacionado à autoridade estatal. Como dizia Chiovenda (2000, p. 447) ela imprime certeza ao gozo dos bens da vida, e garante o resultado do processo.
No Brasil as primeiras legislações a cuidarem do instituto da coisa julgada surgem após a Proclamação da República, no regulamento n° 737 de 25 de novembro de 1850, que regulava o processo comercial. Somente em 1890, com o advento do decreto n° 736 que estendeu a aplicação do Regulamento n° 737 ao processo civil. O artigo 74 parágrafo 4° instituiu a coisa julgada no capítulo das exceções, tratando-a como presunção legal absoluta, impedindo assim uma nova análise, ainda que o grande conjunto probatório pudesse comprovar o contrário. Não existia no regulamento o conceito e os efeitos da coisa julgada, tarefa essa, que foi realizada pelos doutrinadores da época.
A lei de Introdução ao Código Civil, de número 3.071 de janeiro de 1916, que posteriormente foi modificada pela Lei n° 3.725, de 15 de Janeiro de 1919, também disciplinou o instituto da coisa julgada, dizendo em seu artigo 3º: ‘’A lei não prejudicará, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada’’, e no parágrafo 3°: ‘’Chama-se coisa julgada ao caso julgado, a decisão judicial de que já não caiba mais recurso’’. Os processualistas a partir dessa época começaram a travar calorosos debates acerca deste instituto, revendo os conceitos e pensamentos divergentes na doutrina.
Com a promulgação da Constituição de 16 de julho de 1934, a competência passou a ser exclusiva da União, para legislar acerca da matéria processual Civil. Com isto, a União editou o Decreto n° 1608, Código de Processo Civil, que disciplinou a res iudicata dentre as exceções não suspensivas. Seu artigo 288 dizia que: ’’Nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo nos casos expressamente previstos e quando o juiz tiver decidido de acordo com a equidade determinada relação entre as partes, e estas reclamarem a revisão por haver-se modificado o estado de fato. ’’Infere-se através deste artigo que o conceito da coisa julgada é disciplinado como efeito da sentença.
Em 1973, com grande influência dos ensinamentos do Professor Alfredo Buzaid, promulgou-se o nosso atual Código de Processo Civil (Lei 5869 de 11 de janeiro de 1973), estabelecendo a coisa julgada em um capítulo próprio, conceituada segundo a teoria de Enrico Tulio Liebman.
Outra lei que define este instituto é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, em seu artigo 6° parágrafo 3º, preceituando que: ‘’Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso’’. A nossa Carta Magna, Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5° inciso XXXVI, estabelece o princípio constitucional da coisa julgada dizendo que ‘’a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. ’’Portanto, conclui-se a importância desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro que possui proteção tanto constitucional quanto infraconstitucional.
A coisa julgada encontra-se presente em diversas Constituições do mundo atual. Pode-se afirmar que a grande maioria dos Estados constitucionalmente definidos está presente o instituto da coisa julgada. A título exemplificativo é possível citar algumas legislações onde estão presentes o fenômeno da res iudicata. A Constituição da República da Coréia, em seu capítulo II (que prevê os direitos e deveres dos cidadãos), artigo 13 (1), in verbis, diz: "Nenhum cidadão será processado por ato que não constitua crime de acordo com a legislação em vigor à época de sua realização, e nem será julgado duas vezes pelo mesmo crime". (Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. Brasília: Senado Federal Subsecretaria de Edições Técnicas, 1990. p. 72).
Mesmo que de forma não tão direta quanto nossa Carta Magna pode-se inferir que não sendo possível o julgamento por duas vezes pelo mesmo crime, está garantida a soberania do primeiro julgado, garantindo-se a prevalência da coisa julgada, apesar de ser no âmbito criminal. Outras Constituições que também só se limitam a conceituar indiretamente a coisa julgada na esfera criminal são as Constituições dos Estados Unidos da América, do Japão, México, Portugal dentre outros, (Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 225).
Já a Constituição da Venezuela oferece uma maior proteção a coisa julgada como instituto processual, não apenas de direito penal, mas de todo e qualquer ramo do direito, dizendo em seu artigo 60, 8°: ‘’Ninguém poderá ser submetido a julgamento pelos mesmos fatos em virtude dos quais já tenha sido julgado;" (Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 322).A Constituição do Paraguai também trata em âmbito de qualquer ramo do direito, assemelhando-se assim a forma da nossa Constituição pátria (MIRANDA, J. Constituições de diversos países. op. cit. p. 121).
É possível concluir, ao analisar as Constituições estrangeiras, que a nossa Constituição Federal de 1988, possui um dos melhores textos ao apresentar a coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, ao contrário das demais Constituições.
1.2 Conceito, Natureza Jurídica e Fundamento
Foi na Roma Antiga, nas tradições romanas que surgiram a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada, ou pode-se dizer também que a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido.A partir dessa idéia surgiram duas linhas de pensamento: uma que entende a coisa julgada como o efeito da sentença que a completa dando-lhe caráter de imutabilidade e eficácia plena.
E outra que concebe a coisa julgada como qualidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença, o seu caráter imutável, que não é uma complementação ou efeito da sentença, mas apenas atributos dos efeitos originais do julgado. Deve-se a segunda linha de pensamento, predominante na nossa doutrina pátria, a Liebman, e se assenta na clara distinção que deve ser feita entre a eficácia e os efeitos da sentença e a sua possível imutabilidade.
Durante muito tempo a coisa julgada material foi considerada algo absolutamente intocável, insuscetível de discussão. Houve nas doutrinas mais clássicas quem ousasse afirmar, até de uma forma exagerada, que a sentença que passa em julgado é havida por verdade, que a res iudicata seria capaz de transformar o preto no branco. Essas idéias embora abandonadas devam servir como ponto inicial para discorrer acerca da autoridade da coisa julgada.
Podemos dizer que a coisa julgada é tida como provimento jurisdicional que alcançou patamar de irretratabilidade, visto que não pode ser oferecido nenhum recurso contra ela. A coisa julgada obedece a razões políticas, de natureza prática, para garantir a certeza do direito e assegurar a paz social, possuindo proteção constitucional pelo fato da relevância da imutabilidade da indiscutibilidade das sentenças concretizarem o anseio de segurança do direito presente nas relações sociais.
Muitos doutrinadores e processualistas definiram a coisa julgada a partir de várias teorias. Mas a mais aceita no nosso ordenamento jurídico e a que de fato influenciou o nosso Código de Processo Civil, foi a teoria e a definição de Enrico Tulio Liebman (1981, p.159), que defende a tese de que ‘’a autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma qualidade de seus efeitos referentes, isto é, precisamente a sua imutabilidade’’.
Uma das mais importantes contribuições de Liebman, entre tantas outras que ele acrescentou a nossa doutrina de processo, foi à explicação até hoje irrefutada e totalmente aceita de que a coisa julgada é uma qualidade dos efeitos da sentença e não propriamente um efeito da sentença, ou como prefere dizer o nosso doutrinador Barbosa Moreira, uma qualidade da própria sentença, que é a imutabilidade.
De acordo com os ensinamentos de Liebman, quando a sentença compõe a lide,seja declarando, condenando ou constituindo algum direito, não irá depender do transito em julgado para produzir seus efeitos naturais. A principal característica é tornar imutável a matéria decidida em algum momento.
Na opinião e linguagem comuns, a coisa julgada é considerada, mais ou menos clara e explicitamente, como um dos efeitos da sentença, ou como a sua eficácia específica, entendida ela, quer como complexo das conseqüências que a lei faz derivar da sentença, quer como conjunto dos requisitos exigidos, para que possa valer plenamente e considerar-se perfeita. (LIEBMAN, 2006, p.3)
Desde a chegada de Liebman ao Brasil, houve uma grande adesão por parte dos processualistas brasileiros a sua teoria. Hoje, a grande maioria dos processualistas do Brasil aderem à ciência processual da teoria da coisa julgada deste grande doutrinador.
Nelson Nery Junior (1997, p.677) identifica a formação da coisa julgada:
Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isto se dá a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável. (NERY JUNIOR, 1997, p.677)
É possível afirmar, portanto, que a coisa julgada é a imutabilidade da própria sentença ou de seus efeitos, que decorre de estarem esgotados os possíveis recursos cabíveis. A res iudicata apresenta-se como qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença e sim a qualidade dela representada pela imutabilidade do julgado e de seus efeitos. É a entrega final da tutela jurisdicional ao litigante pelo Judiciário, é o pronunciamento final do julgador resolvendo as questões colocadas em discussão e pondo fim ao litígio, não existindo mais recurso, devido à incidência do trânsito em julgado ou esgotamento de todo e qualquer recurso cabível, tornando, assim, em tese, imutável a decisão judicial que foi expedida.
Consoante o Código de Processo Civil, artigo 467, considera-se ‘’coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário’’.
É importante ressaltar uma crítica feita por nossos doutrinadores acerca da redação do artigo 467 acima exposto, uma vez que foi escrita de forma defeituosa. Uma verdade já pacífica no nosso ordenamento jurídico é a distinção entre coisa julgada material e coisa julgada formal. E o artigo 467 do Código de Processo Civil, pretendendo conceituar a coisa julgada material, acaba definindo a coisa julgada formal.
Segundo lições e ensinamentos de Frederico Marques, pelo fato de existir a possibilidade da ação rescisória da sentença, artigo 485 do Código de Processo Civil, existem dois graus de coisa julgada. A coisa julgada e a coisa soberanamente julgada, ocorrendo a última quando findo o prazo decadencial de propositura da rescisória,artigo 495 do Código de Processo Civil, ou quando ela for julgada improcedente.
A sentença possui vários efeitos: declaratórios, constitutivos e condenatórios. A coisa julgada durante muito tempo foi considerada um efeito da sentença. E muitos juristas e doutrinadores tentaram conceituar e explicar a natureza jurídica de tal instituto, o fundamento de sua autoridade. Como já dito anteriormente, a teoria aceita no nosso Código de Processo Civil, é a teoria de Liebman. Portanto, a coisa julgada tem natureza jurídica de qualidade dos efeitos da sentença, e não como muitos juristas e doutrinadores consideravam, a coisa julgada como sendo um efeito da sentença.
