Resumo: Trata o presente trabalho de uma pesquisa que visa analisar a celeridade e a efetividade no Projeto de Lei do Senado 166/2010 segundo a Teoria Constitucionalista do Processo. Desdobrando a referida análise, será objeto de estudo o processo e o procedimento, tempo e processo e a convivência da segurança jurídica com o princípio da razoável duração do processo em um Estado Democrático de Direito, bem como da utilidade com a legitimidade das decisões. Este trabalho também tratará da celeridade e efetividade no direito comparado e a influência deste nas reformas processuais como a ora analisada.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito, Processo Constitucional, Devido Processo Legal, Processo, Procedimento, Segurança Jurídica, Princípio da Razoável Duração do Processo, Celeridade e Efetividade.
Abstract: The present article is a survey that aims to analyze the speed and effectiveness in the Senate Bill 166/2010 second Constitutionalist Theory of Process. Unfolding the examination will be subject to study the process and procedure, time and process and coexistence of legal certainty and the principle of reasonable duration of process in a democratic state, as well as the usefulness and legitimacy of decisions. This work will also address the speed and effectiveness in comparative law and its influence on procedural reforms such as the one analyzed.
Keywords: Democratic State off Law, Constitutional Process, Due Process off Law, Process, Procedure, Legal Security, Principle of Fair Process Lifetime, Celerity and Effectiveness.
1 INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil entrou em vigor no Ordenamento Jurídico Brasileiro em 11 de janeiro do ano de 1973, em plena ditadura militar, ou seja, este foi concebido em um Estado Autoritário.
Com a queda da ditadura e a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 05 de outubro do ano de 1988 que instituiu no Brasil o regime de Estado Democrático de Direito, segundo o qual, o processo (procedimento) materializador do direito de ação, para ser válido deve, obrigatoriamente, garantir e conter o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, LV, Constituição da República de 1988), além das decisões terem de ser fundamentadas (artigo 93, IX, Constituição da República de 1988) e de não se vedar o acesso à justiça (artigo 5ª, XXXV, Constituição da República de 1988).
Com o advento da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, se fortalece e dissipa ainda mais no Brasil a teoria constitucionalista do processo, encabeçada pelo seu maior expoente, José Alfredo de Oliveira Baracho.
Passou a se discutir com maior ênfase, dentre outras coisas, a celeridade e a efetividade do processo (procedimento), principalmente com a Emenda Constitucional 45/2004 que fez constar e assegurar no texto constitucional, em seu artigo 5º, LXXVIII, que o processo deve ter uma duração razoável (compreendido por muitos como princípio), este que já era constitucionalizado desde o ano de 1992, quando foi adotado e passou a viger na ordem jurídica brasileira o Pacto de San José da Costa Rica, pois constante no artigo 8º deste.
O texto original do Código de Processo Civil de 1973 passou por várias reformas, sendo a maioria dessas devido a essa preocupação com a razoável duração do processo. Essas reformas se deram pelas Leis: 8.445/92, 8.710/93, 8.950/94, 8.952/94, 9.245/95, 9.307/96, 9.668/98, 9.756/98, 10.352/01, 10.358/01, 10.444/02, 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06, 11.232/06, 11.418/06 e 11.419/06; que em seu bojo sempre possuíam ao menos uma norma que visava dar mais celeridade ou efetividade ao processo (procedimento).
Além da Emenda Constitucional 45/2004 e das leis que reformaram o Código de Processo Civil, também foi inserido no Ordenamento Jurídico Brasileiro, outras leis fundamentadas pela necessidade de celeridade e efetividade do processo (procedimento), como a Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Estaduais e a Lei 10.259/01 que instituiu os Juizados Especiais Federais.
Diz-se celeridade ou efetividade, mas como se pretende esclarecer no presente trabalho, adotando como marco teórico a teoria constitucionalista do processo, se estas são ou não a mesma coisa.
Mesmo com as várias reformas visando uma maior celeridade ou efetividade do procedimento, que sofreu o Código de Processo Civil, a sociedade ainda clama por uma resposta mais rápida dos conflitos entre seus cidadãos levados para obter uma solução perante o Poder Judiciário.
Na tentativa de resolver este problema, foi criada uma comissão de juristas que ficou incumbida da elaboração de um Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, o que restou prontamente cumprido em tempo tido por muitos como recorde.
De fato, a celeridade ou efetividade do procedimento é uma questão que ainda levanta discussões e exige uma resposta. Acontece ser este um momento ímpar na história do direito processual civil brasileiro, portanto, devemos; como seres pensantes, utilizar esse momento, sobretudo, como forma de aprofundar as discussões teóricas que existem acerca do Processo Civil, sempre fundamentando na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 para assim, elaborarmos um Novo Código de Processo Civil Brasileiro que consiga ao menos diminuir o problema da morosidade, mas sem afastar ou descumprir os preceitos constitucionais, reguladores de todo o nosso Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Por isso, depois de analisar a celeridade e a efetividade segundo a teoria constitucionalista do processo, será feita uma análise macro destas no Projeto do Novo Código de Processo Civil, tecendo críticas e sugestões se e quando necessário.
2 CELERIDADE E EFETIVIDADE SEGUNDO A TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO PROCESSO
Celeridade e efetividade processual, separadamente ou não, é um tema em voga, tanto, que faz parte da exposição de motivos do Projeto do Novo Código de Processo Civil, como será abordado posteriormente, e isto, porque a queixa mais contundente da sociedade é a morosidade na tramitação dos processos judiciais (SENADO FEDERAL, 2010).
Porém, assim como Holffman (2006, p. 33), já ponderava, “teme-se que a tão almejada busca da efetividade e da eliminação da morosidade leve à falsa idéia de solução, restringindo-se ou eliminando-se o contraditório ou a ampla defesa”.
Também para Cappelletti e Garth (1998), o maior perigo é o de que em procedimentos modernos e eficientes se abandone as garantias fundamentais do processo, em especial, a do contraditório.
Assim, a grande questão proposta com este tema é a possibilidade de supressão de alguns dos princípios constitucionais que regem o devido processo legal em detrimento de um processo (procedimento) mais célere e efetivo.
Essa questão surge e se desdobra ao conciliar a segurança jurídica oriunda do devido processo legal formado pelo contraditório, ampla defesa, fundamentação das decisões e isonomia, com o princípio da razoável duração do processo.
Esse debate teoricamente estabelecido e desenvolvido fará ainda, que se tente apurar se ha diferença entre processo e procedimento, entre a própria celeridade e a efetividade, e, em havendo, identificar quais são, bem como, relacionar o tempo com o processo e a utilidade das decisões com a legitimidade das decisões.
2.1 Teoria Constitucionalista como marco teórico
A teoria constitucionalista que servirá de guia a este trabalho, surgiu, com o uruguaio Eduardo Juan Couture na década de 50 do século passado, como é destacado por Héctor Fix-Zamudio (1977) ao se referir a uma de suas obras. Outros que também são defensores e difusores desta teoria é Baracho (1984), aqui no Brasil e os italianos Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, como deixam claro na obra “Il modello Costituzionale Del Processo Civile Italiano”, de 1990.
Parte da doutrina contemporânea, aqui representada na pessoa dos professores Fernando Horta Tavares (2006), Cassio Scarpinella Bueno (2007), dentre outros, continua a defender essa teoria, o que demonstra sua importância para o processo dos dias atuais.
Fix-Zamudio, em seus estudos afirma surgir duas disciplinas com a teoria constitucionalista do processo: a de “direito processual constitucional” e a de “direito constitucional processual” (FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 320 e ss.), sendo que esta deriva dos estudos de Kelsen sobre meios processuais capazes de garantir a efetividade constitucional (BAHIA; NUNES, 2009, p. 227 e 228), como também se extrai dos estudos de Alcalá-Zamora y Castillo (2000).
Bahia e Nunes diferenciam as duas disciplinas que Fix-Zamudio diz surgir com a teoria constitucionalista, esclarecendo que:
O “direito processual constitucional” estuda os chamados “remédios constitucionais” (v.g., mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus e habeas data). Já o “direito constitucional processual” estuda, do ponto de vista do Direito Constitucional, os dispositivos (normas e princípios fundamentais) referentes ao processo, presentes nas Constituições. (BAHIA; NUNES, 2009, p. 228).
