O presente artigo busca fazer a diferenciação entre o delito de infanticídio, e os crimes de aborto e homicídio, em ambos os crimes a ação nuclear é o verbo matar, mas veremos que cada um tem circunstâncias e elementares diferenciadoras.
1 Infanticídio
O Código Penal vigente traz o infanticídio descrito no seu artigo 123, como sendo: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.[1]
Com essa redação podem ser tirados dois conceitos básicos para que se compreenda melhor o crime de infanticídio. O primeiro deles é o ato de matar, que pode ser definido como tirar a vida de alguém. O segundo que deve ser compreendido é a influência do estado puerperal, o que caracteriza o crime de infanticídio.[2]
Nosso Código Penal, que adota o critério fisiopsicológico, que considera fundamental a perturbação psíquica que o estado puerperal pode provocar na parturiente. É exatamente essa perturbação decorrente do puerpério que transforma a morte do próprio filho em um delictum exceptum, nas legislações que adotam o critério fisiopsicológico.[3]
2 Aborto e infanticídio
Aborto é a interrupção da gravidez com conseqüente morte do feto (produto da concepção). Consiste na eliminação da vida intrauterina. A lei não faz distinção entre o óvulo fecundado (3 primeiras semanas de gestação), embrião (3 primeiros meses) ou feto(a partir dos 3 meses), pois qualquer fase da gravidez estará configurado o delito de aborto, quer dizer, entre a concepção e o inicio do parto. [4]
A principal característica do infanticídio é que nele o feto é morto enquanto nasce ou logo após o nascimento. O aborto, ao contrário, somente se tipificará se o feto morto antes de iniciado o trabalho do parto haja ou não a expulsão. [5]
Antes de iniciado o parto existe aborto e não infanticídio. É necessário precisar em que momento tem início o parto, uma vez que o fato se classifica como um ou outro crime de acordo com a ocasião da prática delituosa: antes do início do parto existe aborto; a partir do seu início, infanticídio. [6]
Damásio, explica que o parto se inicia com a dilatação, em que se apresentam as circunstâncias caracterizadoras das dores e da dilatação do colo do útero. Após, vem à fase de expulsão, em que o nascente é impelido para a parte externa do útero. Por último, há a expulsão da placenta. Com a expulsão desta, o parto está terminado. [7]
Magalhães Noronha entende que o parto cessa após a expulsão da placenta, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical. [8]
Para se caracterizar o crime de aborto, não se faz necessária à expulsão do feto. Sendo, portanto, o crime de aborto praticável em qualquer período da gestação, ao contrário do infanticídio, que assim é qualificado por ter ocorrido durante o estado puerperal sob influência de determinadas circunstâncias, assunto que merecerá maior consideração no decorrer do trabalho.[9]
3 Homicídio e infanticídio
Se pusermos em confronto e cotejo as figuras típicas que inscrevem os crimes de infanticídio (art. 123) e homicídio qualificado(art. 121, §4º), ou mesmo simples (art. 121, caput), facilmente perceberemos, pela comparação procedida, a extrema brandura ou benignidade que conferiu o diploma penal ao tratamento jurídico da primeira figura, cominando-lhe sensivelmente mais amena e mitigada, na qualidade e quantidade, do que a infligida às outras figuras delituosas.[10]
No homicídio via de regra, o sujeito ativo elimina a vida de um rival ou desafeto, ou mesmo de pessoa que até então lhe era estranha e desconhecida, pelos mais variados motivos. Já no infanticídio, é a própria mãe, contrariando os impulsos da natureza, olvidando e desdenhando qualquer sentimento de ternura, desvelo, afeto e proteção que deveria nutrir pelo ser que gerou em suas entranhas, quem o elimina, dirigindo o ódio contra ser indefeso, frágil e desprotegido, carne de sua carne, sangue do seu sangue.[11]
Como figura típica derivada do homicídio, contém o tipo legal do infanticídio todas as características daquele, com a adição de outros caracteres, chamados elementos especializantes, que lhe deram a natureza privilegiada, a característica de delictum exceptum.[12]
Durante o parto compreende o período no qual, com a dilatação do colo do útero e rompimento da bolsa amniótica, principia o processo de expulsão do produto da concepção das entranhas maternas, estendendo-se até aquele em que ele e seus anexos são expelidos do corpo que o abrigava. [13]
Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente, durante o parto, ou do infante nascido, logo após, sob influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio. [14]
Interessante ressaltar-se, que o interstício temporal demarcado pelo tipo, o que deve verificar-se é a conduta criminosa, e não também necessariamente o resultado. Este, ainda que provenha algum tempo depois, desde que a conseqüente à ação (nexo de causalidade), não descartará o encarte típico do delito. [15]
Se a mulher vem a matar outro infante nascido, supondo tratar-se do próprio filho, sob influência do estado puerperal, logo após o parto, responderá por infanticídio (infanticídio putativo); se o morto for adulto, responderá ela por homicídio. [16]
