RESUMO: Uma das primeiras formas de punir os criminosos na antiguidade: uma vingança privada, ilimitada e desproporcional, marcada pela irracionalidade, pois, só depois de mortos é que os indivíduos tinha sua “dívida” paga para com a sociedade.
1 Introdução
Trata-se de consulta formulada pelo Ministro da Justiça, acerca do caso dos denunciantes invejosos, este se refere à pessoa que denunciavam outras por motivos pessoais ou porque compactuavam com o regime ditatorial vigente na época, tais denuncias se referiam a críticas ao governo em discussões particulares, a escuta de estações de rádio estrangeiras, o relacionamento com notório vândalos, o armazenamento de saquinho de ovos em quantidade maior do que a autorizada, a omissão de informar a perda de documentos de identidade no prazo de cinco dias, entre outros. Informa ainda o consulente que a legislação vigente previa a pena de morte para qualquer dessas infrações, na atual situação a população clama por uma resposta do poder público e conseguinte pela condenação de todos os denunciantes invejosos.
2 A forma de pensar das comunidades
Passo a opinar, desde a origem da sociedade, nas comunidades primitivas, já havia as penas, que eram aplicadas aos indivíduos que iam de encontro aos princípios e bons costumes daquela comunidade.
E, a pena, em sua origem, nada mais era do que uma forma que a sociedade encontrou para sua autodefesa. Pois, na antiguidade, por ainda não haver um Estado constituído, capaz de regular as relações em sociedade, era através delas que os indivíduos encontravam um instrumento para se defenderem e preservar a integridade dos mesmos.
Assim, era, portanto, uma das primeiras formas de punir os criminosos na antiguidade: uma vingança privada, ilimitada e desproporcional, marcada pela irracionalidade, pois, só depois de mortos é que os indivíduos tinha sua “dívida” paga para com a sociedade.
Porém, essa forma de punição, baseada simplesmente no sentimento de vingar o mal causado sem a devida proporção, acabou enfraquecendo no curso da história. A sociedade começou a achar aquela forma de punição repugnante, desprezível. E, visando um maior controle sobre as punições, surgiram novas formas de punir, a aplicar o castigo condizente ao delito cometido, surgindo, assim, a idéia de pena como retribuição ao mal causado, como versa Michel Foucault, “o suplício tornou-se rapidamente intolerável, revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso de sede de vingança e o cruel prazer de punir” (FOUCAULT, 2008, p.45).
E, foi nesse diapasão de evolução, baseado na proporcionalidade do delito e o mal causado, que surgiu a pena privativa de liberdade, já ligada à vingança pública, ao passo que o Estado é responsável por cominar aos indivíduos suas respectivas punições e não mais feita como antigamente. O Estado, como detentor do poder soberano, através da “vigília” que recai sobre seus súditos, possui também o jus puniendi, ou seja, o direito de punir, como forma de corrigir a sociedade, comina aos delinquentes punições, afim de prevenir a criminalidade, como forma de auto-defesa.
Sem sombra de dúvidas, é notória a evolução que sofreu o sistema de penalidades, no decorrer da história da sociedade. Princípios foram constituídos, ideias e dogmas foram mudados e novas experiências foram postas em prática. E hoje, nos deparamos com a privação da liberdade como principal meio pra proteger a sociedade de qualquer ofensa à sua integridade. É imprescindível lembrar que foi vedada do nosso sistema a tortura, o tratamento desumano e degradante, como versa a Carta Magna que rege o nosso Estado Democrático de Direito:
Art. 5º. “Todos são iguais perante a lei...”.
III- “Ninguém será submetido à tortura, tratamento desumano ou degradante” (CF, 1988. art.5).
Nessa perspectiva, no caso houve um total desrespeito à imagem do indivíduo, e até aos princípios que norteiam nosso sistema, como: a presunção da inocência, devido processo legal e o da dignidade da pessoa humana. Pois, quando praticada certa ação ou omissão delituosa, o indivíduo de imediato é condenado extrajudicialmente. Ou seja, antes mesmo de receber a sentença condenatória transitada e julgada pelo juiz competente, o sujeito já é condenado pela própria sociedade, isto é, ocorre um pré-julgamento.
De antemão, para que fiquem esclarecidos, os questionamentos levantados no caso dos denunciantes invejosos e que não restem quaisquer dúvidas que as atitudes de todos os envolvidos naquele regime ditatorial não se coadunam com os princípios que regem o Estado democrático de direito.