Porém, aqui, segundo Bahia e Nunes (2009, p. 228); “Cattoni de Oliveira questiona a distinção que propõe a existência de duas disciplinas diferentes, já que todo Direito processual também é direito “constitucional” em nosso Ordenamento, uma vez que aquele se origina deste”. Esse pensamento de Cattoni de Oliveira parece claro quando o próprio diz que o Direito Processual Constitucional é:
{...} formado a partir dos princípios basilares do “devido processo” e do “acesso à justiça”, e se desenvolveria através de princípios constitucionais referentes às partes, ao juiz, ao Ministério Público, enfim, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da proibição das provas ilícitas, da publicidade, da fundamentação das decisões, do duplo grau, da efetividade, do juiz natural, etc. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2001, pág. 211).
Para Baracho, o primeiro e maior expoente da teoria constitucionalista do processo no Brasil, o processo constitucional é metodologia de estruturação e atuação dos direitos fundamentais (BARACHO, 2006) e a Constituição é pressuposto de existência de um processo que por sua vez é garantidor da pessoa humana (BARACHO, 1995), a exigência de um Processo Constitucional:
{...} move-se em abstrato, não para regular um direito, mas sim estabelecer a legitimidade de uma lei, fonte mesma do direito. Não fixa uma situação constitutiva, não realiza uma composição jurídica, comum às sentenças do juízo ordinário, mas limita-se a verificar a conformidade de uma norma vigente com a Constituição. (BARACHO, 1984, p. 347).
E, ainda segundo Baracho, surge:
{...} como elemento da estrutura de um ordenamento jurídico complexo, no qual é indispensável o constante controle da conformidade da norma ordinária com a Carta Constitucional. É preciso que o remédio possa ser concebido e delineado em um enquadramento instrumental que o aceite como princípio geral. (BARACHO, 1984, p. 347).
Bosque em sua dissertação de mestrado, também trata do surgimento do modelo constitucional de processo:
Com efeito, o exame cientifico entre Constituição e Processo aguçou-se após a percepção de que não bastava a positivação, em sede constitucional, de diversos direitos e neste contexto, o modelo constitucional de processo surge como instrumento básico de efetivação desses direitos, ao permitir que, por meio dele, os cidadãos se insurjam contra indevidas ingerências – especialmente por parte do Estado, mas também, pelo próprio particular – em sua esfera jurídica de direitos. (BOSQUE, 2009, p. 25).
Por tudo isso que no Brasil, o fator que mostra a constitucionalização do processo está:
{...} no fato da Constituição Brasileira, mais do que qualquer outra anterior, além de tratar de matérias tradicionalmente afetas a uma Lei Maior – organização do Estado, dos poderes, da forma e regime de governo, além de um extenso e inigualável elenco de direitos e garantias –, trazer para seu seio, disposições afetas ao Direito Civil, Comercial, Tributário, Penal, Processual (e outros), de maneira, por vezes pormenorizada (BAHIA; NUNES, 2009, p. 225).
Também é importante constar que como se extrai dos estudos de Barros (2006), é perfeitamente aceitável a junção do modelo constitucional do processo constituído de uma base principiológica uníssona aplicável a todo processo, por todo processo ser constitucional, estruturalmente ou fundamentalmente (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002) com “um esquema geral de processo”, modelo constitucional de processo que possui como características: a expansividade; a variabilidade e a perfectibilidade (ANDOLINA e VIGNERA, 1997).
E como estamos vivenciando uma importante reforma processual, adequadas são as palavras de Barros e Nunes:
{...} para um novo momento histórico de reformas macroestruturais da legislação processual civil e penal brasileira não se pode olvidar da nossa nova ordem constitucional democrática e do respeito aos princípios constitucionais de processo. Tal preocupação não se refere tão somente a necessária adequação das novas normas processais propostas ao texto constitucional, mas inicia-se pela observância do devido processo legislativo, pois tendo em vista a magnitude da missão reformista afetará todos os cidadãos e jurisdicionados brasileiros, que buscam junto ao processo jurisdicional a garantia de seus direitos fundamentais. Logo, uma proposta de macro-reforma processual exige um debate e a participação da opinião publica, da sociedade civil organizada em termos amplos. Isto porque em um movimento de reforma processual de tal amplitude não se muda apenas as leis, mais que isto é preciso mudar em determinados casos práticas processuais reiteradas e consagradas. (BARROS; NUNES, p. 7552, 2010).
Ademais, segundo Rosemiro Pereira Leal (2001, p. 94 e 95) na visão da teoria constitucionalista, a lei é um ato jurídico e para ter legitimidade em um Estado Democrático precisa ter em sua elaboração uma procedimentalidade disciplinada pelo processo através da ampla defesa e do contraditório isonomicamente exercido entre os legisladores durante todo o debate do projeto legislativo até aprovação do mesmo, que seria o provimento final democrático, em outras palavras, a Lei.
2.2 Princípio da razoável duração do processo e a segurança jurídica
O princípio da razoável duração do processo, também conhecido como princípio da efetividade do processo foi inserido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, através da Emenda Constituição 45, de 08 de dezembro de 2004 que acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º. Porém, este princípio já fazia parte do ordenamento jurídico nacional, pois fazia parte da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto São José da Costa Rica, recepcionado em 1992.
Conforme explica Fernando Horta Tavares, (2010, p. 113 e 114), a inserção deste princípio no ordenamento jurídico brasileiro se deu em decorrência da “materialização da idéia de que, normatizando-se uma situação do mundo da vida, a juridicização por si só bastaria para resolver o problema da denominada “lentidão do processo””.
Porém, ao entender o processo como um direito-garantia constitucionalizado e de natureza fundamental, ver-se-á que o inciso que inseriu o princípio da razoável duração do processo não está tecnicamente, corretamente redigido, pois o tempo não se aplica ao direito, assim, não se pode empregar o termo “duração” ao processo, esse termo só poderia ser empregado à tramitação dos procedimentos administrativos ou judiciários. (TAVARES, 2010).
Por isso, Fernando Horta Tavares conclui que:
{...} duração razoável indica tramitação ou prática de atos delimitada por marcos temporais com começo e fim, mas esta trilha procedimental deve ser percorrida regularmente (que é a melhor definição técnica para o termo razoável, também ligada à racionalidade procedimental)”. (TAVARES, 2010, p. 114).
O princípio da razoável duração do processo não pode ser estudado isoladamente, ao contrário, ele deve ser estudado juntamente com os demais princípios que formam o devido processo legal,[1] pois o mesmo não pode sobrepor ou prevalecer em detrimento ao princípio da ampla defesa,[2] do contraditório[3] e da isonomia[4], pois se assim ocorresse, estaria sendo mitigado o devido processo legal, um dos pilares da segurança jurídica.
No mesmo sentido, é a exposição de Fernando Horta Tavares e outros:
A efetividade do Direito não se liga tampouco à necessidade de supressão do espaço discursivo (produção de defesa plena), quando se estiver diante de situações que exijam a segurança da antecipação dos conteúdos da lei (em decisao interlocutória). Finalmente, o confronto não pode se dar entre a efetividade e a segurança jurídica, porque ambas são decorrentes do devido processo, não passiveis de se excluírem entre si sem prejuízos para a democracia. (TAVARES et al, 2008, p. 158).
Corroborado pelas palavras de Gomes e Souza:
Esses princípios (celeridade e efetividade); embora não sejam institutivos do processo, foram inseridos em um bloco de garantias do cidadão contra o exercício abusivo da função jurisdicional pelo Estado-Juiz, qual seja, o princípio do devido processo legal. Portanto, a aplicabilidade deles não pode preponderar sobre os princípios autocrítico-discursivos da processualidade democrática, isto é, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, sob conseqüência de se estar legitimando o mito da urgencialidade na aplicação dos conteúdos da lei por uma jurisdição relâmpago e salvadora da comunidade jurídica. Em uma cognição plenária, essa é a única técnica jurídico-processual capaz de permitir que as questões de fato e de direito controvertidos em juízo sejam efetivamente definidas, porquanto é impossível afastar a estrutura normativa procedimental do modelo constitucional de processo que lhe deve ser inerente. (GOMES; SOUSA, 2008, p. 79).