Após conceituar e definir a natureza jurídica da coisa julgada impõe-se agora entender a sua razão de existir, o motivo pelo qual a sentença se reveste do manto da imutabilidade e da indiscutibilidade. O principal fundamento é que a necessidade da sociedade, reconhecida pelo Estado, é evitar que se perpetuem litígios, ou seja, a lei quer dar um fim às controvérsias existentes entre as partes. Para isso, a lei confere à sentença a coisa julgada, dando a ela força de lei, para que não haja uma nova discussão acerca da matéria em outro processo.
A coisa julgada busca a pacificação social, que também é o escopo da jurisdição, através do caráter imutável da decisão, fazendo com que não se prolonguem eternamente os conflitos. O fundamento está em questões políticas e jurídicas com vistas à segurança jurídica, em outras palavras, a manutenção da ordem jurídica.
O seu fundamento político decorre de uma exigência de ordem pública, que consiste em assegurar estabilidade à tutela jurisdicional, visto que não é conveniente para a sociedade a instabilidade das decisões judiciais. A parte derrotada na grande maioria das vezes estará insatisfeita e irá tentar demonstrar, em outras esferas jurisdicionais, que fazia jus ao que havia postulado. Por isso, é preciso impor um limite para a busca desses direitos, para que há a possibilidade da parte vencedora, o pleno exercício, de forma segura, tranqüila e pacífica dos direitos submetidos a apreciação jurisdicional.
Quanto ao fundamento jurídico, ocorrido à coisa julgada não há a possibilidade dos magistrados reagirem ao seu conteúdo lógico-jurídico, visto que, nos termos do artigo 471 do Código de Processo Civil, estão vinculados ao comando da sentença e proibidos de decidir novamente a mesma ação. E ainda, com o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, os legisladores estão impedidos de legislar retroativamente em prejuízo da coisa julgada.
Sobre o fundamento da coisa julgada Santos (1997, p.45) resume com maestria:
A verdadeira finalidade do processo, como instrumento destinado a composição da lide, é fazer justiça, pela atuação da vontade da lei ao caso concreto. Para obviar a possibilidade de injustiças, as sentenças são impugnáveis por via de recursos, que permitem o reexame do litígio e a reforma da decisão. A procura da justiça, entretanto, não pode ser indefinida, mas deve ter um limite, por exigência de ordem pública, qual seja a estabilidade dos direitos, que inexistiria se não houvesse um termo além do qual a sentença se tornou imutável. (SANTOS, 1997, p.45)
Portanto, o principal objetivo do instituto da coisa julgada é conferir segurança jurídica as decisões judiciais, a indiscutibilidade do provimento jurisdicional, a estabilidade a determinada relação jurídica.
1.3 Diferenciação entre coisa julgada forma e material
No ordenamento jurídico brasileiro, existe a coisa julgada material e a formal. Segundo Talamini (2005, p.131) a coisa julgada formal é a impossibilidade de revisão da sentença dentro do processo em que foi proferida após o trânsito em julgado.
Todas as sentenças, terminativas ou definitivas, são aptas a operar a coisa julgada formal uma vez que extinguem o processo. Segundo o autor, só nas sentenças de mérito, nas condições ditas acima, é que a coisa julgada formal será acompanhada da coisa julgada material. Talamini (2005, p.132) diz que a coisa julgada formal consiste no caráter imutável de um comando em que se limita a por fim ao processo, e a coisa julgada material é o caráter imutável do comando que confere tutela a alguma das partes, ou seja, que dispõe sobre algo que vai além da simples relação processual. Daí a diversidade entre os conceitos.
Afirma Liebman (2006, p.68), que a coisa julgada formal é uma qualidade da sentença, quando irrecorrível por força da preclusão dos recursos, já a coisa julgada material seria como se fosse a sua eficácia específica, e, propriamente, a autoridade da coisa julgada estaria condicionada a formação da coisa julgada formal.
Com clareza e propriedade e seguindo o mesmo raciocínio de autores citados acima diz Cândido Rangel Dinamarco (2002, p.86), que a coisa julgada formal é a imunidade dos efeitos da sentença, que acompanham a vida das pessoas mesmo depois de findo, extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal, independente de ser processual, que venha a negá-lo.Enquanto que a coisa julgada formal é algo, é um fenômeno interno ao processo e refere-se a sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.
Aduz o autor que o aspecto conferido a coisa julgada material, ultrapassa a vida do processo e atinge a das pessoas, de forma que nada poderá ser feito pelo juiz, pelo legislador, ou mesmo por elas próprias. Interessante o comparativo estabelecido por Dinamarco entre coisa julgada formal e material assegurando a afirmativa de que:
Se noutra ação não mais se pode discutir e mudar a eficácia da coisa julgada, salvo em ação rescisória, a eficácia da coisa julgada é eficácia da coisa julgada material, que é um plus em relação às sentenças que apenas não estão mais sujeitas a recurso, ordinário ou extraordinário, ou nunca o foram. Tal eficácia de sentença é de coisa julgada formal. Mas qualquer sentença, com eficácia de coisa julgada material é, necessariamente, sentença de eficácia de coisa julgada formal, porque a materialidade eficacial é um plus. (DINAMARCO, 2002, p.299)
Pode-se inferir a partir dessas palavras que a coisa julgada formal é diferente em relação à coisa julgada material quanto ao objeto acerca da qual incidirá a qualidade da coisa julgada, quando se fizer presente a eficácia da coisa julgada material, certamente estará presente a da coisa julgada formal.
Acerca dos conceitos e diferenciações entre a coisa julgada material e formal analisemos as opiniões, lições e ensinamentos de doutrinadores de destaque no nosso país.
Marinoni (2002, p.608) diz:
Quando se alude a indiscutibilidade da sentença judicial, fora do processo, em relação a outros feitos processuais, põe-se o campo da coisa julgada material, que aqui realmente importa e que constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete a noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se vincula a impossibilidade de se rediscutir o tema decidido dentro da relação processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual, fazendo repercutir seus efeitos para fora do processo, em relação a outros processos. (MARINONI, 2002, p.608).
Clara as palavras de Ovídio Araújo Batista da Silva (2002, p.485) que diz:
(...) a imutabilidade que protege a sentença tornando-a indiscutível nos processos futuros, poderá ter lugar depois de formar-se sobre ela a coisa julgada formal; ou seja, a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal. Por outras palavras para que haja a imutabilidade da sentença no futuro, primeiro é necessário conseguir sua indiscutibilidade na própria relação de onde ela provém. Não há coisa julgada material sem prévia formação da coisa julgada formal, de modo que somente as sentenças contra as quais não caibam mais recursos poderão produzir coisa julgada material. (SILVA, 2002, p.485).
Conclui-se da análise dos conceitos dados pelos processualistas brasileiros que a sentença revestida apenas pela coisa julgada formal irá ensejar a própria extinção do processo nos casos expressos em lei, sem que o direito material ali discutido seja atingido. Com isso, não se impede que a questão seja novamente deduzida em juízo, uma vez que não houve manifestação acerca do pedido.
Pode-se dizer que todas as sentenças, em algum momento, fazem coisa julgada formal, sejam elas definitivas ou terminativas, visto que não se referem aos efeitos substanciais, mas a própria sentença, como ato interno do processo. Já a coisa julgada material irá consistir na imunidade dos efeitos da sentença, que mesmo depois de extinto o processo os acompanha na vida. É a imutabilidade da sentença e também da matéria decidida (mérito/lide), irradiando-se seus efeitos no mundo jurídico, impedindo qualquer indagação sobre a justiça ou injustiça daquele pronunciamento.
A diferença entre coisa julgada formal e coisa julgada material apresenta relevância apenas para indicar a possibilidade ou não de análise de igual questão em uma nova demanda, já que a coisa julgada formal tem o escopo apenas de impedir a rediscussão do assunto dentro do mesmo processo, em contrapartida, a coisa julgada material impede o ajuizamento de uma nova ação fora do processo e que já se proferiu a decisão.
Vale ressaltar que coisa julgada formal e material não são institutos diferentes e autônomos, visto que são dois aspectos do mesmo fenômeno da imutabilidade, que são responsáveis pela segurança nas relações jurídicas.
1.4 Limites Objetivos da Coisa Julgada
Diz o artigo 468 do Código de Processo Civil: ’’A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas’’. Necessária a distinção entre lide e questão. A primeira consiste no conflito de interesses a ser solucionado em juízo; já a segunda irá fazer referência aos pontos de discordância das partes. Portanto a sentença proferida pelo juiz deverá ater-se aos limites da lide, em conformidade com as regras dos artigos 2° e 128 do Código Processo Civil, atendo-se também aos limites da lide a autoridade da coisa julgada. Nesse sentido os ensinamentos de Moreira (1998, p.91):
...apenas a lide é julgada; e como a lide se submete à apreciação do órgão judicial por meio do pedido, não podendo ele decidi-la senão nos limites em que foi proposta (artigo 128), segue-se que a área sujeita à autoridade da coisa julgada não pode jamais exceder os contornos do petitum. (MOREIRA, 1998, p.91)
Conclui-se que para a identificação do objeto do processo e por conseqüência o da coisa julgada é preciso considerar que a sentença é a forma do juiz responder ao pedido das partes e que por isso segundo ensinamentos de Liebman (1984, p.57) (...) tem ela os mesmos limites desses pedidos, que ministram, assim, o mais seguro critério para estabelecer os limites da coisa julgada’’.
Dos três requisitos considerados essenciais da sentença: o relatório, os fundamentos e o dispositivo, somente o dispositivo passa em julgado, nos termos do artigo 469 do Código de Processo Civil: ‘’Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para delimitar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo’’.
O inciso I não faz coisa julgada é o fato dos motivos terem a função de esclarecer a parte dispositiva, demarcando com precisão a extensão do julgamento. O segundo inciso também está corretamente inserida dentro deste artigo pelo fato de que a verdade dos fatos não é apta a vincular outro juízo, um fato considerado verdadeiro em um processo pode ter sua inverdade demonstrada em outro processo, sem que impeça a coisa julgada estabelecida na primeira relação processual. E as questões prejudiciais discriminadas no inciso III também estão corretamente inseridas no artigo 469 do Código de Processo Civil, visto que não estão relacionados diretamente ao conflito de interesses submetido à apreciação do judiciário, produzindo apenas pronunciamento incidental.