Aqui está a base do presente parecer, pois não basta modificar a legislação como se fosse resolver o problema num passe de mágica. A indignação pela impunidade faz com que o povo apoio a maior rigidez do sistema punitivo, contudo não podemos pensar que isso resolverá todos os problemas relativos aos crimes cometidos num regime ditatorial.
3 A visão moderna do caso
Os anseios da sociedade por punição para quem cometeu o crime de denunciar por inveja não pode ser punido da mesma forma daqueles que eram os verdadeiros detentores do poder de punir. O que deve ser analisado é o crime, propriamente dito, e o discernimento que o criminoso possui, principalmente, no momento do crime.
Se analisarmos a atual realidade, o poder punitivo muitas vezes fica cargo da mídia que influência a população, e condenam mesmo antes de provas em contrário.
A verdade é que a tarefa do Direito é acompanhar a evolução social, de modo que não é concebível um meio de comunicação influenciar tão fortemente as opiniões dos populares que passam a fazer um julgamento antecipado, devido à grande influência dos meios de comunicação, como bem salientou Rosa e filho:
É não há dúvidas em se afirmar que uma das manifestações mais cruéis da violência simbólica exercida pela mídia é identificada no processo de “etiquetamento”, de rotulação e na criação de estereótipos criminosos, pois como ensina Pedrinho Guareschi “os que detêm a comunicação chegam até a definir os outros, definir determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis (...),Quem tem a palavra constrói identidades pessoais ou sociais” (ROSA E FILHO,2010,p.10)
No caso dos denunciantes invejosos não se ver o poder midiático entrando em ação, porém a pressão social influencia diretamente na decisão do ministro de justiça, e não deve ser diferente, já que o atual regime tem a democracia como base e o povo é personificação desta.
Os direitos do homem evoluíram perpassando os chamados direitos de primeira geração ou pela acepção de Capelleti, primeira onda, eles surgiram no século XVII e cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os direitos individuais, compreendidos como aqueles inerentes ao homem e que devem ser respeitados por todos os Estados, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.
Os direitos de segunda geração ou segunda onda para Capelleti constituem os chamados direitos sociais, econômicas e culturais. Nestes o estado passa a intervir para que a liberdade seja protegida mais amplamente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve), estes direitos constituem a visão de Estado da primeira metade do século passado.
Os direitos de terceira geração ou terceira onda trazem como base a solidariedade ou fraternidade, voltados para a proteção da coletividade. As constituições passam a tratar da preocupação com o meio ambiente, da conservação do patrimônio histórico e cultural, etc.
Para Beltrão, com base em vários autores, existem outras duas gerações de direitos:
Direitos de quarta geração: o defensor é o professor Paulo Bonavides, para quem seria resultado da globalização dos direitos fundamentais, de forma a universalizá-los institucionalmente, citando como exemplos o direito à democracia, a informação, ao comercio eletrônico entre os estados. Direitos de quinta geração: defendidos por apenas poucos autores para tentar justificar os avanços tecnológicos, como as questões básicas de cibernética ou da internet (BELTRÃO, 2006, p.03).
Após tentar demonstrar a evolução das punições, dissertar sucintamente sobre o poder da mídia e falar sobre a evolução dos direitos e garantias fundamentais é necessário trazer a tona a conclusão do presente.
4 Conclusão
Em fase do exposto, opino pela impossibilidade de punição dos denunciantes invejosos, já que eles não cometeram nenhum crime perante a legislação vigente durante aquele regime ditatorial nem mesmo é crime pelo atual ordenamento jurídico. Vale dizer que, o direito penal é regido pelo princípio da legalidade, sendo assim não há que se falar em punições para quem denuncia por inveja, pois não existe previsão legal desse tipo penal. Punir os denunciantes além de ferir a legalidade que rege o direito penal, também iria de encontro a vários direitos individuais resguardados pela Constituição da República, dentre aqueles chamados por Capelleti de direitos de primeira geração.
Capelleti, Mauro e Garth, Bryaut; O acesso à Justica. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris.1988, reimpressão 2002.
DIMOULIS, Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos: introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. Tradução: Lon L. Fuller. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2010.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete. 35.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
Bacharelando do curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Mayk Carvalho. Uma visão moderna do caso dos denunciantes invejosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 set 2012, 07:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30536/uma-visao-moderna-do-caso-dos-denunciantes-invejosos. Acesso em: 22 nov 2024.
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