E também por Bosque:
Para alcançar a almejada celeridade de tramitação dos procedimentos, os “meios” a que alude o constituinte passam, a nosso ver, por duplo enfoque. Primeiramente, a necessidade de eficiência do serviço público jurisdicional. Além disso, a construção de técnicas normativas que, modificando a estrutura legal da procedimentalidade sem supressão dos princípios do contraditório, ampla defesa e isonomia, possam abreviar o tempo de prolação e execução do ato estatal decisório. (BOSQUE, 2009, p. 84).
Defendendo uma idéia em sentido contrário, apresenta-se a parte da doutrina processualista com uma visão instrumentalista do processo, a qual, segundo sua concepção:
{...} a efetividade do processo não poderia conviver com a segurança jurídica, e um sempre deveria ceder para que o outro pudesse existir. E foi em nome da efetividade do processo, abrindo-se Mao da segurança decorrente de um processo plenário, com todas as garantias processuais preservadas, que surgiram as tutelas provisórias. (TAVARES et al, 2008, p. 152).
Porém, como vistos até aqui, segurança jurídica e razoável duração do processo devem conviver em um Estado Democrático de Direito, o que faz com que o desafio do legislador seja encontrar o ponto de equilíbrio entre ambas, já que como anteriormente dito, a busca por uma razoável duração do processo não poderá ferir o devido processo legal e a coisa julgada, pilares da segurança jurídica.
2.3 Processo e procedimento
Para analisar a celeridade e a efetividade, primeiramente se faz necessário questionar e responder se há diferença entre processo e procedimento? E, havendo, qual é?
Antes de responder estas perguntas, é preciso esclarecer que:
A linha doutrinaria que separa o procedimento do processo firmou-se sobre o critério teleológico, pelo qual se atribui finalidades ao processo se considera o procedimento delas destituído. Nela, o procedimento é “puramente formal”, algo que tanto pode ser uma técnica, como os atos de uma técnica, como a ordenação de uma técnica, enfim, separa-se do processo como idéia impregnada de finalidades por ser estranho a qualquer teleologia. (GONÇALVES, 1992, p. 64).
Adepta a esta linha doutrinária está “a Escola Paulista de Processo Civil”[5] com uma visão instrumentalista do processo e com arrimo na teoria do processo como relação jurídica desenvolvida pelo alemão Oskar Von Bülow, no ano de 1.868, segundo a qual para Gonçalves:
{...} aprofundou o conceito de procedimento como “meio extrinseco” de desenvolvimento do processo, “meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo”, até reduzi-lo a manifestação exterior do processo, “sua realidade fenomenológica perceptível”. Em contraposição, ao processo é atribuída natureza teleológica, “nele se caracteriza “sua finalidade de exercício do poder”, como “instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)””. (GONÇALVES, 1992, p. 65).
Ou na sucinta explicação de Leal, para essa escola procedimento é “o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve e termina o processo; que é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomelógica” (LEAL, 2002, p. 181).
Importantes considerações a essa visão do processo e do procedimento são feitas por Gonçalves:
Mesmo trazendo latentes as inovações da construção jurídica que se reelaboraram nas ultimas décadas, essa linha doutrinaria trata o processo com apelo a uma categoria conceitual do século passado, a da relação jurídica, que já passou por graves criticas na teoria do Direito e que é absolutamente imprópria para explicar as posições que assumem os sujeitos envolvidos no processo. (GONÇALVES, 1992, p. 65).
E continua:
A evolução dos conceitos de procedimento e de processo, como se percebe na exposição dos itens anteriores, não se fez em trajeto linear, mas foi bastante assemelhada a uma dialética de oposição, em que a antítese se levanta contra a tese, para negá-la, até que advém o momento da síntese, que absorve as afirmações e as negações em uma nova tese. (GONÇALVES, 1992, p. 65).
Para Gonçalves (1992, p. 68), as características do procedimento e do processo não podem ser investigadas como fazem os doutrinadores adeptos à escola paulista de processo, que o fazem em razão de elementos finalísticos, mas sim, dentro do sistema jurídico que os disciplina, pois só assim é possível constatar que antes de haver uma distinção entre processo e procedimento:
{...} há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença especifica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento. É o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam. Participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos. (GONÇALVES, 1992, p. 65).
Aqui talvez, Gonçalves já estivesse influenciado pelos estudos de Fazzalari para quem, segundo o próprio Gonçalves:
{...} o procedimento não é um conceito particular de uma disciplina, mas um conceito geral do Direito, e deve ser “colhido”, extraído, de um complexo que preparam o provimento, que é, como se viu, um ato do Estado, emanado de seus órgãos, na óbita de sua competência, dotado de caráter imperativo. (GONÇALVES, 1992, p. 109).
Com contundentes criticas como as apresentadas por Gonçalves aos estudos do processo e procedimento, realizados por essa linha doutrinária do processo como relação jurídica, necessário era a realização de novos estudos que apontassem as respostas que essa linha doutrinaria não consegue responder e de grande contribuição para que isso ocorresse foram os estudos, primeiramente de Enrico Redenti (1960) ao vislumbrar o procedimento sob outra ótica e depois com os estudos de Fazzalari (1989) que culminaram com teoria do processo como procedimento realizado em contraditório (GONÇALVES, 1992).
E Fazzalari além da teoria do processo como procedimento realizado em contraditório, chega às seguintes definições de provimento, procedimento, processo e interessados
{...} indicamos como “provimentos” os atos com os quais os órgãos do Estado (os órgãos que legislam, os que governam em sentido lato, os que fazem justiça, e assim por diante) emanam, cada um no âmbito da própria competência, disposições imperativas, e como “procedimento” a seqüência de atividades que procede o provimento, o prepara e é concluída com ele. {...} o provimento de um órgão do Estado constitui, justamente, a conclusão de um procedimento, o ato final do mesmo: no sentido que a lei não reconhece ao provimento validade e/ou eficácia, se ele não foi, entre outras coisas, precedido da série de atividade preparatórias pela própria lei estabelecida. {...} “processo” que é, exatamente, um procedimento ao qual, além do autor do ato final, participam, em contraditório os “interessados”, isto é, os destinatários dos efeitos de tal ato. (FAZZALARI, 2006, p. 32 e 33)
Ou nas palavras de Gonçalves ao se referir as definições de Fazzalari:
{...} provimentos como atos imperativos do Estado, emanados dos órgãos que exercem o poder, nas funções legislativa, administrativa ou judicial. O procedimento, como atividade preparatória do provimento, possui sua especifica estrutura constituída da seqüência de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de uma norma da sequencia é pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto. O provimento implica na conclusão de um procedimento, pois a lei não reconhece sua validade, se não é precedido das atividades preparatórias que ela estabelece. Mas o provimento pode ser visto como ato final do provimento não apenas porque este se esgota na preparação de seu advento. Pode ser concebido como parte do procedimento, como seu ato final, como o último ato de sua estrutura. {...} O processo começará a se caracterizar como uma “espécie” do “gênero” procedimento, pela participação na atividade de preparação do provimento, dos “interessados”, juntamente com o autor do próprio provimento. Os interessados são aqueles em cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos, ou seja, o provimento interferirá, de alguma forma no patrimônio, no sentido de universum ius, dessas pessoas. (GONÇALVES, 1992, p. 111 e 112).
Acreditando ser por essas constatações feitas por Gonçalves, um dos expoentes da teoria constitucionalista do processo, acerca dos estudos de Fazzalari que segundo Leal (2001, p. 93) processo é entendido segundo a teoria constitucionalista como “instituição constitucionalizada apta a reger, em contraditório, ampla defesa e isonomia, o procedimento, como direito-garantia fundamental” (LEAL, 2001, p. 93).