Entretanto consoante artigo 470 do Código de Processo Civil, se a questão prejudicial for resolvida através de ação declaratória incidental, haverá o fenômeno da coisa julgada, ocorrendo uma ampliação da lide mediante requerimento expresso da parte por meio desta incidental de que trata o artigo 470 do Código de Processo Civil.
1.5 Limites Subjetivos da Coisa julgada
Agora resta definir quais pessoas incidirá a autoridade da coisa julgada, o questionamento de ‘’quem’’ não poderá discutir novamente as questões decididas com resolução de mérito e revestida de imutabilidade. Analisando o artigo 472 do Código de Processo Civil, diz que: ‘’A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros’’.
Nas causas relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros’’. Infere-se, portanto que o terceiro que não figurou como parte no processo, que não participou da relação jurídica processual não poderá ser prejudicada pela autoridade da coisa julgada. Caso contrário estaria diante de afronta a princípios e garantias constitucionais como o do contraditório e da ampla defesa.
Importante ressaltar a definição de ‘’terceiro’’dado por Aragão (1992, p.295), ‘’todos os que não tiveram participado do processo, sejam as ‘’partes’’ das relações jurídicas materiais não convocadas, sejam os estranhos a ela, porém juridicamente interessados no litígio que dela se originou’’. A única exceção é em relação ao que está descrito no final do artigo 472 do Código de Processo Civil, nas causas relativas ao estado da pessoa, citados em litisconsórcio necessário, pois o estado da pessoa está intimamente ligado à personalidade não podendo alguém ter um estado para um número de pessoas e diverso para o restante.
Portanto com objetivo de evitar sentenças diversas sobre o estado de alguma pessoa determinada, o nosso legislador atribuiu o alcance da coisa julgada também a terceiros. Os efeitos da sentença diferem do instituto da coisa julgada. A coisa julgada, em regra, só atinge as partes.
2 CAPÍTULO II - POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL
2.1 Teoria dos Princípios
Para uma melhor discussão acerca do tema, faz-se necessário abordar e demonstrar a importância do estudo sobre princípios, pois é com base neles que poderemos demonstrar a inexistência de direitos ou garantias fundamentais absolutos e como conseqüência à demonstração da possibilidade de mitigação existente em torno da autoridade da coisa julgada.
Os nossos juristas, em geral, têm dado pouca importância em relação aos princípios, mesmo tendo eles suma importância, pois se tratam de uma disposição fundamental que irá irradiar sobre diferentes normas além de servir de critérios e orientações a formação e aplicação do direito.
Segundo, Bandeira de Mello (2006), princípio é a diretriz fundamental de um sistema. Suas principais funções são: interpretativa, que irá orientar o aplicador do direito a buscar o real sentido da lei. A função auxiliadora ajuda o legislador no momento da criação da norma infraconstitucional. E a função integrativa, integra as lacunas da lei, pois faltosa uma norma para o caso concreto, os princípios poderão ocupar esse vazio. Além do conceito de princípios temos também o conceito de princípios constitucionais, que são princípios gerais do Direito alçado a norma suprema.
Desde sua constitucionalização, os princípios estão situados no ponto mais alto da escala normativa, são consideradas as normas das normas subordinando e fundamentando as demais disposições normativas. Este nova visão do Direito dos Princípios está presente no que se denomina Estado Democrático de Direito que em virtude da exigência de respeito aos direitos individuais e sociais e a dignidade da pessoa humana, valor fonte e fundamento do Estado Brasileiro segundo artigo 1º da Constituição Federal, impõe a supremacia dos princípios jurídicos. Estes princípios que assumem a categoria de normas, portanto o direito é composto de regras e princípios, inexistindo razão para reduzir o direito apenas à lei.
Mas isso não quer dizer os desrespeitos ao texto legal inclusive pelo fato de muitos princípios estão previstos expressa e implicitamente na Constituição. O objetivo maior é evitar a arbitrariedade em algumas situações de insuficiência hermenêutica. Podemos vê isso claramente através dos ensinamentos de Rangel Jr. (2005, p.49-50):
Como regras jurídicas de caráter genérico, que visam a supressão de insuficiências hermenêuticas das normas, os princípios vêm a serviço de impedir-se que tais insuficiências, quando da aplicação dessas normas, possam dar espaço a arbitrariedades do intérprete ou do contexto social.O princípio é do tipo de regras jurídicas voltada a proteger o ordenamento do risco de o hermeneuta favorecer que subjetividades individuais suas ( ideologias, preconceitos e que tais) e objetividades coletivas ( estatística de opinião pública, meios de comunicação etc) sejam arbitrárias na tentativa de revelação do Direito.Trata-se, assim, de regra promotora da moralidade na aplicação do Direito. (RANGEL JR., 2005, p.49-50)
Conclui-se, não se pode interpretar às normas jurídicas de forma isolada, devendo sempre está de acordo com a nossa Constituição Federal.
Nos dias atuais, jurisprudência e doutrina estão inclinadas a uma flexibilização do direito, possibilitando assim, a coexistência de normas e princípios, visto que estes últimos não assumem o caráter absoluto. O confronto entre princípios deve ser solucionado segundo técnicas de ponderação. Mesmo quando estão presentes todas às condições que possibilitam a aplicação de um princípio, esta não se dará de uma forma automática e necessária.
Devem-se analisar através de alguns critérios, tais qual a dimensão do peso e também a importância. Quando há o conflito entre vários princípios a solução será consoante ao peso relativo de cada um deles. É valendo-se da ponderação que iremos descobrir dentre os princípios controvertidos, qual é aquele que irá predominar. E este trabalho de balanceamento deverá ser realizado em todo e qualquer caso concreto de modo que nenhum princípio receberá maior valor do que outro, ou mesmo irá preponderar em relação a outro.
Foram através das contradições existentes entre alguns ou vários princípios no caso concreto que surgiu o movimento da mitigação das garantias constitucionais, de modo que é equivocado afirmar a existência de tais garantias de forma absoluta. No nosso ordenamento jurídico os reflexos deste movimento tiveram ampla e tranqüila aceitação. Como exemplo, temos a possibilidade de liminares concedidas sem a oitiva da parte contrária.
2.2 Do Princípio da Proporcionalidade
Nos tempos atuais, principalmente nas matérias de Direito Processual, podemos perceber a grande importância e inegável preponderância aos princípios, em especial ao da proporcionalidade. Entender tal princípio é mais do que apenas conceituá-lo. Segundo entendimento do mini dicionário Aurélio, proporcionalidade traz em seu bojo a idéia de adequação, medida justa, prudente e apropriada, ou seja, quando guarda relação com alguma coisa a qual está ligado se diz proporcional.
A origem de referido princípio está ligada ao surgimento das teorias jus naturalista, a evolução dos direitos e garantias humanas, e na idéia de que o Homem já possuía direitos inerentes a sua natureza antes do surgimento do Estado e por isso deveriam ser respeitados pelos soberanos. O princípio da proporcionalidade era utilizado como forma de defesa em face das decisões do Poder Público que se revelassem injustas, arbitrárias causando prejuízo a alguma das partes. O Estado deveria respeitar decisões justas e adequadas e não aquelas desproporcionais e desmedidas. Com o surgimento do Estado Democrático de Direito é que o princípio da proporcionalidade passou a ser usado como norma constitucional.
Segundo análise dos estudos do constitucionalista Bonavides (2000, p.234), percebe-se que a importância do princípio da proporcionalidade evolui, avança, na medida em que os direitos fundamentais são inseridos como núcleo central de toda ordem jurídica. E como tais direitos já alcançaram um alto patamar de valorização nos modernos sistemas constitucionais, o princípio da proporcionalidade ganha extrema importância e prestigio alcançando o patamar de outros princípios fundamentais tal como o da igualdade.
Vale ressaltar que o princípio da proporcionalidade já não se aplica somente aquelas questões e relações jurídicas em que se discutem os direitos fundamentais, além desta função constitui também, o princípio jurídico de todo o rol de direitos e garantias constitucionais, bem como de princípio geral de vedação do arbítrio estatal.
Na função de vedação ao arbítrio possui função negativa frente ao Estado, tratando-se de um comando jurídico em que se sobressai a proteção do cidadão contra as medidas autoritárias do Estado. Já na função de realização com eficácia plena dos direitos e garantias fundamentais, visa harmonizar as pretensões constitucionais que aparentam ser antagônicas, contraditórias. Consoante artigo 5°, parágrafo segundo da Constituição Federal, tal princípio pode ser qualificado como direito positivo em nossa ordem constitucional.
Algumas doutrinas apresentam três outros sub princípios, considerados de certa forma deveres, presente no conceito geral do princípio da proporcionalidade: adequação, necessidade e ponderação. A adequação trata-se de que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser aquela apropriada ao fim previsto na norma. Procura-se impedir medidas que tragam seqüelas gravosas às liberdades e interesses individuais, devendo sempre existir um controle da relação entre a medida e o fim por ela almejado.
A necessidade traz no seu bojo a idéia de que a decisão ou medida tomada deve ser aquela menos gravosa possível, ou seja, a que cause menos prejuízo a sociedade, a menor desvantagem. E o da ponderação é aquele que busca ditar parâmetros para solução do conflito entre diversos princípios, nos casos em que o órgão Julgador tem que proferir uma decisão sobre a prevalência de um princípio em detrimento de outro, sendo ambos considerados validos pelo ordenamento jurídico. É a busca pela ‘’justa medida’’através do balanceamento de princípios constitucionalmente tutelados para almejar a melhor decisão para o caso concreto.
É interessante trazer os dizeres e lições de Bonavides (2000, p.386) a respeito do assunto:
Uma das explicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia , já fizeram uso freqüente do principio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos. (BONAVIDES, 2000, p. 386)
Portanto, nenhum princípio é absoluto, não podendo se sobressair se sobrepuser em relação aos demais. Eles coexistem de uma forma conflitual, mas não se excluem. Em se tratando de conflitos de direitos fundamentais, a melhor via seria o da ponderação dos bens em questão, sendo a melhor técnica para aferir a proporcionalidade. A coisa julgada também não deve ser considerada uma garantia absoluta. É necessário também mitigar a autoridade da res iudicata quando outros valores mais elevados estiverem sendo violados, ou quando estiverem sendo inviabilizados.
