RESUMO: Uma forma de punição, baseada simplesmente no sentimento de vingar o mal causado sem a devida proporção, acabou enfraquecendo no curso da historia. A sociedade começou a achar aquela forma de punição repugnante, desprezível. E, visando um maior controle sobre as punições, surgiram novas formas de punir, a aplicar o castigo condizente ao delito cometido, surgindo, assim, a idéia de pena como retribuição ao mal causado.
PALAVRAS-CHAVE: Punição; evolução social; retribuição; castigo.
1 Considerações Iniciais
Desde a origem da sociedade, nas comunidades primitivas, já haviam as penas, que eram aplicadas aos indivíduos que iam de encontro aos princípios e bons costumes daquela comunidade. E, a pena, em sua origem, nada mais era do que uma forma utilizada pela sociedade, como uma maneira de auto-defesa. Pois, na antiguidade, por ainda não haver um Estado constituído, capaz de regular as relações em sociedade, era através delas que os indivíduos encontravam um instrumento para se defenderem e preservar a integridade dos mesmos.
2 A visão no passado
No passado, as penas eram extremamente cruéis e, elas recaíam no corpo do condenado, sendo exibido ao publico como um espetáculo e humilhado perante aquela platéia ali presente. Eram os chamados suplícios, ou seja, castigos que ofendiam cruelmente a integridade física do condenado, levando-o a passar por um tratamento degradante. Uma tortura realizada, afim de inibir que os co-cidadãos praticassem delitos, como fez o condenado.
A exemplo de ilustração dos suplícios praticados, faz-se notória trazer a tona um caso explicitado por Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir:
[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757] a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras;[seguida] na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que ali será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes que serão atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, pinche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzindo a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento¨ ( FOUCAULT,2008,p.9).
Assim, era, portanto, uma das primeiras formas de punir os criminosos na antiguidade: uma vingança privada, ilimitada e desproporcional, marcada pela irracionalidade, pois, só depois de mortos é que os indivíduos tinha sua ¨divida¨ paga para com a sociedade.
Porém, essa forma de punição, baseada simplesmente no sentimento de vingar o mal causado sem a devida proporção, acabou enfraquecendo no curso da historia. A sociedade começou a achar aquela forma de punição repugnante, desprezível. E, visando um maior controle sobre as punições, surgiram novas formas de punir, a aplicar o castigo condizente ao delito cometido, surgindo, assim, a idéia de pena como retribuição ao mal causado, como versa Michel Foucault, ¨o suplicio tornou-se rapidamente intolerável, revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso de sede de vingança e o cruel prazer de punir¨ (FOUCAULT,2008,p.45).
E, foi nesse diapasão de evolução, baseado na proporcionalidade do delito e o mal causado , que surgiu a pena privativa de liberdade, já ligada a vingança publica, ao passo que o Estado é responsável por cominar aos indivíduos suas respectivas punições e não mais feira como antigamente. Surgiu, nesse contexto, a idéia de ressocialização do delinquente, ao tentar reinserí-lo na sociedade.
O Estado, como detentor do poder soberano, através da ¨vigília¨ que recai sobre seus súditos, possui também o jus puniendi, ou seja, o direito de punir, como forma de corrigir a sociedade, comina aos delinqüentes punições, afim de prevenir a criminalidade, como forma de auto-defesa. Onde vê-se a perfeita relação entre o Vigiar e Punir.
3 A modo atual de ver a prisão
E, foi nesse contexto de evolução, que a prisão tornou-se a pena principal do Estado. Foram criados, ao longo do tempo, recintos que serviam de lugar de custódia dos delinqüentes, ate chegar nas delegacias, presídios e semelhantes, direcionados a receber os indivíduos que vão de encontro ás leis, os princípios e bons costumes da sociedade. Mas, diante a realidade social vivida atualmente, esse sistema de punição (prisional) recebe varias criticas, que o banaliza e trai o sentimento de ressocialização do sistema. Ao passo que não serve como instrumento de ressocialização do individuo, atribui, também, aos delinqüentes um tratamento desumano e degradante, devido a precariedade do sistema, o que evidencia a total negligencia do Estado em não cumprir com seu dever de cuidar de forma humana seus detentos e não atender aos princípios que da ressocialização e reinserção dos indivíduos na sociedade a qual pertence.
Sem sombra de duvidas, é notória a evolução que sofreu o sistema de penalidades, no decorrer da historia da sociedade. Princípios foram constituídos, idéias e dogmas foram mudados, e novas experiências foram postas em pratica. E hoje, nos deparamos com a privação da liberdade como principal meio pra proteger a sociedade de qualquer ofensa à sua integridade. Os indivíduos que delinqüem, são postos em lugares de custodia, como forma de repreendê-los, afim de que ele passe nesses lugares de custodia o tempo necessário para serem reinseridos na sociedade e, viver harmonicamente com os demais cidadãos.
Hoje, o corpo do individuo é protegido dos suplícios praticados pelos demais. Foram vedados do nosso sistema a tortura, o tratamento desumano e degradante, como versa a Carta Magna que rege o nosso Estado Democrático de Direito:
Art. 5º. ¨ Todos são iguais perante a lei ... ¨.
III- Ninguém será submetido a tortura, tratamento desumano ou degradante¨(CF, 1988. art.5)
Nesta mesma linha Fábio Ramazzini Bechara aduz:
A disciplina constitucional da tortura, o trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, do terrorismo e crimes hediondos contempla um tratamento diferenciado e mais severo do que as demais infrações penais. Além do mais, é de ressaltar que a previsão desse tratamento mais rigoroso encontra-se disposta no rol dos direitos fundamentais (BECHARA,2010,p.1).