Já a teoria neo-institucionalista afirma que o processo é a junção dos princípios do contraditório, isonomia, ampla defesa, dentre outros, “concebido como instituição regente e pressuposto de legitimidade de toda criação, transformação, postulação e reconhecimento de direitos pelos provimentos legiferantes, judiciais e administrativos (LEAL, 2001, p. 97) ao passo que o procedimento é “uma estrutura técnica de atos jurídicos praticados por sujeitos de direitos, que se configura pela seqüência obediente à conexão de normas preexistentes no ordenamento jurídico indicativos do modelo de procedimento” (LEAL, 2002, p. 181).
A importância de apresentar uma resposta às indagações inicialmente propostas é que precisamos das respostas a estas para tratar da relação tempo e processo e para responder se há diferença entre celeridade e efetividade e, havendo, quais são. Mas, sobretudo, o mais importante é saber, como toda e qualquer parte interessada ou afetada direta ou indiretamente pelo processo, seja ele judicial, legislativo ou administrativo, que:
O processo, como procedimento realizado em contraditório entre as partes, cumprirá sua finalidade garantindo a emanação de uma sentença participada. Os seus destinatários já não precisam recear pelas preferências ideológicas dos juízes, porque, participando do iter da formação do ato final, terão sua dignidade e sua liberdade reconhecidas e poderão compreender que um direito é assegurado, uma condenação é imposta, ou um pretenso direito é negado não em nome de quaisquer nomes, mas apenas em nome do Direito, construído pela própria sociedade ou que tenha sua existência por ela consentida. (GONÇALVES, 1992, p. 196 e 197).
Por tudo isso, é possível visualizar a grande contribuição de Fazzalari ao desenvolver sua teoria do processo como procedimento realizado em contraditório e de Gonçalves que permiti visualizar e agora responder às perguntas inicialmente propostas, afirmando que processo e procedimento se completam, mas não se tratam da mesma coisa, ou seja, são institutos diferentes de um mesmo sistema jurídico, institutos que se complementam, havendo, portanto, diferença entre processo e procedimento, sendo aquele direito-garantia assegurado constitucionalmente e este o conjunto de atos ordenados tecnicamente de forma a possibilitar o exercício daquele.
2.4 Tempo e processo
Cientes de que processo é um direito-garantia é possível ver que o tempo não possui relação com processo e não pode interferir neste, bem como não deve ser visto como um inimigo, já que “o tempo não pode ser responsabilizado pela demora na fruição do direito pelos litigantes em Juízo porque ele é um fenômeno da natureza, que simplesmente flui” (TAVARES, 2006, p. 217).
Ainda neste sentido, tecnicamente tem-se que o processo nunca poderá se mostrar moroso, mas sim o procedimento, estendido por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias à jurisdição, o qual diz que:
{...} não é o processo que se mostra moroso, mas é a atividade essencial e monopolizada do Estado denominada jurisdição, até porque, normalmente, as partes cumprem os prazos que lhe são impostos, a fim de lhes afastar a inexorável preclusão temporal, que é a perda do direito à pratica do ato processual pelo decurso do prazo. (DIAS, 2004, p. 157).
Assim, “obviamente, quando os órgãos jurisdicionais descumprem essas normas do ordenamento jurídico, o que é pratica ilícita corriqueira no Estado brasileiro, a jurisdição se apresenta morosa, intempestiva e ineficiente” (DIAS, 2004, p. 157).
Isso leva a afirmativa de que o tempo deve ser tratado somente em relação ao procedimento e, por conseguinte, que:
O que deve ser combatida é a demora exagerada ou excessivamente longa da atividade jurisdicional, a fim de que as partes recebam pronunciamento decisório conclusivo em prazo razoável, evitando-se dilações indevidas no processo (leia-se procedimento), resultantes dos períodos prolongados em que não são praticados atos no processo ou o são fora da previsão legal do tempo em que devem ser realizados, em desobediência aos prazos previstos no Código e impostos ao Estado, ao prestar o serviço público jurisdicional que monopoliza. (DIAS, 2007, p. 220).
Essas considerações permitem a conclusão de que processo é um direito-garantia e que o tempo não pode interferir no processo, pois não possui relação com este, mas sim com o procedimento; bem como que um dos maiores problemas da morosidade no procedimento é provocado pelo próprio Estado, que não aparelha o Sistema Judiciário e através de seus órgãos jurisdicionais que não cumprem os atos que lhes competem dentro do prazo que deveriam cumprir.
2.5 Celeridade e efetividade
A “Escola Paulista de Processo Civil”, além de não distinguir processo de procedimento utilizando o próprio sistema jurídico como critério (já que seu critério como visto é o contestado teleológico, finalista), também não faz distinção entre celeridade e efetividade, pois para os doutrinadores que seguem esta corrente este termo é sempre visto “numa concepção utilitarista, de resultado, de celebridade na fruição de direitos.” (TAVARES et al, 2008, p. 152).
Fernando Horta Tavares esclarece que para a teoria constitucionalista do processo, a celeridade, leia-se efetividade
{...} se liga ao cumprimento do princípio da legalidade e do respeito aos princípios da isonomia, da ampla defesa e do contraditório, sem quaisquer compreensões ou supressões de exercício destes direitos, pelos sujeitos do processo e com observância necessária pelo próprio Estado-Juiz e pelos auxiliares do Juízo. (TAVARES, 2010. p.114).
O que deixa claro que a efetividade, esta ligada ao processo, pois como visto, este é direito-garantia constitucional. Assim, efetividade ocorre em relação ao direito, ao processo, só este pode ser efetivo e, por isso, efetividade é implementar, assegurar e cumprir o direito-garantia. Lado outro, a celeridade está ligada ao procedimento, pois, também como vimos; só este aceita intervenções, tais como concentração ou redução de atos, desde que não afete o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, como forma de diminuir o prazo de duração do procedimento.
Um estudo da teoria da efetividade do processo – entendido como instituição constitucionalizada – supõe a implementação dos direitos fundamentais, o que quer dizer a eficácia jurídica, política, econômica e social dos conteúdos normativos da Constituição de 1988 e da infraconstitucionalidade a este atenta, sem os quais não se pode falar em vivência, tampouco em existência de vida digna e discurso democrático – este que pressupõe iguais condições de esclarecimento dos participantes de uma comunidade jurídica. (TAVARES et al, 2008, p. 160).
Assim, numa visão constitucionalista do processo:
O conceito de efetividade está intimamente relacionado à implementação de direitos fundamentais, o que se dá por meio de um processo que possibilite ampla argumentação em um espaço e tempo adequados a permitirem a construção participada da decisão final que ira afetar as partes, as quais deverão estar em condições ideais de manifestação, conforme as garantias constitucionais. O processo é um espaço que permite aos envolvidos o exercício da dialogicidade, construindo uma decisão legitima e racional. (TAVARES et al, 2008, p. 152).[6]
Por essas razões é possível afirmar que celeridade e efetividade processual não significam a mesma coisa numa visão constitucionalista. Segundo esta teoria a efetividade, esta ligada ao processo, por ser este direito-garantia constitucional. Assim, efetividade ocorre em relação ao direito, ao processo, só este pode ser efetivo e, por isso, efetividade é implementar, assegurar e cumprir o direito-garantia. Lado outro, a celeridade está ligada ao procedimento, pois, também como visto ate aqui; só este aceita intervenções, tais como concentração ou redução de atos, desde que não afete o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, como forma de diminuir o prazo de duração do procedimento.
2.6 Utilidade das decisões e legitimidade das decisões
A ânsia por celeridade como já dito e visto, tem sido a grande preocupação de parte dos doutrinadores em processo. Porém:
É a necessidade de legitimidade das decisões que deveria ser uma preocupação constante, não mais podendo tais decisões (judiciais) se prenderem a uma racionalidade instrumental, voltada para aspectos meramente de eficiência. Todavia, tal questão parece ter ficado em segundo plano nas continuações das propostas de reformas para a solução da ‘crise do Judiciário’, porque ela é interpretada como um risco de dissenso que deve ser eliminado a todo custo para que se possa restabelecer o primado da ‘segurança jurídica’ (aqui entendida como previsibilidade) (PEDRON. 2008).