2.3 Do Princípio da Segurança Jurídica
Levando em conta que o princípio da segurança jurídica é a principal base utilizada por aqueles que são contra a relativização da coisa julgada, o estudo de tal princípio passa a ser de suma relevância para a presente monografia. A noção de segurança jurídica que se desdobra o instituto da res iudicata. É inquestionável de que o respeito à segurança jurídica constitui uma necessidade básica do ser humano.
A estabilidade das decisões judiciais é tutelada e buscada pelo nosso ordenamento jurídico para que o sujeito titular de um direito reconhecido tenha a certeza de que sua pretensão foi concedida, e a partir dessa certeza ele possa fazer planos para sua vida além de desenvolver suas relações nos meios sociais. A segurança jurídica, portanto, desde a sua concepção tem relevância suprema para a ciência do Direito.
A existência de litígio acarreta incerteza jurídica, por isso faz-se necessário que as decisões tenham estabilidade. Visto que caso ocorresse o contrário os sujeitos da relação jurídica iriam novamente submeter à mesma divergência, o mesmo conflito de interesses à apreciação do judiciário, e o litígio jamais seria composto.
A idéia de segurança jurídica absoluta como era na sua concepção não pode mais existir no mundo moderno. Este não é o fim buscado pelo Direito. O princípio da segurança jurídica deve está ligado ao fundamento do ideal de justiça e os valores dela decorrentes. É como diz Cármen Lúcia Antunes Rocha em uma de suas lições, ’’Apesar disso, não e a segurança jurídica o fim último do direito, que tem na justiça o seu valor do justo (ROCHA,2004, p.15)”. A idéia de mitigação dos princípios e garantias constitucionais nos faz concluir o princípio da segurança jurídica não pode ser vista de forma inalterável,absoluta.Em diversos casos podemos verificar a existência de contradição existente entre o valor da segurança e o valor do justo.
A segurança determina a positividade do direito e este impõem sem a dependência do ideal de justiça, independente da sua consecução. Isso não é o que está traçado na nossa Constituição Federal, que traz no seu bojo a idéia de que a segurança jurídica deverá harmonizar-se com a idéia de justiça. Deverá haver respeito à dignidade da pessoa humana e todo aquele extenso rol de garantias fundamentais a fim de evitar arbitrariedades e injustiças.
O Tribunal de alçada de São Paulo já evidenciou que o princípio da segurança, que confirma a da coisa julgada, em algumas circunstâncias não deve se opuser com a idéia de justiça, como se observa do Acórdão relatado por Batalha de Camargo, nestes termos:
O processo é ainda, um modo imperativo de realização do direito e, algumas vezes, situações se deparam em que princípios consagrados como institucionais dependem-se de sua consagração ante a realidade de se causar, pela observância formal, um mal maior à própria existência do direito.O adjetivo perde, então, a sua relevância para que se salve à própria significação do substantivo. (TASP-Acórdão.Juiz relator Batalha e Carvalho.In Revista dos Tribunais, São Paulo: nº 337, p.272)
Uma crítica que se deve fazer a maioria das doutrinas é o fato de darem uma relevância muitas vezes de forma exagerada ao principio da segurança jurídica e ao instituto da coisa julgada. A crítica que se faz não é pela importância dada ao instituto da coisa julgada, importância essa inquestionável o qual já foi tratado no primeiro capítulo desta monografia. O que se vem a rediscutir é a sua intangibilidade, frente ao princípio da proporcionalidade e da justiça das decisões judiciais e, sobretudo, frente ao princípio da constitucionalidade que será o próximo item desta dissertação.
2.4 Do Princípio da Constitucionalidade
Através do Estado Democrático de Direito foram impostos limites ao poder político do Estado. Nessa época tornou-se evidente o princípio da constitucionalidade que determina que todas as normas e todos os atos emanados, advindos dos Poderes Públicos devem se apresentar de acordo com as normas constitucionais. Para garantir-se a supremacia dos direitos e garantias fundamentais inscritos na nossa Constituição Federal é necessária a contemplação de mecanismos que irão garantir o controle de constitucionalidade.
Levando em conta as doutrinas modernas, em nossa seara jurídica as preocupações se voltam não apenas para o exame das desconformidades constitucionais dos atos legislativos, mas também os jurisdicionais quando atentem contra as normas emanadas da nossa Carta Magna. Em relação aos atos jurisdicionais não se pretende negar os poderes legítimos que os juízes possuem como guardiões da Constituição. E as decisões proferidas por eles devem está acobertadas pelo manto da coisa julgada para dar credibilidade à justiça e também para resguardar o principio da segurança jurídica. O que se questiona este princípio são apenas aquelas decisões proferidas pelos juízes que não estejam de acordo com os ditames constitucionais.
A nossa sistemática contempla esta visão explanada acima deste princípio, através da ação rescisória e dos recursos extraordinários quando uma decisão judicial apresenta-se em flagrante inconstitucionalidade. O problema é que na sistemática brasileira temos a falsa impressão deste controle de constitucionalidade apenas até o momento da operação da coisa julgada. Ou até dois anos após no caso da rescisória. Mas a crítica que se faz é que não é essa a idéia presente na nossa Constituição da República Federativa do Brasil, no nosso Estado Democrático, pois estaria concedendo ao instituto da coisa julgada valor mais elevado e importante que a lei e a própria Constituição. É o que se pretende demonstrar com a relativização da coisa julgada.
2.5 Do princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Outro princípio de suma importância é aquele que se encontra disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana. Os princípios são normas fundamentais, um dos pilares de todo o ordenamento jurídico. O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio construído pela história, consagra um valor que visa proteger o ser humano contra qualquer coisa que lhe possa levar ao menosprezo.
É considerado como o nosso valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição. Engloba o conceito de direitos fundamentais e direitos humanos constituindo um critério que unifica todos os direitos aos quais os homens se reportam. Tais percepções já estão presentes na jurisprudência dos nossos tribunais superiores já tendo sido decidido que ‘’a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária’’. (STJ, HC 9.892-RJ, DJ 26.3.01, Rel. orig. Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para AC. Min. Fontes de Alencar).
Porém, o princípio da dignidade da pessoa humana é o de maior hierarquia entre todos os princípios, é aquele que na hora da ponderação geralmente irá prevalecer, pois é a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete. É o que se interpreta também através das lições dos estudiosos Moura e Oltramani (2005):
Existe um núcleo essencial e intangível que está presente em toda a teoria dos princípios fundamentais: é o principio da dignidade humana, valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), valor pelo qual se justifica sua caracterização como sendo o princípio de maior hierarquia axiológico-valorativa. (MOURA & OLTRAMANI, 2005, P.84).
O que está ocorrendo atualmente é que cada vez mais o princípio da dignidade da pessoa humana ganha importância, passando a ser fundamento de soluções das controvérsias, podendo ser considerada um guia norteador do ordenamento a para a aplicação do direito. A não observação de tal princípio poderá levar o ato jurídico a ser considerado inconstitucional. É muito difícil definir o conteúdo de tal princípio, porém é possível valorá-lo no caso concreto, uma vez que é perceptível quando está sendo violado. Um dos exemplos de relativização da coisa julgada amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana é o do reconhecimento do vínculo biológico nas ações de investigação de paternidade.
2.6 Relativização da coisa julgada: considerações gerais
A relativização da coisa julgada seria a desconsideração da imutabilidade dos efeitos da sentença, permitindo-se assim, em decorrência de outros valores que no caso concreto se mostrem mais relevantes, o reexame de questão decidida por sentença definitiva. Isto se dará naqueles casos eivados de injustiça vista como intolerável nos casos também de sentença transitada em julgado que afronta a Constituição Federal, e nos casos em que por advento de novos exames tecnológicos se verificar que a sentença acobertada pela coisa julgada for incompatível com a realidade fática.
O nosso ordenamento jurídico já prevê algumas hipóteses de relativização da res iudicata, provando assim que tanto o princípio da segurança jurídica quanto o instituo da coisa julgada não possuem valores absolutos. E atualmente há uma crescente nos número de doutrinadores adeptos da flexibilização da coisa julgada, possibilitando que uma decisão transitada em julgado seja novamente discutida. Mas, tanto na doutrina quanto na jurisprudência há uma grande controvérsia acerca da ampliação das hipóteses de relativização da coisa julgada.
Os que a defendem baseiam-se na ponderação adequada dos princípios fundamentais diante do caso concreto. E há aqueles que recusam à possibilidade de se quebrar a coisa julgada, senão através dos mecanismos e instrumentos estabelecidos pela própria lei, apesar desses autores admitirem a existência de valores constitucionais conflitantes que deverão ser ponderados. Mas os não-relativistas acreditam que toda e qualquer ponderação haveria de ser feito pela própria lei. Para melhor ilustrar os que defendem a mitigação da res iudicata, tomemos as lições do doutrinador Almeida Júnior:
A justificativa da relativização da coisa julgada repousa basicamente em 3 (três) seguimentos: a proporcionalidade entre os bens que estão albergados pela coisa julgada e aqueles que lhe são atacados; a legalidade da decisão faz nascer a coisa julgada; e, finalmente, a instrumentalidade da processo, na medida em que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento na busca da defesa efetiva e justa dos direitos materiais que pretendem proteger (...). (ALMEIDA JR., 2006, p.141)
Há autores que adeptos do entendimento de que o instituto da coisa julgada não possui “status” constitucional, mas para a grande maioria possui, visto que atende ao principio da segurança jurídica. A relativização se faz necessária no caso concreto, pois segundo Dinamarco (2003, p.227), “não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas’’. Mas não será todos os casos de injustiças que se relativizará a coisa julgada cabendo aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para verificar quais valores constitucionais devem prevalecer no caso concreto.
Portanto, hoje em dia é inegável o caráter não-absoluto da coisa julgada, principalmente em decorrência de sentença injustas, violadoras da moralidade, dos princípios constitucionais. O que cresce na preocupação dos nossos doutrinadores é em equilibrar adequadamente, no nosso sistema processual, as exigências conflitantes da celeridade e estabilidade, que a coisa julgada prestigia e a justiça e as decisões legítimas, que dizem para não radicalizar a autoridade da res iudicata.