Diante da realidade que nos encontramos, percebe-se que ainda há o suplicio do condenado, não mais do seu corpo,como bem preleciona Gomes:
Através do discurso formal justificativo da necessidade da imposição da coação para a ordem social, por meio quase sempre violentos e descritos como “legítimos”, o poder se utiliza do direito para construir o conceito de autoridade e obediência e difundir a noção da devida intervenção por meio da força para conter conflitos e tensões sociais (GOMES,2008,p.78).
Nesse limiar, o condenado não sofre mais o suplicio por via de instrução penal, agora, por via de instrução social. Esse processo é conduzido pelos próprios cidadãos, ao aferirem aos delinqüentes uma imagem, que as vezes nem condiz com o agente. Nessa perspectiva, há um total desrespeito ao individuo, e até aos princípios que norteiam nosso sistema, como: a presunção da inocência, devido processo legal e o da dignidade da pessoa humana. Pois, quando praticada certa ação delituosa, o individuo de imediato é condenado extrajudicialmente. Ou seja, antes mesmo de receber a sentença condenatória transitada e julgada pelo juiz competente, o individuo já é condenado pela própria sociedade, isto é, por meio de um pré-julgamento. No mesmo liame, o individuo ao cumprir sua divida para com a sociedade num desses lugares de custodia, nunca mais será um individuo ¨normal¨ para essa mesma sociedade.
O Estado Democrático de Direito tem como principio ressocializar o individuo delinqüente, afim de reinseri-lo na sociedade. Mas, é certo que dificilmente esse individuo seja aceito como um individuo normal na sociedade a que pertencia.
Assim, o atual sistema não consegue ressocializar, nem tão pouco reinserir o individuo na sociedade, devido a precariedade e ineficiência do próprio sistema, além de não educar, os ¨não delinqüentes¨ não conseguem de forma alguma aceitar esse individuo normalmente na sociedade. E devido a negligencia e ineficiência do sistema, o delinqüente será pra sempre considerado um inimigo pra sociedade, o que evidencia a total impossibilidade de sua reinserção social, estando para sempre, condenado a viver a margem da sociedade.
Observa-se, portanto, diante do atual o sistema, que não só o Estado, mas também a sociedade, ambos possuem o jus puniendi, ao passo que a vigília lhes é concedida por convivência natural em sociedade, correlaciona-se com punição, ao conferir certas atribuições que não lhes é competente, à sociedade, tendo como conseqüência a marginalização e exclusão dos indivíduos, entrando em forte atrito com um dos princípios basilares que sustentam o Estado Democrático de Direito: o respeito para com o próximo – o principio da dignidade da pessoa humana. O respeito a esse principio é defendido por Roxin quando da formulação de sua teoria sobre o caráter retributivo da pena, citado de forma mastreal por Gomes:
As concepções da doutrina defendida por Roxin reclamam um direito penal de intervenção mínima, admitindo-se a retribuição, não como fundamento, mas como elemento da culpabilidade que implica, também, limite ao poder de punir do Estado, calcado na preservação geral e especial, está última norteada pela reinserção social, que deve respeitar a autonomia de vontade do homem protegida pelos preceitos constitucionais. (GOMES, 2008, p.53)
De antemão, para que fiquem esclarecidos todos os questionamentos levantados e não reste quaisquer duvidas, vale-se de suma importância chegar ao seguinte entendimento: Hoje não vê-se mais o suplicio do corpo, mas a total descaracterização do agente, enquanto ser humano e individuo social.
4 Conclusão
A evolução do sistema de execução de penas cominadas aos delinqüentes, sem sombra de duvidas, foi notória e necessária para a evolução, desenvolvimento e andamento da própria sociedade. A evidenciar a mudança da vingança privada para a publica, cujo jus puniendi, agora, é concentrado na mão do soberano – o Estado, responsável por regular as relações sociais, visando sempre a convivência harmônica entre seus nacionais. Dos suplícios à pena privativa de liberdade, como instrumento de auto-defesa à integridade da própria sociedade, e como meio de ressocialização e reinserção do individuo na sociedade.
Contudo, é perceptível que o suplicio ainda é evidente, outrora atingindo o corpo do condenado e, hoje o individuo como ser humano e enquanto ser sociável, tendo como principal conseqüência, não mais o castigo corporal como feito outrora, mais a total impossibilidade de ressocialização do individuo, devido a precariedade do sistema, acarretando na condenação perpetua do individuo a viver à margem da sociedade. Fato este, provocado pelo jus puniendi, tanto do Estado, como da própria sociedade.
É, portanto, necessário que sejam pensadas novas políticas societárias que visem a ressocialização e reinserção na sociedade, com o intuito de respeitar a dignidade da pessoa enquanto ser humano, descaracterizando, de forma absoluta, a condição de marginal por toda a sua vida.
REFERÊNCIAS
BECHARA,Fábio Ramazzini. Legislação Penal Especial. 4.ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2010.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete.35.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
GOMES, Geder Luiz Rocha. A susbstituição da prisão, Alternativas penais: legitimidade e adequação. Ed. Bahia: Juspodivm,2008.
YOBIKU, Roger Moko. Função das penas. Disponível em: http://jus2.com.brdoutrina extoaspid=8386. Acesso em: 04 de maio de 2010.
Bacharelando do curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais- AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Mayk Carvalho. É possível na atual acepção de pena a ressocialização do condenado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2012, 07:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30920/e-possivel-na-atual-acepcao-de-pena-a-ressocializacao-do-condenado. Acesso em: 22 nov 2024.
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