Porém, como visto aqui, ao tratar do princípio da razoável duração do processo e a segurança jurídica, a discussão da celeridade vai refletir nas decisões. Aqui, não é possível compreender a segurança jurídica apenas como a estabilidade e a previsibilidade da lei como defende Canotilho (1995), pois é preciso acrescentar a esta, o devido processo legal para assegurar a legitimidade da lei e da decisão.
Por isso que Rosemiro Pereira Leal (2002) adverte que na concepção da “Escola Paulista de Processo” a legitimidade nas decisões judiciais não decorre da aplicação do princípio do devido processo legal, que se consubstancia na incidência dos princípios autocríticos-discursivos do contraditório, da ampla defesa e da isonomia na estrutura normativa procedimental.
Assim, extrai-se primeiramente, que é juridicamente inadmissível a possibilidade de decisão sem legitimidade em um Estado Democrático de Direito, ou seja, não é possível ter uma decisão útil sem que a mesma seja legítima, em que pese ser possível ter uma decisão legítima e que não seja útil, como pode ocorrer nos casos em que uma decisão é construída através do debate entre as partes, mas devido a mora na prestação jurisdicional, já não é mais tão útil a estas, como quando houve a formação da lide.
Por conseguinte, também não parece correto dizer que a legitimidade das decisões está na própria Lei, legitimada devido à representação democrática, pois esta não parece ser a mais correta definição para legitimação das decisões e a mais adequada para um Estado Democrático de Direito, já que nesse modelo de Estado a legitimidade das decisões mais adéqua parece ser aquela construída pela dialogicidade das partes, dentro do espaço procedimental do processo, em isonômica participação, assegurada pelo contraditório e ampla defesa e reconhecida na fundamentação das decisões, como registra Almeida:
A efetividade processual, no paradigma democrático, aproxima-se do conceito de legitimidade, ou seja, somente é possível quando os destinatários das normas se considerarem seus autores. São os destinatários da normatividade legislada que efetivam o ordenamento jurídico pela via procedimental do devido processo legal, mediante o qual se reconhecem autores das normas vigente e aplicáveis. Não há como operacionalizar a democracia pelos órgãos jurisdicional, legislativo e executivo por si mesmos, pois a democracia é um sistema aberto e nenhuma das esferas do Estado pode pressupô-la e/ou absolutizar valores como corretos e universais. Na razão (concepção) discursiva, a efetividade do processo se dá e se preserva pela regência do devido processo constitucional na atividade legiferante e jurisdicional. (ALMEIDA, 2004, p 89).
Bosque que vai além da idéia de Almeida, pois, ao invés de entender que há uma aproximação entre a efetividade processual no paradigma democrático e o conceito de legitimidade, compreende a efetividade do processo como ganho de legitimidade, afirma que esta:
{...} interliga-se de maneira indissociável aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, de forma que se propicie a geração de uma decisão jurisdicional democrática, podendo-se observar, assim, uma confluência entre a teoria discursiva do direito e da democracia de Habermas e a principiologia da processualidade democrática. (BOSQUE, 2009, p. 82).
Essas constatações fazem com que seja necessário concordar com Gomes e Souza, pois:
{...} percebe-se que o conceito de ‘efetividade do processo’, tal como vem sendo divulgado pela maioria dos juristas brasileiros, não tem como fundamento o ganho de legitimidade nas decisões judiciais, mas sim o ganho de utilidade dessas decisões, que está voltado para o alcance de escopos metajurídicos (da jurisdição e do processo). (GOMES; SOUSA, 2008, p. 74).
Essas constatações também reafirmar que o ideal é obter uma prestação jurisdicional materializada em uma decisão equilibradamente útil e legítima, mas nunca sem legitimidade, pois esta é, ao nosso entender, necessária para conferir validade e segurança jurídica à decisão.
3 A ANÁLISE DA CELERIDADE E DA EFETIVIDADE PROCESSUAL NO PROJETO DE LEI DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Como já dito neste trabalho, o Código de Processo Brasileiro, desde sua entrada em vigor em 11 de janeiro do ano de 1973, vem passando por várias reformas, a maioria com o objetivo de atribuir maior celeridade ao processo (procedimento) e, com isso, responder ao clamor da sociedade de uma “justiça mais célere”, mas como mesmo após todas as reformas processuais a voz que clama[7] por celeridade ainda insiste em ecoar (SENADO FEDERAL, 2010), foi formada uma comissão para elaborar o Anteprojeto de Lei do Novo Código de Processo Civil.
Essa comissão realizou algumas reuniões e audiências públicas e elaborou em tempo, por muitos, questionado, por ter sido tão rápido, o Anteprojeto, já convertido em Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, deixando evidente que o seu objetivo principal foi o de atribuir maior celeridade ao processo, respondendo ao clamor da sociedade, em que pese como já vimos: só haver relação de tempo com o procedimento e não com o processo que é direito-garantia constitucionalmente assegurado.
Segundo o presidente desta comissão, o hoje, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, ao explanar sobre o anteprojeto na segunda reunião promovida pela Comissão Temporária destinada a examinar o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, o processo só é moroso porque ele (processo) não pode ser criado pelas idéias que passam na cabeça de um Juiz, para quem ainda, o problema da morosidade não se encontra na estrutura. (FUX, 2009).
Porém, pensar apenas em atribuir celeridade ao processo, como forma de dar uma resposta a sociedade, além de ser incorreto tecnicamente como visto, pois só é possível falar em celeridade ao procedimento;
Sem o apoio em dados cientificamente pesquisados e analisados, a reforma legislativa dos procedimentos é pura inutilidade, que só serve para frustrar, ainda mais, os anseios da sociedade por uma profunda e inadiável modernização da Justiça. Sem estatística idônea, qualquer movimento reformista perde-se no empirismo e no desperdício de energias por resultados aleatórios e decepcionantes. (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 70).
Além disso, é um sério risco ao devido processo legal, pois pode ser, para alguns, fundamento para haver supressão ou mitigação das garantias constitucionais da ampla defesa, contraditório, isonomia, fundamentação das decisões, dentre outras.
Para Humberto Theodoro Junior (2005, p. 70) além da sua proposta de realização de uma pesquisa antes de se propor qualquer reforma, concomitantemente à reforma ou logo após a sua implementação, deve haver um trabalho por nós entendido como de aperfeiçoamento ou treinamento com os agentes que irão operacionalizar as normas que foram reformadas, para que estas não sejam inoperalizadas.
Não se pode deixar de levar em consideração ainda, a constatação feita por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias de que:
Os órgãos jurisdicionais do Estado brasileiro é que sistematicamente e ilicitamente, não cumprem os prazos que o ordenamento jurídico lhes determina para a pratica dos atos jurisdicionais nos processos, sem que nada aconteça aos agentes públicos julgadores infratores. (DIAS. 2004, p. 157).
Em que pese já haver no atual Código Processo Civil em seu artigo 133, (BRASIL, 2008, p. 619) e de ser mantido este dispositivo no Projeto do Novo Código de Processo Civil, na norma do artigo 123, a possibilidade de o Juiz responder e até ter de indenizar por perdas e danos, quando “recusar, omitir ou retardar sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte” em 10 (dez) dias, conforme disposto no inciso II e parágrafo único deste mesmo artigo. (SENADO FEDERAL, 2010).
Assim, pode-se admitir no Novo Código de Processo Civil Brasileiro ou em qualquer reforma processual “a sumarização do procedimento, mas não da cognição” (TAVARES et al, 2008, p. 155), pois:
Na sumarização do procedimento, ao contrario da sumarização da cognição, direitos e garantias fundamentais são (ou, ao menos devem ser) respeitados. Não há, nessa hipótese, a sobreposição da celeridade do processo sobre o contraditório. (TAVARES et al, 2008, p.155).