A coisa julgada deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais. Para o Ministro José Delgado (2002, p.94-95), é perfeitamente constitucional a alteração da coisa julgada, mesmo nos casos em que essa mudança venha a restringir-lhe a aplicação na criação ou supressão de novos instrumentos de seu controle, em alguns ou todos os casos. Se por um lado, a coisa julgada é considerada elemento para a existência do Estado Democrático de Direito, o cumprimento dos preceitos inseridos na nossa Carta Magna também o é.
A busca cega pela segurança jurídica pode ocasionar uma desvalorização a outros valores constitucionalmente protegidos, faz-se necessário a mitigação da coisa julgada principalmente para não permitir decisões proferidas violadoras de princípios e garantias de maior relevo apenas com o fulcro de obedecer à intangibilidade da coisa julgada.
É possível concluir que apesar de a coisa julgada ser uma garantia constitucional expressa na nossa Constituição Federal de 1988, uma verdadeira cláusula pétrea nos termos do artigo 60 parágrafo quarto inciso IV dessa mesma Constituição, sendo vedada a sua modificação até por poder constituinte derivado, ou seja, por emendas constitucionais, não podemos deixar de lado a necessidade de sua relativização, quando há conflitos de princípios constitucionais, uma vez que a sentença totalmente injusta não deve prevalecer em época alguma em um país que adota o regime democrático de governo, visto que afronta a soberania da proteção da cidadania.
A res iudicata é definida e regrada pelo direito formal, via instrumental que em hipótese alguma pode está acima, por exemplo, do princípio da legalidade, da realidade dos fatos, da moralidade. A sentença que é um ato do juiz, apesar de fazer lei entre as partes não pode ter mais força do que regras constitucionais quando elas estiverem em jogo. A sentença jurídica, transitada em julgado, para atender ao princípio da segurança jurídica e trazer estabilidade as decisões judiciais deverá imperar, como diz o instituto da coisa julgada, mas em situações que não há desvios graves que afrontam o ideal de justiça presente na nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Dificuldades é possível encontrar ao tentar estabelecer regras objetivas para definir hipóteses em que o valor da justiça deva superar a segurança jurídica no campo da estabilidade das decisões judiciais. Tudo deve ser feito analisando subjetivamente o caso concreto e ponderando princípios constitucionais. Vejamos a opinião de Carlos Valder Nascimento (2002):
Havendo simetria entre segurança e justiça, na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer entre ambas é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de pano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável, e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadores. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmitificando essa idéia de superação do Estado de Direito pelo poder Judiciário. (2002, p. 119-120)
Portanto, deve-se desmistificar a idéia que alguns autores defendem, da coisa julgada revestida de cunho absoluto, intocável, imodificável, indiscutível, não apta a uma análise de forma mais profunda dentro do cenário da principiologia lastreada no constitucionalismo. A sentença não pode expressar comando acima das regras constitucionais, nem modificar, afrontar os caminhos da natureza como a título exemplificativo, determinar que alguém seja filho de outrem, quando a ciência prova que não é modificando laços familiares que foram fixados pela natureza.
Nos litígios individuais, a publicidade das decisões normalmente é reduzida, não repercutindo tanto na ordem coletiva. Mas nas ações que envolvem uma quantidade razoável de sujeitos e nas ações coletivas, quando há repercussão maior, a sociedade tolerará menos decisões eivadas de injustiças. Como exemplo de situações que a Justiça não poderia deixar de prevalecer temos a desapropriação que gera indenizações vultuosas em desconformidade com a realidade, sentenças que asseguram vencimentos absurdos e causam lesão ao patrimônio público escorados na imutabilidade da coisa julgada, sentença inconstitucional, ação de investigação de paternidade dentre outras hipóteses.
Por isso não é possível interpretar de forma absoluta a predominância do valor segurança jurídica, ainda mais nas situações gritantes de injustiças, não querendo dizer isso a eternização de litígios que se renovam, apenas relativizando a res iudicata quando feita a ponderação de princípios constitucionais sobrepujar a idéia de relativização com fulcro na justiça, razoabilidade e proporcionalidade, que deverá se feita de forma excepcional no nosso ordenamento jurídico.
3 CAPÍTULO III - MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL
3.1 Relativização da coisa julgada nas sentenças inconstitucionais
No nosso ordenamento jurídico o órgão que detém a prerrogativa de produzir a coisa julgada é o Poder Judiciário. Contudo, esse poder deve respeitar o nosso modelo de Estado de Direito além da harmonia aos demais poderes da União.
Entre os mais graves casos de sentenças erradas estão, sem dúvida alguma, aqueles em que o conteúdo da sentença ofende a nossa Carta Magna. Visto que, a inconstitucionalidade é o mais grave vício que pode acometer um ato jurídico. A coisa julgada será intangível apenas quando em conformidade com a nossa Constituição Federal. Do contrário estará diante da coisa julgada inconstitucional, termo este convencionado pelos nossos doutrinadores. Portanto estará diante da coisa julgada inconstitucional quando a sentença não estiver em consonância com a nossa Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, estiver eivada do vício da inconstitucionalidade. É o que diz Talamini (2005) em seus ensinamentos:
A coisa julgada é apenas a qualidade de imutabilidade que recai sobre o comando contido na sentença. Não se confunde com o próprio conteúdo da sentença, com seus fundamentos ou sequer com seu decisum.Portanto, quando se alude a ‘’coisa julgada inconstitucional’’, tem-se em vista uma ‘’inconstitucionalidade’’ que reside na própria sentença: está pressuposta ou situada no decisum, ou dele é um reflexo- e a coisa julgada só faz perpetuar esse comando.A rigos, trata-se de ‘’sentença inconstitucional’’ revestida de coisa julgada.(TALAMINI, 2005, p.404).
A coisa julgada após contemplar ofensa à lei ordinária, depois de transcorridos todos os prazos para a sua impugnação está sujeita a ter validados os seus efeitos, justamente para conferir certeza e segurança na pacificação dos conflitos, característica de tal instituto. É o que diz Theodoro Júnior & Faria (2002, p.142) ‘’tutela-se e empresta-se eficácia à coisa julgada ilegal, diante da necessidade de pacificação dos conflitos e segurança dos jurisdicionados, exatamente porque respeitam a Constituição’’.
A segurança e a certeza jurídica validam a coisa julgada que fere lei ordinária. Mas tal tratamento não pode ser visto em relação à coisa julgada que vai de encontro a Constituição, visto que esses valores de segurança e certeza não possuem força autônoma para validar atos jurídicos inconstitucionais, uma vez que só seria possível se houvesse expressado previsão no texto constitucional. Segundo aqueles que defendem a relativização da coisa julgada a garantia constitucional da imutabilidade do caso julgado não irá existir quando em confronto com os princípios da moralidade, legalidade, realidade dos fatos dentre outros valores constitucionalmente assegurados.
A inconstitucionalidade das sentenças poderá se dá quando:
a) estiver amparada na aplicação de norma inconstitucional, que pode se dá no campo do direito processual ou do direito material, podendo ser no curso do processo ou na própria sentença, mas que tenha reflexo diretamente na sentença;
b) estiver amparada em interpretação em desconformidade e incompatibilidade com a nossa Constituição Federal de 1988, que segundo Talamini (2005, p.407) ocorre quando se aplica uma lei cujo teor literal é francamente inconstitucional. Por isso devemos sempre buscar uma interpretação conforme nossa Constituição sejam normas constitucionais ou infraconstitucionais para que não ocorra nenhum vício;
c) estiver amparada na falsa afirmação de inconstitucionalidade de uma norma, ou seja, quando não fosse aplicada uma norma que deveria ter sido aplicada;
d) estiver amparada na violação direta de normas de caráter constitucional, nesse caso como ensina Talamini (2005, p.411) temos como exemplo a sentença que nega um direito assegurado pela Constituição em norma auto-aplicável, de caráter material ou processual;
e) embora, não se encaixe em uma das situações anteriores, estabeleça ou declare uma situação diretamente incompatível com os valores fundamentais da ordem constitucional.
A título exemplificativo de sentenças que conflitam com a Constituição Federal vale citar alguns apresentados pelo Ministro José Augusto Delgado (2002, p.24-25)
a) a sentença expedida sem que o demandado tenha sido citado com as garantias exigidas pela lei processual;
b) a sentença baseada em fatos falsos depositados durante o curso da lide;
c) a sentença reconhecedora de existência de um fato que não está adequado a realidade;
d) a ofensiva à soberania estatal;
e) a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana
f) a que obrigue alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer, de modo contrário a lei;
g) a provocadora da anulação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
..... (DELGADO, 2002, p.24-25)
Em todos os casos acima e muitos outros falados pelo próprio autor, o comando da decisão judicial fere diretamente a nossa Carta Magna, uma vez que tais sentenças nunca terão força de coisa julgada podendo ser impugnada e destituídas a qualquer tempo é o que vem a dizer Delgado (2002, p.28), mostrando seu inconformismo com as sentenças que afrontam a Constituição Brasileira:
Não posso aceitar em sã consciência, que, em nome da segurança jurídica, a sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar indenizações indevidas, finalmente, que desconheça que o branco é branco e que a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa (DELGADO, 2002, p.28).
É partir desta afronta à Constituição que a questão ganha maiores contornos questionando-se até que ponto deverá prevalecer sentenças que afrontam normas instituídas no texto constitucional, a título exemplificativo, até quando irá prevalecer que alguém seja filho de outrem, quando a própria ciência demonstra o contrário. Nenhum princípio constitui um fim em si mesmo, pois é o conjunto deles que devem valer como meios de melhor proporcionar um sistema processual justo. Por tudo exposto é bom salientar outra lição do renomado e ilustre Ministro Delgado (2002, p.21 e p.28), que sustenta que:
Os valores absolutos da legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídicos (...) essa segurança jurídica cede quando os princípios de maior hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela sentença (...) não posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela natureza. (DELGADO, 2002, p.21 e p.28)
Tal entendimento, portanto não é unânime, há posicionamentos contrários a relativização da coisa julgada até nesses casos, como exemplo Nery Júnior que é um dos defensores do caráter absoluto do principio da intangibilidade da coisa julgada.
As sentenças que contém o vício da inconstitucionalidade que são proferidas pela autoridade judicial não podem ser consideradas inexistentes uma vez que os atos jurisdicionais praticados por um juiz exercendo a sua profissão e atendendo aos requisitos processuais e formais que violem direitos, não são considerados inexistentes, são decisões jurídicas inconstitucionais.