Sendo o infanticídio tipo especial em relação ao homicídio, figura que lhe é subsidiária, não se encontrando a parturiente sob influência do estado puerperal ao matar o próprio filho, homicídio será o crime realizado.[17]
Importante salientar, que conforme entendimento de Damásio de Jesus, não se admite a forma culposa de infanticídio. Assim, se a mãe matar o próprio filho, sob influência do estado puerperal, de forma culposa, ficará impune, mercê a ausência de dolo, direto ou eventual. [18]
O simples fato de demorar o recém-nascido para morrer não descaracteriza, por si só, o delito de infanticídio. Quando a mãe expõe ou abandona o recém-nascido, para ocultar desonra própria, estando ou não sob a influência do estado puerperal, ocorre o crime de exposição ou abandono de recém-nascido, qualificado quando resultar lesão corporal de natureza grave ou morte. [19]
Se a criança nasce morta e a mãe executa atos de matar: crime impossível. Não cabem as agravantes do CP Art. 61, II, e (contra descendente) e h (contra criança); já integram o tipo penal. [20]
Após o parto, a morte dada ao feto caracteriza o crime de homicídio. Daí a importância de se precisar o momento do início do parto. O parto pode ser conceituado como o conjunto de processos fisiológicos, mecânicos e psicológicos através dos quais o feto separa-se do organismo materno. Seu início é marcado pelo período de dilatação do colo do útero e seu término pela completa separação da criança do organismo materno, com a expulsão da placenta e o corte do cordão umbilical. [1]
Do ponto de vista médico-legal o parto termina com o completo desprendimento fetal, mesmo que o recém-nascido ainda permaneça ligado à placenta pelo cordão umbilical. [21]
Genival Veloso França, explica ainda que entende-se por logo após o parto, imediatamente depois do parto. Tendo um sentido mais psicológico que propriamente cronológico. Compreende-se que seja o período que vai desde a expulsão do feto e seus anexos até os primeiros cuidados com o infante nascido. Se uma mãe tem o filho, veste-lhe roupa, alimenta-o e depois o mata, esse intervalo lúcido, entende a doutrina que descaracteriza o infanticídio e configura o homicídio. Por outro lado, se a mulher logo após o parto perde os sentidos e os recobra horas depois, e ao ver o filho mata-o, não há como deixar de considerar nesse exemplo a justificativa legal do infanticídio. Assim, o “logo após” é um estado e não um tempo definido. [22]
Assim, a principal diferença entre o infanticídio e o aborto, é que no primeiro o feto é morto enquanto nasce ou logo após o nascimento. No aborto, ao contrário, somente se tipificará se o feto morto antes de iniciado o trabalho do parto haja ou não a expulsão. E o homicídio a morte do feto se dá após o parto.
[1] Código Penal Brasileiro, art. 123 “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”
[2] RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes. São Paulo: Editora Pillares, 2004, p.29.
[3] RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes. São Paulo: Editora Pillares, 2004, pg.92
[4] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. pg. 110
[5] FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio, 1ª edição, 1972, p. 135.
[6] JESUS, Damásio E. Direito penal: parte especial. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. pg.107.
[7] JESUS, Damásio E. Direito penal: parte especial. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p.107.
[8] NORONHA, Magalhães E. Direito penal: Volume 2. 25. ed. São Paulo: Editora Saraiva,1991, p. 44.
[9] RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes. São Paulo: Editora Pillares, 2004, p. 104
[10] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 233.
[11] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 233.
[12] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 234.
[13] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 241.
[14] CROCE, D.; JUNIOR, D. C. Manual de medicina legal. 4.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.pg.469
[15] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p.241.
[16] CROCE, D.; JUNIOR, D. C. Manual de medicina legal. 4.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.pg.469
[17] PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 241.
[18] JESUS, Damásio E. Direito penal: parte especial. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. pg.109
[19] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2/ 19.ed. SÃO PAULO: ATLAS, 2002.pg. 61
[20] SMANIO, Gianpaolo Poggio. Direito Penal: parte especial. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2000.pg. 31
[21] BENFICA, Francisco. Medicina Legal para o estudante de direito. 1992
[22] FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 2001.pg. 262
Advogada, formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul/RS
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Jacqueline Schmitt. Diferenciações jurídicas entre o delito de infanticídio, e os crimes de aborto e homicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2012, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30184/diferenciacoes-juridicas-entre-o-delito-de-infanticidio-e-os-crimes-de-aborto-e-homicidio. Acesso em: 22 nov 2024.
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