Porém, não é o que se vê em algumas reformas como a ocorrida por meio da Lei nº 11.277/06 que inseriu a norma do artigo 285-A, (BRASIL, 2008, p. 637) que possibilita ao Juiz proferir sentença totalmente improcedente sem que tenha formado o devido processo legal, vez que não foi oportunizado o contraditório, como também entendem José Miguel Garcia Medina; Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier:
{...} a regulamentação infraconstitucional da Emenda Constitucional n. 45 e a conseqüente reforma do CPC têm sido palco de diversas iniciativas, algumas já transformadas em lei, evidentemente desprovidas de maior cuidado com o respeito à Constituição Federal. Veja-se, por exemplo, a infeliz regra do art. 285-A do CPC, que, a pretexto de permitir julgamento mais célere de processos ditos repetitivos, afasta irremediavelmente o princípio do contraditório. (MEDINA; WAMBIER, Alvim e WAMBIER, Rodrigues, 2006).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2008), também defendem a inconstitucionalidade da citada norma, mas não por ferir só o contraditório, mas também a isonomia, o devido processo legal, o direito de ação, a ampla defesa e o princípio dispositivo, por entenderem que além de outros fundamentos, o autor tem o direito de ver efetivada a citação do réu.
A ofensa a isonomia nesta norma, se dá, segundo Alexandre Freitas Câmara devido:
{...} o fato de haver a possibilidade de se ter juízos em que atuam magistrados com entendimentos diferentes acerca da mesma matéria fará com que para alguns essa regra seja aplicada e para outros, não, ainda que estejam em situações jurídicas substancialmente iguais. (CÂMARA, 2008, p. 341).
E a ofensa ao contraditório nesta norma, se dá, pois, como diz Nelson Nery Junior:
Em razão da incidência da garantia do contraditório, é defeso ao julgador encurtar, diminuir, o direito de o litigante exteriorizar a sua manifestação nos autos do processo. Em outras palavras, não se pode economizar, minimizar a participação do litigante no processo, por que isso contraria o comando emergente da norma comentada. (NERY JUNIOR, 2009, p. 207).
É devido a esta aparente supressão de princípios constitucionais que formam o devido processo legal, que nos parece acontecer tal como na norma do atual artigo 285-A, do Código de Processo Civil, em alguns dispositivos no Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, como com a norma do artigo 307, segundo a qual:
Art. 307. O juiz julgará liminarmente improcedente o pedido que se fundamente em matéria exclusivamente de direito, independentemente da citação do réu, se este:
I - contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência a decadência ou a prescrição.
§ 2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença. (SENADO FEDERAL, 2010).
Trazendo, portanto muita similaridade com a norma daquele artigo existente no atual Código de Processo Civil Brasileiro, não guardando nexo com o disposto no caput da norma do artigo 10, do próprio Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício. (SENADO FEDERAL, 2010).
Isto, mesmo havendo o parágrafo único deste artigo que ressalva as hipóteses do artigo 307, pois a própria ressalva do parágrafo único já é incompatível, pois não se poderia prever em um devido processo legal qualquer hipótese de julgamento do feito, sem antes ser dada a oportunidade de todas as partes se manifestarem.
Mas não é o que nos parece, em princípio, ocorrer ao proporem no Projeto do Novo Código de Processo Civil a concentração de incidentes em um só procedimento como: preliminares (impugnação à justiça gratuita; impugnação ao valor da causa; exceção de competência); de medidas cautelares e medidas de urgência; extinguindo o procedimento cautelar; regulamentando o procedimento eletrônico (SENADO FEDERAL, 2010), dentre outras medidas reformistas.
Outra reforma que modifica a técnica (procedimento), pretendida por parte da doutrina, almejando uma maior celeridade deste, sem aparente ofensa ao devido processo legal é a retirada do efeito suspensivo do recurso de apelação como regra, mas possibilitando sua aplicação como exceção (SENADO FEDERAL, 2010), que em princípio, nos parece, irá trazer um ganho de tempo na tramitação do procedimento, já que podendo a parte inicialmente vencedora utilizar de meios para operacionalizar o cumprimento provisório da sentença, tende, caso a decisão seja posteriormente confirmada e transitada em julgado, haver o ganho do prazo que levar com a tramitação dos recursos que visem à reforma da decisão de primeira instância.
Um dos defensores desta reforma é Frederico Augusto Leopoldino Koehler, para quem:
{...} a questão dos efeitos dos recursos tem íntima conexão com o problema da efetividade das decisões. A pergunta que cabe ser feita é: o que merece maior proteção: a decisão recorrida ou o inconformismo da parte sucumbente? Ou, formulando em outras palavras, cabe perquirir qual dos litigantes é merecedor da proteção legal: o vencedor ou o vencido. Portanto, impor o efeitos suspensivo como regra nas apelações é o mesmo que privar a sentença de qualquer eficácia, conferindo prevalência absoluta ao inconformismo do litigante derrotado na primeira instância, em detrimento da proteção ao direito da parte beneficiada pela sentença. (KOEHLER, 2009, p. 201 e 202).
Com a idéia de efetividade processual e garantia da aplicação do devido processo legal, foi amplamente debatido nas audiências públicas, mas não teve implementado no Projeto de Lei do Novo código de Processo Civil a sugestão de por fim à possibilidade de haverem prazos diferenciados em função da parte, como acontece em relação a Fazenda Pública, por exemplo.
Assim, compreendemos que o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil apresenta algumas medidas que nos parecem visar uma celeridade procedimental sem afetar a efetividade do processo, porém apresenta outras que nos parecem visar uma celeridade procedimental, mas com clara ofensa a efetividade processual, ao devido processo legal, a segurança jurídica, a legitimidade das decisões, isto pois, nossas análises se restringem a discussão teórica, já que não tendo sido a norma implementada, não temos como analisá-la sob o aspecto prático.
Sobre as reformas no ordenamento jurídico processual que estão sendo apresentadas com o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, a única conclusão que nos é permitido chegar é a já alcançada por Bosque, qual seja:
O entrelaçamento entre função jurisdicional eficiente e técnica racional de aplicabilidade do direito, consentânea com comandos do Devido Processo Constitucional, é que permitirá imprimir ao princípio da razoável duração do processo a efetividade que dele se espera. (BOSQUE, 2009, p. 84).
Isto, pois, como o Projeto de Lei ainda não teve aprovação final, por conseguinte, como ainda não se tornou lei, tampouco entrou em vigor, ainda é possível haverem alterações no texto do Projeto, sendo, portanto, muito cedo para emitir qualquer opinião ou conclusão que dependa da aplicação do Novo Código de Processo Civil.
3.1 O direito comparado e a construção do Projeto do Novo Código de Processo Civil
Algumas das reformas inseridas no Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, como as que se refere à tentativa de atribuir ao processo (procedimento), maior celeridade, foram buscadas no direito comparado, em especial, no direito processual de países como Alemanha, Itália, Espanha, França, Portugal e Argentina.
E é a Itália um dos maiores referenciais das reformas brasileiras de processo, em especial as que visam atribuir maior celeridade ao procedimento, já que lá também se sofreu com o clamor da sociedade por celeridade (HOFFMAN, 2010). Na Itália, assim como aqui no Brasil, há na Constituição a previsão de que o processo deve ter uma razoável duração.
Artigo 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge.
Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le part, in condizione di paritá, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata. (HOFFMAN. 2010).
Porém, segundo Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini, a doutrina italiana entendia mesmo antes de ter sido inserida a expressão “razoável duração” no texto constitucional através do anteriormente citado artigo 111, que “a Constituição italiana, em seu artigo 24, parágrafo 1º, reconhecia a cada um, além do direito de ação, o direito a agilidade (speditezza) da Justiça” (ZANFERDINI, 2007, p. 38).
Em decorrência da normatização do princípio da razoável duração do processo na Constituição Italiana, bem como por ter se tornado signatário da Convenção européia dos Direitos do Homem foi elaborada e promulgada a Lei conhecida como “Lei Pinto” que altera o artigo 375 do Código de Processo Civil Italiano.