Quando o seu conteúdo material colidir com preceito constitucional não estará atendido às condições de validade. Assim, a sentença quando eivada de vício inconstitucional, é considerado um ato nulo, podendo ser a qualquer tempo desconstituído. Uma sentença proferida regularmente em qualquer processo, atendendo a todos os seus elementos constitutivos, regular publicação, esgotamento das vias recursais, e por fim o seu trânsito em julgado jamais poderá ser considerada inexistente.
Inexistente é algo anterior ao mundo do direito. Portanto presente todos os requisitos que caracterizem um provimento jurisdicional, ainda que afrontando ao texto constitucional, não poderá ser tachada de inexistente. Afinal, não é a inconstitucionalidade ou ilegalidade que dará existência a um provimento jurisdicional. São a opinião da maioria doutrinária, como os expoentes doutrinadores Humberto Theodoro Júnior e Miguel Reale.
Se a coisa julgada inconstitucional é considerada nula não estará sujeita a prazos decadenciais ou prescricionais, uma vez que no sistema das nulidades os atos judiciais nulos independem de rescisória para eliminar o respectivo vício. Inclusive a nulidade de um ato jurídico deve ser declarada a qualquer tempo pelo magistrado, ex officio ou a requerimento das partes interessadas. Veja os ensinamentos do estudioso Almeida Jr. (2006):
A conclusão lógica daí decorrente seria a de que o ato inconstitucional é simplesmente nulo e sem valor (nullu and void).Deste modo, o ato inconstitucional, por ser nulo, jamais produziria efeitos, e deveria ser desconstituído ex tunc.(ALMEIDA JR., 2006, p.199)
Logo a sentença proferida pelo Poder Judiciário não poderá violar ao nosso texto constitucional, visto que o dogma da coisa julgada não poderá ser superior ao primado da constitucionalidade dos atos do Poder Público, independente de qual espécie for.
3.2 Relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade
Uma das mais importantes causas de relativização da coisa julgada são aquelas oriundas nas ações de investigação de paternidade. A investigação de paternidade se dará quando não houver por parte do pai o reconhecimento de forma voluntária, tratando-se assim de reconhecimento via judicial, ou também denominada de oficiosa. É a forma de reconhecimento judicial da paternidade que cabe aos filhos contra os pais e seus herdeiros para demandar-lhes o reconhecimento da filiação.
Essa ação processa-se através de ação ordinária, intentada pelo filho ou se necessário se representado por seu representante legal, contra o suposto pai ou seus herdeiros, permitindo ainda tal tipo de ação ser cumulada com outras, como a de petição de herança, alimentos e ação de anulação de registro civil.
A ação de investigação de paternidade tem natureza de ação de estado. O estado é a posição jurídica da pessoa na sociedade, podendo ser individual, tendo relação com o modo de ser da pessoa, ou familiar que está relacionada com a posição ocupada pela pessoa no seio da sociedade, podendo ser de três formas: vínculo conjugal, parentesco por afinidade ou consangüinidade e político, que é o sujeito integrado em uma nação.
A ação de investigação de paternidade é uma ação personalíssima, uma vez que, em regra, não se admite que outra pessoa, que não seja o filho, proponha a ação, e é também declaratória, pois tem como finalidade a declaração judicial de que o autor da demanda é filho do réu.
Quando se fala em ação de investigação de paternidade encontram-se duas situações como bem salienta Fernanda Martins Silva, em seu trabalho (2005):
Em se tratando de relativização da coisa julgada na investigação de paternidade, observam-se as duas situações. No primeiro quadro, alocam-se as demandas investigatórias julgadas antes do advento da prova técnica do DNA. No segundo quadro, estão as demandas julgadas mesmo após o advento da perícia, quando esta deixou de ser realizada, resultando em sentença avessa ao real vínculo paterno. (SILVA, 2005, p.176)
Importante falar também acerca da filiação como direito de personalidade. A filiação é uma relação de parentesco existente entre os pais e seus filhos, ocasionando uma série de deveres e obrigações. Antigamente a filiação era considerada uma relação de parentesco consangüínea, sempre coincidindo pai com genitor.
Hoje já não é assim, até mesmo pelo que está escrito na Constituição Federal, que trouxe a igualdade entre os filhos biológicos e não biológicos, não havendo mais diferença entre eles. O conhecimento da origem genética é um direito inerente à pessoa, é direito de personalidade, na espécie direito à vida, uma vez que o indivíduo tem o direito de saber a história de saúde de seus parentes biológicos até para a preservação da sua vida.
O direito de investigar o direito de filiação é legitimado apenas para àqueles filhos que não tenham pais, àqueles que não tenham relação paterno-filial por nenhum meio. Mas isso não quer dizer que os que já tenham um estado de filiação fixo não terão o direito de investigar o direito de filiação, é possível eles demandarem no sentido de conhecer o vinculo genético, mas não gerará efeitos na órbita do direito de família. O direito de personalidade, dentro o qual figura o direito ao estado de filiação, é resguardado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, inserido na nossa Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III, consagrado como principio fundamental.
Quando há a hipótese de ação de investigação de paternidade julgadas procedentes ou improcedentes sem que tenha ocorrido o exame de DNA e que numa posterioridade constatou-se que a realidade era diferente do que estava discriminado na sentença judicial, nestes casos encontramos princípios em conflitos. De um lado está presente o princípio da segurança jurídica, demonstrado através da coisa julgada material.
De outro lado, encontramos o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que o filho tem o direito a ser reconhecida sua filiação, sua origem genética, buscando a justiça da decisão. Como falado anteriormente no capítulo referente a princípios, quando há princípios em conflitos, necessário de faz demonstrar no caso concreto, qual deles irá prevalecer através da técnica de ponderação de princípios. É de se notar que o valor da justiça deve prevalecer sobre a segurança nesses casos.
A segurança não é sequer um valor, e sim qualidade de um sistema. Já o princípio da dignidade da pessoa humana confere a todos o direito à vida digna e desenvolvimento da personalidade humana. Assim para que se prevaleça à dignidade de um homem, exigisse amplo e irrestrito direito a investigação de paternidade.
Ainda dentro das hipóteses das ações de investigação de paternidade julgadas procedentes e improcedentes, encontramos duas situações: das decisões proferidas antes da existência do exame de DNA, e daquelas que quando proferidas o exame já existia, mas não foi realizado. É necessário partir do pensamento de que o exame de DNA é prova que permite com precisão a determinação da paternidade, uma prova que chega a porcentagem de 99,99999% de certeza, ou seja a margem de erro é praticamente mínimaÉ um exame que oferece ao julgador elementos sólidos e bastante confiáveis para a construção da verdade real, sendo determinante entre as provas apresentadas ao processo pelas partes.
No caso da não existência do exame de DNA, a parte não teve oportunidade de demonstrar seu direito, por haver limitações técnicas à época do processo. Importante salientar também a opinião da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, que proferindo voto, em Recurso Extraordinário, favorável a relativização da coisa julgada em uma ação de investigação de paternidade, justificou o seu voto dizendo desconsiderar a imutabilidade da coisa julgada quando proferida em decisão por falta de provas.
Para a maioria de nossos doutrinadores é possível a propositura de uma nova ação se não foi realizado o exame de DNA, pois para eles a coisa julgada não se observará quando a prova pericial de DNA não foi realizada. Destaca-se a opinião de um desses adeptos:
É que não se podem acobertar com o manto da coisa julgada ações nas quais não foram exauridos todos os meios de prova, inclusive científicos (como o DNA), sejam por falta de condições das partes interessadas ou incúria dos advogados, por inércia do Estado-juiz. Em outras palavras, não faz coisa julgada material a decisão judicial em ações filiatórias nas quais não se produziu a pesquisa genética adequada, seja por que motivo for. Com efeito, não se tolera selar definitivamente o status família do investigante sem que se realize uma adequada e exauriente produção de prova. Pensar de modo contrário é violar a dignidade da pessoa humana e a igualdade substancial, preconizados constitucionalmente. (FARIAS, 2002, p.95).
Das decisões proferidas com a existência do exame, mas sem sua realização, o que vemos no processo civil dos tempos modernos tende a buscar a verdade real mais do que a processual, evitando injustiças, ainda mais quando se tratar de direitos de família e envolver o princípio da dignidade humana. Às vezes a não realização do exame é por falta de condições financeiras, ou de falta de estrutura do local onde se encontra aquele que pretende ajuizar ação de investigação de paternidade, e não por negligência da parte.
Como bem salientou o Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, ao relatar o Recurso Especial 4.987/RJ (publicado no DOU de 28.10.1991), ‘’ na fase atual da evolução do Direito de Família é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses do menor. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça’’. (FARIAS, 2002, p.94).
É possível concluir analisando a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade que a doutrina moderna deverá atentar-se às diretrizes norteadoras do nosso estado democrático de direito, defendendo a justiça das decisões levando-se em conta principalmente princípios, tais como: os da moralidade, legalidade, isonomia e proporcionalidade.
Existem casos em que não é justo que se perpetuem injustiças para evitar a instabilidade social. Um dos objetivos da nossa Constituição da República Federativa do Brasil, baseado no que dispõe seu artigo 3º, é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, nos termos do seu artigo 1° inciso III. Deve-se reconhecer que a tutela dos direitos indisponíveis normalmente recebe tratamento especial do nosso ordenamento jurídico. Logo as ações de investigação de paternidade devem também ser tratadas de forma diferenciada por cuidarem de direito ligado à dignidade da pessoa humana, visto que todo cidadão tem o direito de saber a sua origem.
O surgimento do exame de DNA e a sua força como prova, já que poderia afirmar com 99,99999% de certeza a respeito da existência ou não de vínculo genético entre autor e réu, levou o nosso ordenamento jurídico a questionar o transitado em julgado dos provimentos judiciais das ações de investigação de paternidade feitos em afronta ao referido exame.
Há algum tempo atrás, não muito distante dos dias atuais, a jurisprudência era tranqüila e pacífica no sentido de não admitir o ajuizamento de ação com o objetivo de rediscutir o que já tivesse sido objeto de ação de investigação de paternidade, ainda que houvesse exame de DNA realizado de forma voluntária pelas partes interessadas.
Só que o direito é dinâmico e logo o tema foi levado ao Superior Tribunal de Justiça que ao apreciar o Recurso Especial 226.436-PR em julgado que se tornou paradigmático, decidiu que ‘’não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a se respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido’’.
Portanto os Ministros entenderam possível a renovação da demanda investigatória com fulcro em ponderações de princípios constitucionais, concluindo que o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade em alguns casos se sobrepõe ao instituto da coisa julgada, pois não tem como negar o direito à busca da origem biológica do ser humano. Excepcionalmente devemos deixar de lado, pelo menos em parte, o valor segurança em favor do valor efetividade, a busca das soluções reais que estejam em acordo com a realidade dos fatos.
3.3 Remédios processuais cabíveis para impugnar a coisa julgada
Após verificar as principais hipóteses de relativização da coisa julgada, resta-nos agora demonstrar qual o remédio processual cabível, adequado para impugnar a coisa julgada com sua conseqüente relativização ou declaração de inconstitucionalidade. Primeiramente é necessário falar do remédio cabível da impugnação da coisa julgada inconstitucional. Cumpre inicialmente falar que os tribunais não exigem especificamente o uso de certo remédio técnico-processual, ou via procedimental ou processual para o afastamento da res iudicata.
Como exemplo, em caso de sentença proferida sem a citação regular do réu, o Supremo Tribunal Federal já admitiu que tal vício pudesse ser examinado por ação rescisória, por embargos à execução se for o caso (sentença condenatória) ou também através de ação declaratória de nulidade absoluta e insanável da sentença como se infere pelo voto proferido pelo Relator Ministro Moreira Alves, Recurso Extraordinário nº 97.589-SC, 17.11.1982, DJ de 3.6.1983.
Contudo a maioria dos doutrinadores defende a hipótese de que nos casos de decisão judicial amparada em lei posteriormente declarada inconstitucional, a parte interessada deveria utilizar-se da ação declaratória de nulidade ou embargos à execução, com base no instituto da querela nullitatis para impugnar a coisa julgada.
A querela nullitatis surgiu no direito romano e tem como principal característica o fato de poder ser argüida por meio de qualquer via e a qualquer tempo. É o que preceitua o excelente doutrinador Barbosa Moreira:
Foi no direito intermédio, nos estatutos italianos, por influência dos elementos germânicos misturados aos de origem romana, que se julgou necessário criar, para a denúncia do errores in procedendo, um remédio especial, a querela nullitatis, exercitável de modo autônomo, não propriamente como ação, mas por simples imploratio officii iudicis. (MOREIRA, 2005, p.101).
É o fundamento utilizado no voto do Ministro Moreira Alves, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 97.568-6/SC, quando se alegava a nulidade da citação do réu, dizendo que:
Persiste, no Direito Positivo Brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso; pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível para essa hipótese. (STF, Pleno, unânime, RE nº 97.568-6, 17-11-1982, Relator Ministro MOREIRA ALVES, DJ de 3.6.1983).
Conclui-se que no nosso ordenamento nacional, e como posicionamento do Supremo Tribunal Federal conforme mencionado é a de que a declaração da nulidade de sentença inconstitucional deverá ser feita através de embargos à execução ou de ação declaratória de nulidade com base no instituto da querela nullitatis. Portanto, pode-se afirmar que diante da admissibilidade da coisa julgada inconstitucional, é desnecessária a propositura da ação rescisória para invalidar decisão inconstitucional, mas se interposta deverá ser conhecida uma vez que as nulidades independem de procedimento especial para a sua declaração.
Como foi dito no início deste capítulo o ordenamento jurídico brasileiro não exige uma ação específica para a desconstituição de uma sentença inconstitucional, podendo ser empregado uma nova ação para a revisão de anterior pronunciamento judicial, além do emprego de ação rescisória ou até mesmo de meios típicos especiais tais como: habeas corpus, argüição de descumprimento de preceito fundamental, mandado de segurança entre outros. Todavia percebe-se claramente que não resta dúvida a respeito da subsistência da querela nullitatis quando se buscar impugnar sentença eivada de inconstitucionalidade ou nulidade, independentemente de algum procedimento recursal.
Por se tratar de uma ação declaratória a querela nullitatis não se sujeita a prazo para sua propositura. A coisa julgada quando eivada do vício de inconstitucionalidade é considerado algo inexistente, portanto em tal sentença sequer ocorre o trânsito em julgado, logo a melhor forma de eliminar a suposta coisa julgada inconstitucional do nosso ordenamento jurídico, é através do instituto da querela nullitatis.
Em relação à relativização nas ações de estado, mas precisamente nas ações de investigação de paternidade importante ressaltar também os remédios cabíveis para impugnar tal ação transitada em julgado. Com base no que foi dito durante toda a monografia, principalmente no capítulo referente aos princípios pode-se inferir que pela importância do princípio da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana entre outros se tem como certo que as sentenças judiciais nas ações de investigação de paternidade proferidas antes do exame de DNA podem ser revistas.
Apesar da jurisprudência, há pouco tempo atrás, ter entendimento no sentido de não admitir o ajuizamento de ação que tivesse como objetivo rediscutir aquilo que tivesse sido objeto de ação de investigação de paternidade, diante da imensa probabilidade tendente a certeza do exame de DNA bem como da exigência do bem comum e também do fim social que busca o processo, os doutrinadores e as jurisprudências atuais já mudaram a linha de pensamento.
Considerando o grau de importância alcançado pelos princípios no ordenamento jurídico brasileiro é importante que se faça uma releitura do artigo 485, V do Código de Processo Civil para estender a interpretação que cabe ação rescisória não só quando há violação, na parte decisória da sentença, a letra de lei, material ou processual, mas também quando ofender a princípios constitucionais. Essa é a interpretação contemporânea que se deve ter do dispositivo legal do Código de Processo Civil brasileiro. Essa opinião é compartilhada por doutrinadores do alto escalão, tais como: Teresa Wambier, Jorge Medina, Barbosa Moreira, Pontes de Miranda entre outros.
Logo, se a incidência dos princípios deveriam ter levado a uma decisão diferente da qual tinha sido proferida, não há como não equiparar tal situação a da ofensa à lei para se considerar uma questão jurídica corrigível através da ação rescisória e também pela via dos recursos excepcionais. Nesse sentido vem decidindo o nosso colendo Superior Tribunal de Justiça, que na Ementa da Ação Rescisória nº 822-SP, Relator Ministro Franciulli Neto, Diário de Justiça da União 28-08-2000, decidiu que ‘’a interpretação do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, deve ser ampla e abarca a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito (artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)’’.
No mesmo sentido pode-se destacar o posicionamento da Relatora Ministra Nancy Andrighi que no Recurso Especial nº 329.267/RS Diário de Justiça de 14/10/2002, disse que ‘’a expressão’’ violar literal disposição de lei’’ contida no art. 485, V do Código de Processo Civil deve ser compreendida como violação do direito em tese, e abrange tanto o texto estrito do preceito legal, como a idéia de manutenção da integridade do ordenamento jurídico... que dela possa ser extraída...’’.
Portanto, um dos modos de atacar, impugnar, relativizar a ação de investigação de paternidade, é através da ação rescisória, que por meio do inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil, é possível interpretá-lo de modo a abranger também a ponderação de princípios constitucionais, como é o entendimento atual da nossa jurisprudência.
Outra forma de desconstituição da coisa julgada é a ação negatória de paternidade, também conhecida como ação de contestação de paternidade. Essa ação tem como finalidade excluir a presunção legal de paternidade, sendo proposta pelo marido que tenha como objetivo contestar a paternidade do filho nascido de sua mulher. A ação de contestação de paternidade é uma ação imprescritível e tem como requisito indispensável que o marido comprove que o reconhecimento voluntário da paternidade não é a verdade biológica, visto que presentes vícios de consentimentos, tais como: coação dolo ou erro.
3.4 A relativização da coisa julgada a luz da jurisprudência
Como abordado durante a monografia, à coisa julgada torna indiscutível e imutável os efeitos da sentença, assegurando a estabilidade das relações jurídicas, garantindo a segurança dos julgados, via de regra. É bom salientar que o Estado Democrático de Direito não é somente assegurado pela res iudicata, em virtude da segurança jurídica, mas também por outros valores fundamentais no nosso sistema, como a busca da verdade real, a dignidade da pessoa humana e o princípio da proporcionalidade.
A segurança jurídica advinda da coisa julgada somente atribuiria certeza as decisões e geraria estabilidade aos julgados se imposta de acordo com a realidade dos fatos, de acordo com nosso sistema constitucional. É por isso que a coisa julgada mesmo servindo para evitar infinitas discussões judiciais, deve em situações excepcionais, ser analisada em conjunto com outros princípios constitucionais, uma vez que poderá haver colisões entre princípios, e excepcionalmente a coisa julgada deverá ceder diante de outros valores fundamentais, envolvidos no caso concreto. A coisa julgada por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros princípios ou valores de mesmo grau hierárquico.