Ao adotar o incidente de resolução de demandas repetitivas, por exemplo, a Comissão de Juristas foi buscar inspiração no direito alemão;
{...} na experiência alemã, que eles têm um incidente denominado Musterverfahren, que é uma “causa-piloto”, é possível eleger-se um grupo de “causas-piloto”, e essas causas, que representam um verdadeiro leading case, elas vão ser submetidas à apreciação do tribunal. Uma vez fixada a tese jurídica, e todas as causas ficam paradas ou no âmbito local, se for julgado pelo tribunal local, ou em todo o território nacional, se for julgado pelo STJ, ou pelo Supremo Tribunal Federal, afirmada a tese jurídica, aquela tese jurídica se incorpora a todas as ações e cada um, individualmente, vai perquirir, em juízo, os seus interesses. Quer dizer, nós não evitamos que todos os cidadãos possam ingressar em juízo, mas nós conseguimos consagrar a regra de que todos são iguais perante a lei e todos iguais perante a Justiça, e também essa é uma questão de segurança jurídica, que é algo prometido pela Constituição Federal. (FUX, 2009).
Mas conforme relata o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), presidente da Comissão de Juristas, Luiz Fux, o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil Brasileiro busca maior inspiração “exatamente no modelo do Projeto Florença, o modelo do nosso anteprojeto do Código de Processo Civil” (FUX, 2009).
O ordenamento jurídico Italiano e Brasileiro, como já dito, não são os únicos a tratarem do princípio da razoável duração do processo, segundo Zanferdini:
O código de Processo Civil Lusitano contempla, em seu artigo 2º, ao tratar do acesso aos Tribunais, o direito de obter, em prazo razoável, a decisão judicial. In verbis: “A proteção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”. (ZANFERDINI, 2007, p. 44).
Há também, mais próximo do Brasil, o ordenamento jurídico da Argentina, no qual, Jorge W. Peyrano (2004, p. 14) fala haver uma “jurisdicción oportuna” uma jurisdição prestada em tempo oportuno, hábil, útil, para satisfazer de forma adequada as expectativas dos jurisdicionados (PEYRANO, 2002).
Importante ressaltar, que estas manifestações e recentes reformas processuais no Brasil, Itália, Espanha, França, Alemanha, Portugal e Argentina, dentre outros países que também passaram por recente reforma processual visando atribuir maior celeridade ao procedimento e, ou, maior efetividade processual, como já dito no início deste trabalho, não é assunto tão novo, pois sempre foi debatido doutrinariamente e sempre foi objeto de clamor social. Podemos obter a percepção desta longevidade de debates e reformas visando atribuir, principalmente maior celeridade ao procedimento, através dos estudos de Victor Friren Guillén (1953), segundo o qual em seus relatos, o Rei Juan 1º, na Espanha, em 1387 e os Reis Católicos em 1476, já faziam tentativas para abreviar o extenso procedimento ordinário.
Apesar de não ter sido implementada pelo Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, não podemos deixar de citar a tese de Michele Taruffo de passar os atos procedimentais de escrito para oral (ao menos a maioria dos atos), como forma de celeridade procedimental, concentrando atos em um espaço de tempo menor, sem que as partes tenham suprimido a sua dialogicidade, exercida pelo devido processo legal com a manutenção da garantia do contraditório, ampla defesa, isonomia, decisão fundamentada, dentre outros direitos-garantia que constituem esse devido processo legal, garantindo ainda, a legitimidade das decisões (TARUFFO. 2010).
Assim como para Taruffo, segundo Zanferdini:
Falar em oralidade, em processo oral em detrimento do escrito, não significa dizer que haverá absoluta consagração do ato de fala, não podendo nada ser escrito nos tramites processuais. Falar em oralidade significa tão-somente afirmar que deve haver uma concentração dos atos verbais, muito embora possam eles, ser vertidos em linguagem escrita, para fins de segurança ou documentação do quanto foi dito. (ZANFERDINI, 2007, p. 71).
Retomando aos estudos de Taruffo, este nos convida a fazer uma reflexão sobre efetividade, muito propícia ao presente trabalho e atual contexto histórico, já que se está em processo de elaboração de uma importante reforma do sistema processual civil brasileiro.
Taruffo apresenta duas definições de efetividade: “a) a simples resolução de conflitos” e a “b) uma resolução de conflitos por uma decisão justa”, sendo que ao optarmos pela opção “a” significa dizermos que o objetivo do processo é atingido pela conclusão da controvérsia entre os litigantes, não sendo o fundamento e a qualidade da decisão final o mais importante, podendo uma decisão errada ou ilegal pôr fim à disputa entre as partes; ao passo, que ao optarmos pela opção “b” significa dizermos que o objetivo do processo é pôr fim ao conflito, mas usando somente meios considerados justos, corretos, precisos e equânimes, que atribuem uma extrema relevância para o fundamento e a qualidade da decisão, vez que determinam a essência dos propósitos do processo, os quais poderiam ou não ser atingidos, mas, em todo caso, deveriam orientar e determinar o funcionamento dos mecanismos judiciais (TARUFFO, 2010).
Assim, se for aceita a definição “a”, nos parece ser coerente pensar que a eficiência deveria definir-se basicamente em termos de velocidade e custos reduzidos, ou seja: quanto mais rápida e barata for a solução do conflito, mais eficiente será o processo (TARUFFO, 2010). Dessa forma, poderíamos considerar o nosso atual Código de Processo Civil ineficiente, já que os processos (procedimentos) judiciais são morosos e caros e, por conseguinte, poderíamos pensar em distintas técnicas para solucionar conflitos de modo muito mais eficiente, sendo que, os métodos mais eficientes serão aqueles que maximizem as vantagens em termos de tempo e dinheiro (TARUFFO, 2010).
Por outro lado, se a opção for pela definição “b”, por um lado, também neste caso, são importantes o tempo e o dinheiro, necessários para se alcançar a solução do conflito e cujas perdas é prejudicial à eficiência de todo processo judicial; por outro lado, de mesma importância, está a qualidade e o fundamento da decisão final, que para ser equânime, deve ser fundamentada em uma apresentação adequada, completa e justa dos aspectos jurídicos das alegações das partes, bem como em uma resolução precisa, completa e possivelmente verdadeira sobre os fatos, extraída de uma justa avaliação e valoração das provas, fazendo com que um sistema judicial seja eficiente quando seu funcionamento for razoavelmente rápido e econômico, mas também quando se orientar estruturalmente para obter decisões informadas, precisas e responsáveis, baseadas em todos os fundamentos jurídicos pertinentes (TARUFFO, 2010).
De certo, ambas as idéias sobre o que é a eficiência são razoáveis e podem ser consideradas e podem ser contraditórias, já que um processo rápido e barato pode resultar em soluções incompletas ou incorretas e uma decisão justa pode exigir tempo, dinheiro (TARUFFO, 2010).
Portanto, provável é que, para se obter uma solução justa, não haja outra opção senão, a de se ter um equilíbrio entre estas duas idéias de equilíbrio mutuamente excludentes (TARUFFO, 2010). Nos parecendo que a grande questão seja encontrar este ponto de equilíbrio, possibilitando um ganho de celeridade procedimental, mas sem que haja ofensa ao devido processo legal.
Questão esta, que apesar de termos expressado aqui nossas primeiras impressões, com bases teóricas, não nos permite afirmar com precisão se está ou não sendo empregada no Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil.
4 CONCLUSÃO
Como visto no presente trabalho, a discussão sobre a celeridade processual, decorrente do clamor da sociedade por uma resposta mais célere aos seus conflitos, levados para apreciação e solução pelo Estado, através da jurisdição está em voga, dada relevância e contemporaneidade, não só aqui no Brasil, mas em vários outros países como Itália, Alemanha, França, Estados Unidos, dentre outros.
Com isso, o tema (celeridade/efetividade processual) passou a ser bastante debatido entre os processualistas e, por conseguinte, foram surgindo teses, que aprofundaram o tema, levantando outros questionamentos e propondo reformas processuais, das quais, algumas foram implementadas pelo legislador não só brasileiro, mas também de outros países, sendo que algumas das reformas feitas em ouros países serviram de referência para algumas das implementadas pelo legislador brasileiro.
Assim, as constatações feitas neste trabalho foram importantes para análise da celeridade e a efetividade processual no Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, permitindo afirmar e demonstrar que, assim como ocorreu em outras reformas processuais, o fundamento principal na atual elaboração do Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil brasileiro foi à busca pela celeridade processual, nos termos da teoria instrumentalista, tão objetivada pela sociedade.
Foi visto também que essa busca por uma indistinta e incorreta tecnicamente celeridade processual é um sério risco ao devido processo legal, pois pode ser para alguns, fundamento para haver supressão ou mitigação das garantias constitucionais da ampla defesa, contraditório, isonomia, fundamentação das decisões, dentre outras garantias constitucionais do processo.
Assim, foi possível constatar que o maior problema da morosidade procedimental é estrutural, organizacional, como já fizemos entender, bem como que antes de haver uma reforma processual o correto seria fazer uma pesquisa com dados científicos e concomitantemente à reforma ou logo após a sua implementação realizar um trabalho de aperfeiçoamento ou treinamento com os agentes que irão operacionalizar as normas que forem reformadas, para que estas não sejam operacionalizadas.
Ficou evidenciado no presente trabalho que a idéia de efetividade processual e garantia da aplicação do devido processo legal, foi amplamente debatido nas Audiências Públicas, mas, aparentemente, nos parece não ter sido implementada em algumas das reformas propostas no Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil que privilegiam a celeridade.
Da mesma forma, restou evidenciado que uma proposta bastante debatida e não implementada, foi a sugestão de por fim à possibilidade de haverem prazos diferenciados em função da parte, como acontece em relação a Fazenda Pública.
Compreendemos que o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil apresenta algumas medidas que aparentemente visam uma celeridade procedimental sem afetar a efetividade do processo como a concentração dos incidentes como preliminares, a extinção do “processo” (procedimento) cautelar, o fim do efeito suspensivo ao recurso de apelação como regra e a regulamentação do processo eletrônico, mas mantêm e apresenta outras que, também em principio, visam uma celeridade procedimental, mas com, ao nosso ver, clara ofensa a efetividade processual, ao devido processo legal, a segurança jurídica, a legitimidade das decisões.
Verificou-se na presente pesquisa que a Itália é um dos maiores referenciais das reformas brasileiras de processo, em especial as que visam atribuir maior celeridade ao procedimento, mas que outros países como França, Alemanha (que serviu de inspiração para o incidente de resolução de demandas repetitivas), Argentina, Portugal, Espanha e Estados Unidos, dentre outros, também tiveram certa contribuição, inclusive na elaboração do recente Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil,
Constatou-se aqui também, não ter sido implementada pelo Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, apesar de ter havido sugestões do gênero nas audiências públicas e reiteramos como uma forma alternativa e legitima de resolver ou minimizar o problema da morosidade procedimental; a proposta de adotar a tese de Michele Taruffo de passar os atos procedimentais de escrito para oral (não todos é claro, mas a maioria dos atos), como forma de celeridade procedimental, concentrando atos em um espaço de tempo menor, sem que as partes tenham suprimido a sua dialogicidade, exercida pelo devido processo legal com a manutenção da garantia do contraditório, ampla defesa, isonomia, decisão fundamentada, dentre outros direitos-garantia que constituem esse devido processo legal, garantindo ainda, a legitimidade das decisões.
Também foi visto com Michele Taruffo que a efetividade pode ser entendida como aquilo que se espera do processo: uma resposta rápida, ainda que sem a legitimidade assegurada por um devido processo legal ou, uma resposta legitimada por ter sido construída pela equânime participação das partes através de um devido processo legal, porém lenta, mas a conclusão que se chega é a de que o ideal é haver um equilíbrio entre o tempo para obtenção da prestação jurisdicional e a legitimidade da decisão assegurada pelo devido processo legal. Dessa forma, deve haver, também, um equilíbrio entre a celeridade e a efetividade, de forma a se tentar elaborar normas que resultem em um tempo menor de tramitação do procedimento ou até mesmo em diminuição do próprio procedimento, mas sem afetar a garantia ao devido processo legal, ou seja, sem afetar a ampla defesa, a isonomia e o contraditório.
REFERÊNCIAS
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[1] Entendido por Nery Junior como “princípio fundamental do processo civil”, para quem ainda, “{..} bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of Law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.” NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 60. Para Dias “O devido processo legal deve ser entendido como um bloco aglutinante e compacto de diversos direitos e garantias fundamentais e inafastáveis ostentados pelas partes litigantes contra o Estado, quais sejam: a) direito de amplo acesso à jurisdição, prestada dentro de um tempo útil ou lapso temporal razoável; b)garantia do juízo natural; c) garantia do contraditório; d) garantia da plenitude da defesa, com todos os meios e recursos a ela (defesa) inerentes, aí incluído, também, o direito da parte à presença do advogado ou do defensor público no processo; e) garantia da fundamentação racional das decisões jurisdicionais, com base no ordenamento jurídico vigente (reserva legal); garantia de um processo sem dilações indevidas.” DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. As reformas do Código de Processo Civil e o Processo Constitucional. In DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coords.). Processo civil reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 229.
[2] “O princípio da ampla defesa é coextenso aos do contraditório e isonomia, porque a amplitude da defesa se faz nos limites temporais do procedimento em contraditório.” LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 98.
[3] Segundo Aroldo Plínio Gonçalves “O contraditório é a garantia de participação em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os “interessados”, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor {...} O contraditório não é o “dizer” e o “contradizer” sobre matéria controvertida, não é a discussão que se trava no processo sobre a relação de direito material, não é a polêmica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes sobre o conteúdo do ato final. Essa será a sua matéria, o seu conteúdo possível. O contraditório é a igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei” GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro, 1992, p. 120 e 127. Para Gian Franco Ricci o contraditório é estrutura dialética do processo e por isso é por ele também compreendido como sinônimo de processo. RICCI, Gian Franco. Principi di direitto processuale generale. Torino: g. Giappichelli, 1995, p. 2. E para Leal “O princípio do contraditório é referente lógico jurídico do processo constitucionalizado, traduzindo, em seus conteúdos, a dialogicidade necessária entre interlocutores (partes) que se postam em defesa ou disputa de direitos alegados, podendo, até mesmo, exercer a liberdade de nada dizerem (silêncio), embora tendo direito-garantia de se manifestarem.” LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 97.
[4] “O princípio da isonomia é direito-garantia hoje constitucionalizado em vários países de feições democráticas. É referente lógico-jurídico indispensável do procedimento em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no Processo equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre partes, da estrutura procedimento, o dizer e contradizer, em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela distinção jurisdicional do economicamente igual ou desigual.” LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 98.
[5] “ou, simplesmente, “Escola Processual de São Paulo”, fundada por Enrico Tullio Libman, ao lado de juristas maiores, tais como Alfredo buzaid, Moacyr Amaral Santos, Bruno Afonso de André, Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Benvindo Aires e Celso Neves, além de outros” NETTO, Domingos Franciulli. Dez anos sem Frederico Marques. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/297/Dez_Anos_sem_Frederico.pdf?sequence=4>. Acesso em: 02 de março 2011. Na atualidade, destacam-se como seguidores desta escola Cintra; Dinamarco, Grinover (2007).
[6] Por isso e por estarmos analisando o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, ressaltamos aqui a mensagem passada por José Anchieta da Silva na primeira Audiência Pública realizada em 26 de fevereiro de 2010 na cidade de Belo Horizonte – MG para que se sirva de reflexão para nós também: “É preciso, Sr. Presidente, que se compreenda que a celeridade é um valor, mas a celeridade não é e não pode ser um valor absoluto, um valor que se sobrepõe ao valor da celeridade é o da segurança jurídica. Por esta razão e por esta causa nós não desejamos outra coisa senão um processo civil constitucional”, SILVA, José Anchieta da. Exposição. In: NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Ata da 1ª Audiência Pública Realizada em 26 de fevereiro de 2010. Disponível em acesso em 01 de setembro de 2010.
[7] O temo “a voz que clama” refere-se à sociedade.
Mestrando em Disciplina Isolada de Direito Processual pela PUC Minas. Especialista em Direito Processual Aplicado pelo IEC. Advogado militante. Professor Assistente da PUC/Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Rubens José dos. Uma análise da celeridade e da efetividade no Projeto de Lei do Senado 166/2010 segundo a Teoria Constitucionalista do Processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2012, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29954/uma-analise-da-celeridade-e-da-efetividade-no-projeto-de-lei-do-senado-166-2010-segundo-a-teoria-constitucionalista-do-processo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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