Essa excepcionalidade de relativização da res iudicata deverá ser feita através da técnica de ponderação de princípios e valores constitucionais. Essa ponderação deverá ser realizada através da aplicação do princípio da proporcionalidade. Tal princípio tem como objetivo a sobreposição diante de uma demanda específica, dentre os valores e princípios fundamentais em conflito, do que melhor irá se adaptar ao caso específico de modo a lesar de forma mínima ou até mesmo não lesar os demais valores envolvidos. Veja a idéia de Sergio Gilberto Porto acerca do princípio da proporcionalidade:
O princípio da proporcionalidade tem por escopo- como sua designação deixa antever – a vontade de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseados em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e aplicação do princípio permitem vislumbrar a circunstância de que o propósito constitucional de proteger determinados valores fundamentais deve ceder quando a observância intransigente de tal orientação importar na violação de outro direito fundamental ainda mais valorado. (PORTO, 2003, p.23)
Portanto, havendo conflitos entre princípios no caso concreto, deve o magistrado, utilizar-se do princípio da proporcionalidade, buscando assim, harmonizar os princípios em colisão e alcançar um equilíbrio entre os mesmos. Veja na prática, a luz da jurisprudência:
EMENTA: PROCESSO CIVIL. AGRAVO. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA. COLIDÊNCIA ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE. 1. Ante conflito de princípios constitucionais, como o do inciso XXXVI, do artigo 5º, da CF, que assegura o respeito à coisa julgada, e aquele da dignidade humana, § 7º, do artigo 226 ( e entre eles o direito do filho em conhecer sua paternidade efetiva), deve o poder judiciário utilizar-se de critérios que lhe permitam ponderar, em virtude da situação concreta, qual seja o direito a prevalecer no caso.2. A jurisprudência tem obviado a rigidez da coisa julgada, para, reabrindo a lide, e ante produção de prova pericial (exame de DNA), diligência que fornece quase cem por cento de certeza, esclarecer a situação biológica do investigante. (DISTRITO FEDERAL, 2002)
É possível perceber que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entendeu no caso acima que o magistrado deve ponderar sobre qual é o valor fundamental, dentre aqueles aplicáveis ao caso que deverá prevalecer. Não há exatamente uma colisão entre princípios e sim opção por um que melhor se adéqua na busca da justiça, é o acatamento de um princípio ou valor sem que implique no desrespeito completo de outro.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE JULGADA PROCEDENTE. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL. PROPOSITURA DE NOVA AÇÃO. O valor que a coisa julgada visa resguardar é justamente o da segurança jurídica, e esse valor deve ser posto em cotejo com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consagrando no art. 1º, inc. III, da Constituição, ou seja, o da dignidade da pessoa humana. Logo, ante a absoluta excepcionalidade do caso concreto, em que resta flagrante que a tramitação processual da ação julgada procedente não observou os dogmas constitucionais da ampla defesa, e em respeito ao direito à correta atribuição da relação paterno filial ligado à preservação da dignidade pessoal, valor que deve ser sobreposto a qualquer outro princípio, inclusive o da segurança jurídica, adequada a relativização da coisa julgada, viabilizando a propositura de nova ação com o mesmo objeto, para na instrução probatória ser realizada perícia genética, devendo ser desconstituída a decisão que extinguiu a demanda, sem julgamento de mérito. DERAM PROVIMENTO POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2004)
Diante do entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, inferi-se que quando presente o direito a segurança jurídica em confronto com os direitos fundamentais da personalidade e dignidade da pessoa humana, deverá prevalecer esses dois últimos, uma vez que somente haverá estabilidade ao julgado, característica da coisa julgada, quando o julgado estiver de encontro com a verdade real.
EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DA AÇÃO. ARGUIÇÃO DE COISA JULGADA. CONFLITO DE PROVAS. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE DNA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E DA PERSONALIDADE. RELATIVIZAÇÃO. A ação de investigação de paternidade, por constituir uma ação de estado não é alcançada pela coisa julgada como óbice ao seu prosseguimento até final julgamento. -A segurança jurídica deve ser imposta, desde que adequada aos princípios postos no ordenamento jurídico, máxime para exprimir valores essenciais da pessoa como a sua ascendência biológica. - A evolução ocorrida no âmbito da ciência médica e nas relações jurídicas com o advento do exame genético de DNA reativou a possibilidade da busca da verdade real, a isso não impedindo os rigores da coisa julgada, e, em conseqüência a relativização da ‘’res iudicata’’ em casos que tais. (MINAS GERAIS, 2005)
Em consonância com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também entende a prevalência dos princípios da dignidade e personalidade ao da segurança jurídica, visto que em nome de uma mera formalidade não podemos deixar de buscar a verdade real. Essa é a tônica da jurisprudência moderna, a busca da verdade real, quando possível, e também grande parte dos doutrinadores entendem que não há coisa julgada material nas investigações de paternidade quando não produzidas todas as provas.
EMENTA: PRELIMINAR. DECADÊNCIA. AÇÃO RESCISÓRIA. SUPERAÇÃO DO PRAZO BIENAL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COLISÃO DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COM O DA SEGURANÇA JURÍDICA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRAZO DECADENCIAL NÃO INCIDENTE. PREFACIAL AFASTADA. A redação do artigo 495 do Código de Processo Civil, estabelece que ‘’o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão’’.Ultrapassado esse prazo referente ao direito potestativo de agir, a decisão de mérito se torna, como diz a doutrina, coisa soberanamente julgada. Ocorre que, existindo colisão entre os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e o da segurança jurídica, com exceção a regra, e especificamente quando se investigue a paternidade de ser humano, aquele deve se sobrepuser a este utilizando o critério da razoabilidade e a máxima da proporcionalidade e, por conseqüência, o prazo decadencial bienal cede para se efetivar o princípio fundamental insculpido no artigo 1, inc. II, da Constituição Federal. [...] (SANTA CATARINA, 2006)
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ensina que quando não houver exaurimento de todos os meios de provas possíveis acerca da paternidade, principalmente o exame de DNA, que confere uma certeza de 99,9999%, não se pode conceber uma coisa julgada imutável para esses casos, uma vez que em encontra-se princípios fundamentais presentes, tais como o da dignidade e o da personalidade não podendo a verdade ficta prevalecer sobre a verdade real.Logo não há que se observar o prazo de 2 anos da ação rescisória em tais situações.
EMENTA: PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca, sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. “Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”. “IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum. (STJ, 2002)
Esta decisão do Superior Tribunal de Justiça foi considerada julgado paradigmático, pois a partir dele que houve fundamental mudança de interpretação por parte da nossa jurisprudência no sentido de relativizar a coisa julgada de forma excepcional, houve mudança da linha de pensamento no nosso Tribunal Superior, permitindo a repetição da ação de investigação de paternidade quando o motivo for ausência de provas, demonstrando o pensamento moderno da busca sempre que possível da verdade real.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1- É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgado improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2-Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3- Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4- Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação à pessoa identificada. 5- Recursos Extraordinários reconhecidos e providos. (STF, 2011)
Para finalizar não poderia deixar de expor um julgado do nosso órgão Judiciário máximo, o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, que também seguiu a linha dos Tribunais de Justiça brasileira e do Superior Tribunal de Justiça, possibilitando de forma excepcional a relativização da coisa julgada quando for a decisão mais justa depois da aplicação da técnica de ponderação de princípios constitucionais ou quando for proferida em decisão por falta de provas, visto que o direito contemporâneo busca a realidade dos fatos, a verdade real.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se a presente monografia demonstrando que deve prevalecer a supremacia da Constituição sobre os atos dos Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo, uma vez que se pode afirmar sem dúvida alguma que o nosso maior valor, valor este fundamental em um Estado democrático de Direito, é a nossa Constituição da República Federativa do Brasil. A sentença inconstitucional, ou a decisão injusta por infringir princípios fundamentais da nossa Carta Magna, após o prazo recursal e da ação rescisória não pode ser considerada absoluta, intangível, imodificável.
A coisa julgada em sua concepção mais antiga que tornava preto o branco e redondo o quadrado não pode mais subsistir. É necessário em alguns casos, de forma excepcional, relativizar a coisa julgada, visto que com o advento de novas formas de tecnologias, possibilitando também novas formas de provas no Direito, os nossos Magistrados tem a oportunidade de proferirem sentenças mais justas, buscando a verdade real.
Com a relativização não se pretende acabar com a coisa julgada, e sim excepcioná-la em algumas hipóteses mediante o critério da proporcionalidade, o qual se mostra a técnica mais adequada para a resolução de conflitos de direitos, princípios e valores constitucionais. A título exemplificativo pode-se falar que nas ações de investigação de paternidade a segurança jurídica da coisa julgada não pode prevalecer sobre valores como o da filiação e o da dignidade da pessoa humana.
A relativização da coisa julgada é algo que está longe de desestabilizar o ordenamento jurídico e sim o está tornando mais sólido, por se estar realizando um processo justo, não sendo admissível que a segurança jurídica prevaleça sobre valores maiores, prevaleça diante de injustiças, pois vivemos em uma sociedade de homens livres, e a justiça deve prevalecer sobre a segurança, pois sem justiça não há liberdade e sem liberdade não há estado democrático de direito.
Portanto no mundo contemporâneo e dinâmico no qual o Direito também está presente, não se pode afirmar com exatidão que existem direitos absolutos e intangíveis em qualquer situação ou hipótese. O caráter absoluto e intangível da coisa julgada em qualquer situação ou hipótese não pode está presente como já esteve antigamente. A res iudicata deverá ser relativizada quando em confronto com princípios fundamentais, através da técnica de ponderação de princípios constitucionais, após a análise individual do caso concreto, devendo através da proporcionalidade o Magistrado procurar a verdade real para imprimir maior segurança e justiça as suas decisões.
Apenas a ação rescisória com o prazo peremptório de dois anos, não é suficiente para abranger todas as possibilidades de relativização da coisa julgada, visto que existem muitos casos em que esse prazo já está superado e a sentença está eivada de ilegalidade ou inconstitucionalidade, ferindo direitos de suma importância e fundamentais, tal como o da dignidade da pessoa humana nos casos de investigação de paternidade.
É por isso que a tendência da jurisprudência é de relativizar a coisa julgada em alguns casos específicos, após a análise individual do caso concreto, buscando sempre que possível a verdade real, imprimindo maior justiça as decisões, através da harmonização entre princípios em colisão buscando um verdadeiro equilíbrio nas decisões.
O que não se pode aceitar é a eternização de injustiças apenas para conferir o caráter absoluto da coisa julgada criando uma falsa segurança jurídica na sociedade, uma vez que a intangibilidade da res iudicata não pode prevalecer sobre a Constituição da República Federativa do Brasil, a título exemplificativo, uma sentença proferida por ausência de provas não poderá ser considerada intangível, visto que poderão surgir provas bastante robustas capaz de mostrar a ilegalidade ou inconstitucionalidade de tal sentença.
A jurisprudência brasileira vem fazendo muito bem esse papel, relativizando sentenças quando ilegais, injustas ou em confronto com normas fundamentais do nosso ordenamento jurídico, concretizando a busca da verdade real e sentenças mais justas quando assim o caso concreto exigir.
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Acadêmico do Curso de direito da UNIMONTES - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MALVEIRA, Pedro Henrique Braga. A Excepcionalidade da relativização da coisa julgada material Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2012, 08:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29605/a-excepcionalidade-da-relativizacao-da-coisa-julgada-material. Acesso em: 22 nov 2024.
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